"Ponto de vista": Coletes amarelos e democracia.


      Coletes amarelos e democracia.

Tinha que ser.

O assunto dos coletes amarelos em França tinha que chegar a estas net-páginas.

Foi uma demonstração da fragilidade das instituições democráticas que não souberam adaptar-se às transformações sociais e políticas que têm vindo a ocorrer nos países mais desenvolvidos e nomeadamente desde os anos 50.

Assistimos desde então ao aumento do fluxo informativo através da televisão - é certo que com a possibilidade de se compararem pontos de vista contraditórios - mas provocando a redução dos tempos dedicados ao diálogo e à troca de ideias presencial, não só no ambiente familiar como também entre famílias e vizinhos, e obviamente com quem nos representava politicamente.

No final do século outro grande passo ocorreu com o advento da Internet, com todas as possibilidades de melhor obtenção de informação e de comunicação electrónica, que viriam a ser potenciados pela difusão exponencial nos telemóveis-minicomputadores portáteis que surgiram em massa nos últimos 10 anos, permitindo a circulação vertiginosa da informação - muitas vezes bastante distorcida.

As consequências destas mudanças nos sistemas políticos que se baseiam essencialmente em partidos políticos assentes em mecanismos eleitorais de representação periódica começam a sentir-se agora, pois o contacto directo que seria necessário aprofundar entre eleitores e eleitos torna-se cada vez mais difícil e lento - face ao "dedo-a-dedo directo - quando um deputado tem um universo de eleitores na ordem dos 30 ou 40 mil.

Assim, quando um cidadão sente que está a ser injustamente tratado, ou que existem alternativas razoáveis que lhe permitam superar dificuldades, e que está longe de poder dialogar com quem teoricamente o representa no poder legislativo ou executivo, procura dialogar a tal respeito com a vizinhança, com as pessoas das suas relações a quem pode telefonar ou escrever, ou com os meios de informação pública - mas tal conjunto é assaz limitado e o tempo necessário para tal é escasso.

Porém uma crescente maioria dispõe agora de instrumentos de informação e comunicação que permite obter elementos formativos de opinião muito rapidamente, e velozmente assentir e retransmitir as suas dúvidas ou intenções, cobrindo o vazio que sente face a quem o representa.

Assim terá sucedido agora em França, onde um problema que afectou a generalidade dos automobilistas levou a que num golpe de imaginação alguém tenha pensado no uso dos coletes amarelos como elemento identificador e mobilizador para um protesto que, fundado na luta contra uma determinação injusta, poderá vir a ser também elemento identificador de outros protestos "inorgânicos".

Inorgânicos, porque não assentam em sistemas representativos.

O que demonstra que estes sistemas têm que passar a assentar numa maior proximidade.

No Poder Local de base, seguido de eleições para patamares superiores, como tenho vindo a defender noutros (muitos) artigos.

Doutro modo, o esboroar de partidos "clássicos" continuará noutros países.

E chegará a Portugal.

9.Dezembro.2018