"Ponto de vista": Abstenção: apenas um aviso ?

Abstenção: apenas um aviso ?

Os resultados até agora conhecidos relativamente ao escrutínio provisório dos resultados das recentes eleições para as autarquias locais suscitaram um quase unânime coro de preocupações sobre a abstenção, que teria sido enorme, e a maior até agora nesse tipo de actos eleitorais. 

Se bem que ainda faltem os resultados de diversas eleições locais que, principalmente devido a empates técnicos, tenham que ser repetidas até ao próximo dia 20 de Outubro, podem extrair-se desde já algumas conclusões, e recordar-se alguns factos essenciais para a comparação de resultados com eleições análogas anteriores.

O primeiro facto a salientar é que o universo eleitoral mudou substancialmente em 2008, devido a uma Lei que determinou que o recenseamento seria automaticamente feito a partir da base de dados dos bilhetes de identidade e cartões de cidadão, o que fez aumentar os recenseados nalgumas centenas de milhar, muito provavelmente emigrantes que continuaram a manter tais documentos - se bem que na esmagadora maioria não se desloquem ao território nacional para exercer o direito de voto (o que aliás seria algo incongruente, em particular no caso de autarquias).

Desde modo, o que terá algum sentido será a comparação entre o número real de votantes ao longo dos últimos anos, em que terá havido alguma estabilização no funcionamento do sistema democrático, infelizmente bem longe do entusiasmo com que se viveram as primeiras eleições baseadas num universo verdadeiramente abrangente e longe das restrições que vigoraram até 1974.

Constata-se assim que desde 1999 o número de votantes no território nacional em eleições legislativas e autárquicas oscilou entre 5,2 e 5,7 milhões de eleitores, sendo precisamente nas autárquicas de 2001 que ocorreu a participação menos elevada, apenas superior em 200 mil à constatada há 2 semanas.

Embora nas eleições autárquicas de 2009 tenham votado cerca de 5,5 milhões de eleitores, não se deve porém esquecer que desde então se terá acentuado um elevado movimento emigratório, que segundo declarações do Secretário de Estado das Comunidades em 25 de Janeiro passado terá sido nos últimos anos da ordem dos 100 a 120 mil por ano.

Se admitirmos assim que nos primeiros 9 meses do ano em curso (e tendo presente que segundo o Governo a situação económica portuguesa melhorou...) terão emigrado apenas 50 mil portugueses chegaremos à conclusão de que desde 2009 - data das anteriores eleições autárquicas - se pode estimar que cerca de 350 mil cidadãos não puderam exercer agora o seu direito de voto no território nacional, dos quais provavelmente metade (correspondente à média habitual de abstenções) não o faria deliberadamente.

 A conclusão global que se pode retirar é a de que ainda há mais de 5 milhões de portugueses que acreditam na democracia representativa, número que se tem até agora revestido de alguma estabilidade.

Porém, é crescente o desencanto que é sentido com o desempenho dos responsáveis políticos em geral, bem como dos partidos em que se apoiam - e estes não parecem compreender que são necessárias melhorias profundas na ligação entre eleitores e eleitos, que não podem deixar de passar por um outro exercício das atribuições do poder local, a base essencial da democracia.

13.Outubro.2013