"Ponto de vista": O futuro da UE em debate.
O futuro da UE em debate.
Na semana que findou realizou-se na Fundação Gulbenkian um "Encontro com os cidadãos" sobre os "desafios da Europa", em que perante largas dezenas de participantes o Presidente E.Macron e o Primeiro-Ministro A.Costa expressaram os seus pontos de vista sobre o que poderá ser o futuro da União Europeia.
Esta tipo de debates ocorre esporadicamente quando há visitas de estadistas da UE, ou de deputados do Parlamento Europeu, que meritoriamente procuram aproximar-se do povo perante o qual respondem, e de uma forma mais regular quando as Representações do Parlamento e da Comissão Europeia organizam sessões do mesmo tipo em colaboração com "antenas" existentes nos Estados-membros.
Porém o respectivo alcance, em termos de quantidades de participantes, é extremamente reduzido, e na maioria das vezes é composto por pessoas que já têm uma relação de proximidade com organizações da UE ou que estudam matérias que respeitam ao funcionamento da própria União.
Satisfeito com o seu desempenho, E.Macron terá regressado a França provavelmente convencido de que a sua intervenção terá sido determinante para um aumento da votação nas próximas eleições para o Parlamento Europeu - daqui a menos de um ano...
E embora a ocorrência da sua intervenção tenha sido melhor do que se nada tivesse existido, e tendo os meios de informação pública dado algum relevo ao que afirmou (mas incomensuravelmente menor do que a assuntos de efeito popularmente assegurado - alguns trazidos a lume na mesma ocasião), cometeu o erro habitual do esquecimento de que enquanto a participação política dos eleitores não reforçar a representatividade dos eleitos há mais condições para que abalos de natureza económica ou social conduzam as escolhas eleitorais entradas em populismo cujo único fim é a perpetuação dos respectivos dirigentes no exercício do poder político.
Lá surgiram inevitavelmente no seu discurso as habituais ideias de listas transnacionais de deputados, de uma união europeia de Defesa, de políticas imigracionais, de investigação e desenvolvimento, de convergências económica, financeira e de moeda, cultura e educação - quase tudo inserido num modelo institucional que tem demonstrado estar longe dos eleitores e do povo em geral (e o Parlamento Europeu é de tal boa prova).
E que mesmo no seu próprio funcionamento tem demonstrado a sua inconsistência, como ficou bem patente - como já o mencionei nestas páginas, que em recente votação na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, criticando a decisão dos EUA de transferir a sua Embaixada em Israel para Jerusalém, e que foi aprovada por larguíssima maioria, houve seis Estados-membros da União Europeia que optaram pela abstenção (República Checa, Croácia, Hungria, Letónia, Polónia, e Roménia).
Tratou-se de mais um sinal significativo de um caminho de alguma desagregação acelerado pela Brexit, e ao mesmo tempo revelador da falta de visão de diversos Estados-membros e de parte da sua população no que respeita à adopção de decisões comuns essenciais para a existência de uma união política, entre as quais a política externa assume um papel relevante.
E, como consequência de uma política externa coerente, a de defesa é o seu complemento lógico, concorrendo para o mesmo efeito a de segurança nas fronteiras.
Acresce que em alguns daqueles Estados se notam decisões que embora embrionariamente indiciam algum afastamento, quando não perspectivas de rejeição, de políticas que são fundamentais na constituição de Estados de Direito Democrático, sem que o Parlamento Europeu - instituição que seria a apropriada para formular apropriadas observações ou resoluções nestas matérias - tome posições adequadas.
Não admira, assim, que o Presidente dos EUA aparente olhar displicentemente para a UE e que tome atitudes de apreço pela Brexit, em claro desrespeito por uma União que deveria considerar como aliada dos EUA na grande maioria dos assuntos comuns às duas Uniões (os Estados Unidos da América, e a União Europeia).
E, continuando a citar trechos de uma intervenção nestas mesmas páginas, a União Europeia está assim num momento em que deve reflectir sobre como solidificar os alicerces sobre os quais foi construída, acrescentando se necessário outros, pois os caminhos que até agora seguiu não foram suficientes para actuar e se apresentar como um bloco robusto, gerador de bem-estar, e que procura manter boas relações com o resto do mundo.
Tais caminhos pecaram por alguma falta de ambição, pois embora tenham cumprido parte apreciável dos seus propósitos - tanto os iniciais, como os que foram sucessivamente sendo acrescidos - os resultados e a situação actual demonstram que teria sido necessário ir mais longe, ou aplicar metodologias que a prazo se mostrassem capazes de tais avanços.
E um dos caminhos que faltou foi o de dar mais prioridade ao inter-conhecimento dos povos, em particular dos mais jovens, e para o qual nunca é tarde para o melhorar uma vez que constitui a base profunda do relacionamento intercultural e político.
Sendo certo que houve larga aplicação do princípio da livre circulação de pessoas, bem como das possibilidades de residir, estudar, e trabalhar noutro Estado-Membro, faltou porém a ambição de se procurar adaptar o programa Erasmus (criado - apenas em 1987 ... - para permitir apoiar o estudo e formação de jovens noutro país) a uma dimensão muito superior, quer em tempo de estudo, quer na quantidade de alunos envolvidos, quer no financiamento individual atribuído.
E proceder de modo análogo no que respeita ao que foi o Programa Leonardo (entretanto integrado em 2014 no novel Erasmus+), permitindo que estágios para jovens trabalhadores fossem igualmente objecto de idêntica reformulação.
Não falo de 700 mil jovens por ano, como sucedeu em 2016 no Erasmus+.
Falo em abranger pelo menos 4 milhões, em permanências de 2 anos.
Objectivos bastante mais ambiciosos do que os que foram expressos pelo actual Presidente da Comissão Europeia.
Mas talvez ainda insuficientes para atingir em tempo útil o objectivo essencial da consolidação política da União Europeia, pelo que o ritmo desejável deveria ser adequadamente examinado, e consequentemente ajustado.
E, cessando a transcrição de ideias de anterior "Ponto de vista", mas retomando as de outro - embora muito mais sinteticamente - afirmando que também sem um aprofundamento da participação política ao nível do poder local, cada vez mais necessário dado o afastamento presencial que a Internet e a Tv têm provocado no relacionamento social, não se conseguirá melhorar uma desejável união europeia.
Trata-se de um caminho longo, pois os nacionalismos - sem os quais os populismos e demagogias não proliferam - demoram um longo tempo a serem atenuados.
Recordemos as euforias à volta do recente Campeonato do Mundo de futebol...
29.Julho.2018.