"Ponto de vista": O "Eurogrupo": um exemplo de artesanato jurídico ?


   O "Eurogrupo": um exemplo de artesanato jurídico ?

Pior ainda: um exemplo de artesanato jurídico-institucional ?

Quase não há semana em que não haja referências públicas a um "Eurogrupo", cujo "presidente", um ministro dos Países Baixos, aparece sistematicamente a produzir tonitruantes declarações sobre assuntos de natureza financeira tendo quase sempre como alvo Portugal.

Imaginar-se-ia que o suporte jurídico-institucional daquele grupo de Estados-Membros da União Europeia estaria perfeitamente integrado nos Tratados de Lisboa, e com a solidez que se imporia dados os seus propósitos.

Pois bem: os Tratados de Lisboa (são dois, habitualmente designados por "Tratado de Lisboa") não integram nos respectivos corpos principais qualquer referência a um "Eurogrupo", que só aparece num curtíssimo Protocolo adicional, cujo artigo 1º começa por referir que "os ministros dos Estados-Membros cuja moeda seja o euro reúnem-se entre si de maneira informal" - sim, leu bem, é isto mesmo que consta de um texto cujo preâmbulo se limita aliás a apelar a um "diálogo reforçado entre os Estados-Membros cuja moeda seja o euro", na "expectativa de que o euro se torne a moeda de todos os Estados-Membros da União".

E, como se tal informalidade (para não dizer artesanalismo ou improvisação) não bastasse, o mesmo artigo estatui que "estas reuniões têm lugar, na medida do necessário, para debater questões relacionadas com as responsabilidades específicas" partilhadas em matéria de moeda única.".

Na medida do necessário ...

No 2.º (e último) artigo refere-se que os citados ministros elegem, por maioria, um presidente por dois anos e meio, sendo porém curioso constatar que no artigo inicial está prevista a participação da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu, embora sem se perceber quais os termos em que possa ocorrer, nem quantos representantes poderá haver.

Terreno fértil, creio, para juristas estudarem em que medida é que o Tribunal de Justiça da União Europeia poderá ser chamado a debruçar-se sobre aspectos legais em que todos estes informalismos, diálogos reforçados, e métodos de participação em importantes decisões que afectam centenas de milhões de cidadãos possam permitir o uso e abuso de poderes discricionários em assunto tão sensível como a moeda única.

29.Maio.2016.