Textos e outros documentos: 2016.
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    Uma oportunidade perdida por Marcelo.

    
Bem procurei nas net-páginas da Presidência da República a transcrição do marcante discurso que o Presidente proferiu na sessão plenária do Parlamento Europeu, mas nada encontrei.  

Recorri então às páginas do Parlamento Europeu e do EbS - Europa por Satélite, onde estão as hiperligações quer ao extracto sem tradução quer à versão integral, ouvindo-se nesta porém apenas a tradução em inglês por intérprete (salvo na parte final, em que o Presidente se expressou em inglês). 

Só assim me foi possível conhecer aquela notável intervenção - que espero venha a ser transcrita de modo a que possa ser lida ou ouvida pelos portugueses - e formular então este comentário relativamente ao que considero a carência de uma ideia que teria sido em meu entender muito oportuna que constasse desta sua primeira intervenção em sessão plenária do Parlamento Europeu.

Tal ideia, que já apresentei nestas mesmas páginas, assenta na oportunidade de neste ano em que se comemoram 70 anos sobre o lançamento do Encontros Internacionais de Genebra, em que o tema inicial foi dedicado ao "Espírito Europeu", se voltar a reflectir sobre o que é e o que poderá vir um consenso sobre o Novo Espírito Europeu.

E quem melhor do que um novo Chefe de Estado, professor universitário prestigiado, constitucionalista considerado, e dotado de grande capacidade de comunicação, para enunciar tal desafio precisamente no local simbolicamente mais apropriado para tal ?

Desafio que obviamente seria dirigido a todos os cidadãos - mesmo incluindo os que não sendo europeus não deixam de considerar a Europa como uma fonte primordial da crescente interligação dos povos - e em especial a pensadores e universitários como os que em 1946 pensaram no papel que a Europa poderia e deveria ter num mundo acabado de sair de um terrível conflito global.

E com o que se poderia considerar alguma forma de autoridade moral da parte de um povo que há 600 anos iniciou um caminho de procura de encontro com os de outros continentes, reconhecendo contudo que tal caminho tinha sido eivado de episódios de opressão que num novo espírito europeu não deveriam voltar a suceder.

Centrada numa perspectiva de uma relação de Portugal com os outros Estados-membros da União Europeia, uma intervenção neste sentido, arrojada é certo, ampliaria o reconhecimento do papel de Portugal na União Europeia, na Europa, e no resto do mundo.

Pena foi que tal hipótese não tenha sido ponderada, pois teria o impacto associado a uma primeira intervenção tão simbólica.

Esperemos que o possa vir a ser. E esperemos que surja outra oportunidade apropriada. 

Ou que seja criada por adequado originador de factos políticos. 

Quem poderá ser ?

17.Abril.2016.
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Os arquivos da DGS/PIDE - distorções históricas.


O semanário "Expresso" publicou, na sua mais recente edição, um documento de investigação do distinto Jornalista e Historiador José Pedro Castanheira a propósito do paradeiro de arquivos da DGS/PIDE, em que relata episódios ocorridos principalmente no Verão de 1975, baseados essencialmente no testemunho do Coronel José Aparício, então Comandante da PSP de Lisboa, cujo inegável prestígio lhes confere toda a credibilidade.

Entre tais episódios ressalta a observação directa da retirada de grande quantidade de caixas da sede da ex-DGS/PIDE e seu transporte para um avião da Aeroflot, companhia da então URSS.

José Pedro Castanheira refere que o conteúdo das caixas só viria a ser revelado em 1994, no livro "Memórias de um espião", do antigo general do KGB Oleg Kalugin, que afirma que se tratava de uma "montanha de dados classificados" que teria passado pela Embaixada da URSS antes de seguir via aérea para Moscovo.

No mesmo documento são transcritas afirmações do Coronel Otelo Saraiva de Carvalho segundo as quais "a maior parte da documentação" teria sido levada para Moscovo "logo a seguir ao 25 de Abril, quando se formou a Comissão de Extinção da PIDE/DGS".

Testemunha presencial das primeiras semanas decorridas após a ocupação militar da sede da ex-DGS/PIDE, considerei útil recordar agora (recorrendo apenas à minha memória e por enquanto não a apontamentos que então elaborei - de que alguns originais e cópias se encontram no Centro de Documentação "25 de Abril", da Universidade de Coimbra) alguns factos que podem ajudar a explicar a provável natureza da "montanha de dados classificados" a que se refere o general Kalugin.

Os arquivos "sensíveis" da DGS/PIDE poderiam ser classificados em três categorias: os "CI2", contendo informações sobre pessoas politicamente opostas ao regime de então; os de escutas telefónicas e respectivas transcrições; e aqueles que respeitassem a colaboração com serviços secretos estrangeiros.

Estes últimos foram entregues, creio que em Junho de 1974, aos serviços de informações militares através do então tenente-coronel Belchior Vieira,

Os CI2 e os relativos a escutas foram transportados oficialmente para o Forte de Caxias, em Julho de 1974 (creio que na primeira quinzena), por se ter entendido que ficariam em melhor segurança do que nas instalações da R.António Maria Cardoso, o mesmo acontecendo com os arquivos "SR", não tão "sensíveis", pois embora respeitassem a centenas de milhares de cidadãos continham principalmente informações de carácter burocrático - uma vez que se passasse a considerar os seus titulares como oposicionistas transitavam para o CI2".

Creio assim que apenas terão ficado assim nas instalações de Lisboa os processos que a DGS/PIDE "instruia" com vista aos "julgamentos" de oposicionistas - ou nem isso - nos tribunais plenários, uma vez que os conteúdos de tais processos (com pouco valor em termos de informação "sensível") passaram a constituir uma das bases principais para acusações nos julgamentos dos funcionários e agentes da DGS/PIDE.

