Em 1973, a elevada consciência política de estudantes do ensino liceal !

 (Em 1973, a elevada consciência política de estudantes do ensino liceal !)

Um oportuno texto de Jorge Bettencourt sobre um sinistro episódio ocorrido há 50 anos

MEMÓRIA DAS ALMAS JOVENS

 

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"O meu Camarada d'armas e Amigo Raul Mascarenhas não podia ter encontrado melhor forma de me recordar um episódio em que esteve envolvido há quase 50 anos, quando 151 estudantes de vários liceus da área de Lisboa foram detidos pela PSP nas instalações da Comissão Pró-Associação dos Estudantes de Medicina.

 

Fê-lo oferecendo um postal com uma ilustração de Ana Dias do belo poema da Natália Correia “Queixa das Almas Jovens Censuradas” e uma reprodução do cartaz da exposição “Há sempre alguém que diz não!" A oposição estudantil à ditadura no ensino secundário de Lisboa (1970-1974)” que estará patente na Torre do Tombo de 15 de dezembro de 2023 a 28 de fevereiro de 2024.

 

Sobre os detalhes do episódio deixarei a quem o viveu a tarefa de os contar. Direi apenas que se tratou de uma assembleia do Movimento Associativo dos Estudantes do Ensino Secundário de Lisboa (MAEESL) em que participavam estudantes dos liceus Padre António Vieira, D. Dinis, D. Pedro V, Dona Leonor, Camões, etc., só de Almada vieram quase trinta, convocada para Medicina depois das instalações da AE de Económicas terem sido ocupadas pela polícia e pela PIDE.

 

O MAEESL foi criado em 1967 e procurava mobilizar os estudantes não apenas dos liceus, mas também das escolas técnicas e comerciais, para a luta contra a ditadura. Inicialmente com uma intervenção próxima das comissões de finalistas e tirando partido da revolta contra as proibições das iniciativas dos estudantes liceais (convívios, viagens, etc.), evoluiu a partir de 1970 no sentido de dominar o espaço público de expressão dos adolescentes. Foi assim que à semelhança do movimento estudantil universitário, os liceus passaram a ter boletins policopiados onde os simpatizantes do MAEESL comunicavam as suas mensagens contra a censura, a repressão e a guerra colonial.

 

Na assembleia de 16 de Dezembro de 1973, a PSP cercou as instalações da CPA de Medicina e deteve todos os estudantes que naquele domingo estavam reunidos na sala “7 de Maio”. A foto reproduzida no cartaz foi tirada pela PSP depois da entrada nas instalações e é interessante observar a descontração dos estudantes, com idades entre os 13 e os 18 anos.

 

Reza assim o relatório oficial da PSP: “Pelas 18h30, a PSP cercou e entrou na respectiva sala, onde estavam reunidos ilegalmente 151 indivíduos de ambos os sexos, na sua quase totalidade estudantes, que foram detidos e transportados ao Comando da PSP e que tiveram os seguintes destinos: enviados à DGS, 18; apenas identificados por serem menores de 16 anos, 37; autuados por infracção ao decreto 450/72, os restantes 96".

 

Os estudantes foram de facto levados para o Governo Civil, onde passaram a noite. Os rapazes, cerca de 100, em duas celas, e as raparigas noutra. Os 18 “enviados à DGS” tiveram de fazer uma visita a Caxias, de onde só saíram uns dias mais tarde.

 

Do que os rapazes não se livraram foi de uma grande carecada pelo barbeiro do Governo Civil. Contou-me o Raul, e julgo que não cometo uma inconfidência, que a sua carecada "motivou a solidariedade de alguns colegas do Liceu que voluntariamente raparam também o cabelo”.

 

Um gesto de solidariedade com grande significado e que diz muito sobre o que os jovens do ensino liceal sentiam a poucos meses do 25 de Abril!"



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19.Novembro.2023


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