"Ponto de vista" : Muçulmanos, Europa, e EUA.


  Muçulmanos, Europa, e EUA.

Dois significativos incidentes em apenas alguns dias, um nos EUA, outro na UE, devem levar-nos a uma profunda reflexão sobre as relações entre diferentes culturas em que a religião assume um papel relevante.

Nos EUA, uma pessoa foi expulsa de um comício de D.Trump por, identificando-se como muçulmana através de traje tradicional feminino, ter exibido um cartaz em que afirmava estar ali presente em nome da paz, tendo a sua retirada sido celebrada efusivamente pela generalidade dos participantes e comentada com satisfação pelo próprio D.Trump.

Em Colónia (e em mais algumas cidades alemãs) muitas centenas de jovens, aparentemente norte-africanos e árabes, molestaram diversas dezenas de mulheres na passagem do ano, havendo múltiplas queixas de roubo, assédio, e violação sexual.

O primeiro dos casos demonstra como as interpretações extremistas do Islão que voltaram à superfície a partir das intervenções bélicas e terroristas dos seguidores de Osama Ben Laden e que encontraram terreno fértil de expansão após as intervenções militares no Iraque e no Afeganistão, bem como na instabilidade provocada pela guerra civil na Síria, permitiram que eclodisse uma versão sinistra de Estado islâmico, rapidamente associada na opinião pública "ocidental" à generalidade do mundo muçulmano.

O segundo caso, na Europa, assinala a grande dificuldade de integração de uma massa de refugiados e imigrantes maioritariamente masculinos e jovens, sem ocupação nem família no território alemão, tendo igualmente contribuído para levar a um movimento de rejeição da política de acolhimento do actual governo da Alemanha.

A tais casos acrescem os atentados ocorridos em França em 2015, bem como outros anteriores no Reino Unido e em Espanha, todos perpretados por jovens desenraizados, sem emprego, e já de nacionalidade europeia.

Aproveitando habilmente traumas seculares que remontam às Cruzadas, colonizações, escravatura, e perseguições religiosas, que permanecem no imaginário colectivo de muitos povos - apesar de muçulmanos também terem no seu passado episódios semelhantes - teólogos relevantes do Islão, desde Khomeini a Ben Laden, Al-Baghadi a Ben Abdullah, conseguiram mobilizar grande número de apoiantes em torno de acções bélicas contra os "infiéis", sem que se notem movimentos significativos de opinião no mundo muçulmano contra tais propósitos, nem sempre coincidentes quanto às origens religiosas de raiz chiita ou sunita, aliás muitas vezes em feroz luta mútua pelo predomínio da respectiva influência.

É certo que há muitos intelectuais muçulmanos que apelam a uma interpretação pacífica do Alcorão, e que o general Al-Sisi, presidente do Egipto, pronunciou há um ano um corajoso discurso em tal sentido, mas o que transparece na opinião pública observadora do mundo muçulmano é a existência de uma abulia em tal matéria, quando não se trata de um favorecimento implícito da continuação de modelos interpretativos dúbios como os que permanecem em grandes países de África, no Paquistão e no Bangladesh ou na Indonésia e Malásia.

As cisões que se pressentem na opinião pública dos EUA, independentemente do resultado das eleições presidenciais, bem como na União Europeia, em particular na Alemanha, são de molde a prenunciar aumentos de tensão política de resultados imprevisíveis.

A chave do problema está, infelizmente, nas interpretações dos modelos culturais e civilizacionais associados a cultos religiosos - o que significa que há ainda um longo caminho a percorrer.

10.Janeiro.2016.