Suponho, assim, que a "montanha" que viajou da R.António Maria Cardoso para Moscovo "pariu um rato"...

10.Abril.2016.
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Constituição: comemorações envergonhadas.


Ocorreu ontem, 2 de Abril, o 40.º aniversário da aprovação da Constituição da República Portuguesa, que foi assinalado por alguns - poucos - actos públicos e oficiais, dos quais creio que assumiram maior relevância o almoço oferecido pelo Presidente da República a deputados constituintes e anteriores Presidentes da Assembleia da República, e uma sessão evocativa nas instalações do Parlamento promovida pela Associação 25 de Abril.

Sabedor da presença de Manuel Alegre (Melo Duarte) e de Eduardo Ferro Rodrigues no citado almoço, e constatando que o primeiro já estava no Auditório da Assembleia da República à hora (15.00) do início da sessão - presença assim igualmente possível para o segundo - não deixei de considerar que a ausência do Presidente da Assembleia da República, mesmo que algo colmatada com a presença de um Vice-Presidente, constituía grave desconsideração para com a Associação 25 de Abril, que tem sido encarada geralmente como representativa dos militares que afinal permitiram e impulsionaram a elaboração da Constituição na sua forma inicial.

Desconsideração essa de um Presidente da Assembleia da República não susceptível de ser apagada ou mitigada pela presença de um Vice-Presidente em sua representação - até porque estou certo de que o Presidente da República não deixaria de procurar, enquanto anfitrião e por certo dela conhecedor, que o almoço que promoveu terminasse em tempo apropriado à satisfação de um compromisso tão marcante..

Desconsideração essa que poderia ter sido evitada por sugestão do próprio Presidente da Assembleia da República  no sentido de a celebração se iniciar por exemplo pelas 16.00, o que certamente seria aceite por todos os convidados a participar na que foi a única comemoração em instalações públicas oficiais concretizada na exacta e referida data do 40.º aniversário da aprovação da Constituição.

Comemoração que aliás poderia e deveria ter sido celebrada em tal data, em sessão extraordinária da Assembleia da República, apesar de coincidir com um sábado - o que os eleitores, e os cidadãos em geral, por certo relevariam aos seus representantes que dedicam arduamente os seus fins de semana ao contacto com o seu eleitorado, e que assim se veriam privados de tal oportunidade.

Não poderia, pois, deixar de manifestar desde logo o meu desagrado pela falta de iniciativa demonstrada pelo Presidente da Assembleia da República relativamente a este episódio, bem como de tal dar conta nestas minhas páginas.

3.Abril.2016.
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    A UE no ano das decisões.

Os atentados suicidas ocorridos há poucos dias em Bruxelas voltaram a agitar profundamente os europeus, não só dada a proximidade temporal aos de Paris mas também porque incidiram sobre vias de transporte internacional, pondo em causa igualmente o espaço de livre circulação dentro da União Europeia.

Revelaram igualmente como a mobilidade interna prevista nos acordos de Schengen terá contribuído para a facilidade com que cidadãos residentes na Bélgica pudessem sem grandes dificuldades organizar e executar operações como as que ocorreram em Paris, apesar de algum amadorismo dos seus executantes - bem demonstrada pela confissão de não ter concretizado a prevista detonação suicida num estádio por não ter podido entrar por falta de bilhete de acesso ao espectáculo...

E sem se esquecer a falta de coordenação entre autoridades policiais de diversos Estados-membros em áreas relacionadas com a troca de informações sobre indivíduos suspeitos, bem como as carências informativas a propósito de possíveis redes associadas à potencial prática de acções terroristas. 

Estes acontecimentos, aliados à inevitável associação que alguns sectores da opinião publica fazem relativamente ao grande fluxo de refugiados para a União Europeia, têm contribuído para um aumento da influência do extremismo e da xenofobia com as consequências visíveis nas recentes eleições regionais na Alemanha, que poderão igualmente indiciar sinais de progressão do chamado euro-cepticismo.

Como já escrevi recentemente nestas páginas, as acelerações ou retardamentos significativos no quadro evolutivo das auto-organizações (como é o caso da UE) têm normalmente a sua origem em fenómenos catalisadores, quase sempre inesperados. 

A migração em larga escala de refugiados já constituiu um primeiro efeito catalítico que porém não apontou no sentido de passar a haver uma maior consistência da União Europeia, levando assim ao proliferar de decisões autónomas dos Estados-membros, com pouca ou nenhuma coordenação geral e originando assim a perda de grande parte da sua eficácia decisória numa questão tão importante como o é a da sua coesão interna, assim ferida por tal fenómeno de perfil centrífugo.

No entanto, os atentados de Paris e de Bruxelas - nomeadamente estes últimos - poderão ter exercido um efeito catalisador de sentido contrário, induzindo reacções de natureza centrípeta, centrada contudo e por agora apenas na colaboração entre as forças de segurança e no aumento legal dos seus poderes.

É aqui que reside um dos aspectos essenciais para o futuro da União Europeia: a compatibilização dos acordos de Schengen com o aumento da coordenação entre os sistemas de informação e de natureza policial e judiciária.

Pode acontecer que após a primeira reacção de natureza eurocéptica ao catalisador que foi o grande fluxo de refugiados venha a suceder uma atitude de procura de maior coesão, suscitada pelo catalisador que foram os recentes atentados (e outros que infelizmente poderão vir a ocorrer).

27.Março.2016.
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União Europeia - sinais de desagregação.



Muitos indicadores fazem antever que nos próximos meses aumentem as tendências que já vinham a ser notadas apontando para alguma desagregação da associação de diversos Estados num quadro político que tem como objectivo a criação de uma União Europeia.

Duas dessas tendências são mais relevantes. Uma, a de uma possível saída do Reino Unido na sequência de um referendo cujo anúncio é já por si um elemento de características desagregadoras, pois mesmo que não obtenha aprovação as sementes de divisão interna naquele Estado-membro provavelmente continuarão a fazer-se sentir.

