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Informação e comunicação em democracia.
Volto a estes temas, citando alguns trechos de intervenções que fiz anteriormente, por considerar que os sistemas democráticos devem aperfeiçoar-se face às novas tecnologias de informação que têm surgido desde os finais do século XIX, nomeadamente as que têm características de larga difusão, e que vieram complementar a imprensa em suporte papel ocupando o principal lugar durante cerca de quatro séculos.
O telefone assumiu-se como o primeiro sistema de comunicação directa entre os cidadãos que a ele tinham acesso, e num segundo plano, mais restrito, o telégrafo e as comunicações radiofónicas, sucedendo-se a radiodifusão sonora que até ao advento da televisão se assumiu como o principal meio de difusão unidireccional, embora permitindo liberdade de escolha de canais de audição nos Estados não-autoritários.
A Internet veio transformar radicalmente a transmissão de informação, dando origem a uma era em que se tornou possível uma grande massificação da circulação de informação "horizontal", isto é, em que os cidadãos podem comunicar directamente entre si com poucas condicionantes restritivas - salvo em regimes políticos autoritários em que o poder político intervem na selecção da informação cuja circulação é permitida.
A Televisão e a Internet vieram modificar, nos países mais desenvolvidos, os modos de relacionamento social, assistindo-se assim ao atenuar da comunicação presencial, nomeadamente a de vizinhança, desempenhando a TV um papel de grande relevo na difusão de informação e de modelos de comportamento cultural e social, televisão que apesar do crescente papel dos telefones móveis e da Internet ainda assume uma preponderância nítida na transmissão de informação e de padrões de vida - certo que com a possibilidade de escolhas nos Estados com regimes não totalitários.
No entanto a Internet tem vindo a aumentar a sua capacidade de elemento transmissor de informação e de modelos culturais, assistindo-se a uma forte disputa com a Televisão em que esta poderá vir a perder muita da influência que até agora deteve, assistindo-se entretanto a diversas tentativas de uma e da outra no sentido de "absorverem" a rival - os sistemas internéticos procurando assegurar a capacidade de retransmissão de canais televisivos, e os operadores de televisão procurando possibilitar o acesso à Internet através dos televisores.
Contudo, o aumento exponencial da Internet através dos telemóveis - tanto de formato reduzido, como de média dimensão - faz antever a possibilidade da diminuição da influência da TV clássica, reduzida a uma presença em sala, em que informação e entretenimento ainda se manterão, mas constantemente aferidas por múltiplas escolhas dos seus "competidores" mais pequenos.
O dado comum a estas questões é, porém, o crescente afastamento inter-pessoal, quer ao nível da redução do saudável passeio pelo bairro após o jantar, quer nas visitas a vizinhos, quer na frequência de colectividade local, ou de grupo de interesses comuns - ou ainda e por último, mas afinal o mais importante, na menor comunicação directa em casa, em particular entre gerações.
Mais informadas, é certo, as pessoas. Mas mais longe umas das outras.
Os reflexos desta situação não se vêem de imediato, mas traduzem-se na diminuição da qualidade da vida política, pois há mais informação mas há menor participação directa, melhor conhecimento dos assuntos mas menor no que respeita aos representantes eleitos - em que nada pode substituir o contacto directo.
E é por isto que em muitos países as formações políticas tradicionais se esboroam e surgem alternativas, ou as frustrações dão origem a manifestações violentas de quem não pressente soluções para problemas essenciais.
Já me tenho referido a estas questões, sugerindo caminhos - e um deles passa pelo reforço do Poder Local - pelo que voltarei em breve a este assunto.
27.Dezembro.2015.
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O 25 de Abril na primeira pessoa
ANTECEDENTES: O que terá levado um jovem de 28 anos, de família bem instalada na vida, casado e já com 3 filhos, que nunca teve grandes iniciativas revolucionárias (nem acreditava nelas!) a entrar numa revolução?Muitas vezes me interroguei e reflecti sobre esta questão. O que é facto é que entrei de alma e coração nessa revolução, sem hesitações, embora ciente de que eu, a minha família e amigos iriamos perder privilégios, que seria uma revolução sangrenta (previam-se pelo menos uma semana de combates!) e que o resultado ainda era incerto, tanto mais que sabíamos que a Pide tinha conhecimento do golpe.
Nós somos, em cada momento, a soma daquilo que aprendemos e vivemos até essa altura. E atribuo muita importância há alguns factores específicos:
A minha ascendência dinamarquesa. De facto o meu pai foi dinamarquês até muito tarde, só se tendo naturalizado Português já eu era maior. Eu podia até ter escolhido a nacionalidade dinamarquesa, o que não fiz (alguns dos meus familiares optaram por se tornarem dinamarqueses) mesmo sabendo que com essa opção teria que fazer o serviço militar, o que acarretaria em média 3 anos sem trabalhar na minha profissão e provável ida ao Ultramar com riscos de ter de combater. Mas de facto, nunca tendo ido à Dinamarca nem sabendo falar dinamarquês e gostando muito de Portugal – já, nessa altura não tinha dúvidas de que era A MINHA TERRA! – não me fazia sentido deixar de ser português, só para fugir às chatices e riscos de uma guerra colonial, mesmo não concordando com ela. Esta minha escolha também teve muita importância em opções futuras: já que tinha escolhido ser português, então não teria lógica que não tentasse ser sempre um bom português!
Por outro lado o meu pai transmitiu-me uma série de valores de honradez, respeito aos outros, etc… que me conseguiu passar. Ele tinha sobretudo uma crença, que eu herdei, que a nossa passagem pelo Mundo não faria sentido nenhum se não o deixássemos melhor do que quando cá chegámos. E que se queríamos que o Mundo se tornasse melhor eramos nós e não os “outros” que tínhamos que lutar por isso. Alguns destes valores tenho muita dificuldade em vislumbrar nos meus conterrâneos: para muitos portugueses, quando as coisas não estão bem a culpa será sempre de terceiros (o Estado, o patrão, a Lei, etc…) e eles não podiam nem podem fazer nada para ajudar a resolver os seus problemas. É o nosso fado!
Outro antecedente que teve muita importância em tudo isto: a minha educação escolar ter sido determinantemente conseguida pelos Jesuítas: dos 8 aos 17 anos estive, em regime de semi-internato (entrava às 7h e saía às 19h) no colégio S. João de Brito. Aí tive franco contacto com a pobreza dos bairros da lata, pois eramos convidados a visitar e ajudar as pessoas que viviam no Bairro da Musgueira, o maior bairro da lata dos arredores de Lisboa. Portanto constatei brutalmente que o mundo simpático e familiar onde eu vivia, e que o Regime nos vendia como sendo semelhante ao da maior parte dos portugueses, era uma enorme e terrível mentira! Na Musgueira vi uma enorme miséria material e humana: a Polícia não ia lá, não havia qualquer tipo de saúde, ensino, recolha de lixo ou qualquer outro tipo de apoio, com excepção de uma missão católica e das conferências vicentinas. As “casas” eram um espaço com lama, sem água, nem electricidade, nem esgotos onde as pessoas se amontoavam na maior promiscuidade tornando os termos pedofilia, violência, prostituição aos 10 anos, roubo, etc… meros adjectivos do quotidiano da maior parte daquela gente, sujeita à exploração mais ignóbil por alguns lideres locais, autêntica rede mafiosa de que ninguém conseguia fugir. Era a face negra do Regime que urgia mudar.
Os Jesuítas tiveram também uma influência muito importante na minha educação, pois tendo um ensino excelente, tanto técnico como humano e religioso, ajudaram-me a ser um tipo com curiosidade de conhecer a verdade (tirei alguns cursos superiores) e um crente profundo. Acreditar que a felicidade se alcança quando nós amamos o próximo ajudou-me muito na opção final pela revolução: por muito difícil que seja de acreditar também foi uma decisão de Fé e de Amor! Só tenho pena é que tantas vezes eu não consiga, por preguiça ou egoísmo, ser coerente com a minha Fé!
Quando entrei na Faculdade vivia-se em pleno as lutas académicas da época marcelista. Também andei em algumas dessas manif, mas sobretudo porque era divertido andar a chatear os polícias e depois fugir deles. No entanto nunca consegui levar muito a sério os meus colegas ”revolucionários” porque só consegui ver neles uns burgueses pseudo-progressistas que, embora vivendo à custa de um sistema, pretendiam impor-lhe teorias importadas, que não percebiam na totalidade e muito menos nas suas consequências. Apenas ansiavam ter um grande protagonismo e, como por várias vezes constatei, o seu grande amor ao Povo, tão violentamente propagado, limitava-se ao convívio com o seu pequeno grupo.
Casei-me no dia em que fiz 21 anos, tendo ido logo trabalhar para a Alemanha, em condições um pouco melhores do que as dos nossos emigrantes, mas mesmo assim de algum sofrimento pela saudade de todos os que cá ficaram e do Sol que nunca vi enquanto lá estivemos. Serviu no entanto para perceber a riqueza que uma sociedade muito organizada pode gerar, mesmo sem trabalharem muito, como era o caso do sítio onde trabalhámos. Também serviu para aumentar o meu amor a Portugal e consolidar o meu casamento. Apenas durou 4 meses este período na Alemanha, tendo regressado a Portugal para continuar o curso. Fomos vivendo de apoios familiares e de biscates vários, que não davam tempo para vivenciar qualquer vida académica, revolucionária ou não.
Acabei o curso e comecei a trabalhar, pois só fui chamado para a tropa após menos de um ano depois de ter acabado o curso, por razões que nunca cheguei a entender. Profissionalmente tudo correu muito bem e cheguei a ganhar bem. Entretanto tive três filhos.
Vivia-se em Lisboa um clima de grande e quase livre discussão política, apesar do período marcelista ter sido o período da nossa história recente com o maior crescimento da economia. Foi um período importante porque cimentei muitos conceitos políticos e económicos.
Quando tudo estava a correr bem fui chamado para Mafra! Foi um enorme balde de água fria, pois já quase me tinha esquecido dessa possibilidade! E uma revolta também: estava já com três filhos e passava de uma bom nível de vida para não ganhar nada em Mafra.
Ao fim de 3 meses em Mafra (1º ciclo de cadete), soubemos todos as nossas futuras especialidades para onde iriamos. Fui para Comandante de Companhia! Até chorei: em vez de 2 ou 3 anos num quartel da Metrópole, ou em qualquer cidade do Ultramar como alferes, situação que provavelmente me permitiria continuar também a trabalhar em part-time, iria ter garantidamente guerra no mato e uma comissão de quase 5 anos. É evidente que aqui a minha revolta se tornou mais objectiva, mais consistente. No nosso pelotão dos futuros CC tentámos quase todos chumbar (iríamos para Cabo Miliciano), pois assim talvez pudéssemos estar menos tempo na tropa: respondíamos mal nos testes, falhávamos os alvos, gozávamos os oficiais que nos comandavam etc…, enfim fazíamos tudo ao contrário, caindo às vezes em situações engraçadíssimas. Eu até consegui que a minha classificação fosse apenas de 5 valores em 20, mas o Sistema resolveu facilmente o problema: deu a todos mais 6 valores tornando o nosso pelotão aquele que teve a média mais alta de Mafra!
Durante 2º ciclo em Mafra no pelotão dos futuros Comandantes de Companhia, quase todos fervilhavam de revolta, e eu mais ainda porque tinha uma família para sustentar, tendo a minha mulher começado a trabalhar para minorar esse problema. Aí formámos um pequeno grupo de colegas (Miguel Amado, Santos Jorge e Luís Pessoa ) cujo motivo de conversa era essencialmente o estado da nação e o nosso descontentamento. Foi este grupo a génese da minha entrada para o Movimento das Forças Armadas.
