(Um texto ainda não publicado na Imprensa):
Eleitores-fantasma, abstenções e outros mitos
Aproxima-se um período eleitoral e surgem sistematicamente afirmações de haver elevado número de "eleitores- fantasma", bem como de haver elevadíssimas percentagens de abstenção, mitos que importa ajudar - uma vez mais - a esclarecer.
Quanto a "eleitores-fantasma", não os há; o que ocorre é haver emigrantes que declaram residência em Portugal e que por consequência constam dos cadernos eleitorais.
E é certo que são muitos, pois dos 10 milhões (os números citados neste texto são sempre aproximados) de portugueses existentes no território nacional só 8,4 milhões têm idade para votar, pelo que há uma diferença de 900 mil para o total dos 9,3 milhões indicados nos cadernos eleitorais para as eleições legislativas.
Porquê? A partir de 1977, terminado o 1º ciclo de eleições constitucionais ocorridas em 76, muitos milhares de emigrantes consideraram ser vantajosa a sua inscrição no recenseamento, declarando para o efeito uma residência no território português, e que ficou registada na primeira base de dados do recenseamento eleitoral, elaborada em 1998.
Dez anos depois, a Assembleia da República estabeleceu o cartão de cidadão como base do recenseamento eleitoral para os residentes no território nacional, e em 2018 estendeu-o aos portugueses residentes no estrangeiro.
Disposição esta que aumentou a totalidade dos recenseados para 10,8 milhões - com os inerentes reflexos nas percentagens de abstenção, que passaram a ser significativamente maiores, situação que tem sido apontada de forma alarmista, esquecendo que o que mais importa é a comparação dos valores absolutos com a média dos obtidos em eleições anteriores similares.
Por exemplo, a média de votantes nas 6 legislativas anteriores tem sido da ordem dos 5,1 milhões, nas autárquicas um pouco mais, nas europeias desce para os 3,2 para nas presidenciais ficar pelos 4,2.
Claro que nas próximas o factor pandémico poderá levar a um valor bem inferior a 5 milhões, mas trata-se de uma situação anormal - como também terá sido o das ocorridas durante o período de assistência financeira a Portugal, em que houve uma forte corrente migratória.
E, quanto a referendos, a obtenção de resultados válidos será a partir de agora extremamente difícil quando extensivos à emigração.
Nesta questão da abstenção, não posso deixar de assinalar, também mais uma vez, que o facto de a emigração não ser territorialmente homogénea conduz a que a alguns círculos eleitorais possam ser atribuídos mais deputados do que a outros que tenham uma menor taxa emigratória, uma vez que são atribuídos previamente em função do número dos recenseados (o que já poderá ter contribuído para uma situação de empate em legislativas anteriores).
Situação tanto mais paradoxal se nos recordarmos de que os círculos eleitorais coincidem com os distritos - cuja extinção está implicitamente prevista no artigo 291º da Constituição...
E volto a assinalar que o modo mais simples de resolver a questão da atribuição de mandatos por círculos seria a de está ser estabelecida não antes mas sim imediatamente depois das eleições, em função do número de votantes em vez do de recenseados.
Requereria uma ligeira modificação constitucional, por exemplo em 25 de Abril de 2024, ficando uma revisão mais profunda para o ano seguinte, comemorando o 50º aniversário da Constituição.
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A terminar, um assunto que não posso deixar de recordar: continua aguardando, não sei bem onde, proposta elaborada - e enviada - pela Comissão Nacional de Eleições no sentido de ser condecorado -infelizmente agora a título póstumo - o Dr Jorge Miguéis, exemplo de alguém que deu o melhor de si mesmo às causas eleitorais, sustentáculos da democracia, e com quem tive o prazer e a honra de colaborar, entre 1975 e 1977, quando fui um dos responsáveis pelas primeiras cinco eleições constitucionais.
Agradeceria a quem pudesse dar um impulso neste assunto, repousando - ao que parece - no Conselho Honorífico das Ordens .....
Luís Costa Correia.
24.Janeiro.2022
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