Ponto de vista" (Semimórias): Aniversário da Operação "Mar Verde" (Conakry) - apontamentos.

 .....21.Novembro.2021

Aniversário da Operação "Mar Verde" (Conakry) - apontamentos.

No dia 22 passará o 51° aniversário da Operação "Mar Verde", cujos objectivos principais eram a libertação dos prisioneiros portugueses detidos em Conakry, a substituição do governo da República da Guiné, a destruição dos aviões de caça daquele país e das suas lanchas-torpedeiras, bem como as do PAIGC, e na qual participei enquanto comandante da Lancha de Desembarque Grande (LDG) NRP "Montante", sendo meu Oficial Imediato o então Guarda-Marinha Raúl Vieira Pita (que já demonstrava que viria a ser um brilhante Oficial) - navio que transportaria a "Companhia de Comandos Africanos", uma Força da "Frente Nacional de Libertação da Guiné" (FNLG), e os seus três principais dirigentes (Coronel Thierno  Diallo, Dr.Hassan Assad, e Dr. Siradiou Diallo).

Julgando útil acentuar alguns aspectos até agora pouco conhecidos ou declarados quanto a pormenores relativos a tal operação, recordo que já escrevi nestas páginas que na reunião preparatória com os comandantes dos navios comuniquei ao comandante da Operação, ao abrigo das centenárias disposições da Ordenança do Serviço Naval, a minha opinião de que tal acto não serviria Portugal - explicando porquê - embora fosse louvável o objectivo da libertação dos prisioneiros. Tendo-me sido então perguntado se participaria na Operação, respondi afirmativamente, até porque já tinha informado a Guarnição sobre a prevista missão.

Terminada a reunião, e tendo constatado que tinha sido uma voz isolada, regressei ao meu navio pensando nas perspectivas que surgiam no meu espírito.

Por um lado, a de saber que o Presidente da República da Guiné, Ahmed Sekou Touré era um  déspota tirânico, ditador sem escrúpulos e responsável por muitos assassínatos de opositores políticos.

Por outro lado, a de considerar que o assalto a Conakry não servia os interesses de Portugal, pois iria contribuir para aumentar o seu isolamento político num mundo em que já se tinha estabelecido um consenso sobre a desejabilidade de ser dada independência às colónias ainda existentes.

Acresceria que, se a operação tivesse pleno sucesso, seria mesmo assim difícil que o novo poder político estabelecido em Conakry neutralizasse adequadamente as Forças do PAIGC, pois não deixaria de procurar sustentar perante a Organização da Unidade Africana que Portugal não tinha participado no golpe militar, o qual teria sido apenas interno, limitando-se a reduzir a presença visível daquelas Forças na capital (perspectiva que aliás referi noutro artigo nestas páginas e no qual dei a conhecer o que o Dr.Hassan Assad me confidenciou mais tarde sobre o que seria possivel fazer em matéria de política interna e internacional); e tendo aliás o próprio Comandante da Operação revelado, mais tarde, que o sucesso apenas permitiria 6 meses de alívio operacional.

Perspectivas e reflexões sombrias, que me acompanharam na missão operacional de que acrescento alguns apontamentos, pois no meu relato inicial faltou mencionar a decepção que o Coronel Diallo - um distinto Oficial - me transmitiu, já no percurso de regresso, ter sentido quando soube que não lhe tinha sido atribuída qualquer missão relacionada com a neutralização do Presidente Sekou Touré, que seria substituído por ele, Coronel Thierno Diallo - perspectiva lógica enquanto futuro Presidente provisório.

E, para terminar, mais dois apontamentos.

Poucos dias após o regresso a Bissau também tive conhecimento de que o general Spínola, Governador da Guiné,  ao receber os ex-prisioneiros que tinham sido libertados pelo grupo de combate comandado pelo então 1º Tenente Cunha e Silva, e tendo sido informado que entre eles estava um ex-desertor - bem identificado dado estar algemado -  pontapeou-o e esmurrou-o, insultando-o - procedimento indigno e que me fez pensar que nunca o poderia aceitar de bom grado como meu dirigente.

Acrescento que os cerca de 80 membros da FLNG (excepto os seus dirigentes) que não ficaram em Conakry foram levados pelo Comandante da Operação para a fronteira entre as Guinés, em Buruntuma/Koundara, com a informação de que os seus companheiros que tinham ficado na capital tinham tomado o poder e que era necessário apoiá-los.

Foram quase todos capturados e dizimados.

Tristes reflexões.

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(Novo livro: Mar Verde - edição em inglês)