"Ponto de vista"- Refugiados: catalisadores de transformações políticas na UE ?


   Refugiados: catalisadores de transformações políticas na UE ?

Escrevi há algumas semanas nestas páginas que diversos exemplos demonstram o papel dos diversos tipos de catalisadores em transformações de natureza política que sem a sua existência evoluiriam muito gradualmente, e em muitos casos não na direcção que acabaria por ser imprimida às reacções sociais na sequência de tais detonadores.

Tal artigo incidia mais sobre aspectos internos da vida política de um Estado, em particular sobre Portugal; porém a actual conjuntura mundial, em particular na área euro-mediterrânica, faz suscitar a necessidade de uma reflexão sobre os efeitos de tipo catalítico que o movimento de refugiados em direcção ao centro e norte da Europa pode provocar na frágil organização política da União Europeia.

Desde já importa acentuar que a União Europeia não anteviu adequadamente o que poderia ocorrer na sequência do agravamento dos conflitos que ocorreram e ocorrem nos Estados a sul e a sueste das suas fronteiras, ou seja, desde o Afeganistão à África mediterrânica - sem esquecer os situados no nordeste africano.

Limitou-se a, na vetusta tradição burocrática que a tem caracterizado, observar um conjunto de regras, conhecidas por "Protocolo de Dublin", que constam do pesado Regulamento 1560/2003 - ainda assinado por António Vitorino, enquanto Membro da Comissão Europeia, e que tinha sido elaborado para a apreciação de pedidos de asilo formulados em situações "calmas" totalmente longe de fenómenos de migração de dezenas de milhares de cidadãos em períodos extremamente curtos, como é o caso actual.

Totalmente desadaptado face às presentes circunstâncias, o citado Protocolo obrigaria a que fosse o Estado-Membro onde se apresentasse o requerente de asilo a registar o respectivo pedido - claro que num conjunto de impressos, como não podia deixar de ser ... - e a que fosse processada posteriormente a respectiva deslocação para o local que o aceitasse, situação burocrática obviamente desadequada, originando depois toda a confusão a que quase impotentes temos vindo a assistir.

Está fora do âmbito do presente texto analisar-se a falta de direcção política de uma "União" que ao arrepio dos seus Princípios e dos Tratados que os adoptam não procurou reflectir sobre o que se poderia e deveria ter feito (e ainda deve) em matéria de coordenação com os Estados de passagem intermédia, nomeadamente a Turquia (candidata a Membro da UE...), bem como outros potenciais receptores de refugiados no Médio-Oriente. E, igualmente, a falta de uma política de preparação dos cidadãos europeus para o dever de procurar acolher refugiados de conflitos provocados por alguns dos seus Estados-Membros, em colaboração subserviente para com os EUA conforme acordado na "cimeira quadripartida dos Açores", iniciativa cujo anfitrião foi D.Barroso e cujos erros acabam de ser reconhecidos por um dos participantes em tal cimeira: T.Blair.

Igualmente está fora do escopo destas reflexões um conjunto de interrogações sobre a razão de só recentemente ter eclodido esta enorme migração, bem como sobre o perfil socio-económico que parece caracterizar a maioria dos respectivos participantes.

O que porém não está fora dos objectivos destas linhas é a constatação do quadro de desagregação política da UE, bem com o seu agravamento, cuja tradução se tem reflectido no aumento dos nacionalismos excessivos e de tendências xenófobas, uns e outros constituindo forças centrífugas que pouco auguram de bom quanto à consistência e evolução positiva do projecto de união europeia.

De acordo com as modernas teorias de auto-organização, as acelerações ou retardamentos no respectivo quadro evolutivo são normalmente provocadas por fenómenos catalisadores, quase sempre inesperados, e a migração de refugiados para a União Europeia pode assumir tal papel, que infelizmente não parece apontar para o caminho de uma maior consistência da organização.

Poderia sê-lo se assumisse contornos de ameaça exterior, o que não é o caso, pelo que é de prever um período em que a União perderá grande parte da sua eficácia decisória - não se afigurando que a moeda única possa constituir um factor de agregação de todos os Estados-Membros - mantendo-se apenas funcionando numa perspectiva de "serviços mínimos".

Até que um novo e inesperado catalisador - de natureza externa - provoque uma reacção que leve a uma nova subida da sua consistência organizativa.

Esperemos, pois, que não tenhamos muito que esperar.

1.Novembro.2015.