Um notável texto de Jorge Bettencourt (Capitão de Fragata Engenheiro de Material Naval (R), baseado num fundamentado Estudo de Jorge Lourenço Gonçalves (Capitão de mar-e guerra (R) e também Advogado), texto inicialmente publicado no "Facebook", e que, com as devidas vénias, a seguir reproduzo:
SOBRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS MILITARES
Jorge Bettencourt , in Facebook, Dezembro de 2022
Apesar de estar na reforma há mais de década e meia, sigo com mediana atenção os assuntos relativos à condição militar e à forma como os cidadãos sujeitos ao estatuto da condição militar, mesmo sem renunciarem aos seus direitos fundamentais, podem ver alguns deles restringidos, desejavelmente na estrita medida das exigências próprias das suas funções. Trinta anos a servir Portugal na Marinha deixam (boa) marca e embora hoje goze plenamente dos direitos de qualquer outro cidadão e não seja afectado pelas restrições de direitos a que estão sujeitos os militares na efectividade de serviço, é um tema que me continua a interessar.
É que para além dos estereótipos sobre o saber e as competências dos cidadãos militares e do seu papel na sociedade, o que muitas vezes ouvi de agentes político-partidários sobre o que designavam por “os militares”, pode ser resumido nesta frase: são úteis em momentos de aflição, mas descartáveis logo que deixam de ser necessários. E para que o diabo não teça outras malhas, os mesmos agentes não hesitam em restringir os direitos fundamentais dos cidadãos militares para além do estritamente necessário, preferencialmente na lei fundamental do País.
As questões essenciais do tema já foram abordadas na reflexão que o meu camarada e amigo Jorge Manuel Gonçalves escreveu em Agosto passado com o título “A CONSTITUIÇÃO E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS MILITARES” e que pode ser lida na página respectiva do “Ao Largo”. Escusado será dizer que nenhuma delas foi contemplada nos oitos projectos de revisão constitucional em discussão na AR.
No entanto, houve dois partidos que abordaram questões relacionadas com os direitos dos militares em efectividade de serviço, nomeadamente o BE ao propor que “Os militares podem recorrer diretamente ao Provedor de Justiça”, faculdade que já lhes é permitida pela lei, e o PCP ao propor “A eliminação da possibilidade de aplicação de prisão disciplinar aos militares em tempo de paz e fora de missões militares”, por alteração do Artigo 27.º (Direito à liberdade e à segurança).
A prisão disciplinar dos militares em tempo de paz é de facto uma questão relevante porque os cidadãos militares parece sofrerem mais uma discriminação por lesão dos seus direitos fundamentais, em igualdade com os suspeitos de crimes praticados em flagrante delito; os suspeitos de crimes em que existam fortes indícios da prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a 3 anos; as pessoas que tenham penetrado ou permaneçam irregularmente no território nacional ou contra as quais estejam em curso processos de extradição ou de expulsão; os menores sujeitos a medidas de protecção, assistência ou educação decretadas por tribunal judicial competente; os detidos por decisão judicial em virtude de desobediência a decisão tomada por um tribunal ou para assegurar a comparência perante autoridade judiciária competente; os detidos por decisão judicial em virtude de desobediência a decisão tomada por um tribunal ou para assegurar a comparência perante autoridade judiciária competente; os suspeitos para efeitos de identificação, nos casos e pelo tempo estritamente necessários; os portadores de anomalia psíquica em estabelecimento terapêutico adequado, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente.
E, de todo este conjunto, apenas a prisão disciplinar dos militares não está sujeita a qualquer controlo judicial nas primeiras 48 horas ou mesmo nunca, se, após o despacho que a ordena, o militar não impugnar a decisão punitiva! A CRP permite que, para militares e só pelo facto de o serem, a prisão possa ser, não uma sanção judicial, mas uma sanção administrativa em função de infracções disciplinares.
Mas melhor do que eu, o Jorge Manuel Gonçalves ,analisa a questão numa nova reflexão intitulada “PRISÃO DISCIPLINAR DE MILITARES” publicada na página dedicada do “Ao Largo”. Nela explica as razões por que a proposta do PCP deveria contemplar, apenas, a retirada da excepção ao princípio constitucional de privação da liberdade que permite a prisão disciplinar imposta a militares.
Uma leitura que recomendo a todos os que dão atenção aos assuntos relativos à condição militar e à forma como os cidadãos sujeitos ao estatuto da condição militar, mesmo sem renunciarem aos seus direitos fundamentais, vêem alguns deles desnecessariamente restringidos.
Dezembro de 2022