Depois deste 2ª ciclo em Mafra, fomos todos para uma zona de combate durante 4 meses: um estágio! A mim calhou-me uma zona perigosa da Guiné: o Saltinho, numa companhia que já tinha 20 mortos. Fui confrontado com guerra a sério (estive algumas vezes debaixo de fogo!) e com as dramáticas consequências dum colonialismo cego, ao mesmo tempo que ganhei algum sentido de responsabilidade em relação à população colonizada: além de ter comandado um grupo de combate de ex-comandos nativos, tive que dar protecção a uma mulher, a primeira mulher do Cherne Rasshid (o emir islâmico mais respeitado da Guiné) a Mámá Fatmat! Tive muitas oportunidades de conversar com ela e nestas conversas ela, embora iletrada e sem nunca ter saído daquela tabanca, mostrou uma sabedoria de vida que me espantou e admirei profundamente: deixei de ser racista que (como todos os portugueses) julgava nunca ter sido. Também trouxe da Guiné um conhecimento importante: embora contra toda a situação do regime e do seu colonialismo iria ter uma Companhia à minha responsabilidade (180 homens), que teria que preparar o melhor possível para a guerra, para bem da sua salvaguarda.
De volta à Metrópole (ou ao puto como lá se dizia!) fiz um curso para Capitão em Mafra e depois andei uns meses largos a não fazer quase nada por alguns quartéis.
Até que fui chamado a comandar uma Companhia de instrução no quartel de Abrantes, da qual sairiam os soldados da minha futura companhia! Foi um primeiro contacto com um problema grave: a maioria destes soldados era, com o seu trabalho, o sustento de suas casas numa pobre economia agrícola e, enquanto estivessem na tropa ganhariam muito pouco. E sendo eles maioritariamente da Beira Alta e de Trás-os-Montes não tinham a menor hipótese, nem em termos de tempo, nem em termos de dinheiro, de ir a casa passar os fins-de-semana! Acabei por experimentar implementar um esquema de “baldas” que funcionava assim: dividi a companhia em três partes iguais e cada um desses três terços iam a casa, rotativamente de três em três semanas, passar um fim-de-semana de 5/6 dias, sendo a instrução muito mais intensa para compensar. Nunca percebi como é que tudo correu tão bem e eu nunca fui preso. E não contava com o apoio ou conivência de ninguém dentro do quartel para além, obviamente, de todos os graduados e soldados da minha companhia.
Quando acabou a 1ª fase da instrução, juntaram-se os especialistas e formou-se a minha companhia – a companhia independente C. Caç. 4246 – a quem ainda demos instrução em Abrantes e depois fomos para S. Margarida fazer o chamado IPO, que era a instrução operacional definitiva, de onde saímos para o 25 de Abril.
A REVOLUÇÃO:
Este período em Sta. Margarida foi riquíssimo em convívio e troca de impressões entre todos os soldados, mas sobretudo com os graduados, sobre a política em Portugal. Naturalmente como ali ninguém estava de boa vontade, depois do medo e hesitação inicial, a comunicação correu fácil e solta. Entretanto começaram reuniões com outros militares, em que de St. Margarida ia o Luís Pessoa e eu (mais ele que eu, que já tinha 3 filhos e preferia ir a casa), que tomaram um sentido crescentemente conspirativo até chegar ao ponto de ser aprovado a vontade de fazer a Revolução. Tínhamo-nos comprometido! Éramos revolucionários! Esta consciência de que nos tínhamos comprometido numa potencial revolução foi acontecendo ao longo de Março/Abril, mas a confirmação de que iríamos fazer um golpe de Estado foi apenas pelo dia 15/18 de Abril. Curiosamente, o golpe falhado das Caldas em 16 de Março em vez de desanimar até entusiasmou, pois foi sentido como um golpe muito sectorial (spinolistas apenas) e por isso muito pouco abrangente, tendo sido por isso que falhou, mas serviu para mostrar que o Regime estava fraco! Se muitas vezes senti medo sobretudo pela minha família, também é verdade que se vivia um clima de algum inebriamento e, já perto da data, soube que um dos organizadores era o meu cunhado, o major Sanches Osório, o que muito me reconfortou, pois conhecia-o bem e sabia-o pessoa de bem.
Naturalmente que esta última semana antes do 25 de Abril foi de preparação do golpe e de nós próprios. Embora nunca tenha tido consciência de ter manipulado os meus soldados, contava desafia-los para vir comigo, esperando que alguns deles assim o quisessem fazer e que os restantes se mantivessem calados e portanto é natural que também nesta semana tivesse intensificado as discussões politicas na Companhia.
Entretanto o Pessoa foi a uma reunião onde lhe confirmaram que a data mais provável seria o dia 25 de Abril, a pré-confirmar pela emissão de uma canção popular ”E depois do adeus” cantada pelo Paulo de Carvalho nos Emissores Associados de Lisboa pelas 23h do dia 24 de Abril. Se essa canção fosse para o ar deveríamos preparar tudo para começar a Revolução, cujo início seria marcado pela agora famosíssima canção do Zeca Afonso “Grândola, vila morena”. Ainda hoje fico emocionado quando a ouço! Era uma canção proibida pela Censura e que sendo emitida pela Rádio Renascença pouco depois da meia noite confirmaria que a Revolução não tinha sido abortada e portanto arrancaríamos. A nossa ordem de marcha foi ocupar a ponte de Vila Franca, para impedir o Regime de a tomar e ao mesmo tempo impedir os tanques de Santarém de chegar a Lisboa, caso eles não passassem para o nosso lado. A companhia do Pessoa (ou os soldados que ele conseguisse convencer) iria tomar os emissores do Porto Alto, centro de retransmissão, que estando nas nossa mãos impediriam o Regime de falar pela Rádio para Portugal inteiro. Confesso que senti uma pontinha de inveja com a missão aparentemente tão fácil que lhe tinha cabido comparada com a nossa: enfrentar os tanques?!Também fiquei a saber o nosso código rádio para falar com o nosso Comando na Pontinha: Charlie 18. Fomos também avisados que as forças da GNR não estavam do nosso lado, pressupondo-se que permaneceriam fiéis ao Regime e que poderiam opor-se à nossa marcha para Lisboa.
Durante todo o dia 24 os nervos foram imensos! Aproveitei para me informar como poderia roubar as viaturas, rádios, munições e armas, pois todos estes equipamentos, depois de cada dia de instrução eram entregues nos respectivos paióis e armazéns. Nada ficava na nossa posse: consegui sonegar uma pistola- era todo o armamento que eu tinha para fazer uma Revolução! Verifiquei com enorme apreensão que embora existissem bazucas em Sta. Margarida não havia munições para elas. E as bazucas eram as únicas armas que eu conhecia capazes de parar um tanque! Se de facto tivéssemos que abrir fogo contra os tanques, melhor seria que o fizéssemos com fisgas, pois assim talvez os tanques se rissem de nós e não dizimassem o meu pessoal. O Pessoa disse-me (talvez só para me descansar) que nos iríamos encontrar na Ponte da Golegã com uma coluna, que viria da Engenharia de Tancos e que levaria muita munição para nós.
Quando ouvi o “E depois do adeus” chamei os graduados (que já dormiam) para lhes dizer que iríamos ter uma instrução nocturna pouco depois da meia-noite e que portanto avisassem os seus soldados para estarem prontos pela meia-noite junto a uma caserna. Colei o meu ouvido à telefonia com crescente nervosismo, até que pela meia-noite e vinte lá apareceu o Grândola! Fiquei gelado: era agora, já não haveria retorno possível! Mas, como sempre acontece em momentos de acção, passou-me o nervosismo: sabia o que tinha que fazer!
Dirigi-me ao local onde os soldados e graduados me esperavam e falei-lhes explicando-lhes que para mim tinha chegado a hora de me levantar contra este Regime e que iria para Lisboa entrar numa Revolução! Quem quereria juntar-se a mim, avisando que poderia ser uma semana complicada? Esperava que pelo menos uma dúzia se me juntassem, mas aconteceu uma coisa inacreditável: todos deram um passo em frente! A emoção tomou conta de mim, mas ao mesmo tempo um medo enorme: para onde estava eu a arrastar todos estes jovens? Graças a Deus estava escuro e eles não puderam ver bem a minha cara! O único que não foi connosco foi o 1º Sargento Pinto, porque achei que sendo ele profissional eu não tinha o direito de lhe dar cabo da carreira, caso a Revolução não vingasse. Tenho a impressão que nunca me perdoou eu não o ter chamado.
Não havia tempo para grandes dúvidas: fui ao parque das viaturas e disse ao soldado que vinha levantar viaturas para uma instrução nocturna. Ele não acreditou, porque não tinha ordem nenhuma nesse sentido: onde estava a minha autorização? Mostrei-lhe a minha pistola e ele considerou que seria uma autorização suficiente! As viaturas capazes de sair eram muito poucas e por isso lá fomos 120 pessoas penduradas em meia dúzia de viaturas arrombar os paióis e armazéns de onde tirámos as G3, granadas, rádios, rações de combate, etc…
Lá arrancámos para Lisboa, já seriam uma duas e meia da manhã, sem grandes incidentes, até à Ponte da Golegã, onde nos encontraríamos com a Grande Força da Engenharia cheia de oficiais superiores, soldados a valer e sobretudo: muitas armas e munições antitanque! Todos estes sonhos nos deram algum descanso! E de facto começámos a vislumbrar uma longa procissão de faróis ao longo da ponte, talvez umas 40 viaturas: eram eles! Estávamos safos!
Quando pararam ao nosso lado eu não queria acreditar: as Berliets vinham quase vazias de pessoal (ao todo seriam talvez uns 20) e quanto às tais munições antitanque, nada! Apenas tinham trazido bastantes cunhetes de munição para G3, da qual já tínhamos bastante.
Não havia tempo para lamentações e eu não queria que os soldados sentissem a fraca organização em que estávamos envolvidos. Lá seguimos para Vila Franca. Pelo caminho os GNR não nos hostilizaram, pelo contrário, os poucos que vimos ajudaram a nossa marcha regulando o pouco trânsito que havia àquela hora.
Chegámos à portagem da Ponte de Vila Franca ao alvorecer.
O dispositivo foi montado, tendo em conta que não tinhas mais para opor aos tanques do G3. Entretanto achei melhor acabar com as portagens, para evitar algum eventual engarrafamento. Detectámos um oficial superior da aviação dentro de um VW: era o comandante da base do Montijo (salvo erro…) e que decidi que ficasse ali “preso”, sobretudo incomunicável, o que suportou com razoável bonomia: julgo que já teria sabido de qualquer coisa, pois não ficou nada preocupado.
Pelas 10h fui contactado, via rádio, que o movimento praticamente não estava a ter oposição e que algumas unidades mais já tinham passado para o nosso lado, incluindo os tanques de Santarém. Uf! Que alívio!
Devo dizer que embora a portagem da ponte de VFX não fosse zona própria para piões, começaram a aparecer algumas dezenas de civis, que queriam saber o que estávamos ali a fazer, e que depois de se lhes ter sido dito que era uma revolução para derrubar o regime, o seu apoio foi bastante generalizado e inequívoco, embora ainda com algum temor.
Pelas 11h recebemos ordem para irmos ocupar o Aeroporto, pois a EPI de Mafra não teria efectivos capazes de o fazer em condições. Assim fizemos, juntámos o pessoal todo e arrancámos em direcção a Lisboa.