Outra, a da extrema e notória dificuldade que a União Europeia tem revelado em lidar com o afluxo de refugiados que fogem do conflito na Síria, bem como de outros de menor dimensão noutros locais, e relativamente aos quais não se vislumbram expectativas de paz num curto prazo,

Se porventura o instável (e porventura iníquo) acordo obtido com a Turquia entrar em execução - e tiver algum "êxito", o que poderá não ocorrer - a provável melhoria climatérica que a Primavera trará ao Mediterrâneo, conjugada com a instabilidade política na Líbia, voltará a embora numa menor escala a induzir pressão migratória sobre a Itália, reacendendo os problemas de acolhimento e encaminhamento. E isto, apesar de um aumento do empenhamento de forças navais na dissuasão de tentativas de travessia.

Dentro da União Europeia aumentam entretanto os sinais de rejeição de uma política de acolhimento e integração de refugiados, quer em atitudes governamentais como no norte e leste da União, quer
na opinião de um crescente número de cidadãos conforme verificado quer em eleições recentes quer através de manifestações de protesto e de opinião escrita.

Por outro lado, a dificuldade de se manter o "Espaço Schengen" após a entrada de centenas de milhares de cidadãos não registados adequadamente introduz mais um elemento desagregador de um conceito vital para a União: o da liberdade circulação de pessoas.

A tudo isto acrescem indicadores de fraco desempenho económico conjugados com a entrada em cena de perspectivas deflacionárias nas duas Uniões Europeias "existentes" : a "União Euro" e a "União Neuro" - a primeira quiçá mais neurótica que a segunda...

Acrescentemos por outro lado as porventura débeis atitudes com que a União Europeia tem encarado as intervenções russas na Ucrânia, em particular na Crimeia, após haver encorajado aquele país a dar passos no sentido de uma maior associação à União Europeia, e teremos então uma visão política global sobre este actor mundial que aparenta apenas ser um anão que compra a sua placidez distribuindo Euros ou aplicando vagas sanções de natureza económica.

Sinais evidentes de desagregação numa Europa incapaz de olhar para um futuro para lá de um semestre.

20.Março.2016.
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"In Google we trust".


Um amigo meu de longa data, de forte personalidade e convicções profundas, enviou-me ontem cópia de uma mensagem electrónica em que pedia desculpa por ter retransmitido para a sua rede de conhecimentos uma informação que chegara ao seu conhecimento pela mesma via contendo um erro grosseiro sobre a identidade de uma pessoa que teria procedido a movimentação de capitais de forma irregular.

E em tal pedido de desculpas informava que tinha retransmitido a informação na convicção de que era correcta, mas que em boa hora um amigo de longa data, cuja palavra lhe merece toda a confiança, lhe remeteu uma mensagem referindo que a informação era falsa, pelo que de imediato alertou todos os destinatários iniciais solicitando-lhes que tomassem conhecimento do erro e que igualmente reencaminhassem a correcção para quem tivesse retransmitido a informação inicial.

E, naturalmente, apresentava as desculpas públicas à pessoa vítima do erro involuntariamente cometido.

A dignidade do procedimento, bem reveladora do elevado carácter do meu Amigo, é um exemplo que deveria ser observado por todos quantos constatassem erros grosseiros atentatórios do bom nome de outrem, e que agora proliferam nas redes de informação electrónica, seja em correio, em páginas pessoais, ou nas "redes sociais".

Porém o aumento exponencial da informação pública circulante, quer através dos meios mais clássicos - nomeadamente a radio, a televisão, o cinema, e a que se difunde sobre suporte em papel - quer a que se apresenta através de diversas formas electrónicas, em especial na Internet, torna porém cada vez mais difícil destrinçarmos a verdade, pois até na área audiovisual surgem formas mais subtis e "requintadas" em termos de distorção e manipulação.

E é aqui que entra em cena o fenómeno "googliano", pois este motor de pesquisa adquiriu um tal relevo e preponderância que leva a que quando surgem diferenças de opinião ou de interpretação sobre factos o argumento "vi no Google" acaba por ser frequentemente invocado, apesar de caso se pesquisasse um pouco mais se tivesse podido encontrar o procurado contraditório - procedimento este que muito menos frequentemente é observado.

E é então que nas "redes sociais" o que caracterizei com a adaptação da simbólica frase "In God we trust" à expressão "In Google we trust" assume todo o seu poder manipulatório, pois caso uma informação errónea seja atingida pelo nirvânico "tornou-se viral", poderá expandir-se até atingir o estatuto de "In Internet we trust", após ter subido o patamar "In Facebook we trust", de modo a aniquilar os esforços tendentes a corrigir erros cometidos na difusão de informação.

Só muito lentamente e ao longo do tempo é que os cidadãos poderão atingir a prática - infelizmente necessária - de não acreditarem logo no que se lhes transmite, e de o tentarem verificar por consulta de fontes alternativas (e não esqueço os que vivem sob regimes ditatoriais em que o controle da informação é férreo) - antes de apressadamente o retransmitirem.


13.Março.2016,
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As crises do Euro e dos refugiados, bem como a hipótese da saída do Reino Unido, foram suficientes para abalar uma "União", à qual os Estados-Membros atribuíram competências para atingirem os seus objectivos comuns através de - como é salientado no "Tratado de Lisboa" - uma união cada vez mais estreita entre os povos da Europa, em que as decisões serão tomadas de uma forma tão aberta quanto possível e ao nível mais próximo possível dos cidadãos.

E não se deve esquecer quanto contribuíram para tal abalo,  se bem que indirectamente, a anexação da Crimeia pela Federação Russa, bem como a ausência de uma política comum quanto aos conflitos no Médio-Oriente e no Norte de África.

