"Ponto de vista" - Descentralização administrativa: o esquecimento habitual.


     Descentralização administrativa: o esquecimento habitual...

Em discurso hoje proferido perante a Associação Nacional de Municípios Portugueses o Primeiro-Ministro voltou a referir o seu propósito e do Governo a que preside de avançar rapidamente no processo de descentralização administrativa, centrando-se essencialmente sobre os Municípios.

Mais uma vez deixou para segundo plano as Freguesias, esquecendo que se a descentralização administrativa centrada nos municípios é essencial para aumentar a eficácia do Estado, a descentralização política  - que é fundamental para a melhoria da vivência democrática - deve ter o seu cerne nas Freguesias, onde se pode melhor exercer o diálogo entre os cidadãos e os seus representantes.

Regresso assim ao que , na sequência de diversos "Pontos de vista" sobre estes assuntos, escrevi recentemente, recordando que está em vigor uma "Reorganização Administrativa do Território das Freguesias", cuja responsabilidade foi da legislatura anterior, na sequência de Proposta de lei elaborada pelo Governo de então (após desistência na tentativa de proceder à "Reorganização Administrativa do Território Autárquico" - a famosa RATA - sob o alto patrocínio do Ministro M.Relvas, que sossobrou face à inevitável oposição das "concelhias" partidárias, sustentáculo de base do actual sistema político, e que levou a que a sanha reorganizativa da época se concentrasse sobre as freguesias, obviamente mais frágeis).

E, como então mencionei, foram assim fundidas em "Uniões" freguesias já de si extremamente populosas, como sucedeu por exemplo (entre muitos) e para além do caso citado inicialmente, com a de Linda-a-Velha, com quase 20 mil eleitores, que com outras duas de bastante menor dimensão foi associada à de Algés - pouco menos de 20 mil - para se constituir uma "União" de quase 42 mil eleitores !

Assim, tão ou mais importante do que activar a plena execução da Lei das Finanças Locais em especial no que se refere a delegações de competências, tal como o Primeiro-Ministro anunciou no citado discurso, é proceder a uma séria revisão dos limites das Freguesias, dadas as enormes dimensões com que muitas das respectivas "Uniões" ficaram.

É que, para além do exemplo acima citado, não devemos esquecer que presentemente há dezenas de Uniões de Freguesias com mais eleitores do que muitos concelhos: nestes, por exemplo e actualmente os de Mêda, Miranda do Douro, e Sabugal (que são cidades! ) têm cerca de 3000 habitantes, enquanto a União das Freguesias de Cascais e Estoril tem 55890, e a das Freguesias de Algueirão e Mem Martins regista 54438.

É quase um insulto à inteligência do eleitorado destas hiper-freguesias considerar que os poucos membros das Juntas respectivas conseguirão concretizar - mesmo com o aumento de competências e recursos conferidos pela Lei 75/2013 - todo um conjunto de atribuições que mesmo com as delegações das Câmaras previstas naquela Lei se afiguram de grande dificuldade de cumprimento, acrescendo que em tais Uniões apenas o Presidente e um Vogal são remunerados a tempo inteiro, e os restantes 5 elementos só auferem remunerações simbólicas

Não se afigura assim que a já repetidamente anunciada descentralização possa resolver as principais questões de fundo: a proximidade entre eleitores e eleitos, e a subsequente participação activa na discussão de objectivos e de programas de execução. A enorme dimensão de muitas hiper-freguesias, maiores do que dezenas de cidades, impede quaisquer soluções sérias para esta questão, pois só se antevêem duas alternativas: a passagem a concelhos (pouco exequível fora do quadro de uma reorganização geral do território autárquico), ou a sua divisão em freguesias de menor dimensão.

Recordemos de novo que o termo "freguesia" está associado à noção de "frequência", o que implica proximidade sob o ponto de vista das distâncias bem como sob o da quantidade de pessoas que o nosso relacionamento consegue abarcar. E estas noções apontam para que as dimensões das freguesias não excedam cinco mil eleitores, e que o seu centro esteja a menos de quinze minutos em deslocação pedonal.

E obviamente que fossem classificáveis como urbanas, semi-urbanas, e rurais.

Com os consequentes níveis de atribuições, competências, e recursos - que nas zonas urbanas deveriam evitar as sobreposições com as áreas de acção camarárias e das Assembleias Municipais, mantendo porém um significativo poder de intervenção que suscite nos cidadãos o interesse na participação na vida local.

A invocada "descentralização" pouco aumentará o nível participativo dos cidadãos na vida local, pelo que há que apelar à opinião pública para que pressione o poder legislativo no sentido de proceder a uma nova reorganização do território autárquico, equilibrada, eficaz e paricipativa.

E que contemple igualmente outras vertentes essenciais para um Poder Local que seja o cerne da Democracia. Entre elas, e tal como referi há algum tempo, por exemplo, a participação por via electrónica na vida democrática das Freguesias, e a eleição pelas Assembleias de Freguesia de um Conselho Consultivo da República, que reforçaria o "peso" daqueles órgãos autárquicos no sistema político e por consequência a representação dos cidadãos.

10.Dezembro.2017