À entrada em Lisboa, junto ao actual Ralis (naquela altura a auto-estrada não estava tão rebaixada, nem existiam aqueles viadutos e o Ralis dava directamente para o fim da auto-estrada) estava montada uma barricada para nos impedir de passar! Não fiquei muito preocupado apesar de ser um obstáculo inesperado (o Comando tinha-nos dito que não sabia de nenhum impedimento na marcha para Lisboa), o que é facto é que a forma como a barragem estava montada era completamente inútil para impedir uma coluna com a dimensão da nossa: 20 a 30 militares armados de G3 com duas viaturas atravessadas nas duas faixas, as quais nem sequer tapavam completamente a nossa passagem. Era um proforma de quem estava a cumprir alguma ordem, que não lhe apetecia nada seguir: era uma barricada para fingir que se tinha feito alguma coisa. Os meus soldados que iam comigo na viatura mostraram as armas com prontidão, enquanto que os militares da barragem nem nos apontaram as suas armas.
Dirigiu-se-me um aspirante que, suponho, estaria a comandar aquele grupo de militares e estabeleceu-se o seguinte diálogo:
Tenho ordens para não deixar passar – disse ele
E eu tenho ordens para passar! – disse eu
Não serei eu que o vou impedir – disse o aspirante em voz um pouco mais baixa.
No entanto, embora tudo aquilo me parecesse um faz-de-conta, achei que haveria mais do que aquela força e não queria arriscar arrancar e, de dentro do quartel e bem melhor protegidos do que aqueles militares em pé ali na rua, alguém começasse a fazer fogo. Dirigi-me ao aspirante:
Recebes ordens de quem?
Do meu Coronel.
E onde está ele?
Está ali junto ao muro do quartel do lado de dentro.
Então vamos falar com ele! – disse eu.
Lá fomos os dois a pé, com 5 ou 6 dos meus soldados, até ao muro e o tal comandante estava dentro duma guarita. Só lhe via os olhos! Tive a sensação de estar a falar com alguém entalado dentro de um marco do correio! Com ele tive esta conversa:
Então meu coronel, o que se passa?
Tenho ordens para não deixar ninguém passar para Lisboa e portanto não pode passar!
E eu tenho ordens para passar e vou passar!
Mas tem ordens de quem?
Do Comando da Revolução!
Ele calou-se um pouco e disse qualquer coisa do tipo: não recebi instruções para este caso.
Eu disse-lhe: meu Coronel, vou passar a bem ou a mal e, se preza os seus soldados que estão naquela barragem, é melhor dizer-lhes para se afastarem, e voltei-lhe as costas, tentando aparentar uma calma que estava longe de sentir.
O aspirante que voltou comigo estava todo entusiasmado. Disse-lhe só para afastar um pouco as suas viaturas para nós podermos passar, o que fez prontamente, e nós seguimos para o Aeroporto. Este episódio, nessa mesma altura, fez-me sentir que o Regime estava podre e que ninguém se iria opor decididamente à nossa revolução. Pelo que fiquei bem mais descansado!
Chegados ao Aeroporto, já lá estavam alguns militares (uma dúzia?), que ficaram visivelmente muito aliviados quando viram chegar a minha Companhia. De facto eramos uma força considerável – bem mais de 100 militares – o que permitiria montar um perímetro de segurança às pistas, torre de controlo e edifícios. A pequena força que lá encontrámos, sendo poucos, tinha armamento bem melhor que o nosso: entre outros, dois canhões sem recuo e com munições!
Pouco tempo depois o oficial (da EPI?) que estava na torre de controlo veio avisar-me que se estavam a aproximar 2 aviões vindos de Tancos, provavelmente cheios de paraquedistas, os quais ainda não se sabia de que lado estariam. Fiquei muito preocupado: se os aviões estivessem cheios, teriam o dobro dos nossos efectivos e com um treino operacional muito superior ao nosso. Se os deixasse aterrar estávamos vencidos, com um número de mortos certamente elevado! Só vi uma hipótese: colocar os canhões no alinhamento da pista e fazer explodir os aviões ainda em fase de aterragem. Enquanto estava discutindo esta hipótese com o tal oficial, chegou a notícia, logo depois confirmada pelo Comando, que eles estavam do nosso lado. Graças a Deus! Lá aterraram e apareceram umas viaturas que os levaram. Quando o seu Comandante me cumprimentou eu até corei só de lembrar o que lhe estava a preparar, do que julgo que ele nunca teve conhecimento.
Permanecemos no Aeroporto, julgo eu, todo o resto do dia 25, como o 26 e até o 27. Foi aqui que fomos tendo notícias do desenrolar dos acontecimentos: prisão do Américo Tomaz e rendição do Marcelo Caetano ao Spínola. O aparecimento do General Spínola neste episódio foi-me muito surpreendente, pois sabia que não só o MFA não pretendia ser liderado por ele, como ele não se tinha mostrado muito interessado. Só mais tarde é que vim a saber da história da rendição do Marcelo no quartel do Carmo.
Durante estes dias em que estivemos no Aeroporto muita gente veio festejar, gritar pela Revolução. Enfim a Revolução estava claramente ganha, o Regime tinha caído e a alegria tinha tomado conta dos portugueses. Posso dizer que julgo que nunca comemos tão bem na tropa como enquanto aqui estivemos, tantos eram os presentes e apoios que recebemos. Lembro-me que os festejos terão tomado uma dimensão talvez exagerada, que temi perder o controlo da Companhia. Mas enfim nesta fase a prontidão militar já não seria tão prioritária e os meus rapazes, depois de tanta tensão pelo que passaram, bem mereciam alguma recompensa. Como se a glorificação de todos os populares que ali foram fosse pouco, soube posteriormente que algumas senhoras entusiasmadíssimas, também decidiram festejar com alguns dos meus soldados de modo bastante mais íntimo. E viva a Revolução!
E depois?
Tenho agora, passados 40 anos, dificuldade em me lembrar como se passaram os dois dias seguintes até ao dia 1 de Maio. Lembro-me de que fomos para o quartel da Pontinha, onde ficámos aquartelados e pouco mais me lembro.
Lembro-me de ter encontrado o meu cunhado, o Sanches Osório, e caímos nos braços um do outro contentes por nos vermos do mesmo lado e vitoriosos!
Lembro-me de ter ido a minha casa (os alferes Martins e Fernandes também me acompanharam) para dar um grande beijo de alívio e vitória à Isabel e outro aos filhos. Ela ficou horrorizada, porque deixámos as metralhadoras que trazíamos na cadeira da entrada, como quem larga a gabardine. E de facto com 3 filhos de 4 a 7 anos, poderia ter acontecido alguma tragédia. Mas com o nosso entusiamo e porque aquelas ferramentas já se tinham tornado parte de nós, facilmente esquecemos as mais elementares regras de segurança.
Cabe aqui uma pequena referência à minha Grande mulher da minha vida: a Isabel, sempre me apoiou, apesar do medo que sofreu pela nossa família. E de facto o irmão da minha sogra, foi preso por engano pelo COPCON e acabou por morrer por falta de assistência médica na prisão, em Dezembro desse ano.
A Companhia recebeu a ordem para controlar a zona da Baixa, no dia 1 de Maio, pois ali – sobretudo no Rossio - se iriam verificar as maiores manifestações e prováveis tumultos. Ainda estávamos numa cultura que nos dizia que se o povo fosse deixado à solta seriam inevitáveis grandes problemas de ordem pública.
Nenhum de nós tinha qualquer experiência policial para este género de eventos: qual seria a melhor táctica? Como evitar abusos (assaltos a lojas, carteiristas, etc…) com tão poucos soldados?!
Optámos por nos dividirmos em vários grupos: um para cada canto do Rossio, mais dois ao longo dos lados e os restantes (onde eu fiquei) no centro do Rossio, na base da estátua do D. Pedro IV. Naturalmente que foi um dia agitado, um bocado de nervos pois o Rossio estava completamente cheio de pessoas (não sei quantas dezenas de milhares de pessoas seriam, mas estava completamente lotado!). Apesar de todos os receios, tudo correu lindamente e na maior ordem. Foi fantástico!
Recordo-me de alguns episódios engraçados desse longo dia de festa da Democracia: talvez o primeiro grande festejo em Democracia. Uma passagem divertida foi a descida da Av. da Liberdade para chegarmos ao Rossio, pois estava tudo entupido com automóveis que não conseguiam passar no Rossio: um engarrafamento louco; disse ao condutor para ir para cima do passeio e assim descemos a avenida sem tocar no alcatrão. Grandes vivas dos cidadãos presentes e os meus soldados entusiasmadíssimos - não só pelo momento de glória, mas por estarmos a fazer uma coisa extraordinariamente proibida: andar de carro por cima dos passeios. A segunda coisa de que me lembro foi de um senhor já com alguma idade de boina (vim depois a saber que era o Raul Rego) que veio ter comigo quando já estávamos no meio do Rossio, muitíssimo comovido, agarrou-se a mim a chorar a dizer: obrigado, obrigado, obrigado… durante uma boa meia hora, intercalando com muitos ”viva a República!”. Na altura não percebi o alcance destes “vivas!”, pois para mim a República era apenas um Regime não monárquico, que em Portugal tinha oportunisticamente ganho o poder através de um regicídio e que pela sua incapacidade tinha gerado as condições para que a ditadura tivesse depois vindo a ganhar o poder; mas para ele e para muitos da sua geração seria um sinónimo de democracia. Outra situação curiosa foi a de alguns jovens que gritavam alguns slogans, mas ninguém os ouvia, propus-lhes que viessem para o pé de mim (estava num ponto alto do pedestal da estátua) e emprestei-lhes o meu megafone, que na altura já era desnecessário: passaram de um certo temor para uma enorme alegria e aumentaram a produção, já de si grande, de slogans e vivas – eles eram o futuro MRPP que, embora de extrema-esquerda, foram os únicos que se opuseram á loucura gonçalvista no seu início.
Depois deste dia de entusiasmo fomos mandados para casa e/ou para o quartel e, o Pessoa e eu fomos para S. Margarida para pormos em ordem a região militar Centro: eufemística forma de dizer que deveríamos “limpar” os quadros militares dos que não eram afectos ao Movimento. No início não percebi completamente o que andaria eu ali a fazer, mas o Pessoa sim, estava muito à vontade naquele papel. Como eu pensava que a Revolução estava já ganha e consolidada não vi razão para sanear ninguém que tivesse um mínimo de competência, só porque não tinha apoiado objectiva e claramente a Revolução. Por este critério ter-se-ia que sanear a maioria da população, que de facto nos apoiou entusiasticamente no dia 26, mas que antes de 24, por medo ou comodismo, se manteve complacente com o Regime. Opus-me portanto ao saneamento de muitos dos oficiais superiores da região Centro (dentro deles o seu comandante – Morais?), só tendo concordado com um caso de um coronel alcoólico que passou à reserva. Por isto fui mandado para casa e depois, nós todos fomos para Angola, cumprir a nossa comissão.
Não me alongarei neste memorial dos meus sentimentos nesta época tão rica de acontecimentos, pois já vai muito longa, pese embora que faria sentido um relato sucinto da ida e estadia da nossa Companhia em Angola, pois está cheia de acontecimentos ligados e consequentes com a Revolução. Destes acontecimentos só confesso que foi para mim uma honra e uma riqueza enorme ter sido o Capitão da C. Caç 4246, durante a Revolução do 25 de Abril e depois, durante a nossa comissão em Angola.
Tudo o que relatei terá falhas importantes e até erros, só desculpáveis pelos 40 anos já passados. Deles peço desculpa e um bem hajam pelo que fizeram comigo e apesar de mim.
