Ainda sobre a Operação "Mar Verde"

Ainda sobre a Operação "Mar  Verde".

No passado dia 22, no meu "Ponto de vista" semanal, aludi ao facto de o Director da revista "Sábado" não me ter prestado nenhuma explicação sobre a falta de coordenação interna que teria estado na origem da inesperada substituição de uma entrevista minha por outro artigo também relativo à Operação em epígrafe.

Como tal explicação continuou sem ocorrer, creio útil dar a conhecer mais alguns pormenores a propósito dos factos mencionados naquele "Ponto de vista", essencialmente centrados sobre a participação da FNLG - Frente Nacional de Libertação da Guiné (Conacri) na operação Mar Verde - a qual foi objecto de apropriado texto nas minhas  "Semimórias", publicadas nestas páginas.

Começo por anotar o facto de o Coronel Thierno Diallo, (indigitado para substituir Sekou Touré na Presidência da República) me ter confidenciado, já durante a viagem de retorno à ilha de Soga, que não compreendia a razão de o seu grupo de combate não ter sido designado para a neutralização de Sekou Touré, tendo sido relegado para o ataque a um objectivo que embora importante não deixava de ser secundário relativamente ao que seria lógico:  participar directamente no processo de substituição do Presidente da República, uma vez que seria ele, Coronel Diallo, quem seria o novo Presidente; ou no mínimo, que lhe fosse atribuída a missão de ocupar com o seu grupo de combate a Radio Nacional, donde se dirigiria directamente à população, forças militares, e de  segurança.

Aliás, no próprio relatório sobre a sua participação na operação, que o Coronel Diallo elaborou, ressalta a sua discordância com o respectivo plano, que refere ter-lhe sido apresentado apenas nas vésperas - tendo-lhe sido afirmado pelo próprio General Spínola, face às discordâncias que terá formulado, que já não havia tempo para serem feitas alterações.

Ainda a propósito da ocupação da rádio, que seria fundamental para o êxito do golpe de Estado, há um mistério que permanece por esclarecer: o Comandante Calvão tinha em seu poder um projecto de proclamação ao país, obviamente em língua francesa, no qual  estava a trabalhar nas vésperas da partida da Força Naval que transportaria as forças atacantes.

Porém, o Coronel Diallo não só não se referiu no seu relatório ao facto de, como seria lógico, ter em seu poder tal documento, como não o mencionou na  troca de impressões que no regresso a Soga manteve comigo - sendo evidente que nada a tal o obrigava - mas também não o tendo feito sua Filha Bilguissa, que viria a publicar mais tarde um completíssimo livro sobre a participação do seu Pai na operação Mar Verde, e que por certo não deixaria de mencionar a existência de tal documento caso dela tivesse conhecimento.

Este mistério poderá ter alguma explicação se recordarmos que logo que a Força Naval iniciou o percurso de regresso o seu Comandante enviou uma mensagem urgente solicitando que a então Direcção-Geral de Segurança procedesse á imediata detenção de David Soumah (em Lisboa).

David Soumah, também membro da oposição a Sekou Touré, porém de relações tensas com o Coronel Diallo, situação geradora de potenciais jogos de Poder em que a hipótese de Portugal ter estado presente poderá ser um aspecto a considerar, e relativamente ao qual as razões daquela mensagem, se conhecidas, dariam importante contributo.

Talvez alguma eventual documentação, ainda não vinda a público por ser considerada secreta - mesmo passado já  meio século - possa contribuir para a elucidação destes mistérios.

E, existindo, onde estará?

Junta ao Diário Náutico do NRP "Montante", LDG que eu então comandava, Diário cujo paradeiro era conhecido até há alguns anos?  

Acrescento a estas explicações complementares o que já anteriormente escrevi nestas páginas a propósito de uma longa conversa que tive com Hassan Assad (que seria o primeiro-ministro caso o golpe de estado tivesse sido coroado de êxito) quando me convidou para jantar em sua casa, em Paris, em 1972, aproveitando uma deslocação minha a França, e durante o qual me transmitiu uma visão pragmática da situação naquelas duas Guinés, demonstrando por um lado grande decepção pela fraca qualidade da oposição ao brutal regime de Sekou Touré, e, por outro, muito cepticismo sobre a capacidade de Portugal manter o domínio sobre a sua colónia, acentuando igualmente que caso tivesse obtido o poder político lhe seria mesmo assim difícil reduzir a presença do PAIGC no seu país, perspectiva não propriamente coincidente com a que seria a do Governo português.

Ilusão, ou ingenuidade? Ou ambas ? De ambos ?

29.Novembro.2020