Um ano de exercício do "novo" Poder Local.
No final de 2013 entrou em vigor uma nova divisão administrativa do território no que respeita às Freguesias, na sequência do disposto no Memorando de Entendimento visando a concessão de um Programa de assistência financeira cujas disposições principais foram dadas como terminadas em Maio do corrente ano.
Tal Memorando previa uma profunda reorganização dos limites dos concelhos e freguesias existentes, visando uma substancial redução do respectivo número através de múltiplas agregações, mas certamente por influência das estruturas partidárias de implantação a nível municipal os concelhos ficaram como estavam, tendo sido as indefesas Freguesias o alvo da sanha reformadora do famoso Ministro Relvas, passando a ser metade das existentes.
Se é certo que em casos como os de Lisboa e Barcelos havia freguesias de reduzida dimensão (no caso de Barcelos eram cerca de 80) em que se justificaria um processo de agregação, já noutros, como em Cascais e Oeiras, houve a constituição de uniões de freguesias já de si muito populosas passando por exemplo a de Algés, com cerca de 20 mil cidadãos, a fazer parte de uma "União de Freguesias" com mais do dobro da população.
Um aspecto positivo, porém, da reorganização ocorrida foi - em teoria - a atribuição de mais algumas competências às freguesias, bem como da possibilidade de transferência de poderes e recursos dos municípios.
Contudo na grande maioria dos casos pouco ou nada foi concretizado, durante o ano que agora cessa, quanto a tais transferências, debatendo-se assim as novas freguesias com os mesmos problemas de incapacidade de prover a situações que seriam facilmente resolúveis numa perspectiva de proximidade, isto acrescido das dificuldades provocadas pelos aumentos populacional e territorial.
Tais situações geram por parte dos cidadãos o aumento da descrença nas capacidades do Poder Local, de que são um exemplo a frequência nas reuniões públicas mensais quer das Assembleias quer das Juntas de Freguesia, em que está previsto um período para intervenção do público: antes da "reorganização" a participação média nas reuniões da Junta de Algés era de 5 pessoas, e depois decresceu para 4 - isto, numa "União de Freguesias" agora com quase 50 mil cidadãos residentes ! E o panorama na Assembleia de Freguesia é análogo, embora obviamente com números um pouco mais elevados.
Heroicamente prosseguem os eleitos, nomeadamente na Junta, a tentar colmatar a falta de competências e recursos, apesar de as retribuições financeiras que lhes são outorgadas serem quase simbólicas face às responsabilidades que têm.
Por outro lado, ocorreu igualmente a extinção de muitas pequenas Freguesias no interior do nosso país, e que eram - com custos reduzidíssimos - um dos poucos meios de contacto entre uma população desprotegida e a Administração Central.
Como já tenho escrito nestas net-páginas, resta saber quais as poupanças de gastos públicos nesta reorganização (talvez apenas na ordem de algumas dezenas de milhões de Euros), para nos interrogarmos sobre a respectiva eficácia, tanto administrativa como política.
Se os cidadãos sentissem que as Juntas de Freguesia tivessem mais poderes e recursos, que as suas reclamações quanto ao asseio, à segurança, às pequenas reparações na via pública, ao trânsito, ao estacionamento de viaturas, e mesmo quanto à solidariedade social, tivessem soluções mais rápidas e eficazes - e com menos custos - participariam certamente muito mais na vida pública local, e todo o sistema político beneficiaria de tal.
É assim oportuno que se comece a pensar na atitude a tomar face a uma das mais desastradas disposições contidas no Memorando de 2011, pois parece ser óbvio que Portugal não deve continuar vinculado ao cumprimento de acções contraproducentes face aos objectivos de racionalização das despesas públicas nem atentatórias do exercício da democracia.
Ao mesmo tempo talvez se venha a verificar - esperemos que em tempo útil - que o aumento das capacidades do Poder Local, e respectivas consequências na organização geral do Poder político, é a solução democrática para se revitalizar uma União Europeia cujas instituições estão cada vez mais afastadas dos cidadãos.
28.Dezembro.2014.