"Ponto de vista": Revisão da Constituição



         Revisão da Constituição

Quando se inicia a leitura da Constituição deparamos logo no Preâmbulo com uma frase que nos faz interrogar sobre se o nosso país apenas começou a existir em 1974:

"A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista."

A meu ver seria lógico que se começasse com duas referências.

A primeira, ao início da nação portuguesa.

A segunda, à primeira Constituição e ao seu valor enquanto texto fundamental da estrutura política de um Estado, referindo-se a seguir a existência de uma natural evolução dos sucessivos textos constitucionais.

Teria então lugar a citada frase inicial.

Esta articulação permitiria que o texto constitucional fosse melhor compreendido, pois não devemos esquecer que como documento fundamental deve ser tão claro quanto possível.

Do mesmo modo não devemos deixar de ter presente que um preâmbulo tem sempre um valor interpretativo do espírito da respectiva lei, o que, aliado à necessária clareza, recomendaria outra redacção para a seguinte frase:

"A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de (...) abrir caminho para uma sociedade socialista (...).

Isto, porque a interpretação literal da expressão "sociedade socialista" poderia induzir a ideia de haver uma orientação ou uma recomendação de tomada de determinadas opções políticas.

Outro assunto que merece atenção é o dos limites materiais das revisões constitucionais, ou seja, o que a Assembleia Constituinte estabeleceu - embora de forma não unânime - como princípios "intocáveis" (aceitando contudo e ao mesmo tempo as limitações constitucionais temporárias decorrentes de um Pacto militar-civil).

Teria sido preferível a adopção de um artigo que referisse ser necessária uma maioria bem significativa, na ordem de quatro quintos dos Deputados, para se modificarem as seguintes disposições actualmente previstas como "limites materiais", libertando-nos assim de ditames supostamente imutáveis:

- A coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção;

- A existência de planos económicos no âmbito de uma economia mista;

- No que respeita ao sufrágio universal, directo, secreto e periódico na designação dos titulares electivos dos órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local, bem como o sistema de representação proporcional,
deveria ser admitida a possibilidade de determinados sufrágios indirectos (tal como já ocorre com a designação dos Presidentes de Juntas de Freguesia para integrarem as Assembleias Municipais - o que permitiria um tipo de representação bem saudável para a democracia, cuja base é o Poder Local).

E é no que respeita a sufrágios indirectos que reside o principal impasse, pois os limites que respeitam aos meios de produção e aos planos económicos são algo redundantes, e as leis de revisão constitucional teriam obviamente de respeitar sempre, tal como estatuído presentemente:

- A independência nacional e a unidade do Estado;

- A forma republicana de governo;

- A separação das Igrejas do Estado;

- Os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos;

- Os direitos dos trabalhadores, das comissões de trabalhadores e das associações sindicais

- O pluralismo de expressão e organização política, incluindo partidos políticos, e o direito de oposição democrática;

- A separação e a interdependência dos órgãos de soberania;

- A fiscalização da constitucionalidade por acção ou por omissão de normas jurídicas;

- A independência dos tribunais;

- A autonomia das autarquias locais

- A autonomia político-administrativa dos arquipélagos dos Açores e da Madeira.

Como resolver, então, o citado impasse relativo a determinados sufrágios indirectos ?

26.Setembro.2018
(Versão inicial: 23.Set.18)