E que objectivos comuns são os que estão referidos nos documentos que constituem o Tratado de Lisboa?

Muito sintética e nomeadamente, a promoção da paz, dos seus valores, e o bem-estar dos seus povos, mediante a livre circulação de pessoas salvaguardando controlos na fronteira externa e de asilo e imigração, prevenção da criminalidade, constituindo um mercado interno visando o crescimento económico, o pleno emprego e o progresso social, a melhoria ambiental, o progresso científico e tecnológico, a justiça social e a coesão económica, e a solidariedade entre os Estados-Membros, sem porém esquecer a paz, a segurança, e o desenvolvimento sustentável do planeta, e os princípios da Carta das Nações Unidas.

Porém, ao fim de 8 anos de vigência das competências que lhe são atribuídas nos Tratados. os resultados parecem estar longe, muito longe, da generalidade dos objectivos, sendo reconhecido um grande desencanto dos cidadãos face ao que tem sido uma "união europeia" que está muito distante de ser uma federação, dada a complexa matriz de associações e zonas que nela proliferam, desde as zonas Euro e não-Euro, à participação ou não na OTAN ou em acções militares fora deste quadro, ao espaço "Schengen" de livre circulação - para não referir as inúmeras cláusulas de excepção formuladas por diversos Estados-membros.

É por este desencanto que, mesmo que o Reino Unido opte por permanecer na União Europeia, o simples facto de haver um referendo para decidir sobre tal opção é já por si denunciador de não estarmos num caminho para uma união mais estreita (que poderia evoluir gradualmente para uma Federação), mas sim numa forma de confederação em que qualquer dos participantes a pode abandonar.

Parece assim preferível, dado o retrocesso político a que assistimos, assumirmos que actualmente somos cidadãos de uma Confederação, em vez de fingirmos que estamos numa "União", e então procurarmos formas de melhorar ao que de positivo tem sido feito, e de tentarmos encontrar fórmulas institucionais mais sólidas que passem por maior colaboração e menor imposição - de que o chamado "Tratado orçamental" é um exemplo - e regulando limbos legais como aquele em que vive o chamado "eurogrupo".

Impõe-se, pois, uma modificação dos presentes Tratados, nomeadamente do que estabelece o funcionamento da União - uma verdadeira amálgama, com dezenas de protocolos e declarações de excepção -, concebida de modo a fomentar a colaboração e o conhecimento entre os povos, bem como a cooperação entre os Estados confederados.

Visando um amadurecimento político-institucional que faça calmamente evoluir a confederação, em que de facto vivemos, para formas mais sólidas de uma verdadeira União.


6.Março.2016.

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A sabedoria oriental apelida de "tigre de papel" quem se arroga de ares ameaçadores e afinal não passa de um inofensivo ser.

E por certo aplicará a mesma expressão aos dragões, aliás constantes em manifestações populares na China.

O pensamento do cidadão da União Europeia não muito versado em aspectos da ciência económica e financeira, mas interessado pelas sucessivas notícias que têm dado a conhecer os esforços do Banco Central Europeu para ajudar a reanimar a economia voltando a colocar a inflação em cerca de 2%, não deixará certamente de caracterizar as tonitruantes declarações periódicas do respectivo governador Mario Draghi como sendo produzidas por um ameaçador monstro que não passaria ao fim e ao cabo do que se poderia classificar como um Dragão de papel - ou, porque não, um "Draghião" do mesmo material.

É evidente a grande injustiça que recairia sobre M.Draghi se fosse esquecida a sua acção de defesa da sobrevivência da moeda única, a qual tem vindo a ser coroada de êxito; mas já no que respeita ao combate à deflação, as medidas dadas a conhecer periodicamente e postas em prática estão longe de ter sucesso - esperando-se com curiosidade o que será anunciado no próximos dias.

Não se sabe se o BCE acredita mesmo que emprestando dinheiro à Banca a taxas quase perto do zero esta o vai injectar logo na economia, apesar de já ter tido tempo para verificar que os Bancos têm aproveitado a situação para em primeiro lugar procurarem resolver os múltiplos problemas que deixaram acumular, acrescidos das novas obrigações que uma união bancária decretada pelo poder político da UE tem que passar a respeitar.

Talvez venha a constatar que apesar de tudo é a política que comanda a economia, e que ajuda a restabelecer a confiança no futuro. 

E que o sentimento de confiança é a base do crédito, de se acreditar que os ganhos no futuro compensarão largamente os empréstimos de agora, ou seja os investimentos.

E que enquanto tal confiança não existe o poder político tem a obrigação de recorrer a mecanismos de arranque fundados no investimento, em cooperação público-privada.

Em que a Banca privada será convidada a colaborar, e em que o Banco Central se limitará ao seu tradicional papel de zelar pela manutenção de apropriadas taxas de inflação, deixando a política financeira para quem deve ter tal responsabilidade: os cidadãos, através do poder político democrático.

Que deve ter vistas largas, e não se deixar enredar por visões de meros contabilistas que se arrogam o papel de políticos.

28.Fevereiro.2016.
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A UE e a "pérfida Albion".


"We will be in the parts of Europe that work for us, influencing the decisions that affect us in the driving seat of the world’s biggest market and with the ability to take action to keep people safe.

And we will be out of the parts of Europe that don’t work for us."

"I believe it is enough for me to recommend that the United Kingdom remain in the European Union – having the best of both worlds."

(Extractos da declaração formal de D.Cameron, Primeiro-Ministro britânico, após o Conselho Europeu que em 18 de Fevereiro de 2016 aprovou um conjunto de disposições que, entre outras, foram apreciadas na citada cimeira).

O responsável pelo Governo do Reino Unido acrescentou que assim poderia fazer campanha pela manutenção do Reino Unido na União Europeia no quadro de um referendo que, inicialmente prometido para 2017, se apressou a antecipar para 23 de Junho próximo.