Gostava de ter braços suficientemente longos para vos abraçar a todos!
a) Christian Andersen
Cap.Mil.
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~-
Os programas eleitorais da grande maioria dos partidos políticos que se apresentaram à eleições para a Assembleia da República não se referiram à necessidade de ser revista a reorganização administrativa das autarquias locais imposta pelo Programa de Assistência Financeira aceite pela República Portuguesa em 2011 - ao que parece, e como já o mencionei anteriormente nestas páginas, a única "reforma estrutural" da Administração Pública até agora realizada, e incidindo praticamente apenas sobre as Freguesias.
Os partidos da maioria parlamentar que tinha aprovado a respectiva lei nem sequer fizeram uma única referência à desejabilidade de uma apreciação sobre como a respectiva entrada em vigor tinha decorrido, visando eventuais aperfeiçoamentos que vinham a ser reclamados publicamente por muitos eleitos da sua própria área política.
O partido que viria a formar governo limitou-se a declarar a intenção de "corrigir os erros da extinção de freguesias a regra e esquadro", e de "avaliar a reorganização territorial das freguesias, estabelecendo critérios objectivos que permitam às próprias autarquias aferir os resultados da fusão/agregação e corrigir os casos mal resolvidos".
No que respeita aos restantes partidos, só dois de entre eles propunham a reposição ou a reversão dos anteriores limites das freguesias, porém apenas mediante o envolvimento das respectivas populações.
Uma perspectiva que deveria ter sido consensual, ou pelo menos subscrita por uma expressiva opinião das forças políticas, acabou por ser imposta através de uma maioria relativa, não só criando assim gigantescas freguesias com mais de 50 mil cidadãos, como também eliminando centenas de freguesias rurais dificultando assim a muitos a única maneira de contacto formal com a administração do Estado.
Isto, com ridículas poupanças em gastos, que por seu lado se traduzem em diminuição da eficácia dos órgãos eleitos respectivos quer sob o ponto de vista do apoio aos cidadãos, quer sob o da redução da sua participação política.
Os defensores dos modelos políticos que assentam essencialmente na eleição de representantes, e que favorecem sistemas como o que no âmbito das Freguesias está agora em vigor, acreditam habitualmente que a avaliação eleitoral periódica permite a manutenção de um sistema político estável, mas esquecem que sem uma verdadeira participação presencial que favoreça a proximidade entre eleitores e eleitos o divórcio entre uns e outros tende a aumentar e a traduzir-se na criação de movimentos que põem em causa as formações políticas tradicionais existentes.
E não se trata de um fenómeno isolado, como se constata na generalidade dos países europeus.
Esperemos que a Assembleia da República compreenda que tem que melhorar o sistema político - e que soluções de meros arranjos ao nível dos sistemas eleitorais estarão sempre destinadas ao fracasso.
13.Dezembro.2015.
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As Micro, Pequenas,e Médias Empresas (PME) portuguesas têm estado
em foco em recentes notícias sobre apoios financeiros, tanto pela activação dos
principais programas de apoio no quadro do financiamento comunitário de 24 mil
milhões de Euros no período de 2014 a 2020, gerido pela Comissão Europeia, como
por diversos créditos concedidos pelo Banco Europeu de Investimento (BEI) a
Bancos, nomeadamente ao Santander-Totta e ao BCP Millennium (500 milhões de
Euros a cada um - e no caso do BCP, na sequência de análogo empréstimo em fins
de 2014) visando apoiar PME.
Por outro lado, o Banco Central Europeu (BCE) tem continuado a
política de tentativa de indução do crescimento através de generosos incentivos
à Banca da zona Euro, tendentes à procurada inversão do ciclo deflacionário e
ao nível de inflação na ordem dos 2% anuais, política cujos resultados têm
estado longe de ser satisfatórios, na medida em que a Banca tem privilegiado a
busca do seu equilíbrio financeiro, não arriscando muito na concessão de
créditos a empresas, e assim favorecendo um ciclo de inanição que não
augura nada de positivo para a própria sobrevivência da moeda única.
No que respeita aos financiamentos concedidos através da Comissão
Europeia, as PME deparam com processos burocráticos longos e confusos, apesar
das proclamações oficiais negando tal circunstância, e de que um exemplo em
Portugal é precisamente ter sido criada há bastante mais de um ano uma
"Instituição Financeira de Desenvolvimento" destinada a colaborar na
administração daqueles apoios financeiros, mas que até agora pouco mais terá
conseguido, segundo diversas notícias entretanto vindas a público, do que
nomear os 7 elementos da respectiva Administração - obviamente percebendo as
"adequadas" remunerações.
O BEI apresenta-se assim como sendo a melhor solução para o
crédito a PME, pois estatutariamente não só deve privilegiar este sector do
meio empresarial, responsável por mais de 90% do emprego, como também por ter
que conceder os financiamentos através da Banca nacional - que tem assim o seu
risco bastante atenuado embora deva obviamente avaliar a qualidade dos
projectos que lhe sejam apresentados.
Assim o BEI não tem ido muito longe no que respeita ao nível de
financiamentos concedidos, pois por exemplo em Portugal nos anos de 2014 e 2015
o total foi da ordem dos 2,5 mil milhões de Euros (e de 2011 a 2015 foram cerca
de 4 mil milhões).
E contudo o BEI poderia elevar substancialmente os níveis de
crédito conseguidos, pois se bem que os seus "accionistas" sejam os
Estados-membros da União Europeia estes não têm que suportar directamente
quaisquer encargos, pois o BEI financia-se directamente no mercado de capitais.
E qual a razão pela qual não o faz?
Foi-me dito por anteriores altos responsáveis - como já o referi
anteriormente nestas net-páginas - que por falta de projectos consistentes,
argumento também ouvido do lado da Banca tradicional.
Mas do lado das PME argumenta-se não se dispor frequentemente da
capacidade técnica para a elaboração de projectos sustentados que possam apoiar
a concretização das muitas ideias existentes.
Contudo, uma resposta apropriada poderia consistir na criação de
empresas - apoiadas pelo BEI - especializadas na elaboração de projectos, e
cujos lucros proviessem do êxito das empresas a quem prestassem tais serviços.
Seriam como que uma espécie de "Enterprise angels"...
Assim, a razão pela qual o BEI não aumenta os seus níveis de
financiamento às PME estará possivelmente na política do seu "Presidente
do Conselho de Administração" - o Conselho Europeu, que tem deixado ao BCE
a condução de uma política de investimento baseada por um lado em privilegiar a
Banca da zona Euro (esquecendo a zona "Não Euro"), e por outro nas
pesadas iniciativas da Comissão Europeia - aliás apenas dirigidas para os
Estados-membros com maiores dificuldades de desenvolvimento.
Esquecendo que o investimento conduzido através do BEI não é
inimigo da procura do equilíbrio das finanças públicas, antes melhorando a
quantidade e qualidade do emprego e o crescimento do Produto (com a consequente
diminuição da dívida pública), aquele Conselho conduz a União Europeia a um
torpor que favorece a descrença colectiva na solidariedade entre os povos que
representa.
Haja ao menos, e enquanto é tempo, um dirigente que pelo seu discurso
e ideias induza nos europeus um sentimento que os leve a uma verdadeira união.
6.Dezembro.2015.
_____________________________________________________
O combate ao radicalismo muçulmano.
Os recentes desenvolvimentos na luta contra o radicalismo muçulmano - também já designado por muitos como fascislamismo ou por islamofascismo - permitem recordar de novo o notável discurso proferido pelo General Al-Sisi, no final de Dezembro passado, em que referiu (tal como mencionado oportunamente nestas páginas) que se tinha deixado que a ideologia se apoderasse da religião muçulmana através de uma lógica que não corresponde à época em que vivemos.
Dirigindo-se em especial aos teólogos e aos clérigos, sugeriu que examinassem profundamente a situação actual, considerando preocupante que a ideologia continuasse a ser santificada a tal ponto que seja difícil analisá-la sem preconceitos, e que a religião muçulmana a ela associada estivesse assim a ser hostil ao resto do mundo, sendo inconcebível que 1 bilião e meio de muçulmanos pudessem querer eliminar os restantes 7 biliões de "infiéis".
"Temos que mudar radicalmente a nossa religião", disse (e naquele momento o video* mostrou que apenas uma parte da assistência aplaudiu...), pois a "nação muçulmana está exangue e corre na direcção da sua queda".
Acentuando a diferença entre religião e ideologia, e os riscos de esta última se instilar na primeira a um ponto tal em que não se compreende onde termina uma e começa a outra, Al-Sisi mostrou grande coragem num local simbólico - a Universidade Al-Azhar , farol da teologia muçulmana.
No entanto, importa que em paralelo com as acções militares desenvolvidas por diversos Estados no sentido da neutralização do proclamado "califado" sejam agora os muçulmanos a dar os principais passos no sentido da eliminação dos ódios e preconceitos alimentados por intérpretes radicais das religiões que os transformam em bandeiras ideológicas.
Doutro modo as tensões religiosas e culturais que se vivem em grande parte do mundo do Islão - e fora dele - poderão conduzir a situações conflituais de onde ninguém sairá vencedor - nem no campo muçulmano, nem no resto do mundo.
29. Novembro.2015
____________________________________________________
Completam-se
hoje 45 anos sobre a Operação "Mar Verde", cujos objectivos
principais eram a destituição do Governo da República da Guiné (Conacri) e a
tomada do poder por elementos da oposição ao Presidente Sekou Touré que se
comprometiam a retirar o apoio ao Partido Africano para a Independência da
Guiné e de Cabo Verde, estando também previstas a neutralização das estruturas
daquele Partido, e a libertação dos prisioneiros portugueses em seu poder.
Para o efeito, o Presidente do Conselho de Ministros, Prof.Marcelo Caetano, autorizou que uma força naval transportasse Unidades do Exército (Comandos) e da Marinha (Fuzileiros), bem como elementos do Front National pour la Libération de la Guinée (FNLG), que desembarcariam com vista à concretização daqueles objectivos.
A única condição foi a de que não fossem deixados "vestígios", nada tendo sido referido quanto aos procedimentos a seguir em caso de insucesso que porventura levasse ao aprisionamento de pessoal militar português.
Para o efeito, as unidades navais não arvoraram a bandeira nacional, tendo sido ocultadas as identificações dos respectivos cascos, e todo o pessoal que desembarcou usava uniformes especiais que não os das Forças Armadas portuguesas, não transportando objectos (até cigarros) susceptíveis de serem identificados como habitualmente usados em Portugal ou na própria Guiné (Bissau).
São conhecidos os contornos da operação, para cuja concretização era essencial que fossem destruídos os aviões de combate da República da Guiné, que se admitia pudessem estar operativos e atacar a força naval, o que poderia levar ao afundamento ou à imobilização de todos ou alguns dos navios.
Soube-se depois que os aviões tinham sido transferidos anteriormente para outro aeródromo no interior do país, pelo que quando o grupo de combate encarregado da destruição respectiva chegou ao aeroporto nada encontrou, o que levou à decisão de abortar as acções ainda em curso e de retirar.
Porém, era já dia claro quando os 6 navios iniciaram o regresso, e mantinha-se a possibilidade de um ataque aéreo que por certo teria há 45 anos mais probabilidade de ter então mais eficácia do que se tentado de noite.
Iniciado o regresso, o NRP "Montante" recebe porém a ordem de inverter o rumo e ir recolher uma dezena de elementos da Companhia de Comandos que tinham desembarcado, e que se tinham atrasado por razões não totalmente esclarecidas, deslocando-se agora de bote a motor. Não eram acompanhados por quaisquer outros elementos, nomeadamente do FNLG.
