......3.Abril.2023
Um notável e bem actual Ensaio, de Jorge Bettencourt, sobre a Ética da relação do exercício do Poder com a Autoridade:
PODER E AUTORIDADE
A grande tentação de quem ocupa cargos de governo, seja do país ou de instituições ou organizações, públicas ou privadas, sempre foi, e continua a ser, o poder, no sentido da dominação. E para quem escolhe o domínio em vez da autoridade (do verbo latino augere, que significa aumentar, fazer crescer), a disciplina e a obediência cega pelos subordinados são os valores essenciais, quase únicos, sem o quais, segundo eles, o país ou as instituições caiem no caos.
Em Março de 1974, na última “Conversa em Família”, Marcello Caetano referiu-se à frustrada revolta das Caldas como uma “manifestação de indisciplina” de militares, “com particular gravidade em tempo de guerra subversiva”, e alegou que em causa estava a “segurança dos nossos” que se batiam na guerra contra os “terroristas”. Quase 50 anos depois, ouvi o Chefe do Estado-Maior da Armada afirmar, a propósito do "Caso Mondego", que “não há Forças Armadas sem disciplina” e que “a disciplina é a cola essencial das Forças Armadas”.
O que ambos esqueceram foi que se de facto a disciplina é um dos elementos-chave das organizações onde a hierarquia é um princípio vital, ele não é o único.
É verdade que os militares interiorizam as regras e conceitos prescritos na doutrina que define a disciplina como requisito básico para o bom funcionamento do corpo como um todo; mas os militares também sabem que em situações extremas, onde quem comanda toma decisões que podem pôr em risco a vida do subordinado, não é só a disciplina, ou a punição na falta dela, que fará o militar obedecer ao comandante.
As estruturas hierárquicas militares dispõem de um arsenal de regras que estão expressas em leis, códigos, regulamentos, estatutos, manuais, mas quando o subordinado recebe uma ordem, o que verdadeiramente conta é a vontade de seguir o exemplo do comandante, a confiança que tem nele, o sentir que o seu comandante conhece a profissão e tem condições físicas e psicológicas para fazer com que ele e os seus camaradas cumpram a missão.
Sem esta relação comando-obediência baseada na confiança, é que não há cumprimento da missão pela unidade militar, seja ela qual for. Até porque a palavra obediência também tem a sua origem no latim: "obaudire", que significa ouvir. E por isso os que exercem o poder com autoridade são os primeiros a obedecer, isto é, a ouvir, desse logo, os seus subordinados.
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(Inicialmente publicado no "Facebook").