Pedofilia - apelo a Francisco.
Não sou crente em nenhuma religião, mas nem por isso quero deixar de tentar ajudar os que, como o ilustre teólogo dominicano Ignace Berten refere em recente e expressiva homilia, estão angustiados com a pedofilia no seio da Igreja Católica.
Pede ele que o "Espírito" ilumine quem o lê - porém refere que o Evangelho ilumina a vida, e que nele estão as palavras de Cristo, que são "espírito e que fazem viver".
"Folheei" então alguns Evangelhos.
E, no de Marcos, li (Cap.16) o seguinte: "Finalmente apareceu aos onze, estando eles assentados juntamente, e repreendeu-lhes a sua incredulidade e dureza de coração, por não haverem acreditado nos que o tinham visto já ressuscitado.
E disse-lhes: Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a todas as criaturas".
Porém, não curou de salientar que só os não casados é que o deviam cumprir, daí se deduzindo que o celibato dos apóstolos não era questão que o preocupasse.
Assim, terá havido uma interpretação excessiva do seu pensamento quando os dirigentes e teólogos eclesiásticos do rito romano determinaram tal celibato.
Afirma também Frei Ignace Berten que haverá algo de errado no actual "funcionamento" ( errónea palavra, diga-se... ) da Igreja a que pertence, para se ter chegado até onde se chegou nesta matéria, enquanto outros ilustres pensadores na mesma Igreja referem que as reformas mais urgentes são as que respeitam a práticas e organização desadaptadas.
Esquecem contudo a reconhecida dimensão da pedofilia que, não sendo - tal como o celibato . um ponto central da fé cristã, não deixa de ser um ponto fulcral do que deveria ser um comportamento exemplar dos apóstolos actuais (ou não será o clero a parte da Igreja que é entendida como a que deve estar na linha da frente do apostolado - os que são "enviados" para difundirem a fé ?).
É que não será por acaso que na missa campal prevista para o último dia da recente visita de Francisco à Irlanda se esperava uma participação de um milhão de pessoas, mas apenas cerca de 130 mil estiveram presentes... Na católica Irlanda !
É certo que não devemos deixar de dar prioridade ao problema das vítimas, cuja maioria foi levada a guardar silêncio durante muitos anos, e cujo sofrimento deve ser minorado quanto possível, sem deixar de promover a pesquisa e o julgamento penal dos abusadores.
E para tal desiderato algo terá que e ser feito, pois além de possível continuação da iniquidade (mesmo que reduzida e disfarçada) a coerência do clero está em causa, os "escândalos" sucedem-se, e se alguma auto-censura na informação pública que mesmo em países com liberdade de imprensa conseguia evitar o conhecimento integral do que se passava, tal já não é possível dada a enorme dimensão do escândalo pedófilo que tem vindo a ser conhecido.
Se Francisco tivesse a coragem de convocar um inovador "Concilium", para obter um "consilium", talvez a saúde e o equilíbrio de uma importante parte da Igreja Católica viesse a de tal beneficiar.
Provavelmente haverá pistas nos Evangelhos que apontem para um anátema vigoroso do qual se infiram, ou estejam implícitas, penas do foro religioso apropriadas para os pedófilos - sejam eles ministros da Igreja ou não - independentemente das que estejam previstas no Direito penal de cada Estado.
Um importante "consilium" poderia ser o de se retomar a prática - dos primeiros séculos - de ordenar homens casados, que os ritos católicos não romanos, tal como as Igrejas Ortodoxas e Evangélicas mantêm.
E, não olvidando algo que Jesus de Nazaré certamente não terá esquecido no seu pensamento - segundo os Evangelhos tão orientado para a fraternidade - permitindo a Ordenação das mulheres (e obviamente o seu casamento em análogo quadro).
Os milhares de vítimas da pedofilia exercida por ministros da Igreja Católica ficariam gratos por saber que o seu sofrimento viria a contribuir para a redução do flagelo que sobre eles se abateu.
2.Setembro.2018.
Comentário de amigo meu também ilustre dominicano:
O comentário do meu amigo Eugénio Boléo, com quem partilho reflexões e mantenho animados debates há cerca de ... sessenta anos:
"Para que esta prática perversa não se repita gerando tantas vitimas, quer em instituições educativas com internatos, quer nas atividades paroquiais com crianças e adolescentes, torna-se urgente tomar medidas quer na formação dos futuros responsáveis quer nas estruturas paroquiais.
De um modo mais generalizado é fundamental que se corrija a formação e catequese dos cristãos de todas as idades, no que diz respeito à liberdade de consciência pessoal e à atenção prioritária à procura do bem comum - que são centrais na mensagem de Jesus e no ensino do último Concilio Ecuménico Vaticano II, dos anos 60."