Uma abalizada opinião jurídica sobre o episódio "NRP "Mondego"

 Uma abalizada opinião jurídica sobre o episódio "NRP "Mondego".

O meu Camarada d'armas e distinto Advogado, capitão-de-mar-e-guerra (R) Jorge Lourenço Gonçalves, deu-me a conhecer a sua opinião - em termos essencialmente de natureza jurídica - sobre o episódio ocorrido há dias no Navio-de-Patrulha-Oceânica "Mondego", em que 13 Sargentos e praças (cerca de  metade da Guarnição) recusou embarcar invocando razões de seguranca' relacionadas com dúvidas sobre a navegabilidade do navio devidas a deficientes condições de equipamentos considerados essenciais.

Eis o seu Parecer:

"Ainda ninguém explicou ao Chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA) que, sendo ele o juiz dum recurso hierárquico necessário (i.e. obrigatório) de uma decisão disciplinar que condene os militares, antes do recurso a tribunal administrativo, as suas declarações públicas condenatórias, afrontando, gravemente, a isenção e a imparcialidade que o juiz deve ter e mostrar além do princípio de presunção de inocência dos arguidos, o desqualificam como juiz primário e dão trunfos à defesa dos arguidos. E, neste caso, o que o tribunal julgará é da justeza da decisão do CEMA no recurso, a qual, inevitalmente, rejeitará o recurso dos interessados. Nem se diga que os militares serão julgados por um juiz de direito, como diz o CEMA. É que tal só acontecerá se o inquérito-crime que, pelos vistos, a PJM está a elaborar acabar numa acusação formulada pelo Ministério Público em sede de CJM e de Código de Processo Penal. Assim sendo, ninguém sabe se do inquérito criminal levantado sairá uma acusação e, somente neste caso, haverá possibilidade:.. instrução e julgamento. E. neste caso, o julgamento é feito perante um colectivo composto por 2 juízes de direito e um juiz militar. Porque é que há pessoas que não se limitam a falar do que sabem?"

Recordando a importante Assembleia Geral do Clube Militar Naval, em Fevereiro de 1968

 Recordando a importante Assembleia Geral do Clube Militar Naval, em Fevereiro de 1968  :

 Há 50 anos, um "pré-Maio de 68" no Clube Militar Naval.
   ("Semimórias")**

Princípio de 1968.
António de Oliveira Salazar ainda não tinha sofrido a queda que levaria à sua substituição diversos  meses mais tarde.

Nesse mesmo ano o então 2⁰ Tenente José Sousa Silva enviou-me - para memória  futura - o seguinte apontamento sobre um episódio corrido no princípio do ano, no âmbito do Clube Militar Naval e que viria a ter profundas consequências na Marinha e no País:

"Após uma das habituais reuniões da Comissão de Redacção dos Anais do Clube Militar Naval fiquei a debater com dois dos seus membros (António Homem de Gouveia, e Luís Costa Correia) o que se considerava ser uma situação de modorra existente no já centenário Clube, e pensámos que seria boa ideia que se aproveitasse a circunstância de em breve haver eleições para novos Corpos Gerentes para se fomentar a apresentação de candidaturas alternativas às que habitualmente eram propostas - sem oposição - por iniciativa das Direcções cessantes.

Aproximava-se, contudo, a data das eleições, e não havia tempo para se prepararem listas e elaborarem programas de acção, pelo que a única forma de intervenção passaria pelo adiamento do acto eleitoral.

Dada a sua concordância com tais ideias, combinámos então uma estratégia de intervenção processual na Assembleia eleitoral visando tal fim, a qual seria baseada no aproveitamento de disposições do Regulamento Interno do Clube, bem como das que as leis em vigor permitiam.

Para tal seria necessária a adesão de sócios a estas propostas, não só para suscitarem o adiamento das eleições para dar tempo a que a Direcção informasse os sócios, por escrito, sobre a situação do Clube como também para elaborarem uma lista alternativa e respectivo programa eleitoral.

Iniciaram-se assim diversos contactos para a concretização destas intenções.

Entretanto, e por coincidência (dir-se-ia até "feliz coincidência"), a Direcção cessante apresentou uma lista de candidatura que incluía o almirante Tenreiro como Presidente da Mesa da Assembleia Geral  -    personalidade que não suscitava simpatias em muitos sócios do Clube por simbolizar uma ligação acentuada ao regime político de então.

