Intervenção sobre a decisiva e surpreendente Assembleia Geral eleitoral
de 22 de Fevereiro de 1968: uma viragem na História do Clube Militar Naval.)
Senhor Presidente da
República
Senhor Almirante Chefe do
Estado-Maior da Armada, e Autoridade Marítima Nacional
Senhor Presidente da
Assembleia Geral do Clube Militar Naval
Senhor Presidente da
Direcção do Clube Militar Naval
Ilustre Assistência
Meu caro Presidente
(dirijo-me a si deste modo
porque sei que gostaria que todos os Portugueses assim o fizessem ...)
Esta minha intervenção tem como tema a decisiva e surpreendente
Assembleia Geral eleitoral de 22 de Fevereiro de 1968 , que terá provocado uma
nova página na História do Clube.
(E antes de mais permito-me
sugerir, dado que esta minha necessariamente rápida leitura poderá não ser
totalmente perceptível, que quem tiver acesso à Internet neste momento poderá
segui-la nas minhas telepáginas em: costacorreia.blogspot.com
) .
----- Comecemos por recordar que em princípios de 1968 estavam a
terminar as primeiras marcantes 6 décadas do séc.XX, de que as seguintes
palavras e termos-chave fazem parte da nossa memória colectiva :
- Tsushima - Suicídio da Europa imperial - Retracções coloniais 1947/60 - Dadrá
1954 - Dien Bien Phu 1954
- Bandung 1955 -
Argélia 1958 - Ingenuidade de O. Salazar face à União
Indiana - Goa e a primeira ferida
nas Forças Armadas - De Gaulle/Colónias africanas - Cobiças da URSS e EUA.
----- Recordemos sumariamente,
também, algumas incongruências - menos citadas, mas nem por tal menos
importantes - de mitos sobre o Portugal de 1968 (do Minho a Timor" - ou,
mais precisamente, como deveria ser, "do Minho à Ponta do Ouro", ou "do
Corvo a Timor" ...) :
- Além da falta de Liberdade, os
"recenseamentos" eleitorais, incluindo os territórios ultramarinos (
1 millhão no Portugal europeu de cerca de 5 milhões recenseáveis, não o sendo
por iníquas leis, e alguns escassos milhares – devido a leis ainda mais iníquas
- entre os 10 milhões recenseáveis).
Recordemos também o “enorme” número de deputados dos territórios
ultramarinos na Assembleia Nacional (que me recorde, Angola só tinha 1) !
Tenhamos igualmente presentes as
inconsistências e fracassos das apressadas mas inconsistentes tentativas de
outorgar plena cidadania a todos - repito, todos - os residentes naqueles
territórios, dos quais a esmagadora maioria ainda estava, poucos anos antes,
subordinada ao "Estatuto do Indigenato".
A tais mitos,
contrapunham-se e recordavam-se então – 1968 - outras realidades (para só citar
algumas de entre as mais relevantes):
A falta de horizontes aceitáveis e exequíveis.
A independência do Brasil.
O triste e vergonhoso episódio da retirada da Índia.
----- Depois destes muito
sumários enquadramentos, regressemos então a uma realidade mais próxima:
O Clube Militar Naval em
Janeiro de 1968: a modorra ...
Sim, face à modorra que se arrastava no Clube e, também nos próprios
Anais, quanto à análise dos problemas do Clube (nomeadamente o do
edifício-sede), e da Marinha, e desta com a respectiva interacção com os de
âmbito nacional e internacional, bem como no que respeitava ao quase apagamento
da vida do Clube, 3 sócios (2 deles estão por cá : António Homem de Gouveia, e
Luís Costa Correia - o terceiro foi José Sousa Silva - já falecido) pensaram em
reanimar o Clube.
- Como? Por uma moção-surpresa solicitando o adiamento das eleições,
previstas para Fevereiro, devido à inexistência de programas eleitorais.
- Ocorreram então diversas reuniões preparatórias envolvendo duas
dezenas de sócios – entre eles sendo justo recordar o saudoso João Lobo de
Oliveira - que prepararam em pormenor os respectivos procedimentos regimentais,
(um, por exemplo, estaria encarregado de citar um deles, outro teria uma função
específica, etc) e expuseram a outros consócios o que tencionavam que
acontecesse.
- ---- E então, na Assembleia de
22 de Fevereiro de 1968, ocorre o imprevisto: 103 sócios presentes!
E surge, em momento apropriado, a
projectada Moção , tendo como subscritores: Rui Sá Vaz - aqui presente! , José
Silva Dias - impossibilitado, por
doença, de estar presente, mas enviando cordiais saudações - e Luís Costa
Correia - entre outros infelizmente já falecidos).
- Ocorrem importantes intervenções, perante o pasmo de quem não esperava
tão organizada e participada argumentação.
