Ser Português: um ponto de vista do Almirante Nobre de Carvalho.

 Ser Português: um ponto de vista do Almirante Nobre de Carvalho:


    O que é Ser Português?      

                    João Nobre de Carvalho

                                                                 

Ser português é ter-se a nacionalidade portuguesa, adquirida à nascença ou ao longo da vida, podendo também ser perdida ou acumulada com outra, de acordo com o estabelecido na lei. Segundo reza a Constituição da República, são cidadãos  portugueses todos aqueles que como tal sejam considerados pela lei ou por convenção internacional.

Ser português é uma pessoa ter a percepção que pertence a uma colectividade multi-racial, falando português, resultante de um longo processo histórico que passou por diversas fases. Na sua expressão actual, a nação está politicamente organizada numa República, um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas. O Estado rege-se não só por leis emanadas da sua Constituição mas também pelas directivas da União Europeia a que pertence, bem como pelos Tratados Internacionais que ratificou.

A localização geográfica e a dimensão do território português também foi sofrendo alterações, localizando-se hoje apenas na Europa, sendo constituído por Portugal Continental, com fronteiras definidas desde o final do Século XIII e pelas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.

A percepção da identidade portuguesa, o ser português, depende muitíssimo das origens e do extracto sócio-económico dos pais, bem como do nível cultural e económico de cada cidadão. Este tem a obrigação de conhecer os seus direitos e deveres, nomeadamente o direito e o dever de defesa da Pátria, plasmado na Constituição.

Ao nascer, a criança vai progressivamente formando a sua identidade pópria, diferente da mãe que o amamenta, do pai e dos irmãos. Descobre os sons das línguas faladas em casa e do ambiente que a rodeia.

O tipo de família a que pertence, eventualmente monoparental, o género dos progenitores, o nível socio-cultural dos Pais e dos Avós reflecte-se nas atitudes, nas regras de comportamento que lhe são impostas, na delimitação entre o bem e o mal, no cumprimento ou não dos ditames de determinada religião, na sofisticação do vocabulário utilizado, com reflexo na sua capacidade e desempenho intelectual. O local onde se passou a infância, com os seus usos e costumes, a culinária tradicional, também assumem enorme importância na formação da percepção da identidade nacional. Todos estes aspectos, bem como a carga genética que a criança transporta, enformam a sua individualidade, a sua visão da sociedade e a forma de se sentir português.

Na escola, o pequeno ser alarga o seu conhecimento aos professores e colegas, verifica que estes têm diferentes côres de pele, assumindo-se como meninos ou meninas, insere-se ou não nestes universos, pratica jogos tradicionais, vai descobrindo que existe um mundo para além do seu horizonte, aprende novas competências e normas de vida, toma contacto com a violência física e psicológica. O jovem aprofunda o conhecimento da língua portuguesa, descobre que a sua utilização o singulariza como português, diferenciando-o por esse motivo dos espanhóis, dos ingleses e de indivíduos de outras nacionalidades, que falam outros idiomas.

Cada vez mais precocemente, a criança acede ao ciberespaço utilizando as novas tecnologias e constata que o mundo está à distância de um simples “clic”, sendo a língua inglesa um instrumento indispensável para navegar na imensa rede. Precisa de aprender a distinguir o virtual do real e a defender-se do “bullying” cibernético.

O ensino da História de Portugal assume uma enorme importância na formação da identidade portuguesa da criança. A forma como o nascimento da nação, os Descobrimentos e a colonização são descritos pelos professores nos vários níveis de ensino, o equilíbrio ou a ausência dele na visão dos seus aspectos positivos e negativos, assume grande relêvo no orgulho da pertença à nacionalidade portuguesa.

Num extremo do ensino da História, temos os aspectos empolgantes de uma pequena nação, liderada por um forte Rei que se consegue impôr de forma distinta, falando português, a língua hegemónica, numa península ibérica maioritariamente hostil, onde não existem grandes acidentes orográficos que delimitem fronteiras, nem características morfológicas muito diferentes entre os habitantes. Uma nação com um poder central forte, os seus nacionais falando português, em perigos e guerras esforçados, expulsando os muçulmanos a fio de espada, sulcando o mar ignoto e imenso em cascas de noz, dominando a arte da navegação, buscando novos mundos, atraindo para a civilização os seres tribais primitivos que encontraram a guerrear-se entre si E escravizando os vencidos. O que acabo de afirmar sobre a escravatura tribal é um costume ancestral desde a antiguidade, documentado por exemplo na biografia do General Henrique Augusto Dias de Carvalho, profundo conhecedor do interior de Angola no Século XIX, em especial as províncias de Malanje e da Lunda, escrita pelo Coronel João Dias de Carvalho, impressa pela Liga dos Combatentes, e publicada em 1975, na página 232.

No outro extremo da visão histórica temos os aspectos negativos, o período em que os portugueses, outros europeus e árabes, escravizaram e traficaram seres humanos, utilizando-os em trabalho forçado, práticas que hoje são justamente consideradas nefandas mas que infelizmente continuam a existir no mundo, devendo ser combatidas.

Lamentavelmente, hoje assiste-se à emersão de uma corrente de pensamento iconoclasta com expressão nos órgãos de comunicação social que tentam reduzir os Descobrimentos e a colonização aos seus lados negativos, não por ignorância mas com o objectivo político de diluir a identidade portuguesa e derrubar a textura social existente.

No ensino da História é preciso não escamotear as vertentes negativas dos Descobrimentos e da colonização mas é indispensável mostrar também os positivos. Como disse o cientista israelita Yuval Noah Harari no seu livro “Sapiens, História Breve da Humanidade”, é preciso olhar a História alcandorando-nos ao ponto de vista de um satélite espião cósmico, analisando milénios em vez de séculos, percebendo como se desenvolveram as culturas que há cerca de 70.000 anos os organismos pertencentes à espécie “Homo Sapiens” começaram a formar. Veríamos então como os impérios colonizadores conseguiram unir diversos grupos étnicos sob uma só alçada política, fundindo assim segmentos cada vez maiores da espécie humana e do planeta, na senda de uma evolução unificadora. Nos últimos 2.500 anos a maior parte dos seres humanos viveu sob égides imperiais. Os nossos antepassados, habitantes da península ibérica, por exemplo, foram colonizados pelo império romano, adqurindo uma língua mais abrangente, o latim e o direito romano, sendo o primeiro a raíz da língua portuguesa e o segundo a base do conceito de cidadania, onde se fundam a nossa Constituição e as leis que dela decorrem.

Actualmente, a identidade portuguesa, o sentimento de ser português, pode assumir muitas formas, dependendo de múltiplos factores. Com o advento da globalização, a pertença à União Europeia e à zona Euro, abdicando de emitir moeda própria, a identidade nacional sofre uma forte pressão centrífuga, devido às crescentes cedências de soberania a entidades exógenas.

No caso dos que obtêm a cidadania portuguesa por naturalização, muitas vezes oriundos de países em vias de desenvolvimento, com falta de recursos mínimos, frequentemente assolados por guerras, conseguindo alcançar Portugal ao fim de longas e penosas viagens, adquirir a cidadania portuguesa significa acima de tudo, paz, segurança, alojamento, alimentação, trabalho remunerado numa moeda forte, educação, defesa legal contra eventuais práticas de racismo, possibilidade de viajar e trabalhar livremente no espaço da União Europeia. Além disso, viverá num país lindo, com um clima ameno, numa sociedade pacífica, inclusiva, multicultural, falando português, uma língua utilizada por mais de duzentos milhões de seres humanos em vários continentes.

Conforme acabei de expor, pode concluir-se que "ser português" no século XXI assume para cada cidadão múltiplos e variados significados em que o traço comum é - além da língua portuguesa - uma cultura milenar que cedo se demarcou das restantes que com ela coabitaram na península Ibérica, rejeitando sempre qualquer forma de dominação por parte de povos estrangeiros.

Junho de 2021