No Cairo, confronto ou encontro ?
Não será certamente por acaso que o Egipto foi visitado formalmente pelo Papa João Paulo II e pelo Presidente dos EUA B.Obama, e posterior e recentemente pelo Papa Francisco, tendo estas duas últimas personalidades proferido importantes discursos na Universidade Al-Azhar - a instituição de referência teológica no Islão sunita (seguido, não o esqueçamos, por 90% dos muçulmanos).
Ao visitar aquela Universidade e ao nela pronunciar mais um notável discurso - mesmo mais ecuménico do que o que dirigiu ao "Encontro Ecuménico Mundial" durante a mesma deslocação ao Egipto - Francisco deu mais um corajoso passo na perspectiva da procura do diálogo entre religiões e no mesmo sentido que tinha estado subjacente à anterior visita em 2000 de João-Paulo II às comunidades cristãs daquele país, mas muito mais abrangente na medida em que Francisco se dirigiu principalmente à religião muçulmana.
Recorde-se que, tal como assinalado oportunamente nestas páginas, o General Abdu l-Fattāḥ Sa‘īd Ḥusayn Khalīl as-Sīsī, mais conhecido por Al-Sisi, que ascendeu à Presidência do Egipto na sequência de um golpe-de-estado (se bem que legitimado por posteriores eleições geralmente reconhecidas como validando uma maioria significativa de adesão entre os egípcios) seria quem paradoxalmente viria a pronunciar na mesma Universidade, há cerca de três anos, um discurso considerando preocupante que a ideologia continuasse a ser santificada a tal ponto que seja difícil analisá-la sem preconceitos, e que a religião a ela associada estivesse assim a ser hostil ao resto do mundo, sendo inconcebível - acentuou - que 1 bilião e meio de muçulmanos pudessem querer eliminar os restantes 7 biliões de "infiéis", afirmando que "temos que mudar radicalmente a nossa religião".
É certo que o Grande Iman Ahmad Al-Tayeb, máxima autoridade religiosa (sunita) da Universidade e Mesquita de Al-Azhar, salientou na mesma cerimónia que o Islamismo não deve ser considerado como uma religião de terrorismo, mas antes de paz, recordando ao mesmo tempo o passado triste de guerras e violência que o Cristianismo praticou, tendo os seus responsáveis olhado, sem se pronunciar, para as guerras mundiais que, afirmou, deixaram um rasto de destruição que incluiu 70 milhões de mortos, e o surgimento de armas maciças como as que arrasaram Hiroshima e Nagasaqui - não se tendo referido a outros tristes episódios talvez porque também partilhados analogamente por outras religiões, incluindo a sua - e salientando que se forem consideradas as acusações ora feitas contra o Islão "nenhuma religião, civilização, regime, ou História ficará inocente".
Francisco, por seu turno, afirmou que "educar para a abertura respeitosa e o diálogo sincero com o outro, reconhecendo os seus direitos e liberdades fundamentais, especialmente a religiosa, constitui o melhor caminho para construir juntos o futuro, para sermos construtores de civilização."
E que para "este desafio tão urgente e apaixonante de civilização, somos chamados, cristãos, muçulmanos e todos os crentes, a prestar a nossa contribuição".
Esqueceu porém o Papa Francisco os não-crentes, que têm a autoridade moral de não se deixarem refugiar sob invocações "divinas" para serem arrastados para conflitos em vez de se procurarem soluções pacíficas para diferendos existentes.
Mas que estão de aordo em que o caminho reside em melhor informação, melhor educação, e melhores sistemas políticos de participação - incluindo em especial as mulheres, sempre sem presença enquanto dirigentes eclesiásticas, e tantas vezes sem voz, ou com reduzida capacidade de intervenção social ou política - mesmo professando religiões não monoteístas.
Esperemos que na comparação das declarações de intenções e das acções concretizadas pelas personalidades aqui citadas - Presidentes H.Mubarak, Al-Sisi e B.Obama, Iman A.Tayeb, e Papas João-Paulo II e Francisco - ressalte um caminho comum que evite confrontos a nível mundial dos quais ninguém sairá vencedor.
30.Abril.2017.c