"Ponto de vista": Mistérios da acção e inacção da DGS/PIDE em 73/74.

Mistérios da acção e inacção da DGS/PIDE em 73/74.

   Quando se pensa no período que mediou entre meados de 1973 (ocasião em que  ocorreram as primeiras acções de contestação de Oficiais - nomeadamente do Exército - à realização do "Congresso dos Combatentes do Ultramar" e a decretos governamentais sobre carreiras)  e 27 de Abril de 1974 (data em que ficou sem efeito a nomeação formal pelo então General A.Spínola do Inspector Superior da Direcção-Geral de Segurança Rogério Coelho Dias para  exercer o cargo de Director-Geral daquela polícia política) não podemos deixar de ficar intrigados sobre a aparente inacção da DGS/PIDE face à existência de numerosos encontros de Oficiais que indiciariam a possibilidade de concretização de acções de sublevação face ao poder político.

   Não me recordo de haver análises aprofundadas sobre esta matéria, se bem que admita a hipótese de existirem trabalhos de investigação histórica elaborados por personalidades de relevo nesta área como Irene Flunser Pimentel, Maria Inácia Rezola, Luísa Tiago de Oliveira, Dalila Mateus, Jacinto Godinho, ou António Araújo - pedindo antecipadamente desculpa a outras e outros com créditos neste assunto que não estejam mencionados, bem como aos aqui citados, que por falta de meu conhecimento tenham dado a conhecer as suas opiniões em matéria tão relevante.

   É estranho que por exemplo na Guiné, onde havia muitos contactos entre a DGS/PIDE e as forças militares, e onde surgiram as primeiras reuniões de contestação à política governamental quer no assunto do Congresso dos Combatentes, quer dos decretos sobre a reorganização das carreiras, ou ainda sobre a progressiva deterioração da situação militar, não tenha sido produzido pela DGS/PIDE nenhum documento de análise de situação, acompanhado de relatórios individuais sobre os Oficiais que mais se destacavam naquelas reuniões - como por exemplo o agora Coronel Almeida Coimbra.

   É estranho que na então designada oficialmente Metrópole não tenham sido apresentados ao Ministro do Interior análogos relatórios e análises, pois o proliferar de reuniões e  de abaixo-assinados que começaram a ocorrer após a reunião de mais de 100 oficiais em Alcáçovas certamente não passaria despercebido - até porque em muitos casos a oficialidade "conspiradora" informava o respectivo comando relativamente ao que se ia passando.

   E é igualmente bizarro que mesmo com a progressiva difusão a Angola e a Moçambique dos comunicados que circulavam entre os Oficiais descontentes, incluindo pedidos em massa de demissão e saída das Forças Armadas, assinados e prontos a serem entregues pelos dirigentes do movimento de descontentamento, nada aparentemente era objecto da curiosidade da DGS/PIDE.

   Não me recordo igualmente de nos processos de escutas telefónicas - o recente "brinquedo" de estimação da polícia política - haver uma preocupação maior com seguimento dos "conspiradores", antes parecia que os alvos principais, mesmo após a sublevação dos militares das Caldas da Rainha, eram as personalidades que pudessem colocar em causa a presença do Prof. Marcelo Caetano como presidente do Conselho de Ministros.

   A título de exemplo, a transcrição da última "escuta" que no dia 26 de Abril aguardava decisão dizia respeito - imagine-se - ao Prof. Adriano Moreira...

   O facto é que após a sublevação das Caldas, em 16 de Março, teria sido lógico que a DGS/PIDE se tivesse procurado certificar de que não haveria outras ligações potencialmente revoltosas.

   Não tomou iniciativas nesse sentido ? Teve receio de no caso de as Forças Armadas tomarem o poder - o que por certo não estaria longe das hipóteses que se lhe colocariam - poderem vir a sofrer represálias ?

   A luta interna pelo poder quer num quadro de transição controlada quer num de uma mudança mais acentuada e em que os principais candidatos - desde nomeadamente os então Inspectores Superiores Barbieri Cardoso, Sachetti, Pereira de Carvalho, Óscar Cardoso, Coelho Dias, e mais dois ou três igualmente conhecidos - manobravam discretamente os seus conhecimentos, poderia explicar a inacção aparente daquelas semanas?

   As orientações dadas à DGS/PIDE proviriam de um acordo tácito entre o Prof. Marcelo Caetano e o então General A.Spínola, que explicaria a apressada designação de Rogério Coelho Dias, e que viria a ser prejudicada pelas quatro mortes ocorridas no princípio da noite de 25 de Abril,  que tiveram como consequência uma ocupação "manu militari" determinada por A.Spínola, sem saber que na Pontinha e no Centro de Comunicações da Armada já se tinham muito antes dado instruções para que os Fuzileiros interviessem?

   Aguardo que alguém possa contribuir para me dar pistas para esclarecimento destas dúvidas, quer por indicação dos trabalhos de investigação e análise realizados, quer dos que o venham a ser.

20.Abril.2014.