"Ponto de vista": Recordando Jorge Miguéis.



       Recordando Jorge Miguéis.

Na recente reunião da Assembleia de Freguesia da União de Freguesias de Algés, Linda-a-Velha,  Cruz Quebrada, e Dafundo foi recordado por um membro da Assembleia que passava naquele mesmo dia mais um aniversário da realização das primeiras eleições para autarquias locais que se realizaram em Portugal.

A inesperada citação deixou-me sensibilizado na medida em que eu tinha colaborado na organização daquelas eleições, e que estava convidado para no dia 16 (amanhã) participar numa sessão de homenagem ao Dr. Jorge Miguéis - uma das pessoas que me acompanharam na organização daquele acto eleitoral, e que como já referido nestas páginas faleceu subitamente há alguns meses.

O Dr Jorge Miguéis teve um papel muito relevante na área do direito eleitoral e da organização de actos eleitorais, pelo que  considero oportuno recordar extractos do que escrevi nestas páginas a propósito do 40º aniversário das primeiras eleições para as Autarquias Locais - texto obviamente adaptado à situação actual.

A Junta de Freguesia da  das Freguesias de Algés, Linda-a-Velha, Cruz Quebrada, e Dafundo organizou em 14 de Dezembro de 2016 uma Tertúlia comemorativa no Palácio Anjos (Algés), para a qual fui convidado a intervir, perante razoável assistência e bastante participação das pessoas presentes.

A intervenção incidiu mais nos aspectos de natureza histórica, ficando para outras  intervenções a organização do poder político local, suas relações com a evolução sociológica que se verifica, e questões versando atribuições, competências, e recursos respectivos.

Apresentei ao Sr Presidente da Junta, Carlos de Sales Moreira, e a todos os membros do Executivo, o meu apreço pela sua competência e dedicação, bem como às suas colaboradoras e aos seus colaboradores, e as minhas felicitações pela concretização de um acto comemorativo com tão profundo significado, porque demonstrativo da autonomia do poder local e exemplo talvez raro no momento em que se comemoram 40 anos decorridos sobre as marcantes primeiras eleições para as autarquias locais. 

Foi-me sugerido que recordasse episódios relacionados com a elaboração das primeiras leis sobre o poder local.
Perguntarão assim e talvez alguns de vós qual a razão que levou a que fosse convidado a iniciar esta tertúlia. É simples:

Em 1974 estive presente no golpe militar de 25 de Abril, dirigindo as Forças de Fuzileiros que participaram na ocupação da sede da Dgs/Pide;  e, talvez porque nos meses seguintes tivesse continuado a advogar a plena subordinação do poder militar às instituições decorrentes de eleições livres, viria a ser convidado, em meados de Setembro de 1975, a dirigir o então "STAP" (Secretariado Técnico para os Assuntos Políricos) e assim colaborar na organização dos 5 actos eleitorais que viriam a ocorrer em 1976, dirigindo o o nóvel STAPE - Secretariado Técnico dos Assuntos para os Processos Eleitorais.

Cinco ?

Sim.: Assembleia da República, Presidente da República, Assembleia Regional dos Açores, Assembleia Regional da Madeira, e Autarquias Locais - já em 12 de Dezembro.

Eleições que,  convém não esquecer, foram tal como as de 1975 as primeiras verdadeiramente democráticas que houve em Portugal.

Porquê as primeiras ?

É que antes de 1974 havia múltiplas restrições ao voto das mulheres, quer durante a monarquia, quer nas formas de república existentes antes de 1974.

E assim me vi eu, sem qualquer formação jurídica, apenas autor de um trabalho de investigação sobre o foro militar, a presidir a grupos de trabalho com insignes juristas como José Magalhães Godinho, Barbosa de Melo, Amândio de Azevedo, e Lino Lima, visando a elaboração de projectos legislativos que depois submetia à apreciação de António Almeida Santos, ou, em casos interpretativos, à do Conselheiro Almeida Borges - Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.

Projectos que, além dos de natureza eleitoral, versavam também questões relacionadas com os poderes de natureza regional e local, em particular em matéria de atribuições e competências, tendo muitas das versões promulgadas durado mais de 25 anos - assunto a que me referirei oportunamente.

