"Ponto de vista" - Tancos: o ridículo mata na mata...


         Tancos: o ridículo mata na mata...

... E chamusca na Chamusca...

Mata o respeito por instituições que deveriam estar acima de toda a suspeita.

Chamusca o prestígio do estado e de altas personalidades que nele exercem elevadas funções.

Recordemos sinteticamente.

Há cerca de um ano desapareceram dos paióis militares de Tancos avultadas quantidades de armas e de munições, tendo havido suspensões do comando de altas patentes - por sua vez rapidamente suspendidas para darem origem a promoções -, processo que viria a terminar com punições disciplinares ligeiras a meia dúzia de sargentos e praças.

O assunto começou de imediato a ser investigado pela Polícia Judiciária e pela sua equivalente militar, sem surgirem novidades durante diversos meses, surgindo de vez em quando declarações ministeriais algo contraditórias referindo sempre que o assunto estava a cargo dos órgãos de polícia judiciária.

Subitamente surge a notícia da descoberta do material na mata da Chamusca, acrescido de uma caixa de munições que não tinha sido furtada.

Passam mais diversas semanas e eis que a Polícia Judiciária anuncia a detenção do Director-Geral da Polícia Judiciária Militar. bem como de militares da GNR e de um cidadão - este acusado do furto bem como da sua "devolução" através da respectiva deposição na mata da Chamusca.

E para grande surpresa geral o Director-Geral da Polícia Judiciária Militar, um Coronel do Exército, declara que o referido cidadão, ex-fuzileiro, tinha dado a conhecer ter sido o autor do furto, e que dada a dimensão que o assunto tinha atingido pretendia proceder à sua devolução.

Tal foi concretizado tendo o citado coronel justificado o assentimento com o argumento de que assim ficaria melhor defendido o interesse nacional.

Chegados a este ponto eis algumas reflexões e observações.

Não parecendo que um Coronel tenha a competência necessária para definir os limites do interesse nacional é lícito admitir que tenha procurado a concordância do seu superior hierárquico - o Ministro da Defesa Nacional (DL 183/2014). E anote-se que a dependência é directa, ou seja, não há subordinação ao General Chefe do Estado-Maior do Exército nem ao Vice-Chefe.

Como a Procuradora-Geral da República teve que pedir autorização ao Ministro para se proceder à detenção prevista, na medida em que se continuava a investigar tanto o furto como a devolução do material e certamente estranhando o papel do responsável da Polícia Judiciária Militar no súbito reaparecimento do material furtado, seria de esperar que o Ministro em causa publicamente esclarecesse de imediato que desconhecia a iniciativa do seu subordinado.

E terá o Ministro informado o Primeiro-Ministro ?

E isto, no quadro de uma reconhecida rivalidade e competição entre as duas polícias judiciárias, o que terá impedido um desejável contacto prévio para se poder avaliar a dimensão do assunto e o apresentar às respectivas hierarquias.

É que custa a acreditar que um Coronel - mesmo convencido da certeza da sua interpretação do que é o interesse nacional - actue no presente caso sem dar conhecimento ao Ministro a quem está directamente subordinado.

(O que vale a todos estes responsáveis é a entrada em cena de Rosa Grilo, mulher do assassinado praticante de triatlo, porque é isso que está a desviar as atenções de um assunto que - esse sim: o do funcionamento do Estado - se assume como de verdadeiro interesse nacional - que no presente caso está chamuscado pelo ridículo, que não mata na mata da Chamusca, mas mói...).

30.Setembro.2018