"Ponto de vista": No falecimento de Jorge Miguéis, algumas reflexões sobre o recenseamento eleitoral.

   
       No falecimento de Jorge Miguéis, algumas reflexões sobre o recenseamento eleitoral.

Faleceu há poucos dias, inesperadamente, o Dr.Jorge Ferreira Miguéis, uma das maiores autoridades em legislação eleitoral, com quem tive o gosto de trabalhar enquanto entre 1975 e 1977 desempenhei  funções no então STAPE, organismo responsável pela organização das primeiras eleições constitucionais, realizadas em 1976.

Em singela homenagem, eis algumas reflexões, baseadas em texto anterior, (que decorrem de uma rápida análise - e portanto eventualmente com alguns erros) sobre as recentes modificações no recenseamento eleitoral ocorridas já depois de Jorge Miguéis ter cessado funções na área eleitoral, modificações essas sobre as quais pressinto que manifestaria algumas reservas.

O novo recenseamento eleitoral reflecte a inclusão de mais de 1 milhão de eleitores que de acordo com recente legislação da Assembleia da República correspondem a emigrantes possuidores de cartão de cidadão português - quer indiquem morada no território de Portugal, quer noutro Estado.

Passou-se assim de cerca de 9 340 000 para cerca de 10 800 000 eleitores, o que tem prováveis e evidentes consequências por exemplo no aumento da dificuldade de concretização de referendos, em que a Constituição determina que só tenham efeitos vinculativos quando o número de votantes seja superior a metade dos inscritos no recenseamento - não se afigurando fácil  argumentar que em muitos casos determinada matéria não diz especificamente respeito a emigrantes, como se poderia tentar inferir do número 12 do art. 115.º da Constituição.

O assunto da inscrição de emigrantes já se colocava antes do citado recente aumento, pois basta recordarmos que sendo cerca de 10 milhões a população portuguesa residente no território nacional, e de cerca de 8,5 milhões as pessoas em idade de votar, a diferença de 800 mil (os tais "eleitores-fantasma" com que muitos acenam...) para os 9,3 milhões recenseados só podia vir, na sua grande maioria, de emigrantes que mantinham o cartão de cidadão que desde 2008 a Assembleia da República tinha determinado que passaria a ser a base do recenseamento eleitoral. Situação que aliás se mantem e é de difįcil solução, conduzindo a que no universo de 10,8 milhões de recenseados provavelmente 2,3 estarão no estrangeiro.

E algo de similar poderia ocorrer na determinação do universo eleitoral do Presidente da República, caso fosse tentada a aplicação do que está previsto no art.121.º da Constituição, em que se refere que a lei regula o exercício do direito de voto dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, devendo ter em conta a existência de laços de efectiva ligação à comunidade nacional - disposição essa que creio nunca ter existido de modo formal (pois creio que se aplicava a interpretação de sendo então o recenseamento um acto voluntário tal significava a existência de uma ligação à comunidade), traduzindo-se na prática pela inclusão no recenseamento, de forma automática, dos possuidores de cartão de cidadão ou documento equivalente.     


Contra o espírito da prescrição constitucional, e com prováveis efeitos no perfil político dos eleitos.      

Por outro lado, o efeito psicológico de nas próximas eleições a taxa de abstenção provavelmente aumentar dos mais recentes 66% para talvez 70%, devido ao aumento do universo de recenseados, fará esquecer que o que mais interessa ter em conta é a evolução do número de votantes, que embora tenha vindo a regredir nas eleições europeias dos 3 400 000 de há 10 anos provavelmente se situará em 3 200 000 ou 3 300 000  (neste caso, se a participação eleitoral dos novos recenseados aumentasse notoriamente, o que face às novas disposições legais se aguarda com curiosidade, pois suscitarão outras análises quanto ao decorrer das eleições legislativas, em que diferentes factores têm que ser tomados em consideração).

Em conclusão: quando se legisla há que tentar pensar para além do imediato, bem como nas eventuais consequências laterais.

21.Abril.2019