" Ponto de vista" : Recordando o "Estatuto do Indigenato", de 1954.


 
        Recordando o "Estatuto do Indigenato", de 1954

Há apenas 65 anos o regime salazarista "aperfeiçoava" o Estatuto dos "Indígenas portugueses" - curiosamente apenas aplicável a Angola, Guiné, e Moçambique.

Para quem não compreendeu que era necessária há muito tempo uma outra visão para Portugal, transcrever-se-ão adiante alguns trechos do referido Estatuto, por coincidência publicado pouco antes da ocupação pela União Indiana dos enclaves de Dadrá e Nagar-Aveli, em prenúncio do que viria a ocorrer apenas 7 anos depois, e da conferência de Bandung e da simbólica derrota francesa em Dien Bien Phu.

Assim, o citado Estatuto considerava serem "indígenas das províncias de Angola, Guiné, e Moçambique os indivíduos de raça negra ou seus descendentes que tendo nascido ou vivendo habitualmente nelas não
possuam ainda a ilustração e hábitos individuais e sociais pressupostos para a integral aplicação do direito público e privado dos cidadãos portugueses".

Pouco depois, escrevia-se que "salvo quando a lei dispuser doutra maneira, os indigenas regem-se pelos usos e costumes próprio das respectivas sociedades", para depois se ler que a mudança de residência de um indígena de uma para outra regedoria, dentro da mesma circunscrição, depende de autorização da entidade administrativa local; mas que a mudança para regedoria situada noutra circunscrição dependia de autorização dos administradores interessados.

Porém, ao estatuir que "as ordens e instruções serão transmitidas às autoridades gentílicas, quer directamente pelo administrador, quer pelos chefes dos postos administrativos em cuja área residirem" constatava-se uma evidente forma de dominação.

No entanto, independentemente de diversos artigos repletos de boas intenções "civilizadoras", o facto é que se estabelecia claramente haver duas classes de cidadãos, pois no final do Estatuto era referido que "pode perder a condição de indígena e adqui￾rir a cidadania o individuo que prove satisfazer cumulativarnente os requisitos seguintes :
a) Ter mais de 18 anos;
b) Falar correctamente a lingua portuguesa;
c) Exercer profissão, arte ou oficio de que aufira rendimento necessário para o sustento próprio e das pessoas de familia a seu cargo, ou possuir benss suficientes para o mesmo fim;
d) Ter bom comportamento e ter adquirido a ilustração e os hábitos pressupostos para a integral aplicação do direito público e privado dos cidadãos portugueses ;
e) Não ter sido notado como refractário ao serviço militar nem dado como desertor."

Não admira que Adriano Moreira, nomeado Ministro do Ultramar em 1961, tenha logo providenciado pela revogação do Estatuto do Indigenato, substituindo-o por um conjunto de disposições mais "avançadas".

Procedimento já tardio.

2.Junho.2019