O Censo 2001 e o recenseamento eleitoral
Já tendo vindo a publico os primeiros resultados do Censo 2001, assume agora particular
acuidade a questão de se saber quem tem razão quanto ao problema das aparentes
discrepâncias entre aqueles resultados e os últimos números do recenseamento eleitoral.
Tal questão tem implicações políticas importantes, pois são os dados do recenseamento
eleitoral que determinam actualmente a distribuição dos deputados pelos diversos círculos
eleitorais em Portugal
O censo 2001 aponta para cerca de 10.300.000 residentes, aos quais haverá que subtrair
aproximadamente 300.000 estrangeiros (de acordo com recentes dados do Serviço de
Estrangeiros e Fronteiras), pelo que haverá em números redondos 10 milhões de
portugueses no nosso território.
Como a actual distribuição etária situa em cerca de 80% a população com idade superior a
17anos conclui-se que - a estarem correctos os números do Censo 2001 - o numero máximo
de eleitores recenseados não deveria ser superior a 8 milhões.
Porém, o número de recenseados em Portugal foi nas recentes eleições de cerca de
8.700.000, portanto mais 700.000 do que aparentemente poderiam ser.
E isto já depois de há 3 anos ter sido elaborada uma base informática nacional do eleitorado,
e de se terem dispendido largos milhões de Euros na aquisição de computadores para as
mais de 4000 freguesias e para a base central - operação que, é certo, terá permitido a
eliminação de cerca de 450000 registos de duplas inscrições e óbitos.
Não parecendo que seja lógico colocar em causa os dados dos Censos do INE, que têm
apresentado bastante coerência ao longo dos anos, e sobre os quais repousa a estrutura
fundamental de informação estatística do Estado, a dúvida que surge logicamente é sobre a
natureza das centenas de milhares de registos que aparentemente estarão a mais.
E, em boa verdade, até seriam mais de 700 mil, pois é de admitir que apesar de o
recenseamento ser obrigatório, uma certa percentagem dos jovens que atingem aos 18 anos
a capacidade eleitoral atrase algum tempo a sua inscrição no recenseamento.
Assim e dado que a base de dados central do recenseamento deve detectar e corrigir
automaticamente duplas inscrições no território português, as explicações para tão grande
diferença de registos estará nos óbitos ainda não considerados (mas que por certo não serão
mais de 150000), nas inscrições de portugueses que emigraram depois do ultimo
recenseamento eleitoral, e que nele se mantiveram, e nas naturais deficiências de uma
introdução inicial de dados na base central feita num prazo demasiado curto.
Dir-se-à - e com razão - que mesmo assim será excessivo um numero da ordem do meio
milhão em termos de duplas inscrições, pelo que as dúvidas sobre todas estas questões
requerem estudo aprofundado e esclarecimento público, pois pode haver consequências
importantes em termos da distribuição dos Deputados pelos círculos eleitorais.
Tomemos por exemplo o concelho de Macedo de Cavaleiros. Aqui o número de eleitores
inscritos (cerca de 18100) excede em cerca de 600 o numero de residentes (17449), quando
deveria ser inferior em 2 ou 3 milhares (15 a 20% do número de residentes). E situações
análogas acontecem em Vila Velha do Ródão, Torre de Moncorvo, e Alcoutim, só para citar
apenas mais alguns casos (dos quais aliás se aproxima o próprio concelho de Lisboa).
Os reflexos a nível distrital são evidentes, havendo distritos de forte emigração (como o de
Vila Real) onde para cerca de 208000 residentes há perto de 221000 eleitores inscritos - ou
seja, talvez mais 40000 do que os 175000 ou 180000 que seria legítimo esperar, mesmo sem
se descontarem no número de residentes os estrangeiros que trabalham nas vinhas do
Douro e que tenham sido objecto de consideração no Censo 2001.
Lisboa, Castelo Branco, Viseu, Bragança, Aveiro, Beja, Portalegre, eis mais casos onde
ocorrem anomalias semelhantes, se bem que com incidências variáveis, e cujas implicações
no mapa de distribuição de deputados pelos círculos eleitorais podem distorcer resultados
eleitorais.
Com efeito, menos 1 deputado num circulo pode significar que um partido não eleja aí
nenhum representante, e que noutro círculo a que fosse atribuído mais 1 deputado houvesse
outro partido que beneficiasse de tal situação, tornando-se claro que poderiam ter sido
diferentes os resultados das eleições mais recentes caso o recenseamento eleitoral estivesse
ajustado à realidade.
A solução de se eliminarem dos cadernos eleitorais emigrantes que lá figurem não parece
politicamente exequível numa União Europeia da mobilidade e sem fronteiras, a não ser que
fosse introduzida para todos os eleitores a figura da prova periódica de permanência - mais
um ónus administrativo por certo pouco popular e que poderia contribuir para um aumento do
abstencionismo.
Por outro lado, talvez houvesse vantagem em não fazer do recenseamento eleitoral o critério
principal para atribuição de financiamentos ou remunerações nas autarquias, a fim de se
reduzirem eventuais resistências que poderiam porventura ocorrer no que respeita a uma
rápida eliminação de registos incorrectos.
Assim, importa que seja feito um estudo sério sobre estas questões, incidindo sobre a
fiabilidade dos dados de que dispomos, identificando as possíveis distorções, e propondo as
acções correctivas possíveis.
Porém, admitindo que não seja fácil resolver a questão da manutenção de inscrições de
emigrantes, a qual se pressente seja a mais determinante em termos de anomalias
existentes, apenas surge como viável uma solução que evite que por exemplo um voto em
Vila Real tenha mais "peso" que em Leiria.
Tal solução chama-se círculo nacional único, pois é aquela em que se consegue que sejam
respeitadas as proporções relativas de expressão da vontade popular.
Julgo que poderá requerer apenas uma modificação constitucional (não esqueçamos que o
círculo nacional único está previsto na Constituição, e que vigora já para as eleições para o
Parlamento Europeu), evita regionalismos excessivos, e contribuiria para o estudo do modelo
de divisão distrital no continente, o qual tem permanecido intocável há largos anos.
Requereria possivelmente a criação de uma segunda câmara parlamentar, a qual poderia ter
a sua génese nas autarquias, opinião que alias exprimi em artigo recente.
A solução de um círculo nacional único tem a vantagem de para os seus resultados ser
indiferente o número de recenseados, e poderia também ser encarada apenas numa
perspectiva de transição: os deputados assim eleitos poderiam usar os seus poderes
constituintes para então estabelecerem qual o modelo parlamentar futuro - se apenas círculo
nacional único, se misto com outro tipo de círculos; se bi-camaral ou não.
E obviamente deveriam estabelecer regras normativas para o recenseamento eleitoral
tendentes a evitar distorsões como as que persistem, e que influem também na validade dos
referendos, que depende constitucionalmente da participação de mais de 50% dos recenseados - outra
eventual modificação a ponderar na lei fundamental.
Não podemos é continuar a adiar a resolução de questões estruturais para a nossa vida
política que estão relacionadas com o recenseamento eleitoral.
E este é o momento oportuno para se atacar de frente a sua resolução, pois não há eleições legislativas previstas no horizonte próximo, sendo assim muito menos controversa a introdução de novas regras.
6.Julho.2001
Luis da Costa Correia
(ex-Director Geral do STAPE – Secretariado Técnico para os Assuntos do Processo Eleitoral)
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