Ganhava assim novo reforço a citada estratégia de adiamento processual das eleições, que foi então aprovada numa primeira reunião por diversos sócios, destacando-se Homem de Gouveia, Sá Vaz, Chagas Torre, Teixeira Gomes, Pessoa Lopes, Leite Novais, Nelson Trindade, José Silva Dias, Amaro de Oliveira, Carneiro Vieira, Barreto de Albuquerque, Alves de Jesus, e Queiroz e Lima, bem como Sousa Silva e Costa Correia - nomes recolhidos de diversos apontamentos, nomeadamente de Sousa Silva, e de Costa Correia (penitenciando-me por eventuais ausências nesta lista).

E, pouco depois, nova reunião, em que também participaram, segundo os mesmos apontamentos, Balcão Reis, Oliveira Rego, A.Ribeiro Reis, Almada Contreiras, Carmo Silva, Silveira Pinheiro, Silva Santos, Sales Grade, Coral Costa e Vieira Pita (estes dois últimos, ainda cadetes) - apresentando-se igualmente e desde já desculpas por imprecisões ou erros relativos a esta lista nominativa.

Apresentámos então um projecto de "requerimento" a submeter à Assembleia Geral, que, depois de analisado e discutido pelos presentes, foi aprovado por unanimidade, tendo sido preparadas cuidadosamente as intervenções na Assembleia: quem apresentava o requerimento  de adiamento referindo não ter havido tempo para a apresentação de candidaturas e programas eleitorais, quem citava os Estatutos e Regulamento Interno, quem defendia o requerimento, e, até, quem suscitava algumas observações. "

Apontamentos sobre a organização das intervenções que ainda guardo...

Recordo o espanto da Direcção cessante ao constatar, no dia 22 de Fevereiro, que em vez da habitual dúzia de sócios que comparecia aos actos eleitorais eram mais de 100 (!) os que se apresentaram para votar - que já incluíam outros prestigiados consócios, realçando-se Conceição e Silva, e Mário de Aguiar (para além de outros mais, igualmente relevantes e de quem infelizmente não me recordo), demonstrando assim que na Marinha havia uma geração que ansiava por mudanças democráticas.

E mais assombrados ficaram com a organização regimental da grande maioria dos sócios presentes, não ousando assim rejeitar o que era proposto, e que viria a ser concretizado em 22 de Março seguinte com a eleição, por uma esmagadora maioria, - numa Assembleia com cerca de 150 (!) sócios - de uma Direcção presidida pelo distinto Cte. Manuel Lopes de Mendonça, num ambicioso programa que previa a organização de colóquios sobre assuntos técnico-profissionais, bem como de natureza cultural, sociológica, e económico-financeira (tendo no primeiro colóquio, pouco depois da tomada de posse dos novos Corpos Gerentes, sido apresentados os principais aspectos técnicos das então novas fragatas da classe "Alm.Pereira da Silva" - que iria partir em breve para a primeira missão na novel Força Naval da Nato para o Atlântico, e de cuja Guarnição eu fazia parte).

Pouco tempo depois daquela Assembleia ocorria em França o famoso "Maio de 1968".

Seguiram-se, nesse mesmo ano, intervenções coloquiantes de Bénard da Costa, Urbano Tavares Rodrigues, e Sérgio Ribeiro - nomes que definiam perspectivas - e nos anos seguintes o Clube Militar Naval foi sede de profundos debates e acções que viriam a influenciar os pontos de vista dos participantes, obviamente com o concurso de muitos sócios que reforçaram a dinâmica criada em 1968, imprimindo igualmente novos impulsos às múltiplas iniciativas posteriores, bastando por exemplo referir que o Presidente da Direcção do Clube em 1973/74 se chamava Pinheiro de Azevedo.

1968/2018. Meio século passou sobre uma Assembleia marcante na vida de um Clube. Na vida da  Marinha.

Do País.

28 de Maio de: 2018...

( ** "Semimórias" - a um passo de algumas Memórias)

Nota posterior (em 14.Setembro.2020): este texto foi revisto na sequência de uma observação do Comandante Lourenço Gonçalves corrigindo o facto de o almirante Tenreiro não estar proposto para Presidente da Direcção, mas sim da Assembleia Geral, aproveitando-se o momento para introduzir outras correções.
Tratou-se assim da aplicação do Princípio de o modelo das "semimórias" permitir uma rápida melhoria  dos respectivos textos, o que certamente seria mais difícil  e lento     caso estes se apresentassem sob a forma de livro clássico.

Nova nota , em 20. Junho.2022 :

Foi recebida uma mensagem do
Cte. Pedro Lauret que incluía a cópia da Acta da Assembleia Geral de 1968, bem como dos resultados das subsequentes eleições: