"Ponto de vista" - A "Iniciativa de Lisboa": uma ideia para a Presidência Portuguesa.


     A "Iniciativa de Lisboa": 
  uma ideia para a Presidência Portuguesa.

Dada a sua importância para a Europa e, nesta, para Portugal, retomo um assunto que a Brexit - e agora a situação nos EUA - colocaram em evidência.

Portugal recebe a honrosa tarefa do exercício, durante o primeiro semestre do corrente ano, da Presidência (rotativa) da União Europeia, 

Será importante, tanto para a União como para Portugal, que o nosso País tenha um desempenho inovador e ambicioso, em que é necessário voltarmos a recordar os conceitos de base que orbitam à volta da hipótese de uma maior união política dos Povos europeus, em que a Brexit bem como os episódios relacionados com as posições políticas da Polónia e da Hungria sobre a administração dos financiamentos destinados ao combate dos efeitos da corrente pandemia evidenciaram a urgência de serem revistos os Tratados constitutivos da União Europeia - tendo os mais recentes (2009) sido aliás aprovados por aqueles Estados-Membros.

No que respeita à Polónia e à Hungria, a eventual suspensão de alguns Direitos fundamentais está prevista nos Tratados, mas requerendo unanimidade, pelo que importaria que fosse tornada possível mediante uma maioria bem significativa - por exemplo, de quatro quintos dos Estados-membros.

Por seu turno, a saída do Reino Unido obriga-nos a reflectir sobre se a União se deve aproximar mais de uma Federação de Estados ou, pelo contrário, de continuar como uma espécie de  Confederação que porém não exclua a hipótese de se evoluir para uma Federação - mas apenas depois de um amadurecimento sensatamente avaliado e no qual a reorientação dos sistemas políticos para processos mais participativos seja um caminho a seguir.

O que a Presidência Portuguesa também não pode esquecer é que a União está seriamente enfraquecida - se a considerarmos numa perspectiva global comparativa com a China, a Federação Russa, e a Índia - e em que mesmo as capacidades de intervenção militar dos seus Estados-membros em conflitos de pequena e média dimensão, susceptíveis de ocorrerem na zona leste do Mediterrâneo, no Golfo Pérsico, ou em Estados africanos, parecem fortemente diminuídas, para tal imagem tendo contribuído decisivamente a longa Brexiting.

O relacionamento com os EUA - em processo de adaptação a um novo Presidente, mas com os sérios problemas decorrentes de uma pandemia cujos efeitos se farão sentir até 2022, bem como das instabilidades já provocadas por D.Trump e que provavelmente continuarão a fazer-se sentir - mais requer uma União sólida que possa assumir-se como passando a ser um importante elemento a considerar nas relações entre os continentes americano, africano e europeu, perspectiva em que Portugal poderá desempenhar um papel fulcral.

Questões estas que - tal como outras também ponderosas, se bem que menos estruturantes - se devem impor a uma Presidência que terá uma excepcional oportunidade de fazer afirmar a União no contexto mundial, e de lançar as bases para a sua própria reforma.      

União que deveria tender a ser mais de "Povos" do que de "Nações", "Países", ou "Estados", pois estes estão mais associados aos conceitos de "Federação" ou de "Confederação", com graus de legitimidade federativa diferentes consoante o grau de democracia transnacional.

Confederação, União, Federação, são  conceitos para os quais há que ter presentes os diferentes níveis de coesão existentes nomeadamente quando há ou não uma língua comum, ou fronteiras entre territórios, Forças Armadas com ou sem comando único, espaços marítimos partilhados ou não - sem esquecer os factores culturais, as estruturas jurídicas de base, as relações internacionais mantidas tradicionalmente, os imaginários colectivos, bem como ressentimentos históricos não totalmente apagados - nestes incluindo os de raiz religiosa e étnica - e obviamenteu a existência de uma moeda comum, que continua a enfermar da falta de ajustamentos de natureza económica que deveriam ter estado previstos numa evolução que - recorde-se - foi precedida por uma de certo modo longa "serpente monetária" indiciadora de um gradualismo que teria sido bem necessário manter ajustado dada a presença de economias com diferentes estádios de desenvolvimento.

Não esquecento as diferenças entre os sistemas políticos entre os actuais Estados-membros, não só ao nível das suas estruturas representativas como também ao dos métodos eleitorais.

Deste breve enunciado ressalta que a actual União Europeia se aproxima mais de uma Confederação, procurando uma evolução para uma ainda longínqua Federação, "disfarçando-se" assim sob uma designação de "União" em que o Tribunal de Justiça desempenha o papel de instância unificadora enquanto intérprete final dos Tratados.

O caminho para uma língua comum de contacto, uma alta mobilidade, sistemas políticos que privilegiem o poder local, seguido por uma "escada" de eleições indirectas até ao nível de parlamentos nacionais - e obviamente ao de um supranacional, daqueles emanando - serão os primeiros passos nos caminhos longos, mas necessários, para que esta União seja algo semelhante a uma Federação - e muito mais do que a presente e envergonhada confederação.

Passos que têm que começar por uma revisão dos actuais Tratados, nela ficando expresso o objectivo a atingir, bem como a norma que estipule a realização de necessárias revisões intermédias.

O primeiro passo pode - deve - competir a Portugal, agora que a União assume, após a Brexit, uma nova cara, e pode - deve - assumir uma nova postura, assente em cuidadosa mas arrojada proposta da Presidência Portuguesa:

- a de se dar início ao processo de revisão dos Tratados de Lisboa.

Seria a "Iniciativa de Lisboa".

10.Janeiro.2021