"Ponto de vista": A assembleia militar do 11 de Março de 1975 e a História

     A assembleia militar do 11 de Março de 1975 e a História.

    O quadragésimo aniversário da tentativa de golpe-de-estado de 11 de Março de 1975 suscitou alguma curiosidade por parte dos meios de informação pública, que recordaram diversos episódios - entre os quais alguns menos conhecidos -  e deram a conhecer  alguns aspectos inéditos.

    É certo que em muitos casos, em especial no que se refere a meios audio-visuais, terá havido a repetição do que julgo serem erros decorrentes de não ser tomada em devida conta a circunstância de o país estar dividido, no que respeita à memória dos últimos 50 anos, em dois grandes grupos : o das pessoas com mais de 60 anos (cerca de 15 em 1970), e as mais jovens - nestas havendo que distinguir também as que têm menos de 50 anos, e que por isso não viveram tão intensamente os momentos de explosão social e política de 1974 e 1975.

    Assim, e no que respeita ao grupo dos mais jovens, que são agora a maioria da população, e entre os quais se constata haver em muitos casos um desconhecimento profundo da nossa História mais recente, teria sido útil (e será aconselhável no futuro) que tais episódios fossem sempre que possível precedidos por um prévio enquadramento retrospectivo - no caso de apresentações audio-visuais, com explicações sintéticas sobre a natureza do regime existente até 1974 coincidentes com imagens e sons dos responsáveis políticos, bem como e por exemplo da DGS/PIDE e prisão de Caxias, de repressão laboral e de manifestações, da queda de Goa, da guerra colonial, do golpe militar e de estado, das manifestações de rua, do Gen. Spínola em discursos presidencial e de renúncia, da agitação social, de militares jovens no poder e da respectiva confrontação, da eleição constituinte, e de outros acontecimentos relevantes que passaram a fazer parte da nossa História, privilegiando sempre a eventualidade de revelações inéditas bem como dando preferência às que se revestissem de cunhos de natureza emocional.
 
    É nesta última perspectiva que não resisto a transcrever excertos de um texto do Embaixador Francisco Seixas da Costa, que enquanto jovem oficial prestando serviço militar obrigatório participou nas operações de 25 de Abril de 1974 tendo quase um ano depois, ainda "miliciano", estado presente na assembleia de militares que de forma mais ou menos espontânea se reuniu na noite de 11 de Março de 1975 para analisar a tentativa de golpe-de-estado que nesse dia tinha ocorrido:

    " Era o dia 11 de Março de 1975. Spínola havia provocado a revolta contra o MFA em Tancos, mandara avançar forças sobre Lisboa, convencido que poderia conseguir um levantamento de outras unidades, descontentes com a progressão radical da revolução. A tensão político-militar tinha atingido o seu ponto extremo e culminaria com a patética rendição dos pára-quedistas em frente ao RALIS, sob a mediação de Luís Costa Correia, com a fuga de Spínola para Espanha, a prenunciar que muita coisa poderia mudar a partir de então. Não sabíamos, porém, o quê e como. (...)

    (...) Aí pelas 10 horas da noite, forma-se, no seio do "pessoal" que discutia a situação, uma ideia imparável: ir a Belém, interromper o “Conselho dos Vinte” e exigir uma reunião extraordinária da Assembleia do MFA, para essa mesma noite.(...)

    (...) De seguida, as coisas precipitaram-se. Saímos para uma sala maior, os membros do Conselho acabaram por se juntar à tropa "amotinada" que nós éramos, houve uma dura troca de palavras durante cerca de um quarto de hora, com Vasco Lourenço a tentar ser a força moderadora do lado dos conselheiros, tendo o presidente Costa Gomes acedido, finalmente, à realização da Assembleia – esse areópago de cerca de 240 militares que era uma espécie de parlamento da revolução.

    Meia hora mais tarde, perante o entusiasmo de muitos e o visível incómodo de alguns, estávamos a reunir, de volta à calçada das Necessidades, aquela que ficou conhecida como a “assembleia selvagem” de 11 de Março, uma Assembleia do MFA convocada em termos mais do que duvidosos e com uma composição mais do que nunca “ad hoc” – de que a melhor prova era a minha própria presença, que dela não fazia parte formal, embora, noutra qualidade, tivesse estado presente em reuniões anteriores, o que voltaria a repetir-se até julho.

    Aquela foi a noite dos confrontos verbais extremos, de um apelo pateta e isolado a fuzilamentos de “traidores”, de uma imensidão de intervenções dramáticas, em que até eu não deixei de meter a minha breve colherada oratória. (...) "

    (A versão integral do documento de que apresentei os citados extractos pode ser consultada a partir daqui).

    Aproveito a oportunidade para, na sequência do meu anterior "Ponto de vista" sobre o "11 de Março", dar igualmente a conhecer um relato de uma insuspeita personalidade pertencente ao então "Conselho dos Vinte", que constituiu a Mesa de Presidência da assembleia anteriormente referida, e que mencionou ter havido "uma voz inquieta no meio da balbúrdia em que vinha decorrendo boa parte da reunião", suscitando "a questão das próximas eleições e a consideração de que se tornava imperativo que dali saísse uma manifestação clara e afirmativa de que o MFA as levaria por diante, cumprindo o que prometera", tendo o "presidente da Mesa" (Gen.Costa Gomes, também Presidente da República) apoiado "claramente a proposta e a declaração formal".

    15.Março.2015.
(Revisto em 22.Março.2015.)