"Ponto de vista": Eleições e abstenções.

Eleições e abstenções.

    Continuam a aparecer diversas intervenções (algumas até de professores universitários) nos meios de informação pública afirmando que o recenseamento eleitoral tem discrepâncias que rondariam quase um milhão de eleitores a mais, o que distorceria os resultados das eleições.
    Esquecem que devido às modificações introduzidas há cerca de 6 anos nas disposições que regulam o recenseamento foi introduzido o automatismo da inscrição a partir do momento em que é obtido o documento oficial de identificação, sendo a entrada nos cadernos eleitorais validada quando é atingida a maioridade, o que teve como consequência que os emigrantes que mantiveram o seu bilhete de identidade ou cartão de cidadão continuaram a figurar naqueles cadernos.
    No entanto, o factor mais relevante a salientar é o facto de nas eleições para o Parlamento Europeu de 2014, 2009, e 2004 o número total de votantes se ter mantido relativamente estável, situando-se na ordem dos 3,4 milhões, o que suscita interrogações diferentes das que têm vindo a surgir.
    Uma delas, talvez a mais significativa, está relacionada com o que deveria ter sido uma nítida redução do número de votantes se admitirmos que entre 2009 e 2014 terão emigrado 200 ou 300 mil portugueses, o que pode levar a pensar que o interesse pelo acto eleitoral recente não terá diminuído, mas sim aumentado - quiçá traduzido num forte aumento dos votos nulos e em branco, que aliado a marcadas migrações de votos para candidatos fora do habitual quadro terá querido significar descontentamento com as estratégias políticas seguidas na União Europeia e em Portugal.
    Aliás o panorama de alguma estabilidade na participação eleitoral tem vindo a ocorrer nos últimos anos, se bem que possa ser caracterizada por notório desânimo e desencanto dos eleitores face à falta de ligação com os partidos políticos, pois como já referi nestas páginas o número de votantes no território nacional em eleições legislativas e autárquicas oscilou desde 1999 entre 5,2 e 5,7 milhões de eleitores.
     A conclusão global que se pode retirar é a de que ainda há mais de 5 milhões de portugueses que acreditam na democracia representativa, e que de entre eles uma terça parte não está motivada pela adesão à União Europeia, números estes que se têm até agora revestido de alguma estabilidade.
    Porém, é crescente o desencanto que é sentido com o desempenho dos responsáveis políticos em geral, bem como dos partidos em que se apoiam, e estes não parecem compreender que são necessárias melhorias profundas na ligação entre eleitores e eleitos, que não podem deixar de passar - como tenho vindo a afirmar - por um reforço das  atribuições e responsabilidades do poder local, a base essencial da democracia.
    Tal fenómeno não é exclusivo de Portugal, e com diversas interpretações ressaltou em quase todos os actos eleitorais havidos nos Estados-membros da UE, pelo que importa que se proceda a uma profunda reflexão sobre a afirmação de um novo "espírito europeu" que entre outros desideratos procure a fundação de um novo modelo de democracia participativa.

1.Junho.2014.