Nomeadamente - as do Consócio Cyrne de Castro (que devido a inesperada
pneumonia nos seus "oitentidoze" anos lamenta não poder estar hoje
aqui) - que desferiu vibrantes
ataques verbais contra procedimentos do Almirante Henrique Tenreiro, enquanto
candidato a Presidente da Assembleia Geral - e do Consócio António Balcão Reis
- aqui presente - sempre atento e com oportuníssimas opiniões), e também do
saudoso consócio José Sousa e Silva - este, defendendo com acutilância os
procedimentos propostos na Moção.
- Em conclusão, o adiamento eleitoral para Março foi então conseguido,
por uma significativa maioria - sob todos os pontos de vista - de 2/3 dos
presentes.
Seguiu-se uma cuidada preparação de uma Lista e do seu programa
eleitoral, documentos que já constam de telepáginas na Internet, sendo certo de
que as cópias mais relevantes estão associadas a um importante artigo elaborado
em Junho para os Anais pelo Consócio Pedro Lauret - e que por certo serão
publicadas nos habituais Boletins da Direcção.
- E. Como resultado, compareceram 150 sócios na Assembleia Eleitoral de
22 de Março !
De todos os cambiantes, pressentidas opiniões, e idades !
Que por esmagadora maioria elegeram uma Direcção presidida pelo
Comandante Lopes de Mendonça, e Órgãos Sociais em que figurava o nosso distinto
consócio, aqui presente, Jorge Correia Jesuíno.
(E assinale-se que no Almirante
H. Tenreiro, houve apenas 3 votos apenas - algo bem demonstrativo da
impopularidade na Marinha de figuras relevantes do auto-designado "Estado
Novo"...)
A retumbante importância desta Assembleia não escapou, apesar de term
decorrido mais de 50 anos, ao Consócio Pedro Lauret, que teve a ideia, em
Junho, de se comemorar a respectiva data, tendo-a sugerido a um grupo de
sócios, de que eu fazia parte - aliás já me tinha esquecido da data do episódio
embora o tivesse recordado nas minhas telepáginas aquando do seu 50.o aniversário - propondo, em artigo que sei ter
sido publicado nos nossos Anais, - que, referidos ao 4. trimestre de 2022,
serão distribuídos em breve - fosse enquadrada em eventuais celebrações da
sublevação militar de Abril de 1974 que o Clube quisesse promover no âmbito das
que o Senhor Presidente da República oportunamente enunciou, ideia a que o
nosso dinâmico Presidente da Direcção, Consócio Augusto Santos Silva - não, não
é o Presidente da Assembleia da República, mas ainda poderá perfeitamente vir a
sê-lo ... ), aderiu de imediato.
Viria porém a comissão que se
constituiu para a organização e proposta das citadas celebrações a preferir a
data de hoje para se assinalar o respectivo início - data em que há 50 anos foi
eleita uma Direcção que, continuando a dinâmica existente, teve como Presidente
o então Comandante José Pinheiro de Azevedo, e sobre cuja actividade e seus
antecedentes sei que o nosso ilustre Consócio Manuel Martins Guerreiro apresentará
a seguir pormenorizada descrição.
Porém a data da Assembleia de 22 de Fevereiro de 1968 não foi esquecida
no seu 55.º aniversário, tendo sido recordada num singelo e discreto Moscatel
de Honra em que participaram dois dos consócios responsáveis pela ideia da
respectiva Moção então apresentada (António Homem de Gouveia, e Luís Costa
Correia), e, através de significativas mensagens, dois dos primeiros
subscritores (Rui Sá Vaz, e José Silva Dias), e os Consócios que mais intervieram
significativamente na Assembleia – José Cyrne de Casto, e António Balcão Reis,
bem como, por iniciativa do nosso ilustre Presidente da Direcção, os Órgãos
Sociais do Clube, incluindo o Presidente da Comissão de Redacção dos Anais, e o
Consócio Pedro Lauret (autor da ideia da presente Comemoração), e - também como
convidado meu - o Consócio Manuel Martins Guerreiro, Presidente da Comissão
Organizadora dos citados projectos de comemorações em curso no Clube).
Moção cuja hiperligação electrónica por certo também será difundida pela
Direcção - bem como o já referido artigo do Consócio Pedro Lauret.
----- Como resultado das subsequentes eleições de Março, foi aprovado um
ambicioso Programa de acção da Direcção eleita, com eclécticos Grupos de
Trabalho animadores de colóquios quinzenais sobre temas diversificados -
profissionais, sociológicos, literários, culturais, etc., também com a
participação de distintas personalidades civis, e que perduraram até 1974 (e aliás
assim continuaram).
Grupos de Trabalho que incluiram cerca de 40 sócios – também de diversos
e abrangentes matizes.
Revivendo assim o "espírito liberal de Câmara de Oficiais, a
bordo", e motivando o diálogo e convivência também fora do Clube.
Suscitando também uma inovadora e forte participação de Cadetes.
~~~~ E que prováveis consequências eram então esperadas (surgindo outras
-porém inesperadas...) ?