Claro que, se o resultado da consulta for no sentido da manutenção do reino (por enquanto unido...) na UE, D.Cameron não deixará de o utilizar para reforçar a sua direcção no seio do Partido Conservador, e eventualmente convocar eleições antecipadas.

E é evidente que se o resultado for pela opção da saída certamente procurará dele distanciar-se o suficiente para poder continuar como chefe do Governo, ciente de que a oposição não conseguirá provavelmente apresentar quer à esquerda, quer no campo dos eurocépticos, soluções alternativas válidas.

Hipocrisia notória, aliada ao verdadeiro exercício de actuações similares que foi mostrado ao mundo por um conjunto de Estados que têm vindo a assinar um conjunto de Tratados visando a constituição de uma união de carácter político, e que à menor ameaça de um deles no sentido da respectiva saída cedem clamorosamente às suas principais reivindicações afirmando em uníssono que se tinha encontrado uma excelente solução - alguns deles apenas a troco de umas lentilhas esmoladas (e abstenho-me de dizer quais, ou qual).

Demonstra assim que não fica muito deslocado o epíteto de "pérfida Albion" com que tem sido caracterizado o povo britânico desde a batalha de Azincourt, no séc,XV, e de que Portugal sentiu ao longo da História os respectivos efeitos, muitas vezes na sequência de hipócritas evocações do Tratado de Windsor firmado em 1386.

Estaremos assim a caminho de uma desagregação de um projecto de união europeia precisamente num momento em que a coesão entre os Estados se imporia como uma necessidade premente ?

Talvez os britânicos sintam que estão perante um momento histórico, e "revertam" (onde é que já li esta palavra ?) o caminho suicidário pelo qual têm vindo a dar sinais de optar.

Vejamos entretanto se o Reino Unido não se cindirá - pois quem com ferro mata ...

21.Fevereiro.2016.
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A "União" Europeia e o Reino Unido.


Há 3 anos, aquando das eleições para o Parlamento do Reino Unido, D.Cameron prometeu que caso o seu Partido as ganhasse convocaria um referendo sobre a manutenção do Reino na União Europeia, tendo declarado recentemente que tal consulta ocorrerá em 2017.

Entretanto nos últimos meses desencadeou uma ofensiva política centrada na ideia de que defenderia a continuação do Reino Unido na União caso esta adoptasse um importante conjunto de disposições por ele consideradas fundamentais, tendo então desencadeado um processo de consultas com altos responsáveis da UE, que culminou com um projecto apresentado por D.Tusk, Presidente do Conselho Europeu.

Este projecto deverá ser apreciado na próxima reunião do Conselho Europeu, em 17 e 18 de Fevereiro, que terá de se pronunciar sobre os seus termos sem esquecer a existência do conjunto inicial de condições apresentadas por D.Cameron, num difícil exercício de equilíbrio entre matérias que até agora faziam parte do cerne evolutivo da União que se inferia e infere da sua constituição legislativa, nomeadamente quanto ao conjunto que ficou conhecido como Tratado de Lisboa (finais de 2009).

Matérias que incidem sobre a imigração, livre circulação dos trabalhadores e apoio social a estes e suas famílias, manutenção do estatuto de centro financeiro da City bem como desvinculação de apoios a programas de resgates financeiros de outrem, concorrência e desburocratização, e - bem importante - ausência de participação no chamado "aprofundamento da união".

Analisados os pormenores do projecto apresentado por D.Tusk, constatar-se-à que o pretendido por D.Cameron terá aparentemente colhido uma larga margem de aprovação - mas que não difere muito da situação em que estamos, em que o Reino Unido praticamente actua como se o citado projecto estivesse adoptado e em vigor.

Assistiremos assim provavelmente a mais um espectáculo de "vitórias" em que a União Europeia é fértil, numa teatralização que permitirá a D.Cameron regressar a Londres afirmando - para uso interno e plena aplicação referendária - que as suas reivindicações foram aceites em toda a linha, e que portanto recomendará ao povo que se pronuncie pela manutenção do Reino Unido na União. 

Continuando ele, D.Cameron, a fazer o que muito bem entende e que pensa poder contribuir para acalmar os chamados "eurocépticos".

Continuando a União Europeia e os seus 5 Presidentes em exercício a afirmar que o projecto europeu sai reforçado da cimeira de Fevereiro.

Continuando a União Europeia num processo de desagregação política que a levará à sua redução a duas confederações - a do Euro e a das moedas soberanas - e assistindo ao constante imiscuir da Federação Russa e dos EUA nos territórios limítrofes a Sul e a Sueste...

14.Fevereiro.2016.
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Foi há poucos dias publicado um importante relatório do Tribunal de Contas da União Europeia, em que se sublinha que a Comissão Europeia geriu a crise financeira que ocorreu a partir de 2008 de uma forma "geralmente insuficiente".

Curiosamente, o Presidente daquele Tribunal é um cidadão português - Vítor Caldeira, já no seu terceiro mandato - pelo que não deixa de ser curiosa a situação de ser um português a subscrever um relatório que põe em causa a acção de uma instituição da UE (a Comissão Europeia) enquanto outro português era o seu Presidente.

(Anote-se entretanto, a título de curiosidade, que diversos portugueses ocuparam - e alguns ocupam ainda - cargos de presidência ou de vice-presidência de instituições da UE, figurando entre eles e de modo não exaustivo nomes como J.Cruz Vilaça, V.Constâncio, J.Barroso, J.Oliveira Costa, Carlos Costa, e obviamente V.Caldeira, já citado).

