Ponto de vista.-Afeganistão - o factor humano na guerra.

Afeganistão - o factor humano na guerra.

Após reler o "Acordo" de 29. Fev.2020 (firmado no mandato de Don Trump), que visava "trazer a paz ao Afeganistão", e que pode ser consultado em

https://www.state.gov/wp-content/uploads/2020/02/Agreement-For-Bringing-Peace-to-Afghanistan-02.29.20.pdf

no qual ressaltam os nomes das Partes Contratantes - um deles bem curioso - e os calendários citados, constatam-se as ausências do Governo Afegão (!) e da ("pequeno" pormenor"...) Coligação que inclui a NATO/OTAN ...

Estará assim talvez na hora de os Estados-membros da NATO tomarem uma posição firme sobre esta desconsideração de que foram alvo ao serem esquecidos em Acordos de alta relevância - tal como sucedeu com o próprio Governo Afegão, parte teoricamente (des)interessada. 

Acordo este que foi apressada e incompetentemente elaborado, olvidando importantes factores que um dos mais competentes oficiais afegãos - o General Sami Sadat - enunciou há dois dias, em importante artigo publicado no New York Times, e de que - com o devido respeito - se transcrevem frases essenciais:

"Nos últimos três meses e meio, lutei dia e noite, sem parar, na província de Helmand, no sul do Afeganistão, contra uma escalada e sangrenta ofensiva do Taliban.  Sob ataques frequentes, mantivemos o Taliban recuado e infligimos pesadas baixas.  Então, fui chamado a Cabul para comandar as forças especiais do Afeganistão.  Mas o Taliban já estava entrando na cidade:  era tarde demais.

 Eu estou exausto.  Estou frustrado.  E eu estou com raiva.

 O presidente Biden disse na semana passada que “as tropas americanas não podem e não devem estar lutando em uma guerra e morrendo em uma guerra que as forças afegãs não estão dispostas a lutar por si mesmas”.

 É verdade que o Exército afegão perdeu a vontade de lutar.  Mas isso se deve ao crescente sentimento de abandono de nossos parceiros americanos e ao desrespeito e deslealdade refletidos no tom e nas palavras de Biden nos últimos meses.  O Exército afegão tem culpa.  Teve seus problemas - clientelismo, burocracia - mas acabamos parando de lutar porque nossos parceiros já o tinham feito.

 Dói-me ver que Biden e funcionários ocidentais culpam o Exército afegão pelo colapso sem mencionar as razões subjacentes do ocorrido.  As divisões políticas em Cabul e Washington estrangularam o exército e limitaram nossa capacidade de trabalho.  A perda do apoio logístico de combate que os Estados Unidos forneceram durante anos paralisou-nos, assim como a falta de orientação clara da liderança dos EUA e do Afeganistão, levando a uma enorme sensação de traição. A fuga apressada do presidente Ghani encerrou os esforços para negociar um acordo provisório para um período de transição com o Taleban que nos permitiria manter a cidade e ajudar a gerenciar as evacuações.  Em vez disso, o caos - resultando nas cenas desesperadas testemunhadas no aeroporto de Cabul.

 Então, porquê o colapso militar afegão?  A resposta é tripla.

 Primeiro, o acordo de paz do ex-presidente Donald Trump em fevereiro de 2020 com o Taleban colocou uma data de expiração para os interesses americanos na região.  

Em segundo lugar, perdemos a logística e o suporte de manutenção essencial para nossas operações de combate.  Terceiro, a corrupção endémica no governo do presidente Ghani, que fluiu para a liderança militar e paralisou as nossas forças no terreno,

 O acordo Trump-Talibã reduziu as operações de combate ofensivas para as tropas americanas e aliadas, e as regras de empenhamento do apoio aéreo dos EUA para as forças de segurança afegãs mudaram, pois antes desse acordo o Taliban não havia vencido nenhuma batalha significativa contra o Exército afegão.  Mas após o acordo estávamos perdendo dezenas de soldados por dia.

 Mesmo assim, continuamos lutando.  Mas então Biden confirmou em abril que seguiria o plano de Trump e definiria os termos para a retirada dos EUA.  Foi quando tudo começou a piorar.

 As forças afegãs foram treinadas pelos americanos usando o modelo militar dos EUA baseado em unidades de reconhecimento especial altamente técnicas, helicópteros e ataques aéreos.  Perdemos nossa superioridade em relação ao Taliban quando o nosso apoio aéreo acabou e as nossas munições acabaram, e em Julho a maioria dos 17.000 contratados para assegurarem o apoio técnico tinha partido, traduzindo-se na impossibilidade de uso de meio aéreos.

 As empresas contratadas também retiraram quase todos os meios técnicos e sistemas de armas, deixando os soldados sem ferramentas necessárias para lutar, pelo que unidades inteiras se renderam.

 Não posso ignorar o terceiro fator, porém, porque havia muito que os americanos teriam podido fazer quando se tratava da comprovada corrupção que apodreceu nosso governo e militares.  

Essa é realmente uma tragédia nacional.  

Muitos dos nossos líderes - inclusivé nas Forças Armadas - foram instalados por causa de seus laços pessoais, não por suas credenciais.  

 Os últimos dias de luta foram surreais.  Envolvemo-nos em tiroteios intensos em terra contra o Taliban enquanto os caças norte-americanos sobrevoavam o local, mas efectivamente apenas como espectadores.  Nossa sensação de abandono e traição foi igualada apenas pela frustração que os pilotos norte-americanos sentiram e transmitiram para nós - sendo forçados a testemunhar a guerra terrestre, aparentemente incapazes de nos ajudar.  Oprimidos pelo fogo dos Taliban, meus soldados ouviam os aviões e perguntavam por que eles não estavam fornecendo apoio aéreo.  

O moral estava devastado. E assim,  em todo o Afeganistão, os soldados pararam de lutar.  

 Fomos traídos por políticos e presidentes."

Pergunta-se: e o Governo americano - quer de Don Trump, ou de Joe Biden - não conhecia a situação, quer em Fevereiro de 2020, quer em Abril de 2021?

29.Agosto.2021

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