"Ponto de vista" - Eleições democráticas: 40 anos.


   Eleições democráticas:40 anos.

O falecimento, há poucos dias, do Prof. António Barbosa de Melo trouxe à minha memória a recordação das circunstâncias em que o conheci, no já distante ano de 1976.

Despenhava eu as funções de Director-Geral do então STAPE - Secretariado Técnico dos Assuntos para os Processos Eleitorais, a quem competia a organização dos diversos actos eleitorais que consubstanciavam os passos essenciais para a implantação da democracia em Portugal.

E não foram poucos: em Abril, as eleições para a Assembleia da República (que ocorreram no mesmo dia em que entrou em vigor a Constituição aprovada no início daquele mês), em Junho, o acto eleitoral para a escolha do Presidente da República, logo seguido das eleições para as Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, terminando em Dezembro com as eleições para os Órgãos de Poder Local.

Tais actos foram realizados de acordo com leis eleitorais propostas pelo Governo, mediante projectos elaborados pelo STAPE com o apoio de um Grupo de Trabalho composto por insignes juristas designados pelos principais políticos representados na Assembleia Constituinte, ao qual eu presidia (!) . E o Prof.António Barbosa de Melo participou activamente na redacção de tais projectos, que passavam depois pela aprovação do Ministro da Administração Interna (primeiro o então Comandante Vasco Almeida e Costa, e depois o Coronel Manuel da Costa Braz).

Foram dias de trabalho intenso, em que os Colaboradores do STAPE mostraram toda a sua dedicação e empenho (e seja-me permitido assinalar os Drs.Mateus Roque - infelizmente já falecido - que me sucedeu, e Jorge Miguéis, que há poucos meses completou 40 anos de direcção superior - ainda não adequadamente assinalada pelo Governo).

Foi assim que tive a oportunidade de apreciar a lhaneza, competência e simplicidade do Prof.António Barbosa de Melo, que conjuntamente com outros distintos juristas que oportunamente recordarei contribuiu para a elaboração de leis que até hoje não foram objecto de modificações estruturais.

E contudo, algo distraidamente, num país tão dado a comemorações, poucos responsáveis políticos recordaram o 40º aniversário de tais actos eleitorais, tão importantes e decisivos para Portugal.

O Presidente da Assembleia da República, adequadamente alertado a tempo, terá ficado ofuscado com as comemorações da aprovação da Constituição, não compreendendo, ou esquecendo, que deveria ser igual e adequadamente assinalado um especial aniversário da realização das eleições que lhe permitiriam mais tarde vir a presidir ao fulcral pilar da nossa democracia, atitude que aliás foi imitada por parte da grande maioria dos grupos parlamentares...

Por outro lado, o Governo poderia e deveria ter recordado o seu papel organizativo naquele acto, suscitando tal assunto ao Presidente da Assembleia e assim recordando a hipótese de uma comemoração apropriada, mas também tal não lhe ocorreu, apesar de ter sido tentada a apresentação de apropriada sugestão.

O Presidente da República, provavelmente considerando que ainda seria cedo para tomar iniciativas no princípio do seu mandato face à atitude passiva da Assembleia da República e do Governo, apenas poderia ter optado por uma forma indirecta de comemoração, promovendo então um acto de homenagem ao primeiro Presidente eleito no novo ordenamento constitucional.

As eleições regionais de 1976 foram discretamente comemoradas pelas Assembleias Legislativas respectivas, pelo que resta, em termos de comemoração dos actos eleitorais de 1976, a concretização dos realizados relativamente ao Poder Local, que pela sua própria natureza serão por certo adequadamente recordadas na generalidade dos municípios e das freguesias.

Porém, enquanto instrumentos vitais que são na estruturação do sistema democrático, não podem nem devem ser esquecidos quer pelo país em geral, quer pelos seus representantes políticos, que não deveriam deixar de procurar encontrar fórmulas que recordem a importância dos primeiros actos eleitorais que permitiram a sua implantação em Portugal.

Ainda há muito a fazer, em termos de consolidação do Poder Local. Porém há que não o esquecer.

11.Setembro.2016.