"Ponto de vista": Um exemplo de uma apressada tentativa de descentralização ?


    Um exemplo de uma apressada tentativa de descentralização ?

Em 16 de Agosto do corrente ano foi publicada a Lei nº 50, a qual atribui aos órgãos municipais a competência (entre muitas outras) para a gestão de estradas, bem como dos equipamentos e infraestruturas nestes integrados - incluindo o respectivo subsolo.

Aquela lei previa a publicação de decretos-lei sectoriais regulando os os procedimentos que deveriam ser adoptados com vista à respectiva execução, e já a partir de 2019, estabelecendo-se um prazo de 60 dias, a partir  das publicações mencionadas, para que os municípios que não pretendessem que a transferência das competências previstas no referido decreto-lei para o ano 2019 se iniciasse já naquele ano, mas sim posteriormente (2020) pudessem ainda comunicar tal facto à Direcção-Geral das Autarquias Locais (após prévia decisão dos seus órgãos deliberativos).

Foram então publicados vários Decretos-Lei sectoriais visando a execução da Lei n.º 50, e entre eles o Decreto-Lei n,º 100 - em 28 de Novembro - o qual visa concretizar o modo como se processará a transferência de competências para a gestão de estradas, bem como dos equipamentos e infraestruturas nestes integrados - incluindo o respectivo subsolo -.de modo a salvaguardar de forma eficiente e efectiva os interesses legítimos dos utentes bem como a integridade dos espaços em causa.

Seriam igualmente abrangidos os troços de estradas desclassificadas pelo Plano rodoviário nacional, e os que foram substituídos por variantes ainda não entregues através de mutação dominial por acordo entre a Infraestruturas de Portugal e o respectivo município.

Tais transferências seriam concretizadas no prazo de 60 dias a contar do final do prazo anteriormente estabelecido para a eventual aceitação das novas responsabilidades autárquicas (o qual, no caso vertente, terminaria em 28 de Janeiro, em pleno 2019...) ou seja, já em fins de Março de 2019. 

Entretanto e por triste coincidência deu-se o acidente da queda de parte de uma estrada municipal, no concelho de Borba,10 dias antes da publicação do referido Decreto-Lei.100/2018, de 28 de Novembro

Por outro lado sabe-se já que o Orçamento do Estado para 2019 não prevê nenhuma verba específica para a concretização das operações de descentralização visadas pela Lei nº 50, de 16 de Agosto, incluindo nestas obviamente as referentes às transferências de competências relativas às vias rodoviárias, nomeadamente os recursos financeiros que acompanham a mutação dominial para fazer face às despesas de manutenção, conservação, e reparação das zonas das estradas.  

É certo que a Lei 50 prevê que à transferência de recursos financeiros para as autarquias locais e entidades intermunicipais deve corresponder uma redução da despesa orçamental de igual montante nos serviços da administração directa e indirecta do Estado cujas competências são objecto de descentralização.

Mas tais competências requerem evidentemente meios adequados para as executar, sendo provável que a maioria das câmaras municipais não disponha de suficiente pessoal com capacidade para o pleno exercício das suas novas responsabilidades - não só na área das vias rodoviárias, mas também noutros domínios sectoriais agora previstos na nova Lei de Agosto.

É verdade que a mesma Lei prevê que os diplomas legais de âmbito sectorial, como o Decreto-Lei n.º 100/2018, devem estabelecer, quando necessário, os mecanismos e termos da transição do pessoal afecto ao seu exercício. Mas o facto é que o citado Decreto-Lei nada refere sobre esta importante questão.

É assim legítimo interrogar-mo-nos sobre se neste novo quadro legislativo, tão apressadamente elaborado, e tendo em conta os acontecimentos em Borba, haverá algum Município que se aventure a aceitar de imediato um processo de transferência de competências nesta área.

E resta saber se nos outros 16 sectores previstos na Lei não se deparam questões análogas, não devendo igualmente ser esquecido que a mesma Lei-quadro impõe que todos estes processos de repartição de competências devem estar terminados daqui a 2 anos, e que as previstas transferências de competências para as freguesias devem ser executadas de modo equitativo em cada Município (provindo os recursos financeiros dos orçamentos municipais, salvo os relativos a instalações, a partir do Orçamento do Estado, de "espaços do cidadão") - porém nada referindo a legislação em vigor quanto a necessários e indispensáveis critérios de equidade global no quadro do universo das freguesias em todo o país.

A desejável transferência de competências para o Poder Local é um processo que requer consenso nacional quanto aos seus princípios e modos de execução, cujos passos devem ser cuidadosamente medidos, devendo haver uma criteriosa articulação entre os recursos financeiros e os que estejam relacionados com a mobilidade do pessoal que deve transitar da Administração Central para os Municípios e Freguesias.

Assim, com um Orçamento do Estado omisso (tanto quanto se julga nesta data saber) sobre esta matéria, este apressado processo arrisca-se a passar a ser vagaroso em excesso...

30.Dezembro.2018