Eram quase 9 horas da manhã.
De terra, são disparados alguns tiros de armas pesadas, visando o navio, que se encontrava a cerca de mil jardas (900 metros) de terra, que ripostou visando o local provável dos disparos, que de pronto cessaram.
E no espírito de alguns dos membros da Guarnição perpassou o seguinte pensamento: se os aviões de combate surgem, disparam sobre o navio, e apesar da nossa resposta conseguem atingi-lo e provocar o seu afundamento ou o encalhe (pois navegava-se em zona de baixos fundos), e se a recolha de sobreviventes através de botes de outros navios se tornar impossível nomeadamente no caso de terem também sido atingidos ?
Ou se volta a haver disparos de terra, com maior sucesso do que os até então tentados, levando igualmente à imobilização do navio ?
Nadar para terra seria uma reacção provável para alguns, dos quais os que não fossem mortos poderiam ser aprisionados.
Sem instruções precisas, alguns - de entre o pessoal da Guarnição, ainda usando o seu uniforme de Marinha - tentariam identificar-se ao abrigo da Convenção de Genebra. Seriam reconhecidos como prisioneiros de guerra ?
Tais ataques aéreos não ocorreram, nem houve mais disparos susceptíveis de imobilizarem o navio - mas poderiam ter ocorrido
Porém, pouco tempo depois, um avião militar sobrevoa Conacri e a força naval - se bem que a grande altitude,
E daí a algumas horas já Rui Patrício, Ministro dos Negócios Estrangeiro, negava na radio qualquer envolvimento português em Conacri.
À guisa de conclusão: como habitualmente, nestes casos os mais altos responsáveis - na circunstância o Presidente do Conselho de Ministros - limitam-se a deixar "vestígios" de orientações claras, ou "vestígios" de responsabilidades - quando não são eivadas de insensatez como a proferida em Dezembro de 1961: "Não prevejo possibilidade de tréguas nem prisioneiros portugueses, como não haverá navios rendidos, pois sinto que apenas pode haver soldados e marinheiros vitoriosos ou mortos.".
22.Novembro.2015.
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Para o efeito, o Presidente do Conselho de Ministros, Prof.Marcelo Caetano, autorizou que uma força naval transportasse Unidades do Exército (Comandos) e da Marinha (Fuzileiros), bem como elementos do Front National pour la Libération de la Guinée (FNLG), que desembarcariam com vista à concretização daqueles objectivos.
A única condição foi a de que não fossem deixados "vestígios", nada tendo sido referido quanto aos procedimentos a seguir em caso de insucesso que porventura levasse ao aprisionamento de pessoal militar português.
Para o efeito, as unidades navais não arvoraram a bandeira nacional, tendo sido ocultadas as identificações dos respectivos cascos, e todo o pessoal que desembarcou usava uniformes especiais que não os das Forças Armadas portuguesas, não transportando objectos (até cigarros) susceptíveis de serem identificados como habitualmente usados em Portugal ou na própria Guiné (Bissau).
São conhecidos os contornos da operação, para cuja concretização era essencial que fossem destruídos os aviões de combate da República da Guiné, que se admitia pudessem estar operativos e atacar a força naval, o que poderia levar ao afundamento ou à imobilização de todos ou alguns dos navios.
Soube-se depois que os aviões tinham sido transferidos anteriormente para outro aeródromo no interior do país, pelo que quando o grupo de combate encarregado da destruição respectiva chegou ao aeroporto nada encontrou, o que levou à decisão de abortar as acções ainda em curso e de retirar.
Porém, era já dia claro quando os 6 navios iniciaram o regresso, e mantinha-se a possibilidade de um ataque aéreo que por certo teria há 45 anos mais probabilidade de ter então mais eficácia do que se tentado de noite.
Iniciado o regresso, o NRP "Montante" recebe porém a ordem de inverter o rumo e ir recolher uma dezena de elementos da Companhia de Comandos que tinham desembarcado, e que se tinham atrasado por razões não totalmente esclarecidas, deslocando-se agora de bote a motor. Não eram acompanhados por quaisquer outros elementos, nomeadamente do FNLG.
Eram quase 9 horas da manhã.
De terra, são disparados alguns tiros de armas pesadas, visando o navio, que se encontrava a cerca de mil jardas (900 metros) de terra, que ripostou visando o local provável dos disparos, que de pronto cessaram.
E no espírito de alguns dos membros da Guarnição perpassou o seguinte pensamento: se os aviões de combate surgem, disparam sobre o navio, e apesar da nossa resposta conseguem atingi-lo e provocar o seu afundamento ou o encalhe (pois navegava-se em zona de baixos fundos), e se a recolha de sobreviventes através de botes de outros navios se tornar impossível nomeadamente no caso de terem também sido atingidos ?
Ou se volta a haver disparos de terra, com maior sucesso do que os até então tentados, levando igualmente à imobilização do navio ?
Nadar para terra seria uma reacção provável para alguns, dos quais os que não fossem mortos poderiam ser aprisionados.
Sem instruções precisas, alguns - de entre o pessoal da Guarnição, ainda usando o seu uniforme de Marinha - tentariam identificar-se ao abrigo da Convenção de Genebra. Seriam reconhecidos como prisioneiros de guerra ?
Tais ataques aéreos não ocorreram, nem houve mais disparos susceptíveis de imobilizarem o navio - mas poderiam ter ocorrido
Porém, pouco tempo depois, um avião militar sobrevoa Conacri e a força naval - se bem que a grande altitude,
E daí a algumas horas já Rui Patrício, Ministro dos Negócios Estrangeiro, negava na radio qualquer envolvimento português em Conacri.
À guisa de conclusão: como habitualmente, nestes casos os mais altos responsáveis - na circunstância o Presidente do Conselho de Ministros - limitam-se a deixar "vestígios" de orientações claras, ou "vestígios" de responsabilidades - quando não são eivadas de insensatez como a proferida em Dezembro de 1961: "Não prevejo possibilidade de tréguas nem prisioneiros portugueses, como não haverá navios rendidos, pois sinto que apenas pode haver soldados e marinheiros vitoriosos ou mortos.".
22.Novembro.2015.
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As Micro, Pequenas,e Médias Empresas (PME) portuguesas têm estado em foco em recentes notícias sobre apoios financeiros, tanto pela activação dos principais programas de apoio no quadro do financiamento comunitário de 24 mil milhões de Euros no período de 2014 a 2020, gerido pela Comissão Europeia, como por diversos créditos concedidos pelo Banco Europeu de Investimento (BEI) a Bancos, nomeadamente ao Santander-Totta e ao BCP Millennium (500 milhões de Euros a cada um - e no caso do BCP, na sequência de análogo empréstimo em fins de 2014) visando apoiar PME.
Por outro lado, o Banco Central Europeu (BCE) tem continuado a política de tentativa de indução do crescimento através de generosos incentivos à Banca da zona Euro, tendentes à procurada inversão do ciclo deflacionário e ao nível de inflação na ordem dos 2% anuais, política cujos resultados têm estado longe de ser satisfatórios, na medida em que a Banca tem privilegiado a busca do seu equilíbrio financeiro, não arriscando muito na concessão de créditos a empresas, e assim favorecendo um ciclo de inanição que não augura nada de positivo para a própria sobrevivência da moeda única.
No que respeita aos financiamentos concedidos através da Comissão Europeia, as PME deparam com processos burocráticos longos e confusos, apesar das proclamações oficiais negando tal circunstância, e de que um exemplo em Portugal é precisamente ter sido criada há bastante mais de um ano uma "Instituição Financeira de Desenvolvimento" destinada a colaborar na administração daqueles apoios financeiros, mas que até agora pouco mais terá conseguido, segundo diversas notícias entretanto vindas a público, do que nomear os 7 elementos da respectiva Administração - obviamente percebendo as "adequadas" remunerações.
O BEI apresenta-se assim como sendo a melhor solução para o crédito a PME, pois estatutariamente não só deve privilegiar este sector do meio empresarial, responsável por mais de 90% do emprego, como também por ter que conceder os financiamentos através da Banca nacional - que tem assim o seu risco bastante atenuado embora deva obviamente avaliar a qualidade dos projectos que lhe sejam apresentados.
Assim o BEI não tem ido muito longe no que respeita ao nível de financiamentos concedidos, pois por exemplo em Portugal nos anos de 2014 e 2015 o total foi da ordem dos 2,5 mil milhões de Euros (e de 2011 a 2015 foram cerca de 4 mil milhões).
E contudo o BEI poderia elevar substancialmente os níveis de crédito conseguidos, pois se bem que os seus "accionistas" sejam os Estados-membros da União Europeia estes não têm que suportar directamente quaisquer encargos, pois o BEI financia-se directamente no mercado de capitais.
E qual a razão pela qual não o faz?
Foi-me dito por anteriores altos responsáveis - como já o referi anteriormente nestas net-páginas - que por falta de projectos consistentes, argumento também ouvido do lado da Banca tradicional.
Mas do lado das PME argumenta-se não se dispor frequentemente da capacidade técnica para a elaboração de projectos sustentados que possam apoiar a concretização das muitas ideias existentes.
Contudo, uma resposta apropriada poderia consistir na criação de empresas - apoiadas pelo BEI - especializadas na elaboração de projectos, e cujos lucros proviessem do êxito das empresas a quem prestassem tais serviços.
Seriam como que uma espécie de "Enterprise angels"...
Assim, a razão pela qual o BEI não aumenta os seus níveis de financiamento às PME estará possivelmente na política do seu "Presidente do Conselho de Administração" - o Conselho Europeu, que tem deixado ao BCE a condução de uma política de investimento baseada por um lado em privilegiar a Banca da zona Euro (esquecendo a zona "Não Euro"), e por outro nas pesadas iniciativas da Comissão Europeia - aliás apenas dirigidas para os Estados-membros com maiores dificuldades de desenvolvimento.
Esquecendo que o investimento conduzido através do BEI não é inimigo da procura do equilíbrio das finanças públicas, antes melhorando a quantidade e qualidade do emprego e o crescimento do Produto (com a consequente diminuição da dívida pública), aquele Conselho conduz a União Europeia a um torpor que favorece a descrença colectiva na solidariedade entre os povos que representa.
Haja ao menos, e enquanto é tempo, um dirigente que pelo seu discurso e ideias induza nos europeus um sentimento que os leve a uma verdadeira união.
6.Dezembro.2015.
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O combate ao radicalismo muçulmano.
Os recentes desenvolvimentos na luta contra o radicalismo muçulmano - também já designado por muitos como fascislamismo ou por islamofascismo - permitem recordar de novo o notável discurso proferido pelo General Al-Sisi, no final de Dezembro passado, em que referiu (tal como mencionado oportunamente nestas páginas) que se tinha deixado que a ideologia se apoderasse da religião muçulmana através de uma lógica que não corresponde à época em que vivemos.
Dirigindo-se em especial aos teólogos e aos clérigos, sugeriu que examinassem profundamente a situação actual, considerando preocupante que a ideologia continuasse a ser santificada a tal ponto que seja difícil analisá-la sem preconceitos, e que a religião muçulmana a ela associada estivesse assim a ser hostil ao resto do mundo, sendo inconcebível que 1 bilião e meio de muçulmanos pudessem querer eliminar os restantes 7 biliões de "infiéis".
"Temos que mudar radicalmente a nossa religião", disse (e naquele momento o video* mostrou que apenas uma parte da assistência aplaudiu...), pois a "nação muçulmana está exangue e corre na direcção da sua queda".
