"Ponto de vista": Freguesias - dimensão e descentralização.


     Freguesias - dimensão e descentralização.

O Governo anunciou há poucos dias que está a preparar uma proposta de lei com o objectivo de estabelecer novos critérios para a criação ou para a fusão de freguesias, os quais com o necessário aumento da descentralização administrativa que tem sido objecto de estudo em comissões parlamentares seriam instrumentos importantes para uma maior eficácia dos órgãos de poder local - nomeadamente as freguesias.

Tratando-se de assuntos que têm sido objecto de diversos textos que tenho publicado nestas páginas (neles se incluindo algumas intervenções na Imprensa escrita, bem como em colóquios e iniciativas análogas) volto a apresentar a seguir alguns aspectos que considero como os mais relevantes sobre esta matéria, e que é fundamental sejam ponderados face aos objectivos pretendidos - bem consensuais.

Assim, e tal como referi oportunamente, tão ou mais importante do que activar a plena execução da Lei das Finanças Locais em especial no que se refere a delegações de competências (e mesmo proceder à sua ampliação) tal como o Primeiro-Ministro e o Ministro da Administração Interna anunciaram recentemente, é efectuar uma séria revisão dos limites das Freguesias, dadas as enormes dimensões com que muitas das respectivas "Uniões" ficaram após as precipitadas fusões de 2013.

É que não devemos esquecer que presentemente há dezenas de Uniões de Freguesias com mais residentes do que muitos concelhos: nestes - por exemplo e actualmente - os de Mêda, Miranda do Douro, e Sabugal (que são Cidades) têm cerca de 3000 habitantes, enquanto a União das Freguesias de Cascais e Estoril tem mais de 55000, e a das Freguesias de Algueirão e Mem Martins regista 54000, mais do que Vila Real ou Covilhã!

Não se pode estimar que naquelas hiper-freguesias os membros das respectivas Juntas conseguirão concretizar as competências conferidas pela Lei 75/2013, que mesmo com as respectivas delegações das Câmaras previstas naquela disposição legal se afiguram de grande dificuldade de cumprimento, acrescendo que em tais Uniões 5 dos 7 elementos da Junta só auferem remunerações simbólicas...

Devemos também pensar nas razões para que seja tão fraca a reduzida participação dos cidadãos na política local, como pode ser comprovado pelo exemplo de numa das Uniões de Freguesias mais populosas (cerca de 45 mil eleitores), não muito distante das anteriormente citadas, a média do número de assistentes às reuniões públicas mensais da respectiva Junta de Freguesia ser de 4 (sim, quatro!) - mesmo constatando-se terem os respectivos Membros sido muito competentes e empenhados apesar dos fracos recursos de que têm disposto, o que do mesmo modo parece ocorrer no que respeita aos que iniciaram funções há cerca de 3 meses.

Espera-se entretanto que a já repetidamente anunciada descentralização possa ajudar a resolver candentes questões de fundo: a proximidade entre eleitores e eleitos, e a subsequente participação activa na discussão de objectivos e de programas de execução, com vista a um aumento da eficácia do sistema, pois se os cidadãos sentirem que nas Juntas são ouvidos e que as questões que os preocupam são resolvidas certamente participarão mais na vida política local.

Contudo a enorme dimensão de muitas hiper-freguesias, maiores do que dezenas de cidades, impede quaisquer soluções sérias para esta questão, pois só se antevêem duas alternativas: a passagem a concelhos (pouco exequível fora do quadro de uma reorganização geral do território autárquico), ou a sua divisão em freguesias de menor dimensão.

Recordemos que o termo "freguesia" está associado à noção de "frequência", o que implica proximidade sob o ponto de vista das distâncias bem como sob o da quantidade de pessoas que o nosso relacionamento consegue abarcar de modo razoável. E estas noções apontam para que as freguesias não devessem ter um número excessivo de eleitores, e que a sede dos órgãos autárquicos estivesse a menos de quinze minutos em deslocação pedonal.

E que por exemplo fossem classificáveis como urbanas, semi-urbanas, e rurais, em que cada tipo tivesse os apropriados níveis de atribuições, competências, e recursos - que nas zonas urbanas deveriam ser concebidos de modo a evitar sobreposições com as áreas de acção camarárias e das Assembleias Municipais, mantendo porém um significativo poder de intervenção que suscitasse nos cidadãos o interesse na participação na vida local.

Participação essa que ajudaria a que os eleitores conhecessem melhor a qualidade dos escolhidos para exercer o poder local, circunstância que não deixaria de influenciar a vida interna dos partidos políticos nas respectivas bases, com consequências nos respectivos processos de funcionamento.

Por outro lado, não se deve esquecer que no interior cada vez mais despovoado - e envelhecido - do nosso País é essencial a existência de freguesias cujos órgãos autárquicos permitam um diálogo com os existentes a nível concelhio, e igualmente com os organismos do Estado - estejam estes desconcentrados ou não, existam ou não a nível intermédio, seja ele qual for, ou mesmo a nível central, se necessário for.

Freguesias que, mesmo de reduzida presença populacional, importa assim voltar a criar caso tenham sido extintas no grande "incêndio" de 2013 que foi a Reorganização Administrativa do Território das Freguesias, sob a direcção política e sempre atenta do Ministro Relvas.

As democracias não devem esquecer que o exercício do poder baseado na respectiva delegação em representantes eleitos deve ser acompanhado por uma significativa participação dos eleitores na vida política, sem a qual há um desencanto sempre propício a movimentos sociais que podem colocar em causa as fundações dos próprios sistemas democráticos.

Desencanto que transparece dos múltiplos inquéritos à opinião pública que sucessivamente têm sido publicados.

E que nos fazem recordar com melancolia o entusiasmo do nosso povo nas primeiras eleições ocorridas em 1975 e 1976.

28.Janeiro.2018