"Ponto de vista": Uma soberania incompleta.

Portugal passou ao longo da sua História por alguns períodos em que a sua soberania ficou limitada quer por incapacidade do modelo institucional de governo monárquico (1580/1640), quer por consequência das agressões e invasões francesas - incluindo-se nestas o algo silenciado episódio da entrada em Julho de 1831 da esquadra do Almirante Roussin no Tejo, em pleno reinado de Miguel, saldado por apresamento de parte da esquadra portuguesa.

Portugal também viveu diversas situações de incapacidade de cumprimento de pagamentos de dívidas financeiras, que remontam ao final do séc.XIV, e que se tornaram mais agudas a partir de 1560 (de acordo com o famoso estudo Reinhart/Rogoff), assumindo particular relevância no séc.XIX (particularmente estudado por Magda Pinheiro).

No entanto, em nenhum daqueles períodos de incumprimento houve a presença no nosso país de entidades fiscalizadoras das finanças públicas, limitando-se os credores a negociar com o Estado português soluções visando o pagamento dos encargos contraídos, por vezes incluindo na negociação a aceitação de parte das cláusulas de redução impostas pelas autoridades portuguesas.

Porém, o pedido de assistência financeira apresentado por Portugal em 2011 incluiu um sistema de concessão em três anos de empréstimos parcelares subordinados à verificação do cumprimento de diversas cláusulas, que seria - e foi - feita pelas entidades credoras, através do envio regular de missões com a incumbência de no nosso país examinarem a execução dos pontos condicionantes do apoio financeiro.

Ou seja, Portugal passou a viver numa situação de soberania limitada que embora não sendo comparável às situações descritas no início do presente texto nem por isso deixa de constituir uma sombra negra sobre a identidade nacional

Diversas intervenções de entidades governamentais entretanto ocorridas tentaram criar na opinião pública a noção de que tal situação terminaria no final do período de assistência financeira - incluindo a referência regular a um relógio de contagem decrescente, bem como a realização de reuniões solenes e públicas do Conselho de Ministros.

Mas, pelos vistos, pouco deram a conhecer - as entidades que porventura soubessem bem o que estava em causa - que o Mecanismo Europeu de Estabilidade (financeira...) iria acompanhar durante pelo menos 20 anos a governação em Portugal através de visitas semestrais tendentes a verificar se no respectivo entender Portugal estará a tomar as disposições necessárias para o pagamento dos empréstimos e juros concedidos pelo Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (entretanto substituído pelo Mecanismo Europeu - fácil de entender, não é ?).

Ou seja: Portugal está, e vai continuar, com a sua soberania sofrendo de limitações.

Esperaria eu, quando o nosso país aderiu ao projecto de uma união europeia em que houvesse solidariedade em momentos difíceis - como foi o caso da crise financeira mundial - que tal apoio mútuo ocorresse tendo em conta as situações difíceis que surgissem, evidentemente com a aceitação de acções correctoras de erros cometidos.

Não parece ser o caso, e não nos devemos assim admirar que surjam correntes de opinião propondo referendos ou revisões de Tratados, e, quem sabe, recuo da "União" para uma "Confederação".

22.Junho.2014.