"Ponto de vista": Cerco da sede da DGS/PIDE: personagens da História.


 .  Cerco da sede da DGS/PIDE: personagens da História.

    Perdoar-me-á - quem porventura leia estas páginas com mais assiduidade - a circunstância de nos últimos "Pontos de vista" aqui apresentados se tenham focado aspectos relacionados com o cerco e ocupação da sede da DGS/PIDE, mas tal tem sido devido também à profusão de testemunhos, antigos e recentes, que têm surgido nos últimos dias a propósito de tal episódio, e de que a série audio-visual da RTP 2 assinada pelo distinto Jornalista Jacinto Godinho é um excelente exemplo.

    O primeiro documentário da citada série, passado ontem, é baseado numa primeira edição apresentada há um ano, e acrescenta-lhe novos testemunhos, imagens e transcrições radiofónicas relativamente a diversos acontecimentos ocorridos na sede da polícia política e nas suas imediações nos dias 25 e 26 de Abril, entre os quais depoimentos do então Capitão e agora Coronel de Cavalaria Alberto Ferreira, bem como de diversos cidadãos que participaram nas movimentações espontâneas dirigidas contra a DGS/PIDE.

    O testemunho do Coronel Alberto Ferreira, inédito em termos audio-visuais, vem ajudar a compreender melhor o que sucedeu no cerco e entrada das forças militares na sede, nomeadamente no que respeita a alguma descoordenação decorrente da existência de diversos "actores" que emitiam instruções para o teatro de operações: o General António de Spínola - com as suas intenções oscilantes relativas ao futuro da DGS/PIDE, contactando quer o respectivo Director-Geral directamente, quer o então Inspector-Superior Coelho Dias -, os Oficiais de maior  confiança do General Spínola, os Oficiais constituindo o Posto de Comando do movimento militar, no Regimento de Engenharia da Pontinha, e o Comandante Carlos Contreiras, no Centro de Comunicações da Armada.

    Mas por outro lado algo há no documentário que é importante para se perceber a importância que as mortes de 4 cidadãos alvo dos disparos de pessoal da DGS/PIDE tiveram no evoluir da situação local e nas incidências respectivas no plano político geral, e esse algo é o ambiente de desespero e de alta tensão vivido pelos manifestantes objecto das armas de fogo, e que acicatou ainda mais a repulsa que a generalidade do povo sentia por um organismo altamente responsável pela repressão da liberdade, ambiente esse que nunca tinha até agora, que me lembre, sido tão bem retratado.

    A importância das fontes de informação que eu designaria de "secundárias", mas nem por isso menos importantes, é essencial para se elaborar a História, pois por vezes desmistificam os relatos "oficiais". E os cidadãos menos conhecidos que testemunharam o que viram e sentiram naqueles momentos são fundamentais para se compreender o que então se passou, assim como o são muitos outros que anonimamente participaram em operações militares naqueles dias. 

    E assim entramos nos caminhos das hipóteses: se tais mortes não tivessem ocorrido, quer por se ter estabelecido um cordão de forças impeditivo do acesso às imediações da sede da DGS/PIDE, quer por se ter forçado a retirada dos manifestantes que certamente acorreriam ao local (como viria a acontecer), teria o pessoal da polícia política sido enviado para a prisão de Caxias, ou aguardaria em suas casas o destino administrativo decorrente da prevista extinção (inicialmente não admitida pelo General Spínola) ?

    Teria havido julgamentos - em tribunais militares ou civis - dos agentes torcionários e autores de assassinatos, bem como dos responsáveis por tais actos ?

    Um distinta Professora de História, Luísa Tiago de Oliveira, caracterizou o cerco e ocupação da sede da DGS/PIDE como sendo a versão em Portugal da tomada da Bastilha, pelo que as respostas a estas perguntas - novas hipóteses, aliás - são difíceis. 

    Mas o que é inegável é que as mortes ocorridas junto à sede da polícia política aceleraram o passo da História.

    26.Abril.2015.