Tudo isto, sem esquecer obviamente os trabalhos de aperfeiçoamento da que ficou então conhecida como a "máquina eleitoral" que tinha sido organizada, sob a direcção política do então Ministro Costa Brás, para as eleições constituintes de 1975, por um grupo de distintos militares e jovens colaboradores civis, tendo estes transitado para a organização dos actos de 1976 e vindo a desempenhar assim o principal papel na respectiva preparação, para cujo sucesso contribuíram decisivamente - aliás como milhares de funcionários, militares, e outros cidadãos.

Deles constava já Jorge Miguéis, que se manteve em funções de âmbito eleitoral mais de 40 anos, grande parte dos quais em funções de alta direcção, e a quem o nosso país deveria estar profundamente grato, elemento fundamental que foi daquela área. Foi, e nela continuou, porém na Comissão Nacional de Eleições, até ao seu falecimento.

E estava alii presente, pois amavelmente acedera à minha sugestão para comparecer naquela Tertúlia de modo a corrigir os naturais lapsos de alguém que, afastado daquelas lides desde 1977, não deixaria de cometer.

Sugeri então que uma vez que o Coronel Costa Braz também residia naquele concelho; talvez a Assembleia Municipal quisesse, em acto apropriado,  oportunamente recordar que, novamente como Ministro da Administração Interna, supervisionou a realização das eleições autárquicas de 1976 pelo que os Presidentes da Assembleia de Freguesia e da Junta, ali presentes, por certo não deixariam de o sugerir.

Tive uma derrota, porém.

E mencioná-la integra-se no tema que foi sugerido que abordasse nesta intervenção.

Defendia, e ainda defendo, mais poderes para os órgãos executivos em matéria de atribuições, competências e recursos, adequadamente ajustados no que respeita às Juntas, e que estivessem "plasmados" (para usar uma palavra de moda, para deixar os ilustres assistentes "pasmados" com a minha sabedoria...) na respectiva Lei.

Tal não foi aceite, porém.

E antecipei assim em 3 meses o prazo que me tinha imposto de regressar à Marinha logo que estivesse completada a arquitectura política de transmissão do poder político-militar para os eleitos pelo povo - mesmo que de modo algo mitigado que como se recorda só viria a plenamente se concretizar em 1982.

Apresentei-me, pois, na Marinha em Março de 1977 (onde me colocaram a "estagiar" em Educação Física da Armada, durante 10 saudáveis anos). ".

" A terminar, escrevi, em 18 de Dezembro de 2016::

 "Com alguma ingenuidade pensei, no início do corrente ano, que tanto a Assembleia da República como o Governo poderiam recordar às portuguesas e aos portugueses o quadragésimo aniversário das inesquecíveis datas de 1976 em que o quadro de funcionamento democrático foi erguido, sem que tais iniciativas significassem ingerências em possíveis iniciativas de outros órgãos institucionais, uma vez que sabia que o Presidente da República não deixaria de fazer lembrar adequadamente - como o fez - a eleição de António Ramalho Eanes, bem como de se associar - como o fez - às comemorações das Associações Nacionais dos Municípios e das Freguesias.

Não tendo o Presidente da Assembleia acolhido tal ideia, apesar de adequadamente exposta, preferindo focar os aspectos comemorativos da aprovação da Constituição, sugeri, assim, a pessoa exercendo importantes funções governativas que fosse proposta ao Presidente da República a data de 12 de Dezembro, comemorativa das primeiras eleições para as Autarquias Locais, para, recordando a realização das Eleições de 1976 se proceder a um acto simbólico de reconhecimento nacional à Função Pública central, regional, e local, condecorando quem, ao longo de mais de 40 anos, foi um esteio sólido da que, sucedendo ao STAPE, é agora designada por "Administração Eleitoral".

Mais uma vez não tive sucesso.

Porém, tê-lo-ei de outra forma, pelo que convido o Dr.Jorge Miguéis a subir a este palco.

Onde eu o condecorarei publicamente.

             Com um abraço.  Um longo abraço ".

O que ocorreu.

"18.Dezembro.2016"
Readaptado e republicado em 15. Dezembro.2019