Acentuando a diferença entre religião e ideologia, e os riscos de esta última se instilar na primeira a um ponto tal em que não se compreende onde termina uma e começa a outra, Al-Sisi mostrou grande coragem num local simbólico - a Universidade Al-Azhar , farol da teologia muçulmana.
No entanto, importa que em paralelo com as acções militares desenvolvidas por diversos Estados no sentido da neutralização do proclamado "califado" sejam agora os muçulmanos a dar os principais passos no sentido da eliminação dos ódios e preconceitos alimentados por intérpretes radicais das religiões que os transformam em bandeiras ideológicas.
Doutro modo as tensões religiosas e culturais que se vivem em grande parte do mundo do Islão - e fora dele - poderão conduzir a situações conflituais de onde ninguém sairá vencedor - nem no campo muçulmano, nem no resto do mundo.
29. Novembro.2015
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Completam-se hoje 45 anos sobre a Operação "Mar Verde", cujos objectivos principais eram a destituição do Governo da República da Guiné (Conacri) e a tomada do poder por elementos da oposição ao Presidente Sekou Touré que se comprometiam a retirar o apoio ao Partido Africano para a Independência da Guiné e de Cabo Verde, estando também previstas a neutralização das estruturas daquele Partido, e a libertação dos prisioneiros portugueses em seu poder.
Para o efeito, o Presidente do Conselho de Ministros, Prof.Marcelo Caetano, autorizou que uma força naval transportasse Unidades do Exército (Comandos) e da Marinha (Fuzileiros), bem como elementos do Front National pour la Libération de la Guinée (FNLG), que desembarcariam com vista à concretização daqueles objectivos.
A única condição foi a de que não fossem deixados "vestígios", nada tendo sido referido quanto aos procedimentos a seguir em caso de insucesso que porventura levasse ao aprisionamento de pessoal militar português.
Para o efeito, as unidades navais não arvoraram a bandeira nacional, tendo sido ocultadas as identificações dos respectivos cascos, e todo o pessoal que desembarcou usava uniformes especiais que não os das Forças Armadas portuguesas, não transportando objectos (até cigarros) susceptíveis de serem identificados como habitualmente usados em Portugal ou na própria Guiné (Bissau).
São conhecidos os contornos da operação, para cuja concretização era essencial que fossem destruídos os aviões de combate da República da Guiné, que se admitia pudessem estar operativos e atacar a força naval, o que poderia levar ao afundamento ou à imobilização de todos ou alguns dos navios.
Soube-se depois que os aviões tinham sido transferidos anteriormente para outro aeródromo no interior do país, pelo que quando o grupo de combate encarregado da destruição respectiva chegou ao aeroporto nada encontrou, o que levou à decisão de abortar as acções ainda em curso e de retirar.
Porém, era já dia claro quando os 6 navios iniciaram o regresso, e mantinha-se a possibilidade de um ataque aéreo que por certo teria há 45 anos mais probabilidade de ter então mais eficácia do que se tentado de noite.
Iniciado o regresso, o NRP "Montante" recebe porém a ordem de inverter o rumo e ir recolher uma dezena de elementos da Companhia de Comandos que tinham desembarcado, e que se tinham atrasado por razões não totalmente esclarecidas, deslocando-se agora de bote a motor. Não eram acompanhados por quaisquer outros elementos, nomeadamente do FNLG.
Eram quase 9 horas da manhã.
De terra, são disparados alguns tiros de armas pesadas, visando o navio, que se encontrava a cerca de mil jardas (900 metros) de terra, que ripostou visando o local provável dos disparos, que de pronto cessaram.
E no espírito de alguns dos membros da Guarnição perpassou o seguinte pensamento: se os aviões de combate surgem, disparam sobre o navio, e apesar da nossa resposta conseguem atingi-lo e provocar o seu afundamento ou o encalhe (pois navegava-se em zona de baixos fundos), e se a recolha de sobreviventes através de botes de outros navios se tornar impossível nomeadamente no caso de terem também sido atingidos ?
Ou se volta a haver disparos de terra, com maior sucesso do que os até então tentados, levando igualmente à imobilização do navio ?
Nadar para terra seria uma reacção provável para alguns, dos quais os que não fossem mortos poderiam ser aprisionados.
Sem instruções precisas, alguns - de entre o pessoal da Guarnição, ainda usando o seu uniforme de Marinha - tentariam identificar-se ao abrigo da Convenção de Genebra. Seriam reconhecidos como prisioneiros de guerra ?
Tais ataques aéreos não ocorreram, nem houve mais disparos susceptíveis de imobilizarem o navio - mas poderiam ter ocorrido
Porém, pouco tempo depois, um avião militar sobrevoa Conacri e a força naval - se bem que a grande altitude,
E daí a algumas horas já Rui Patrício, Ministro dos Negócios Estrangeiro, negava na radio qualquer envolvimento português em Conacri.
À guisa de conclusão: como habitualmente, nestes casos os mais altos responsáveis - na circunstância o Presidente do Conselho de Ministros - limitam-se a deixar "vestígios" de orientações claras, ou "vestígios" de responsabilidades - quando não são eivadas de insensatez como a proferida em Dezembro de 1961: "Não prevejo possibilidade de tréguas nem prisioneiros portugueses, como não haverá navios rendidos, pois sinto que apenas pode haver soldados e marinheiros vitoriosos ou mortos.".
22.Novembro.2015.
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Para o efeito, o Presidente do Conselho de Ministros, Prof.Marcelo Caetano, autorizou que uma força naval transportasse Unidades do Exército (Comandos) e da Marinha (Fuzileiros), bem como elementos do Front National pour la Libération de la Guinée (FNLG), que desembarcariam com vista à concretização daqueles objectivos.
A única condição foi a de que não fossem deixados "vestígios", nada tendo sido referido quanto aos procedimentos a seguir em caso de insucesso que porventura levasse ao aprisionamento de pessoal militar português.
Para o efeito, as unidades navais não arvoraram a bandeira nacional, tendo sido ocultadas as identificações dos respectivos cascos, e todo o pessoal que desembarcou usava uniformes especiais que não os das Forças Armadas portuguesas, não transportando objectos (até cigarros) susceptíveis de serem identificados como habitualmente usados em Portugal ou na própria Guiné (Bissau).
São conhecidos os contornos da operação, para cuja concretização era essencial que fossem destruídos os aviões de combate da República da Guiné, que se admitia pudessem estar operativos e atacar a força naval, o que poderia levar ao afundamento ou à imobilização de todos ou alguns dos navios.
Soube-se depois que os aviões tinham sido transferidos anteriormente para outro aeródromo no interior do país, pelo que quando o grupo de combate encarregado da destruição respectiva chegou ao aeroporto nada encontrou, o que levou à decisão de abortar as acções ainda em curso e de retirar.
Porém, era já dia claro quando os 6 navios iniciaram o regresso, e mantinha-se a possibilidade de um ataque aéreo que por certo teria há 45 anos mais probabilidade de ter então mais eficácia do que se tentado de noite.
Iniciado o regresso, o NRP "Montante" recebe porém a ordem de inverter o rumo e ir recolher uma dezena de elementos da Companhia de Comandos que tinham desembarcado, e que se tinham atrasado por razões não totalmente esclarecidas, deslocando-se agora de bote a motor. Não eram acompanhados por quaisquer outros elementos, nomeadamente do FNLG.
Eram quase 9 horas da manhã.
De terra, são disparados alguns tiros de armas pesadas, visando o navio, que se encontrava a cerca de mil jardas (900 metros) de terra, que ripostou visando o local provável dos disparos, que de pronto cessaram.
E no espírito de alguns dos membros da Guarnição perpassou o seguinte pensamento: se os aviões de combate surgem, disparam sobre o navio, e apesar da nossa resposta conseguem atingi-lo e provocar o seu afundamento ou o encalhe (pois navegava-se em zona de baixos fundos), e se a recolha de sobreviventes através de botes de outros navios se tornar impossível nomeadamente no caso de terem também sido atingidos ?
Ou se volta a haver disparos de terra, com maior sucesso do que os até então tentados, levando igualmente à imobilização do navio ?
Nadar para terra seria uma reacção provável para alguns, dos quais os que não fossem mortos poderiam ser aprisionados.
Sem instruções precisas, alguns - de entre o pessoal da Guarnição, ainda usando o seu uniforme de Marinha - tentariam identificar-se ao abrigo da Convenção de Genebra. Seriam reconhecidos como prisioneiros de guerra ?
Tais ataques aéreos não ocorreram, nem houve mais disparos susceptíveis de imobilizarem o navio - mas poderiam ter ocorrido
Porém, pouco tempo depois, um avião militar sobrevoa Conacri e a força naval - se bem que a grande altitude,
E daí a algumas horas já Rui Patrício, Ministro dos Negócios Estrangeiro, negava na radio qualquer envolvimento português em Conacri.
À guisa de conclusão: como habitualmente, nestes casos os mais altos responsáveis - na circunstância o Presidente do Conselho de Ministros - limitam-se a deixar "vestígios" de orientações claras, ou "vestígios" de responsabilidades - quando não são eivadas de insensatez como a proferida em Dezembro de 1961: "Não prevejo possibilidade de tréguas nem prisioneiros portugueses, como não haverá navios rendidos, pois sinto que apenas pode haver soldados e marinheiros vitoriosos ou mortos.".
22.Novembro.2015.
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A UE, a NATO, e o "califado".
Não tem sido fácil a relação ao longo dos séculos entre a Europa e os seus vizinhos do Médio-Oriente e da África do Norte, nomeadamente a partir da expansão islâmica, e embora seja impossível num texto curto abordar os complexos problemas que a História e a situação actual abarcam, pode-se tentar uma abordagem a partir do momento em que entraram em vigor os acordos "Sykes-Picot" que na sequência da derrota do Império Otomano estabeleceram o quadro de fronteiras que permaneceu até hoje, com a excepção dos introduzidos pela imposição do Estado de Israel e dos conflitos que de tal surgiram nomeadamente com o Egipto e a Síria.
Assim, e em estilo algo telegráfico, recordemos alguns dos mais marcantes episódios que assinalam períodos de intervenção estrangeira no Médio-Oriente e na África do Norte: a CIA e Mossadegh (1953), as independências no Norte de África (década de 1950), a crise do Suez (1956) e a "expulsão" daquela área pelos EUA do Reino Unido e França, a queda do Xá da Pérsia e o corte de relações do Irão com os EUA (1979), a guerra entre o Iraque e o Irão (1980/8), acompanhada pela intervenção e retirada russa no Afeganistão (1979/89), seguida pela invasão do Kuwait pelo Iraque e intervenção subsequente dos EUA (1991), o ataque da Al-Caeda aos EUA (2001) e as respectivas retaliações: 2001/2015, sobre o Afeganistão, e 2003/2011 sobre o Iraque - esta, terminada com uma derrota "de facto" uma vez que este "país" não se conseguiu afirmar como Estado.
E, assim como nos romances policiais se colocava com frequência a questão "cherchez la femme", é por demais evidente que a "femme" tem sido quase sempre o petróleo, assumindo os EUA desde a crise do Suez o papel preponderante e remetendo as potências da UE para um papel secundário e de fornecimento de "cobertura" para serem apresentadas convenientes "coligações" nas intervenções militares.
A derrota dos EUA no Iraque, bem como a guerra civil que entretanto surgiu na Síria, permitiu que no vazio de poder na zona que se poderia apelidar de "Siriaque" surgisse uma tentativa de formação de um Estado que declarou ser seu objectivo a reconstituição de um "califado" como o que chegou a existir nos primórdios da expansão islâmica, estendendo-se desde o Iraque à Península Ibérica, e declarando guerra a todos quantos não observassem os preceitos do Islão - de acordo com as suas interpretações dos textos corânicos, que assumiam e assumem aspectos horrendamente desumanos e ignominiosos.
