Turquia: um "11 de Março", mas bem sangrento.
Já lá vão quase 50 anos desde que E.Luttwak publicou o seu famoso manual sobre como executar um golpe de Estado.
O título era, e é, "Coup d'Etat: a practical Handbook", estando mais do que provada a sua alta qualidade dado que quando não observados os procedimentos aconselhados as tentativas de golpe não têm sucesso pleno.
Tal ocorreu, por exemplo, na operação "Mar Verde" (Conacri, 22.Nov.1970), em que o objectivo principal era a deposição do Presidente Sekou Touré (e a "neutralização" de Amílcar Cabral); na tentativa encabeçada pelo General A.Spínola em Portugal (11.Mar.1975), onde se procuraria a substituição do General Costa Gomes; e no recentíssimo episódio na Turquia, em que se visava a destituição de T.Erdogan, e em que em todos aqueles episódios não foram concentrados esforços para a concretização de tais objectivos primordiais.
A propósito e a título de curiosidade: em 1967, portanto antes da publicação do livro de E.Luttwak, alguns jovens oficiais que na Escola de Fuzileiros aguardavam com as suas Unidades embarque para África planearam um golpe de Estado.
O esquema previsto assentava no transporte em LDM (lanchas de desembarque médias), uma vez que o rio Tejo não era então objecto de vigilância especial, que atracariam nos cais de Santos, seguindo uma Força para a Emissora Nacional (trajecto de poucas centenas de metros), onde chegaria antes do início da emissão (então às 6 da manhã) de modo a ser convidado o locutor de serviço a ler uma proclamação adequada, a ser repetida de 2 em 2 minutos, e que incluiria um apelo ao povo para se manifestar junto aos quartéis e sedes de poder político.
Outra Força seguiria para a residência oficial do Presidente do Conselho de Ministros, onde zelaria por que esta personalidade não caísse de nenhuma cadeira nem comunicasse com o exterior, e estabeleceria adequado perímetro de segurança ao edifício; e uma terceira Força apoderar-se-ia de algumas viaturas e dirigir-se- ia para a residência do Presidente da República, onde procederia de modo similar.
Claro que era uma luta contra o tempo, pois era preciso que a eventual mobilização popular impedisse os efeitos de uma neutralização dos emissores radio.
Como razões para a não concretização deste quadro ressaltam a falta de contactos sólidos com personalidades relevantes da oposição ao regime político de então, bem como com outras forças militares susceptíveis de adesão ao plano, e a incerteza sobre a força da adesão popular - elementos posteriormente assinalados como fundamentais por E.Luttwak...
Alguns dos oficiais participantes, bem como sargentos e praças, tiveram assim que esperar 7 anos por novas condições que permitissem o derrube do regime autoritário que então vigorava.
Voltando a "Coup d'Etat": tanto em 1975, em Portugal, como agora na Turquia, (e também em Conacri) falharam duas condições essenciais, bem destacadas naquele livro: a detenção dos mais relevantes responsáveis políticos e a neutralização dos principais meios de informação pública, bem como a difusão nestes da notícia de ter sido derrubado o regime político.
Porém o que mais ressalta é o profundo amadorismo que marcou as tentativas de golpe de estado em particular nos casos de Portugal em 1975 e na Turquia há alguns dias.
Turquia que "assegura" a defesa do flanco sueste da NATO.
Com militares detentores destas competências tanto na concepção como no planeamento e execução de operações? E ao mesmo tempo desrespeitadores dos representantes eleitos em eleições livres e democráticas ?
E agora com um Presidente que para já aproveita para suspender de funções os juízes de que não gosta ? E talvez fechar os jornais que não o louvarem ?
17.Julho.2016.