O Tribunal de Contas da União Europeia tem como missão controlar a cobrança e a utilização dos fundos da UE e ajudar a melhorar a gestão financeira da UE, e foi nesse quadro de atribuições que publicou o importante relatório especial em que começa por salientar que os sinais de alerta quanto à crise iniciada em 2008 "tinham passado despercebidos" - o que não parece muito abonatório quanto à competência dos responsáveis de uma instituição que tinha e tem nos seus quadros pessoal altamente qualificado, que por certo terá detectado os sinais de alerta referidos e avisado os seus superiores a nível político.

É verdade que é destacado no relatório um conjunto de resultados positivos. Porém, assinalam-se igualmente vários domínios que suscitam preocupação quanto à forma "geralmente insuficiente" como a Comissão geriu a crise, designadamente o tratamento desigual dos países, o controlo de qualidade limitado, um acompanhamento insuficiente da execução e lacunas na documentação.

Os auditores analisaram a gestão, por parte da Comissão, da assistência financeira prestada a cinco Estados-Membros, tendo encontrado diversos exemplos de países que não foram tratados da mesma forma num cenário comparável, pois em alguns programas, as condições da assistência foram menos rigorosas, o que facilitou o seu cumprimento, as reformas estruturais exigidas nem sempre foram proporcionais aos problemas enfrentados ou seguiram percursos muito diferentes, e algumas das metas do défice dos países foram objecto de uma redução superior àquilo que a respectiva situação económica, em princípio, justificaria.

Verificaram, por exemplo, que a Comissão recorreu a uma ferramenta de previsão já existente e deveras complexa, baseada em folhas de cálculo, e que a documentação não estava organizada de modo a permitir recuar no tempo para avaliar as decisões tomadas...

E recomendam, nomeadamente, quanto ao futuro, que se acompanhem as reformas verdadeiramente importantes, que se torne o processo de gestão da dívida mais transparente, e que se analisem de forma mais aprofundada os principais aspectos do ajustamento dos países após o encerramento dos programas.

É evidente que após um relatório com as demolidoras conclusões que nele são apresentadas se impõe um adequado e firme tratamento político, por parte de Portugal, das questões relacionadas com o lógico re-posicionamento da República Portuguesa face ao cumprimento do "Tratado orçamental" na sequência do novo "ponto de partida" que foi o final de um Programa de Assistência Financeira executado com as deficiências vindas a público.


7.Fevereiro.2016.

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Schengen: um catalisador de desagregação da UE.


Desde que no princípio de Novembro passado me referi nestas páginas ao papel que o fluxo de refugiados poderia vir a ter na organização da União Europeia diversos sinais vieram corroborar as previsões algo pessimistas que então apresentei.

De entre elas avultam as mudanças de atitude dos governos de alguns países escandinavos, aumentando as dificuldades para a recepção de refugiados ou procedendo a processos de repatriamentos - eivados das óbvias dificuldades.

Igualmente se destacam a instalação de mais barreiras físicas nas fronteiras de Estados-membros do leste, e as declarações de suspensão temporária de procedimentos previstos nos acordos de Schengen e Dublin, bem como a "devolução" pela Alemanha de imigrantes à Áustria e a deterioração das vergonhosas condições de vida na "zona" de imigrantes em Calais.

Por outro lado, incidentes de agressões sexuais aparentemente originados por imigrantes provindos do Médio-Oriente e de África contribuíram para agravar negativamente a opinião pública quanto aos refugiados, que já tinha sido profundamente abalada pelos atentados de Paris no passado mês de Novembro.

Grécia e Itália - em particular o primeiro daqueles Estados - continuam a sentir a falta de apoio da União no que respeita à recepção dos que arriscam a vida na travessia do Mediterrâneo (no qual pereceram por exemplo na última semana largas dezenas de infelizes explorados por criminosos traficantes).

Não são suficiente conhecidos estudos (que nos permitiriam compreender melhor os processos de possíveis decisões sobre políticas a prosseguir) sobre os perfis sociológicos dos imigrantes candidatos a pedidos de asilo, nem dados sobre os apoios financeiros da UE nomeadamente à Turquia (mas também aos outros países do Médio-Oriente que já receberam diversas centenas de milhares de refugiados, em particular o Líbano e a Jordânia), e sobre o eventual apoio dado pelos Sauditas e pelo Irão.

Não é de esperar,igualmente, que a conferência de paz sobre a Síria que hoje tem início em Genebra venha produzir resultados positivos num prazo curto, pelo que a situação global deve por algum - diria bastante - tempo continuar a agravar-se perante o olhar impotente de Federica Mogherini, Alta Representante da UE para a Política Externa e Segurança.

Como já em Novembro referi, as acelerações ou retardamentos significativos no quadro evolutivo das auto-organizações (como é o caso da UE) têm normalmente a sua origem em fenómenos catalisadores, quase sempre inesperados.

A migração em larga escala de refugiados poderia ter provocado tal papel, que infelizmente no presente caso não apontou no sentido de passar a haver uma maior consistência da União Europeia, levando assim ao proliferar de decisões autónomas dos Estados-membros, com pouca ou nenhuma coordenação geral e originando assim a perda de grande parte da sua eficácia decisória, reduzida cada vez mais a aspectos de natureza financeira - e só para os Estados-membros pertencentes à Zona Euro...

Não me parecendo que a União Europeia venha a encontrar em si mesma a clarividência que leve a um aumento da sua consistência organizativa resta-nos assim esperar que surja um novo catalisador que o possa suscitar.

Até lá, procuremos - tal como em 1946 - contribuir para a descoberta de um novo Espírito Europeu.

31.Janeiro.2016.

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Completam-se no corrente ano 40 anos sobre 6 actos determinantes para a definição do sistema político em Portugal: 

- a aprovação, em 2 de Abril, da Constituição da República Portuguesa, 
- a entrada em vigor, em 25 de Abril, da Constituição da República Portuguesa;
- a eleição, em 25 de Abril, da Assembleia da República;
- a eleição, em 26 de Junho, do Presidente da República;
- as eleições, em 27 de Junho, das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas;
- as eleições, em 12 de Dezembro, dos Órgãos das Autarquias Locais.

