"Brexit"- duas desuniões : Reino "Unido" e "União" Europeia.
Seja qual for o resultado do processo conhecido como "Brexit" parece evidente que as suas consequências deixarão marcas profundas na Europa.
Nas Ilhas Britânicas, porque "o Reino, Unido, jamais será convencido" de que seguiu o caminho apropriado, uma vez que a divisão de opiniões se tornou marcante e profunda; e porque as duas Irlandas ficarão provavelmente a temer o retorno a situações de tensão conflitual.
Na União Europeia, porque nunca se imaginou que as vantagens de uma permanência numa Europa com avançado grau de coesão poderiam ser esquecidas por parte de uma população que esteve sempre ao lado dos princípios de liberdade e de justiça social que caracterizaram a fundação da Comunidade Europeia.
Contribuíram decisivamente para o resultado do referendo determinante da Brexit os "país fundadores" do jornalismo "tabloid" sensacionalista antecessor da sua variante "redes sociais electrónicas" que - uns e outras - inventaram e manipularam um conjunto de mitos que até conduziram a que muitos cidadãos de regiões altamente beneficiadas por transferências de recursos da União tivessem maioritariamente optado pela Brexit.
Isto, enquanto Parlamento, Conselho e Comissão cumpriam as suas rotinas de promoção de entorpecentes, sonolentos, e pouco imaginativos debates sobre o futuro da União Europeia, esperando que a presença de um Membro da Comissão ou um Deputado pudessem suscitar ávidas presenças de multidões ansiosas por poderem colocar questões directamente a fontes do profundo saber europeu...
Qualquer que seja o resultado do brexitiano processo que penosamente se arrasta raiando o ridículo de já terem sido apresentadas cerca de dez opções para modelos de saída sem que nenhuma delas tenha sido aprovada no Parlamento, o que perdurará por muito tempo será uma divisão profunda no Reino "Unido", bem como um sentimento de decepção na "União" Europeia que terá provavelmente efeitos significativos na taxa de abstenção relativa às eleições para o Parlamento Europeu.
Que se poderá prenunciar ?
No Reino Unido, caso a Brexit se concretize, uma regressão da economia, que provocará uma tímida reaproximação ao continente europeu baseada na adopção de um modelo semelhante ao seguido pela Noruega - restando presente a opção escocesa de referendar uma saída do Reino Unido visando a adesão à União Europeia (UE).
E, caso a Brexit não venha a ocorrer, uma semelhante regressão económica no Reino Unido, com reflexos na própria UE, e com efeitos na relação eleitor-eleito, pois os cidadãos britânicos não esquecerão o espectáculo parlamentar por que passaram.
E, quer numa quer na outra hipótese, os cidadãos da União Europeia não terão sentido que tenha havido da parte dos seus representantes, bem como dos funcionários por estes nomeados, o necessário envolvimento na procura de aperfeiçoamentos dos modelos de participação de base que tivessem colmatado o distanciamento cada vez maior entre eleitores e eleitos.
E agora ?
A União Europeia deve reconhecer que a evolução do seu sistema político não foi sendo avaliada e repensada apropriadamente à medida que surgiam os pontos de eventual inflexão.
E, adoptando uma linguagem de simplificação algo rudimentar visando a caracterização das fases evolutivas da União Europeia, poderíamos referir que a primeira fase ("carvão-aço-nuclear") era essencial para a criação de condições para se evitarem novos conflitos entre Estados.
Porém, em vez de se apostar logo a seguir e de imediato na livre circulação de pessoas - nomeadamente jovens - privilegiou-se uma "política agrícola comum" em que se foi consumindo relevante parte dos recursos disponíveis, para depois se concentrarem as atenções na criação de um mercado comum de bens e serviços, com a esperança de que o aumento da riqueza assim conseguida ajudaria a consolidar a coesão política.
O que ficou longe de ser conseguido - mais uma vez deixando esquecido o fomento da mobilidade dos cidadãos (que entretanto dava os primeiros e tímidos passos com os programas "Erasmus" e "Leonardo").
À livre circulação de capitais seguiu-se a criação de uma moeda comum, iniciativa que embora tenha recolhido simpatia em grande parte dos europeus provocou distorções em equilíbrios económicos que não resistiram à recente crise financeira, induzindo mais factores de rejeição da ideia de uma União ao constatarem que aparentemente cada Estado-Membro tivera que enfrentar quase isoladamente os problemas financeiros que se lhe tinham deparado.
A tudo isto juntou-se a crise migratória, bem reveladora da ausência de políticas comuns e sólidas, juntando-se assim ao quase vazio sentido nas áreas da Defesa e da Segurança.
Como proceder, então ?
Há que constatar, frontalmente, que a União sossobrou quanto a uma plena realização dos seus objectivos - os quais, por nobres que são, devem porém permanecer no horizonte - acrescendo que a situação "Brexitiana" infligiu um profundo golpe na UE.
Ė, pois, apostando no fomento de políticas de proximidade nos sistemas eleitorais, nestes privilegiando os de base local, e apoiando substancialmente a mobilidade dos cidadãos numa perspectiva inter-Estados Membros, que a presente "confederação" poderá um dia vir a ser uma Uniåo.
Simples ? Talvez não...
31.Março.2019