Um discreto apelo a uma revisão da Constituição ?
Em entrevista ao "Público" e à Rádio Renascença, no passado dia 7, o Presidente da República afirmou (referindo-se às tragédias ocorridas nos incêndios florestais que recentemente devastaram o país : “Voltasse a correr mal o que correu mal no ano passado, nos anos que vão até ao fim do meu mandato, isso seria só por si, no meu espírito, impeditivo de uma recandidatura”.
Acentuando que há "calamidades naturais em relação às quais não é possível dar garantias" assinalou porém que "naquilo que dependa da intervenção humana, no plano legislativo parlamentar, no plano político-partidário, no plano governamental," tem a noção de que "todos fizeram o que era necessário fazer e era possível fazer neste período de tempo", e "que todas as medidas" que lhe foram apresentadas como sendo necessárias "foram promulgadas".
Ou seja, admite a hipótese - que por certo acredita não ser muito provável que venha a suceder - de as medidas apresentadas não terem sido quer bem estudadas quer adequadamente executadas, o que implica ser deficiente o sistema político-constitucional.
Deficiência que no plano executivo cabe ao Governo, e no legislativo advem também deste e - em última instância - da Assembleia da República, pesada que seja a potencial intervenção dos Tribunais, nomeadamente do Constitucional.
Assim, ao afirmar que no actual quadro jurídico de governação constitucional um fracasso das acções desenvolvidas para evitar tragédias idênticas às de 2017 seria igualmente uma derrota da capacidade de intervenção presidencial, o Presidente da República convida implicitamente a Assembleia da República a reflectir sobre o modelo constitucional.
No seu pensamento poderá estar um sistema análogo ao praticado actualmente na República Francesa, em que os poderes presidenciais ultrapassam os que actualmente são conferidos ao Presidente da República Portuguesa, sem que por tal sejam diminuídos os de natureza parlamentar.
Os portugueses verão as consequências do próximo verão ...
13.Maio.2018
- Comentário de João Carvalho:
" A Assembleia Constituinte após o 25 de Abril de 1974 escolheu um sistema eleitoral que dá maior expressão aos pequenos Partidos. Penso que na realidade desconfiava da capacidade de discernimento dos eleitores, pois os Partidos é que escolhem os Deputados e os eleitores votam no líder do Partido que gostariam de ver em Primeiro-Ministro. Por outro lado, a Constituição mais parece um regulamento do que uma enunciação de Princípios (lembro-me que o General Costa Gomes, então PR, chamou a atenção para este tema). É claro que a elaboração de uma Constituição é muito complexa face aos interesses em jogo e reflecte necessariamente a conjuntura da época, tendo havido já algumas revisões que exigem, e bem, a aprovação da maioria qualificada dos Deputados. Há todavia um aspecto que considero chocante: o Presidente da República, que é eleito uninominalmente pela população, tendo portanto enorme legitimidade democrática, tem a meu ver poucos poderes, parecendo que propositadamente a figura foi esvaziada dos mesmos. Hoje vê-se que os Partidos estão com demasiado poder, os que têm estado no Governo montaram uma rede de compadrios e esquemas que têm vindo à tona, graças a alguma comunicação social. Pessoalmente gostaria mais que o PR tivesse mais poderes. É curioso que mesmo antes da eleição de Macron em França, Marcelo foi precursor, ao conseguir paulatinamente a confiança da população; só que ainda não criou um Partido Político."
- Sobre o Comentário precedente:
" Muito agradeço as sagazes observações - como sempre, ponderadas e independentes.- a propósito das quais refiro que a grande questão nos modelos políticos das democracias liberais reside na alienação participativa que decorre da quase exclusividade da representação política estar cometida aos partidos, e de ao poder local serem habitualmente outorgadas competências muito residuais.
Um acentuado reforço dos poderes locais a nível das Freguesias, bem como o seu redimensionamento, (tal como tenho vindo a salientar nestas páginas) poderiam preceder um certo grau de presidencialização, algo mitigada, bem como obrigar os partidos a reverem as suas escolhas nas bases, onde por seu turno os cidadãos veriam melhor o desempenho dos eleitos."
Luís Costa Correia.