No reino da Net, ver, ler, ouvir - e pensar: será verdade ?
Desde há muitos anos que um dos meus grandes amigos, Frei Eugénio (Boléo), e eu mantemos enriquecedores debates sobre múltiplos assuntos, e um deles é precisamente o que decorre do título de presente "Ponto de vista", que assumiu particular preponderância durante a campanha eleitoral de H.Clinton dado o enorme volume de informações notoriamente falsas postas a circular na Internet a propósito daquela candidatura.
Assim, recorro a trechos que a propósito deste tema publiquei nestas páginas - um deles, já em 2010 - para acentuar a crescente importância deste assunto, que mina já profundamente o bem precioso que é a liberdade de informação e de opinião - bem como a respectiva circulação.
É que cada vez é mais importante a ponderação dos cidadãos sobre a qualidade e a fiabilidade da informação que lhes é transmitida, inclusivamente por meios audio-visuais, uma vez que as técnicas de manipulação de imagens e sons atingem actualmente níveis de sofisticação absolutamente impressionantes.
Acresce o facto de o correio electrónico, os blogues, e as redes sociais electrónicas permitirem a proliferação de informação ou de documentos de reduzida credibilidade - para não referir os que envolvem acções de mistificação - bem como a publicação de comentários anónimos ou sob falsa identidade, com a inevitável probabilidade de ocorrência do insulto ou da falta de fundamentação.
Debate-se entretanto o jornalismo com o problema da manutenção gratuita das versões "on-line" dos orgãos de informação escrita face à por enquanto ainda reduzida vertente da publicidade paga, problema que poderá chegar às próprias estações de televisão e radio dado o aumento da banda larga na Internet, suscitando então quer uma maior presença da publicidade comercial quer o pagamento do acesso aos conteúdos; ou, o que parece ser mais provável, um misto das duas opções.
O facto é que o cidadão desejoso de obter a informação com maior grau de credibilidade terá que a procurar onde existam profissionais de mérito, que obviamente têm que ser pagos tanto através da aquisição do produto, como dos rendimentos decorrentes da publicidade.
Por outro lado, permanecerá a dúvida sobre se os possuidores dos meios de informação pública interferem - mesmo que subliminarmente - no trabalho de jornalistas, levando a que a informação transmitida não seja isenta e que a independência seja algo posta em causa, induzindo assim a necessidade de uma postura de verificação permanente nomeadamente através da tentativa de comparação de diversas fontes sobre o que nos vai sendo transmitido.
A título de exemplo, recorda-se que circulou na Internet, já em 2010, um vídeo que mostrava um acidente provocado por um transeunte que se teria colocado à frente de um autocarro de passageiros numa avenida em Lyon, para pouco tempo depois ter surgido no Youtube um outro video que, repetindo a visualisação do ocorrido, mostrava depois como aquele tinha sido forjado com o recurso a modernos métodos de composição audiovisual (e que se pode ver a partir daqui ).
Este tipo de episódios, agora frequentes, deve fazer-nos reflectir sobre a múltiplas questões que o advento da Internet trouxe no que respeita à avaliação da credibilidade do que nos é transmitido, pois enquanto há uma dezena de anos os detentores dos meios de transmissão em massa de informação estavam relativamente bem identificados, agora contam-se por milhões.
Longe vão os tempos em que a transmissão do conhecimento se fazia essencialmente pela oralidade, sendo o cavalo o meio de transmissão de documentos mais rápido, oralidade essa acrescida lenta e progressivamente de outros meios que porém estavam limitados pela natureza das respectivas capacidades, desde a transmissão gravada em pedra, papiro e papel até ao aparecimento da imprensa, que porém manteve durante muito tempo uma reduzida capacidade de tiragem.
Com a radio, e depois com a televisão, manteve-se a caracterização de uma quase unidireccionalidade, que perdurou ao longo do séc. XX para agora se ter transformado de modo quase exponencial graças ao desenvolvimento da Internet e em que o correio electrónico, os blogues, e agora as redes sociais permitem a proliferação de informação ou de documentos de reduzida credibilidade - para não referir os que envolvem mistificação - mas agora potenciados pela multidireccionalidade.
Debate-se entretanto o jornalismo com o problema da manutenção gratuita das versões instantâneas ("on line") dos orgãos de informação escrita face à por enquanto ainda reduzida vertente da publicidade paga, problema que poderá chegar às próprias estações de televisão e radio dado o aumento da banda larga na Internet, suscitando então quer uma maior presença da publicidade comercial quer o pagamento do acesso aos conteúdos; ou, o que parece ser mais provável, um misto das duas opções.
A mistificação do vídeo de Lyon é um exemplo a reter no que respeita à avaliação da credibilidade, pelo que importa não se esquecer a conveniência de a procurarmos aferir no que nos é transmitido.
Daí´, o título deste escrito, infelizmente direccionado para uma "sociedade da desconfiança":
"ver, ler, ouvir - e pensar: será verdade ? ", e que deverá estar sempre presente quando vemos (na Tv e correlacionados, lemos (nomeadamente na Net), ou ouvimos (por exemplo na radio ou quando algo nos é transmitido oralmente), pensando: será mesmo verdade ?
Doutro modo, arriscamo-nos a nos transformarmos em autómatos do "forward" ou "share", reencaminhamento forçadamente traduzido para "partilhar" - bastante longe aliás do tradicional conceito de partilha ...
E voltando ao debate com Frei Eugénio, eis as dúvidas que surgiram:
- os possíveis recebedores do “ponto de vista” muito provavelmente não vêem a importância desta questão;
- ou então dizem que “não têm tempo para verificar”, ou que “apenas reenviam o que receberam de alguém conhecido, mas que não vão verificar a credibilidade”;
- mesmo pessoas que explicitamente se dizem católicas não têm nenhuma preocupação com a difusão de mentiras e calúnias, como se a Verdade e o bom nome dos outros não fossem dois aspectos centrais do ensino moral de Jesus;
-quanto às informações contendo enormes distorções que vão suscitar votações e decisões gravemente erradas, estão muito pouco sensíveis;
-outras acabam por simplesmente colocar no lixo essas mensagens suspeitas ( o que já não é mau), mas não se preocupam em avisar quem enviou, nem quem recebeu.
Em conclusão, diria que o essencial reside em se aumentar o nível de transmissão do conselho de pensar sempre "Será verdade? Tentemos verificar e informemos".
8.Janeiro.2017.