"Ponto de vista" - Que futuro para a Europa ?

Que futuro para a Europa ?
Esta a pergunta da Comissão Europeia ao anunciar, na semana que findou, um ambicioso plano de debates em que os cidadãos seriam convidados a expressar as suas ideias, críticas e sugestões.
Cíclico. Nova presidência da Comissão, nova Ideia grandiosa - foi assim com o "Plano Juncker" dos milhares de milhões de Euros para o desenvolvimento da União (até agora com modestos resultados) - e assim será com esta ambiciosa Conferência que pretende chegar até às mais recônditas aldeias, num prazo de 2 anos que terá o seu tonitruante início no próximo 9 de Maio, dia da União Europeia.
E, claro, com a mobilização de todos os Membros da Comissão ("Comissários") em mais uma repetição de iniciativas análogas entre 1996 e 2004, pautadas normalmente por escassas participações de público assistente.
Entretanto, e por feliz coincidência, Raghuram G.Rajan, ex-Economista-Chefe do FMI, publica quase ao mesmo tempo um extraordinário artigo, reproduzido no Expresso de há duas semanas, intitulado "O nosso futuro depende das comunidades", no qual aponta o insubstituível papel do poder local na evolução para uma  sociedade mais justa.
E como se trata de uma ideia que defendo publicamente desde 1976, se bem que sob contornos mais políticos, tomo a liberdade de a seguir transcrever trechos dela significativos.
"A infelicidade chega hoje sob várias formas — Trump, ou ‘Brexit’, ou os gilets jaunes (coletes amarelos). As suas origens vêm normalmente das mudanças tecnológicas e da globalização.
Embora ambas tenham sido imensamente benéficas para a socie­dade, os benefícios não foram distribuídos por igual. Um gestor de investimentos num hub global como Londres pode fazer negócios instantâneos em todo o mundo, e o seu salário é um reflexo disso. Pelo contrário, pessoas em cidades pequenas ficam devastadas quando as forças competitivas globais levam ao encerramento da única grande fábrica que existe no local. Indicadores nacionais saudáveis, como uma taxa de desemprego baixa, escondem a presença de comunidades em sofrimento, algumas que sempre estiveram em desvantagem, outras que se veem agora nesse papel.
Nessas comunidades, a perda de postos de trabalho é apenas o começo. À medida que as oportunidades económicas vão para outros locais, a desintegração social aparece. Há menos casamentos, mais divórcios e mais famílias monoparentais. O desespero pode levar ao alcoolismo e consumo de drogas e, por vezes, ao crime. A comunidade em declínio não consegue apoiar as instituições locais, como escolas e universidades públicas, e, à medida que estas instituições se deterioram, não conseguem ajudar os desempregados a arranjar novas competências. Sem boas escolas, os jovens ficam sem grandes perspetivas. Quem pode parte para zonas em crescimento, levando consigo os seus filhos. A partida dos bem-sucedidos deixa os outros ainda mais assoberbados.
O que poderá ser feito? Dar a volta a uma comunidade é muito difícil, porque as comunidades ficaram sem poderes. À medida que o comércio dentro de um território aumenta, as empresas forçam os Governos nacionais a retirar os poderes de regulação às comunidades, na esperança de cria­rem um mercado comum uniforme. Do mesmo modo, à medida que o comércio entre países acelerou nas últimas décadas, instituições internacionais, como a União Europeia, apropriaram-se dos poderes de soberania, numa tentativa de harmonizar o ambiente empresarial dos seus Estados-membros. Mas as instituições internacionais e as capitais dos países não têm conhecimento local nem ferramentas políticas eficazes que consigam dar a volta às comunidades desfavorecidas; as taxas de juro nacionais baixas não aumentam o investimento nas cidades onde o crime afastou os negócios."
E, pouco depois:
"Em vez de depender de iniciativas políticas de cima para baixo, a revitalização das comunidades tem de vir de baixo para cima, para identificar e reparar os laços quebrados com as economias nacionais e globais prósperas e aproveitar o seu crescimento, "
"Precisamos de formas criativas que sejam capazes de trazer os indivíduos de volta às suas comunidades, para aumentar o leque de pessoas do qual os líderes podem surgir."
É que
"As redes sociais permitem aos líderes pedir ideias e dar mais responsabilidades a todos os voluntários."
Acentua que:
"O empoderamento local não é um ideal utópico. Na Suíça, os cidadãos falam três línguas nacionais diferentes e um quarto da população nasceu no estrangeiro. Muitas decisões passaram da administração central para 26 subdivisões administrativas, ou cantões, ou ainda mais para baixo, para os três mil ou mais municípios, com base no princípio da “subsidiariedade”. Isto exige que as decisões governamentais sejam delegadas para níveis mais baixos, capazes de as resolver de forma eficaz. Por exemplo, o Governo federal suíço é responsável pelos institutos de tecnologia, os cantões são responsáveis pelas escolas secundárias e os municípios controlam as escolas primárias e os jardins de infância."
Recorda que:
"A descentralização e um envolvimento mais democrático não resolvem tudo. A Suíça também toma decisões que são mal comunicadas ou injustas para as minorias locais. Mas existem controlos e equilíbrios legais para evitar os erros flagrantes. Além disso, o direito de decidir — e até mesmo de cometer erros — faz com que a comunidade seja dona das suas decisões e, com isso, tenha um incentivo para fazer melhor."
Não se deve esquecer que
 "Comunidades saudáveis são mais do que necessidades económicas. Em muitos países, o populismo nacional pode inflamar a maioria com receios de que a cultura estabelecida se dilua, pedindo um retorno à tradição e novos controlos sobre a imigração. Há uma alternativa: celebrar a cultura dentro da própria comunidade, em vez de lutar por uma homogeneidade nacional impossível."
E conclui:
 "Em vez de serem as capitais nacio­nais politicamente fracturadas a fornecer as respostas, devemos dar às comunidades a capacidade de exercerem mais poderes localmente. Esta pode ser a maneira de fazermos com que as mudanças tecnológicas e a globalização funcionem para todos. "
A estas brilhantes ideias, algo inesperadas enquanto vindas do notável ex-Economista-Chefe do FMI e Professor na Booth - Chicago, acrescento a minha convicção, múltiplas vezes expressa nestas páginas, de ser necessário e urgente que os sistemas de escolhas políticas passem a ter como primeira base o Poder local de exercício presencial, a partir do qual se processariam os subsequentes "patamares" eleitorais.
Metodologia que, na impossibilidade da sua aplicação imediata, deveria constituir um objectivo nas necessárias reorganizações dos sistemas políticos.
E que, complementadas com o crescente uso das redes de informação, permitiriam o regresso à participação política presencial - a fim e ao cabo, a nossa essência como "Homo sapiens sapiens".
26.Janeiro.2020