A Constituição viria a ser profundamente modificada em 30 de Setembro de 1982, entrando a nova versão em vigor um mês depois, dela ressaltando a extinção do Conselho da Revolução com a consequente assunção das suas funções por outros órgãos de soberania, que assim a passaram a exercer de modo pleno.

É de esperar que o Presidente da República, a Assembleia da República, e os órgãos do Poder autárquico - regional e local - tomem a iniciativa de comemorar adequadamente os simbólicos quadragésimos aniversários dos tão marcantes actos para a nossa vida colectiva, em cuja organização tive aliás especiais e honrosas responsabilidades,

Há que recordar e acentuar que no texto constitucional anterior (1933) se estabelecia que os cidadãos analfabetos só podiam votar se pagassem impostos não inferiores a "100$00" (quantia apreciável para a época) e as mulheres só eram admitidas a poder exercer o direito de voto se possuidoras de curso especial, secundário ou superior.

Tal texto foi aprovado por sufrágio referendário (obrigatório), em que num universo eleitoral de cerca de um milhão e trezentos mil eleitores (maiores de 21 anos), as abstenções e os votos em branco contaram como votos a favor, devendo o voto contra ser expressamente escrito...

Será importante lembrar que muitas das liberdades fundamentais estavam restringidas, e que só podiam ser eleitos os eleitores que soubessem ler e escrever e que não estivessem sujeitos às inelegibilidade previstas na lei, onde se excluíam por exemplo os "presos por delitos políticos", e que o parlamento só se reunia 3 meses em cada ano.

É pois essencial que as comemorações destas importantes datas sejam concebidas de modo tal que marquem as consciências dos cidadãos tal como acontece com a saúde, a que muitas vezes só se dá o devido valor quando se não a tem.

E que, para além do tom tradicional decorrente de sessões solenes e de exposições documentais, bem como de colóquios e intervenções de natureza audio-visual, se encontrem outros métodos imaginativos que induzam uma maior curiosidade sobre o funcionamento da democracia e provoquem o estudo de soluções para aumentar o grau de participação dos cidadãos na vida política.

É por tal razão que as comemorações que venham a ser realizadas pelos órgãos de poder local - até porque são as últimas no calendário - assumem particular importância, pois a essência da participação política tem a sua sede nas dezenas de milhares de eleitos que generosamente dedicam uma parte do seu tempo à vida das autarquias locais.

E não é por acaso que este ponto de vista é publicado no dia em que decorrem eleições para o cargo de Presidente da República, entidade que pode - aliás como outros órgãos de soberania - ter um papel determinante na mobilização do país para uma nova dinâmica de participação na vida colectiva.

24.Janeiro.2016.
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Já passaram mais de dois meses desde que um cidadão, cujo nome me abstenho por enquanto de revelar, enviou uma carta ao Provedor de Justiça solicitando informação sobre o prazo provável em que poderia ser informado sobre a decisão relativa a um assunto que apresentara cerca de cinco meses antes.

Na citada carta referia que embora conhecedor do muito trabalho que incidia sobre o Provedor e seus colaboradores admitia que tal estimativa – em termos de semanas ou meses – lhe pudesse ser dada a conhecer em prazo não muito longo, caso tal fosse viável e não aumentasse excessivamente o tempo dedicado ao estudo do cerne da questão, possibilitando assim a plena realização do lema seu apanágio: “perceber para prover”.

Aliás a questão colocada não se revestia aparentemente de especial complexidade, até porque já fora objecto de profunda atenção por parte do próprio Provedor antes de assumir o seu presente cargo.

É certo que a Lei não impõe prazos ao Provedor para responder ou actuar face aos assuntos que lhe são expostos.

Porém, o que não parece razoável é que no caso vertente (e sabe-se lá em quantos mais) não seja sequer respondido que foi recebida uma carta em que se solicitava uma estimativa sobre o tempo que poderia mediar até uma resposta a um assunto.

Não se esperaria porventura uma carta informando que seria iniciado o estudo de uma avaliação do tempo que se levaria a dar conhecimento do prazo provável de uma resposta à questão essencial.

Mas pelo menos seria de esperar que fosse indicada uma ordem de grandeza do tempo que possivelmente poderia decorrer até à resposta: semanas, meses, ou anos, quiçá décadas.

Se é assim que o Provedor trata os cidadãos que se lhe dirigem, parece-me melhor que seja aperfeiçoado o texto constitucional na parte que se lhe refere, ou que seja modificada a lei que sobre o cargo impende.

Ou que seja substituído, logo que possível, quem assim procede - a passo de caracol.

17.Janeiro.2016.
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Dois significativos incidentes em apenas alguns dias, um nos EUA, outro na UE, devem levar-nos a uma profunda reflexão sobre as relações entre diferentes culturas em que a religião assume um papel relevante.

Nos EUA, uma pessoa foi expulsa de um comício de D.Trump por, identificando-se como muçulmana através de traje tradicional feminino, ter exibido um cartaz em que afirmava estar ali presente em nome da paz, tendo a sua retirada sido celebrada efusivamente pela generalidade dos participantes e comentada com satisfação pelo próprio D.Trump.

Em Colónia (e em mais algumas cidades alemãs) muitas centenas de jovens, aparentemente norte-africanos e árabes, molestaram diversas dezenas de mulheres na passagem do ano, havendo múltiplas queixas de roubo, assédio, e violação sexual.

O primeiro dos casos demonstra como as interpretações extremistas do Islão que voltaram à superfície a partir das intervenções bélicas e terroristas dos seguidores de Osama Ben Laden e que encontraram terreno fértil de expansão após as intervenções militares no Iraque e no Afeganistão, bem como na instabilidade provocada pela guerra civil na Síria, permitiram que eclodisse uma versão sinistra de Estado islâmico, rapidamente associada na opinião pública "ocidental" à generalidade do mundo muçulmano.

