"Ponto de vista": Uma "revolução constitucional" ?

    Uma "revolução constitucional" ?

    Realizam-se hoje em França eleições para a escolha de um terço do Senado, através de um colégio eleitoral composto quase exclusivamente por cerca de 150 mil membros dos conselhos municipais das cerca de 35 mil comunas - divisão territorial com alguma equivalência à das freguesias em Portugal.
    
    Trata-se de uma Câmara com importantes funções, que a par da Assembleia Nacional detem poderes legislativos e de controle da acção governativa, se bem que em última instância e em caso de impasse prevaleça o poder do Parlamento.
    
    Esta organização do poder político teve em vista fomentar uma maior aproximação entre eleitores e eleitos, problema que continua a colocar-se na grande maioria das democracias de base parlamentar apoiada na representação popular decorrente de eleições regulares, e que de uma fase inicial em que a distância dos cidadãos aos centros de poder não deixava outras alternativas que não fossem a delegação de poderes passou a enfermar, por paradoxal que pareça, dos problemas decorrentes de um grande aumento dos sistemas de informação pública traduzidos numa diminuição dos contactos directos face a face.
    
    Em Portugal passou-se de um sistema autoritário e censório, disfarçado de democrático através de forte manipulação dos sistema eleitoral, para uma democracia de base parlamentar cuja vigência plena ocorreu a partir de 1982, extinto que foi nesse ano o Conselho da Revolução, mas que não conseguiu o desiderato de aproximar os eleitores dos eleitos, como é voz corrente e as sondagens de opinião o atestam.
    
    É  por tal motivo que se impõe a necessidade da criação de sistemas que fomentem uma maior participação política dos cidadãos, e a criação de um Senado em termos algo semelhantes aos seguidos em França poderia ser um passo apropriado em tal direcção.
    
    Tenho vindo assim a propor um modelo baseado na eleição de tal Senado através de um colégio eleitoral constituído pela totalidade dos membros das Assembleias de Freguesia (actualmente cerca de 25 mil), solução que permitiria aos cidadãos delegarem nos seus representantes mais próximos a escolha de uma Câmara de representação a que outorgassem importantes funções legislativas e de controle do poder político, sem porém retirarem aos Deputados a última palavra no processo legislativo.
    
    E, como já afirmei anterior e recentemente nestas páginas, bem como em alguns artigos na imprensa clássica, ao reforço do poder político dos eleitos nas freguesias deveria logicamente corresponder um aumento das respectivas atribuições e competências na esfera do poder executivo, incluindo a redistribuição e descentralização de recursos das câmaras municipais.
    
    Tal reformulação implicaria obviamente a reorganização do mapa das autarquias, pois uma participação política aprofundada não é compatível com a existência de freguesias com muitos eleitores.

    Se os cidadãos sentirem que os representantes que elegeram directamente têm mais capacidade para melhorarem as condições de vida do local onde estão radicados, e que têm poderes de intervenção importantes na escolha de parte dos órgãos legislativos nacionais e das assembleias municipais, o seu grau de participação na vida política seguramente aumentará, e os partidos deixarão de aparecer como feudos inexpugnáveis, pois aumentará o grau de permeabilidade entre eles e os cidadãos.

    Como referi há dias, aos partidos políticos nada seria retirado com a aplicação destes princípios, pois o aumento da participação política a nível local teria decisivo papel na melhoria do respectivo funcionamento e na sua ligação aos eleitores, atenuando-se a o existente fosso entre uns e outros - e que não é resolvido através de eleições "primárias" em que mais do que projectos se confrontam personalidades.

   E como proceder ? Uma "revolução constitucional" ?

28.Setembro.2014.