Tal atitude, e as ditas interpretações inclassificáveis das doutrinas muçulmanas, aliadas ao desequilíbrio provocado pelas instabilidades na Síria e no Iraque e às preocupações com o controle petrolífero na área, levaram a uma análoga declaração de guerra de diversos países em coligações contra um "Estado", com episódios sangrentos dos quais os mais recentes e visíveis foram os atentados perpretados há dois dias em Paris.
Porém, dada a aparente reduzida eficácia das existentes coligações, limitada à realização de ataques aéreos, muitos europeus - enquanto vizinhos próximos do "Siriaque", bem como dos Estados onde se detectam sinais de expansão da influência das respectivas ideias - interrogam-se sobre os tipos de respostas a dar no quadro da guerra declarada que se constata existir.
Cabe assim recordar a existência no quadro da NATO de uma cláusula segundo a qual um ataque a um dos seus membros obriga a uma resposta solidária conjunta, o que já é configurável dados os actos e declarações de guerra já existentes, sendo obviamente desejável que tal resposta fosse partilhada activamente pelos países de confissão maioritariamente muçulmana que criticaram os atentados recentes.
E se a NATO não reagir em tal sentido, é tempo de a UE criar uma verdadeira política de Defesa, que englobe todos os seus Estados-membros, e que possibilite respostas adequadas a situações como a que se vive no presente momento.
Não pode é limitar-se ao papel ridículo de, como já tem acontecido em unidades militares, pagar a "contratados" para assegurarem a sua tranquilidade e defesa.
15/16.Novembro.2015.
Recordando Novembro de 1975.
Decorrem agora 40 anos sobre um episódio que não tem sido muito mencionado nos meios de informação pública, e que constituiu uma tentativa para se acalmar o quente ambiente político que se vivia em Portugal num momento em que a Assembleia eleita em Abril de 1975 procedia à elaboração do projecto de Constituição.
Tratou-se de uma tentativa de um golpe-de-estado constitucional, em que a Assembleia Constituinte declararia assumir também funções legislativas, designando igualmente um Primeiro-Ministro, e ao mesmo tempo o Conselho da Revolução pronunciaria a transmissão dos seus poderes para Assembleia Constituinte e Legislativa, bem como na parte aplicável para o Governo emanado desta última - mantendo-se em funções o então Presidente da República.
Pretendia-se, com tal iniciativa, evitar que militares continuassem em funções governativas e legislativas, através do Conselho da Revolução, em período em que as eleições constituintes já tinham permitido dar sinais de qual o caminho político que Portugal deveria seguir.
E obviamente fazer terminar as longas discussões e confrontos de natureza política que vinham ocorrendo entre muitos militares, e que criavam um ambiente de forte instabilidade no país.
Assim, um pequeno grupo de cidadãos, do qual fazia parte um membro do Conselho da Revolução, bem como dois deputados e um militar em funções no Ministério da Administração Interna, ajustou algumas intervenções públicas, das quais a mais relevante consistiu num discurso na Assembleia Constituinte proferido pelo deputado Sottomayor Cardia, precisamente há 40 anos - em 7 de Novembro de 1975, em que se advogava a retirada dos militares do exercício de funções políticas, e que pode ser consultado no Diário oficial respectivo.
Ao mesmo tempo, um prestigiado membro do Conselho da Revolução desenvolvia contactos neste órgão no sentido de obter o assentimento da maioria dos seus membros visando a sua auto-dissolução e consequente transferência de poderes para a Assembleia e Governo que dela viria ser emanado.
Porém, 15 dias depois, uma sublevação de paraquedistas deu origem a um movimento militar que iria manter a arquitectura constitucional existente, tendo o Conselho da Revolução subsistido até 1982 - se bem que com poderes bem diferentes, mas ainda com apreciável grau de intervenção.
Tempos em que como se vê tudo e todos conspiravam...
8.Novembro.2015.
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Refugiados: catalisadores de transformações políticas na UE ?
Escrevi há algumas semanas nestas páginas que diversos exemplos demonstram o papel dos diversos tipos de catalisadores em transformações de natureza política que sem a sua existência evoluiriam muito gradualmente, e em muitos casos não na direcção que acabaria por ser imprimida às reacções sociais na sequência de tais detonadores.
Tal artigo incidia mais sobre aspectos internos da vida política de um Estado, em particular sobre Portugal; porém a actual conjuntura mundial, em particular na área euro-mediterrânica, faz suscitar a necessidade de uma reflexão sobre os efeitos de tipo catalítico que o movimento de refugiados em direcção ao centro e norte da Europa pode provocar na frágil organização política da União Europeia.
Desde já importa acentuar que a União Europeia não anteviu adequadamente o que poderia ocorrer na sequência do agravamento dos conflitos que ocorreram e ocorrem nos Estados a sul e a sueste das suas fronteiras, ou seja, desde o Afeganistão à África mediterrânica - sem esquecer os situados no nordeste africano.
Limitou-se a, na vetusta tradição burocrática que a tem caracterizado, observar um conjunto de regras, conhecidas por "Protocolo de Dublin", que constam do pesado Regulamento 1560/2003 - ainda assinado por António Vitorino, enquanto Membro da Comissão Europeia, e que tinha sido elaborado para a apreciação de pedidos de asilo formulados em situações "calmas" totalmente longe de fenómenos de migração de dezenas de milhares de cidadãos em períodos extremamente curtos, como é o caso actual.
Totalmente desadaptado face às presentes circunstâncias, o citado Protocolo obrigaria a que fosse o Estado-Membro onde se apresentasse o requerente de asilo a registar o respectivo pedido - claro que num conjunto de impressos, como não podia deixar de ser ... - e a que fosse processada posteriormente a respectiva deslocação para o local que o aceitasse, situação burocrática obviamente desadequada, originando depois toda a confusão a que quase impotentes temos vindo a assistir.
Está fora do âmbito do presente texto analisar-se a falta de direcção política de uma "União" que ao arrepio dos seus Princípios e dos Tratados que os adoptam não procurou reflectir sobre o que se poderia e deveria ter feito (e ainda deve) em matéria de coordenação com os Estados de passagem intermédia, nomeadamente a Turquia (candidata a Membro da UE...), bem como outros potenciais receptores de refugiados no Médio-Oriente. E, igualmente, a falta de uma política de preparação dos cidadãos europeus para o dever de procurar acolher refugiados de conflitos provocados por alguns dos seus Estados-Membros, em colaboração subserviente para com os EUA conforme acordado na "cimeira quadripartida dos Açores", iniciativa cujo anfitrião foi D.Barroso e cujos erros acabam de ser reconhecidos por um dos participantes em tal cimeira: T.Blair.
Igualmente está fora do escopo destas reflexões um conjunto de interrogações sobre a razão de só recentemente ter eclodido esta enorme migração, bem como sobre o perfil socio-económico que parece caracterizar a maioria dos respectivos participantes.
O que porém não está fora dos objectivos destas linhas é a constatação do quadro de desagregação política da UE, bem com o seu agravamento, cuja tradução se tem reflectido no aumento dos nacionalismos excessivos e de tendências xenófobas, uns e outros constituindo forças centrífugas que pouco auguram de bom quanto à consistência e evolução positiva do projecto de união europeia.
De acordo com as modernas teorias de auto-organização, as acelerações ou retardamentos no respectivo quadro evolutivo são normalmente provocadas por fenómenos catalisadores, quase sempre inesperados, e a migração de refugiados para a União Europeia pode assumir tal papel, que infelizmente não parece apontar para o caminho de uma maior consistência da organização.
Poderia sê-lo se assumisse contornos de ameaça exterior, o que não é o caso, pelo que é de prever um período em que a União perderá grande parte da sua eficácia decisória - não se afigurando que a moeda única possa constituir um factor de agregação de todos os Estados-Membros - mantendo-se apenas funcionando numa perspectiva de "serviços mínimos".
Até que um novo e inesperado catalisador - de natureza externa - provoque uma reacção que leve a uma nova subida da sua consistência organizativa.
Esperemos, pois, que não tenhamos muito que esperar.
1.Novembro.2015.
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Escrevi há algumas semanas nestas páginas que diversos exemplos demonstram o papel dos diversos tipos de catalisadores em transformações de natureza política que sem a sua existência evoluiriam muito gradualmente, e em muitos casos não na direcção que acabaria por ser imprimida às reacções sociais na sequência de tais detonadores.
Tal artigo incidia mais sobre aspectos internos da vida política de um Estado, em particular sobre Portugal; porém a actual conjuntura mundial, em particular na área euro-mediterrânica, faz suscitar a necessidade de uma reflexão sobre os efeitos de tipo catalítico que o movimento de refugiados em direcção ao centro e norte da Europa pode provocar na frágil organização política da União Europeia.
Desde já importa acentuar que a União Europeia não anteviu adequadamente o que poderia ocorrer na sequência do agravamento dos conflitos que ocorreram e ocorrem nos Estados a sul e a sueste das suas fronteiras, ou seja, desde o Afeganistão à África mediterrânica - sem esquecer os situados no nordeste africano.
Limitou-se a, na vetusta tradição burocrática que a tem caracterizado, observar um conjunto de regras, conhecidas por "Protocolo de Dublin", que constam do pesado Regulamento 1560/2003 - ainda assinado por António Vitorino, enquanto Membro da Comissão Europeia, e que tinha sido elaborado para a apreciação de pedidos de asilo formulados em situações "calmas" totalmente longe de fenómenos de migração de dezenas de milhares de cidadãos em períodos extremamente curtos, como é o caso actual.
Totalmente desadaptado face às presentes circunstâncias, o citado Protocolo obrigaria a que fosse o Estado-Membro onde se apresentasse o requerente de asilo a registar o respectivo pedido - claro que num conjunto de impressos, como não podia deixar de ser ... - e a que fosse processada posteriormente a respectiva deslocação para o local que o aceitasse, situação burocrática obviamente desadequada, originando depois toda a confusão a que quase impotentes temos vindo a assistir.
Está fora do âmbito do presente texto analisar-se a falta de direcção política de uma "União" que ao arrepio dos seus Princípios e dos Tratados que os adoptam não procurou reflectir sobre o que se poderia e deveria ter feito (e ainda deve) em matéria de coordenação com os Estados de passagem intermédia, nomeadamente a Turquia (candidata a Membro da UE...), bem como outros potenciais receptores de refugiados no Médio-Oriente. E, igualmente, a falta de uma política de preparação dos cidadãos europeus para o dever de procurar acolher refugiados de conflitos provocados por alguns dos seus Estados-Membros, em colaboração subserviente para com os EUA conforme acordado na "cimeira quadripartida dos Açores", iniciativa cujo anfitrião foi D.Barroso e cujos erros acabam de ser reconhecidos por um dos participantes em tal cimeira: T.Blair.
Igualmente está fora do escopo destas reflexões um conjunto de interrogações sobre a razão de só recentemente ter eclodido esta enorme migração, bem como sobre o perfil socio-económico que parece caracterizar a maioria dos respectivos participantes.
O que porém não está fora dos objectivos destas linhas é a constatação do quadro de desagregação política da UE, bem com o seu agravamento, cuja tradução se tem reflectido no aumento dos nacionalismos excessivos e de tendências xenófobas, uns e outros constituindo forças centrífugas que pouco auguram de bom quanto à consistência e evolução positiva do projecto de união europeia.