O segundo caso, na Europa, assinala a grande dificuldade de integração de uma massa de refugiados e imigrantes maioritariamente masculinos e jovens, sem ocupação nem família no território alemão, tendo igualmente contribuído para levar a um movimento de rejeição da política de acolhimento do actual governo da Alemanha.

A tais casos acrescem os atentados ocorridos em França em 2015, bem como outros anteriores no Reino Unido e em Espanha, todos perpretados por jovens desenraizados, sem emprego, e já de nacionalidade europeia.

Aproveitando habilmente traumas seculares que remontam às Cruzadas, colonizações, escravatura, e perseguições religiosas, que permanecem no imaginário colectivo de muitos povos - apesar de muçulmanos também terem no seu passado episódios semelhantes - teólogos relevantes do Islão, desde Khomeini a Ben Laden, Al-Baghadi a Ben Abdullah, conseguiram mobilizar grande número de apoiantes em torno de acções bélicas contra os "infiéis", sem que se notem movimentos significativos de opinião no mundo muçulmano contra tais propósitos, nem sempre coincidentes quanto às origens religiosas de raiz chiita ou sunita, aliás muitas vezes em feroz luta mútua pelo predomínio da respectiva influência.

É certo que há muitos intelectuais muçulmanos que apelam a uma interpretação pacífica do Alcorão, e que o general Al-Sisi, presidente do Egipto, pronunciou há um ano um corajoso discurso em tal sentido, mas o que transparece na opinião pública observadora do mundo muçulmano é a existência de uma abulia em tal matéria, quando não se trata de um favorecimento implícito da continuação de modelos interpretativos dúbios como os que permanecem em grandes países de África, no Paquistão e no Bangladesh ou na Indonésia e Malásia.

As cisões que se pressentem na opinião pública dos EUA, independentemente do resultado das eleições presidenciais, bem como na União Europeia, em particular na Alemanha, são de molde a prenunciar aumentos de tensão política de resultados imprevisíveis.

A chave do problema está, infelizmente, nas interpretações dos modelos culturais e civilizacionais associados a cultos religiosos - o que significa que há ainda um longo caminho a percorrer.

10.Janeiro.2016.
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Portugal: 30 anos na União Europeia.


Em 1 de Janeiro do ano que agora se inicia completaram-se 3 décadas sobre a data em que a República Portuguesa passou a fazer parte das instituições que viriam a dar lugar à presente União Europeia.
É assim oportuno recordar trechos do que nestas páginas escrevi a propósito desta  adesão, marcada pelo simbolismo de ser a da última potência colonial europeia e por consequência caracterizar assim o fim da era de predomínio expansionista das potências europeias, que foram assumindo progressivamente a incapacidade de o manter após ferozes conflitos de que todas - umas menos que outras - tinham saído perdedoras, e o dever moral de passarem a considerar como iguais todas as nações, tacitamente reconhecendo os erros que as subjugações de povos e culturas tiveram para o conjunto da Humanidade.
Portugal beneficiou então e durante cerca de 15 anos das circunstâncias favoráveis proporcionadas pelos fluxos de fundos de apoio de que passou a dispor, mas tal como a generalidade dos Estados-membros da União Europeia foi depois envolvido num processo de alguma desagregação política que se tem vindo a acentuar, e cujas origens penso remontarem aos anos 50, quando as fundações comunitárias não tiveram a ambição de ir além da criação - necessária e fundamental, acentue-se - da Comunidade do Carvão e do Aço, e do Mercado Comum.
Ou seja, procurou-se evitar a guerra através da administração comum do carvão e do aço, e construir a paz pela interpenetração das trocas comerciais - esquecendo o fomento dos contactos interpessoais, em que às débeis tentativas relativas à mobilidade dos trabalhadores se juntou a falta de arrojo na de estudantes, pese embora a criação do modelo Schengen - agora também em risco - como condição necessária para quaisquer tentativas de fomento da comunicação entre cidadãos.
Tivesse havido a visão para por exemplo aumentar a duração do tempo do programa Erasmus, bem como para estender o seu âmbito a muitíssimo mais estudantes, e também  a jovens trabalhadores - e, porque não, a trabalhadores menos jovens - e a Europa já neste momento pensaria de modo mais solidário, e por certo mais eficaz.
Teria bastado haver menos recursos para a Política Agrícola Comum, e mais para os programas de mobilidade pessoal - como alguém com um pouco de humor dizia. "menos para as vacas, mais para as pessoas"...
Não é assim de admirar que os Estados-membros da União Europeia procurem cada vez mais em si mesmas as soluções para os seus problemas, em detrimento do recurso a mecanismos de cooperação, e que não haja políticas verdadeiramente comuns de defesa, de segurança, ou de relações externas.
E contudo Portugal teve oportunidades para tentar um impulso qualitativo visando o aperfeiçoamento da União: 
- no Conselho Europeu de Lisboa de Março de 2000- a que presidiu - que marcou o objectivo estratégico de converter a economia da União Europeia "na economia do conhecimento mais competitiva e dinâmica do mundo, antes de 2010, capaz de um crescimento económico duradouro acompanhado por uma melhoria quantitativa e qualitativa do emprego e uma maior coesão social"; 
- na preparação final do Tratado de Lisboa (em que lhe coube a Presidência da União); 
- e nos mais recentes 10 anos, em que foi um português o Presidente da Comissão Europeia.
Poderá Portugal assumir de novo um papel relevante na construção da União Europeia,  suscitando o reconhecimento de que tal como nas grandes organizações se deve pensar primeiro nas pessoas, e só depois na Banca ?
Pode. Basta querê-lo.
3.Janeiro.2016.
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                                                                                                                       010108