Schengen: um catalisador de desagregação da UE.
Desde que no princípio de Novembro passado me referi nestas páginas ao papel que o fluxo de refugiados poderia vir a ter na organização da União Europeia diversos sinais vieram corroborar as previsões algo pessimistas que então apresentei.
De entre elas avultam as mudanças de atitude dos governos de alguns países escandinavos, aumentando as dificuldades para a recepção de refugiados ou procedendo a processos de repatriamentos - eivados das óbvias dificuldades.
Igualmente se destacam a instalação de mais barreiras físicas nas fronteiras de Estados-membros do leste, e as declarações de suspensão temporária de procedimentos previstos nos acordos de Schengen e Dublin, bem como a "devolução" pela Alemanha de imigrantes à Áustria e a deterioração das vergonhosas condições de vida na "zona" de imigrantes em Calais.
Por outro lado, incidentes de agressões sexuais aparentemente originados por imigrantes provindos do Médio-Oriente e de África contribuíram para agravar negativamente a opinião pública quanto aos refugiados, que já tinha sido profundamente abalada pelos atentados de Paris no passado mês de Novembro.
Grécia e Itália - em particular o primeiro daqueles Estados - continuam a sentir a falta de apoio da União no que respeita à recepção dos que arriscam a vida na travessia do Mediterrâneo (no qual pereceram por exemplo na última semana largas dezenas de infelizes explorados por criminosos traficantes).
Não são suficiente conhecidos estudos (que nos permitiriam compreender melhor os processos de possíveis decisões sobre políticas a prosseguir) sobre os perfis sociológicos dos imigrantes candidatos a pedidos de asilo, nem dados sobre os apoios financeiros da UE nomeadamente à Turquia (mas também aos outros países do Médio-Oriente que já receberam diversas centenas de milhares de refugiados, em particular o Líbano e a Jordânia), e sobre o eventual apoio dado pelos Sauditas e pelo Irão.
Não é de esperar,igualmente, que a conferência de paz sobre a Síria que hoje tem início em Genebra venha produzir resultados positivos num prazo curto, pelo que a situação global deve por algum - diria bastante - tempo continuar a agravar-se perante o olhar impotente de Federica Mogherini, Alta Representante da UE para a Política Externa e Segurança.
Como já em Novembro referi, as acelerações ou retardamentos significativos no quadro evolutivo das auto-organizações (como é o caso da UE) têm normalmente a sua origem em fenómenos catalisadores, quase sempre inesperados.
A migração em larga escala de refugiados poderia ter provocado tal papel, que infelizmente no presente caso não apontou no sentido de passar a haver uma maior consistência da União Europeia, levando assim ao proliferar de decisões autónomas dos Estados-membros, com pouca ou nenhuma coordenação geral e originando assim a perda de grande parte da sua eficácia decisória, reduzida cada vez mais a aspectos de natureza financeira - e só para os Estados-membros pertencentes à Zona Euro...
Não me parecendo que a União Europeia venha a encontrar em si mesma a clarividência que leve a um aumento da sua consistência organizativa resta-nos assim esperar que surja um novo catalisador que o possa suscitar.
Até lá, procuremos - tal como em 1946 - contribuir para a descoberta de um novo Espírito Europeu.
31.Janeiro.2016.