- É sabido que procedimentos participativos e transparentes produzem
sempre bons resultados a prazo, o que viria a ocorrer com o aumento da
comunicação e de trocas de impressão sobre diversos assuntos, obviamente na área
naval, mas também sobre outros, nomeadamente na economia, na sociologia, na
cultura, no desporto, na literatura e nas artes.
E assim passou a haver no Clube um melhor acompanhamento do que se
passava no Portugal europeu e também então ultramarino, e, no estrangeiro, na
sequência da participação em manobras navais a nível internacional, de tudo
isto decorrendo inevitáveis trocas de impressões, que viriam a ocorrer não só
no Clube, mas também em Câmaras de Oficiais, e obviamente nas próprias
residências - sem nunca ser esquecido que os Estatutos deste Clube apelam a que
se procurem desenvolver - e cito - os "estímulos geradores das grandes
ações e os factos que honram a humanidade" através de
"palestras" e "outros meios legais".
E também aumentou o diálogo com outros Camaradas d'armas, nomeadamente
do Exército - dada a íntima cooperação que em África ocorria entre os 3 Ramos
das Forças Armadas, frequentemente convidados, em espírito de plena Camaradagem
- algo que não se deve deixar de ter em vista - para frequentarem o Clube e as
Câmaras de Oficiais, o que permitiu que - nomeadamente os sócios mais jovens -
reflectissem mais profundamente sobre a situação no país, com a inevitável
maior atenção ao descontentamento que aumentava no Exército.
No entanto, assim que se pressentiu, no início de 74, a possibilidade de
uma sublevação no Exército, diversos consócios - enquanto oficiais -
depararam-se perante uma situação em que parecia necessário colaborar-se na
redacção do necessário programa político, (que se sabia estar a ser elaborado
por camaradas daquele Ramo), no sentido de se procurar que não fosse
desvirtuado da necessidade da obtenção da plena democracia, obviamente
incluindo os territórios ultramarinos
- E assim o fizeram.
Daqui, a razão de se recordar esta perspectiva, que noutras
circunstâncias não seria mencionada a propósito de uma mera comemoração de uma
Assembleia do Clube
Mas também foram - tais Oficiais - confrontados com o facto de os
obrigatórios e precedentes juramentos de bandeira proibirem qualquer acto de
insubordinação, disposição que é essencial para o normal cumprimento dos
deveres das Forças Armadas.
Porém, os então conspiradores consideraram que em certos momentos da
História das Nações há também - como em 1640 - o dever de insurreição quando e se
apenas - apenas – é pressentido que tal necessidade supera imperativamente tais
restrições, nomeadamente quando a constituição do Estado foi e continua
ilegítima, e que portanto a sua obrigação é a de contribuir para uma
Re-Constituição da Lei Fundamental, dentro de um espírito de liberdade e
democracia.
----- Assim sucedeu em Abril de
1974, verificando-se que a necessária legitimação foi, segundo múltiplas e
diversas Fontes, imediata e inequivocamente sentida pela grande maioria do
povo.
- E que viria a ser confirmada na impressionante adesão ao subsequente
recenseamento eleitoral, iniciado ainda em 1974, bem como na memorável participação,
em 1975, nas eleições Constituintes, e nas 5 eleições Constitucionais que
ocorreram em 1976 - instaurando assim o sistema democrático que viria a ficar
completo em 1982, (e que todos esperamos continue a ser aperfeiçoado,
obviamente de acordo com as regras constitucionais).
- Momentos que o meu caro Presidente viveu em 1975 e 76 como
Constituinte (e mais tarde, enquanto Membro do Governo, na instalação, há
precisamente 40 anos, do Tribunal Constitucional - como há uma semana foi
publicamente celebrado) e que não deixarão certamente de calarem fundo na sua
memória - tal como sucede com a minha.
- E que, como o pressenti directamente quando o conheci, viria, 40 anos
depois, a ser sua principal responsabilidade "defender, cumprir e fazer
cumprir a Constituição da República Portuguesa."
----- O que implica, também,
fazer recordar ao nosso povo os Desígnios Nacionais, por vezes tão esquecidos -
aliás talvez não suficientemente clarificados...
E neles, o da nossa sobrevivência, ameaçada pela evolução demográfica.
- Também noutra perspectiva, enquanto Comandante Supremo das Forças Armadas,
prover a que aos jovens militares que jurarão Bandeira seja acentuado o dever
inequívoco do respeito à Constituição - democraticamente elaborada e aprovada.
- Para rever e lembrar tais Desígnios, e em articulação com todos os
Órgãos de Soberania, dispõe de um jovem Grupo de Reflexão sobre o Futuro de
Portugal que creio, pode sempre contar com a colaboração de Sócios deste - mais
do que centenário - Clube.
Luís Costa Correia.
Sócio do Clube Militar Naval
Em 14 de Março de 2023.
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--(Uma referência complementar, relativa ao modo como decorreu a
Assembleia de 22 de Fevereiro de 1968:
https://costacorreia.blogspot.com/2018/05/ponto-de-vista-semimorias-ha-50-anos-um.html )
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