Referendos e instabilidade.
No Reino Unido está a acontecer o inevitável: aumentam os relatos de fracturas nas relações sociais provocadas pelos pontos de vista diferentes quanto à Brexit.
Era de esperar, se pensarmos que embora o voto no referendo de 2016 tenha apontado para uma curta maioria a favor da Brexit, sucessivas sondagens à opinião pública mostraram uma tendência gradual para um resultado inverso no final de 2019.
Este resultado dificilmente coabitará com o das eleições legislativas, em que o sistema político eleitoral de círculos uninominais conduziu a uma maioria de deputados favoráveis à Brexit.
Esta situação demonstra à evidência que os referendos só devem ser vinculativos caso os seus resultados apontem inequivocamente para uma opinião apoiada numa maioria expressiva do eleitorado.
Recordemos que no caso do referendo em Portugal (2007) sobre a interrupção voluntária da gravidez apenas votaram 3,8 dos 8,8 milhões de eleitores, tendo a opção maioritária recolhido cerca de 2,2 milhões de votos: apenas 25% do eleitorado...
Claro que a lei já previa (e prevê) que o referendo só seria vinculativo caso tivessem votado mais de 50% dos eleitores recenseados, ou seja mais de 4,4 milhões; mas se tal tivesse ocorrido e se a opção vencedora tivesse obtido pouco mais de 2,2 milhões tal significaria que teriam bastado 23% dos eleitores recenseados para obrigar a Assembleia da República a legislar em tal sentido.
Esta situação poderia ser corrigida no sentido de os referendos apenas serem vinculativos caso a opção vencedora tivesse que obter - por exemplo - mais de 2/3 dos resultados.
Outra variante a examinar poderia ser - cumulativamente - o limiar da vinculação (actualmente superior a 50% dos inscritos).
Em qualquer dos casos, teríamos então situações bem mais claras, em que não haveria muitas dúvidas sobre a vontade inequívoca dos portugueses sobre assuntos de grande relevância.
A situação actual, assente no principio de validações por maiorias superiores a 50% , é que não evita situações de flutuabilidade e instabilidade como a que o Reino Unido atravessa.
Caso para inclusão numa próxima revisão constitucional (para cuja aprovação será necessária uma maioria de 2/3 dos deputados).
8. Março. 2020