"Ponto de vista": Afinal, quantos somos e onde votamos?


O recente aumento no recenseamento eleitoral de cerca de 1 milhão de portugueses residentes no estrangeiro, na sequência de recente lei que nele incluiu todos os detentores de documento de identificação civil (nomeadamente cartão de cidadão), teve diversas consequências, nas quais a abstenção verificada nas recente eleições assumiu relevante papel - não pelo seu valor, mas sim porque a falta de esclarecimento prévio por parte das entidades responsáveis (CNE?) provocou logo a errada sensação de ter aumentado para 50%. 

Outra constatação relevante respeita ao facto de, sendo cerca de 9,3 milhões os cidadãos recenseados no território nacional, se todos nele residissem aquele número deveria corresponder a aproximadamente 80% do conjunto total de cidadãos, dado que os restantes - com idade inferior a 18 anos - não constam obviamente do recenseamento eleitoral, pelo que a população nacional residente no Continente e Regiões Autónomas excederia os 11 milhões.

Uma explicação para esta aparente anomalia (dado que os números oficiais não atingem tal quantitativo), estaria no facto de haver muitos milhares de eleitores que embora residam no estrangeiro indicaram como morada uma residência no território nacional aquando da emissão ou renovação do seu documento de identificação. E provavelmente muitos de entre eles estarão entre as centenas de milhares que emigraram desde o início da crise económica e financeira.

Admitamos entretanto que o número de portugueses residentes habitualmente no território nacional é de cerca de 10 milhões, tal como citado na generalidade das publicações oficiais.

Tal implicaria que os que estão em idade de votar (80%) corresponderiam a aproximadamente 8 milhões - significando que a verdadeira abstenção, no território nacional, foi agora de 36% (tendo sido em 2015, pelos mesmos padrões, 32,5%).

O que, subtraído aos 9,3 milhões de recenseados no território nacional, apontaria para que houvesse centenas de milhares de emigrantes que continuam a declarar residirem cá.

Mas se raciocinarmos a partir dos valores do recenseamento eleitoral, que está baseado objectivamente no documento civil de identificação, a dúvida que surge incide sobre os valores do Censo e suas actualizações...

Hipóteses que nos fazem pensar, pelo que seria interessante que entidades públicas ou pessoas mais conhecedoras nestas matérias do que eu esclarecessem onde estarão os eventuais erros significativos nas deduções anteriores.

O que parece inegável é o facto de haver muitos milhares de emigrantes que continuam recenseados em Portugal, e que na sua grande maioria não se desloca à sua área de residência para votar.

E a distribuição de taís emigrantes por círculos eleitorais, provavelmente não sendo uniforme, pode introduzir distorções na atribuição de deputados - tal como talvez tenha ocorrido nas eleições que em 1999 levaram às situações então conhecidas como "governo limiano" e "pântano"...

Aliás não será por acaso que o Presidente do INE anunciou recentemente que  a metodologia de recolha de dados nos Censos passará a também ser baseada em "dados administrativos" - ou seja, certamente considerando o recenseamento eleitoral.

Por outro lado, no que respeita às eleições legislativas a abstenção de 50% agora anunciada por alguns órgãos de informação, devida ao grande aumento dos recenseados no estrangeiro, tenderá a manter tal valor, distorcendo assim as análises comparativas baseadas em variàveis abstencionistas, e que terão que passar a analisar a variação do total de votantes.

No que respeita ao anunciado aumento de votantes dos círculos da Emigração, recorda-se que já não precisaram de pagar portes de correio nos casos em que votaram por correspondência - sistema aplicável caso não tivessem indicado preferência por voto presencial.

Trata-se, é certo, de "apenas" 4 deputados - porém os suficientes (tal como pode suceder nas situações, ja' referidas, de atribuição de mandatos por circulos) para se poder passar de uma "geringonça" para uma "jiga-joga"...

O que se conclui do que foi apresentado, nomeadamente quanto à existência de emigrantes recenseados em Portugal, faz recordar que se fala, e muito, da reforma do Estado. A muitos níveis.
Talvez seja porém tempo de se começar a pensar na forma do Estado.

Começando por saber, pelo menos aproximadamente, quantos somos, onde estamos, e onde votamos.

Matérias para reflexão pela Assembleia da República, diversas delas inter-relacionadas:  as leis do referendo, do recenseamento, do sistema de identificação civil, as leis eleitorais e fiscais, e as de organização dos Censos.

Quando o fizer, não deverá esquecer os contributos e opiniões  deixadas pelo Dr.Jorge Ferreira Miguéis, destacado membro da Comissão Nacional de Eleições e uma das maiores autoridades em legislação eleitoral, com quem tive o gosto de trabalhar enquanto desempenhei funções no então STAPE, organismo responsável pela organização das primeiras 5 eleições constitucionais, realizadas em 1976.

E, não o esquecendo, deverá por certo propor ao Presidente da República que - embora a título póstumo -   o distinga adequadamente.

Luís Costa Correia.
6.Outubro.2019