De acordo com as modernas teorias de auto-organização, as acelerações ou retardamentos no respectivo quadro evolutivo são normalmente provocadas por fenómenos catalisadores, quase sempre inesperados, e a migração de refugiados para a União Europeia pode assumir tal papel, que infelizmente não parece apontar para o caminho de uma maior consistência da organização.
Poderia sê-lo se assumisse contornos de ameaça exterior, o que não é o caso, pelo que é de prever um período em que a União perderá grande parte da sua eficácia decisória - não se afigurando que a moeda única possa constituir um factor de agregação de todos os Estados-Membros - mantendo-se apenas funcionando numa perspectiva de "serviços mínimos".
Até que um novo e inesperado catalisador - de natureza externa - provoque uma reacção que leve a uma nova subida da sua consistência organizativa.
Esperemos, pois, que não tenhamos muito que esperar.
1.Novembro.2015.
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O momento político e a base da democracia.
Na semana que findou realizaram-se algumas comemorações do segundo aniversário da tomada de posse dos órgãos de poder local em freguesias de um concelho de matriz urbana de grande dimensão, freguesias essas que tinham resultado da agregação de anteriores na sequência da RATA - Reorganização Administrativa do Território Autárquico, Lei imposta pelo Programa de Assistência Financeira aceite pela República Portuguesa em 2011 - parece que a única "reforma estrutural" da Administração Pública até agora realizada...
Tal Lei levou a que Freguesias já de si enormes, com mais de 20 mil eleitores, fossem objecto de fusão constituindo novas estruturas autárquicas, denominadas "Uniões", que passaram a ter mais de 50 mil cidadãos.
Não foi assim por acaso que tanto o Presidente da Junta de uma das novas Uniões de Freguesias como o Presidente da Câmara Municipal tivessem nos seus discursos lamentado a "reorganização" que tinha conduzido à constituição de autarquias totalmente afastadas do conceito de proximidade que deveria ser sua característica.
Acresce que ambos não provinham de forças políticas conotadas com a oposição ao Governo, o que não os impediu de considerarem muito insuficientes e mesmo inexequíveis as disposições legislativas que visam a atribuição às novas Uniões de Freguesia de recursos que tinham como objectivo contribuir para a execução das suas competências face à extensão dos seus territórios e população.
Num dos casos (e por certo também nos similares) foi focado o facto de as "economias" obtidas com a reorganização terem sido extremamente reduzidas, pois limitaram-se a passar de 4 Presidentes de Junta remunerados a tempo inteiro para apenas 1 - ou seja uma redução mensal de encargos de cerca de 9 para 2 mil euros, pois a extensão geográfica obrigou à continuação de praticamente o mesmo número de funcionários nas 3 agora delegações que não podiam deixar de existir.
Será pois possível considerar positiva tal "reorganização", que leva a que apesar dos esforços de uma Junta em realizar rotativamente as suas reuniões públicas mensais nas anteriores sedes de Juntas não consegue que estejam presentes em média não mais do que 4 cidadãos - num universo de mais de 50 mil ?
E que nas reuniões trimestrais das Assembleias de Freguesia apenas assistam habitualmente cerca de 8 a 10 ?
Não só a extensão territorial, mas também a notória falta de atribuições, competências, e recursos contribuem para o afastamento dos cidadãos da vida política, tal se reflectindo na qualidade de vários dos representantes eleitos para os órgãos autárquicos e nos seus reflexos nas estruturas partidárias, que assim tendem em muitos casos a serem meras correias de transmissão dos dirigentes centrais e distritais, em vez de serem confrontadas com a presença e observação críticas dos cidadãos eleitores.
Dirão alguns: a nossa democracia é representativa - ao que naturalmente concordando acrescento que deve também ser participativa.
E embora meritória a participação nas "redes sociais" e em comentários expressos electronicamente não se pode substituir totalmente ao diálogo pessoal - porventura alguém já conseguiu "almoçar electronicamente" com um amigo?
O momento político que atravessamos cada vez mais reforça a necessidade de se proceder à "expulsão" e revisão deste inútil e prejudicial ditame do Programa que foi associado ao uso da palavra "troica".
Sem uma participação empenhada dos cidadãos o nosso País continuará a definhar. E este é um dos meios que temos para voltar a dar ânimo aos portugueses, muitos deles já descrentes da democracia e de muito dos seus actores.
25.Outubro.2015.
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Na semana que findou realizaram-se algumas comemorações do segundo aniversário da tomada de posse dos órgãos de poder local em freguesias de um concelho de matriz urbana de grande dimensão, freguesias essas que tinham resultado da agregação de anteriores na sequência da RATA - Reorganização Administrativa do Território Autárquico, Lei imposta pelo Programa de Assistência Financeira aceite pela República Portuguesa em 2011 - parece que a única "reforma estrutural" da Administração Pública até agora realizada...
Tal Lei levou a que Freguesias já de si enormes, com mais de 20 mil eleitores, fossem objecto de fusão constituindo novas estruturas autárquicas, denominadas "Uniões", que passaram a ter mais de 50 mil cidadãos.
Não foi assim por acaso que tanto o Presidente da Junta de uma das novas Uniões de Freguesias como o Presidente da Câmara Municipal tivessem nos seus discursos lamentado a "reorganização" que tinha conduzido à constituição de autarquias totalmente afastadas do conceito de proximidade que deveria ser sua característica.
Acresce que ambos não provinham de forças políticas conotadas com a oposição ao Governo, o que não os impediu de considerarem muito insuficientes e mesmo inexequíveis as disposições legislativas que visam a atribuição às novas Uniões de Freguesia de recursos que tinham como objectivo contribuir para a execução das suas competências face à extensão dos seus territórios e população.
Num dos casos (e por certo também nos similares) foi focado o facto de as "economias" obtidas com a reorganização terem sido extremamente reduzidas, pois limitaram-se a passar de 4 Presidentes de Junta remunerados a tempo inteiro para apenas 1 - ou seja uma redução mensal de encargos de cerca de 9 para 2 mil euros, pois a extensão geográfica obrigou à continuação de praticamente o mesmo número de funcionários nas 3 agora delegações que não podiam deixar de existir.
Será pois possível considerar positiva tal "reorganização", que leva a que apesar dos esforços de uma Junta em realizar rotativamente as suas reuniões públicas mensais nas anteriores sedes de Juntas não consegue que estejam presentes em média não mais do que 4 cidadãos - num universo de mais de 50 mil ?
E que nas reuniões trimestrais das Assembleias de Freguesia apenas assistam habitualmente cerca de 8 a 10 ?
Não só a extensão territorial, mas também a notória falta de atribuições, competências, e recursos contribuem para o afastamento dos cidadãos da vida política, tal se reflectindo na qualidade de vários dos representantes eleitos para os órgãos autárquicos e nos seus reflexos nas estruturas partidárias, que assim tendem em muitos casos a serem meras correias de transmissão dos dirigentes centrais e distritais, em vez de serem confrontadas com a presença e observação críticas dos cidadãos eleitores.
Dirão alguns: a nossa democracia é representativa - ao que naturalmente concordando acrescento que deve também ser participativa.
E embora meritória a participação nas "redes sociais" e em comentários expressos electronicamente não se pode substituir totalmente ao diálogo pessoal - porventura alguém já conseguiu "almoçar electronicamente" com um amigo?
O momento político que atravessamos cada vez mais reforça a necessidade de se proceder à "expulsão" e revisão deste inútil e prejudicial ditame do Programa que foi associado ao uso da palavra "troica".
Sem uma participação empenhada dos cidadãos o nosso País continuará a definhar. E este é um dos meios que temos para voltar a dar ânimo aos portugueses, muitos deles já descrentes da democracia e de muito dos seus actores.
25.Outubro.2015.
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Votos inúteis e círculo nacional.
Numa recente análise publicada pela agência Lusa constata-se que cerca de 760 mil votos nas eleições legislativas não foram tomados em consideração, devido à aplicação do método de Hondt, para a obtenção de mandatos para deputados.
Trata-se de quase 15% dos votantes - mais do que quer o Bloco de Esquerda quer a Coligação Democrática Unitária obtiveram.
O uso do método de Hondt tem sido o principal argumento dos que defendem este tipo de obtenção de proporcionalidade como sendo a melhor maneira para se obterem maiorias de mandatos susceptíveis de permitirem a existência de estabilidade governativa por uma só força política, o que já ocorreu em Portugal - se bem que esporadicamente.
No entanto, mais do que a distribuição de mandatos o que nos deve preocupar é a participação efectiva dos cidadãos no acto eleitoral; e se considerarmos que o número de eleitores residentes no território nacional é da ordem dos 8,7 milhões (pois os restantes inscritos - cerca de 900 mil - estão habitualmente no estrangeiro) verificamos que a força política mais votada obteve a adesão de apenas cerca de 25% do eleitorado.
Este dado denota um progressivo afastamento dos cidadãos face à vida política, bem como o facto de a adesão às acções governativas ter vindo a ser assaz limitada, e requer uma reflexão séria sobre o modelo do sistema político.
A Constituição permite a existência de um círculo nacional em eleições legislativas.
Não proíbe, creio, que deixe de haver outros tipos de círculos, quer plurinominais quer nominais.
Seria esta uma boa ocasião para se rever a lei de modo a através da existência de um único círculo nacional - como ocorre nas eleições para Presidente da República - se assegurar a possibilidade de uma representação verdadeiramente proporcional.
Mais justa, e que pouco modificaria o quadro político no que respeita à obtenção de apoio parlamentar à acção governativa.
Necessário seria, contudo, que fossem também encontrados modos de fomentar a participação no Poder Local, incluindo formas de representação deste em instâncias mais elevadas do Poder político, tal como tenho vindo a propor nestas páginas.
18.Outubro.2015.
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Abstenção, participação, e representação.
De entre as primeiras reacções à difusão dos resultados das recentes eleições legislativas ressaltou a sensação de se estar perante uma taxa de abstenção anormalmente baixa, tendo-se contudo verificado ao longo do dia que tal não tinha acontecido.
Por outro lado continua a generalidade dos observadores a esquecer o facto de o universo dos recenseados ter desde há alguns anos passado a abranger automaticamente todos os detentores de bilhete de identidade ou de cartão de cidadão, mesmo não residindo habitualmente no território nacional, o que dado o aumento de emigração constatado nos anos mais recentes não pode deixar de influir nas análises de resultados pautadas por percentagens de abstenções, uma vez que não são conhecidos números fiáveis relativos ao movimento migratório nem aos cidadãos que se desloquem a Portugal para votarem.
Assim, parece ser importante olhar-se para o número de votantes, cuja média desde 1995 tem sido cerca de 5,5 milhões, e se tem mantido relativamente estável.
Deste modo constatar-se-à ter havido agora apenas cerca de menos 175 mil votantes relativamente a 2011, o que poderia ser imputável em grande parte à emigração.
Por outro lado, se tomarmos em consideração a população estimada como residente em Portugal - cerca de 10 milhões - o número de recenseados em idade de votar situar-se-ia em aproximadamente 8,5 milhões, o que já colocaria o nível de abstenções em valores inferiores a 40 %.
Podemos contudo deduzir que a democracia em Portugal continua doente, muito longe das expectativas ocorridas nos anos de 1975 a 1977, havendo porém uma média de 5,5 milhões de eleitores que continua a acreditar na representação política, enquanto 3 milhões se mantêm descrentes.
No entanto sente-se um grande desencanto entre os que se apresentam para votar, e que só poderá ser mitigado através de mecanismos que fomentem a participação política e a consequente melhoria dos partidos e das escolhas que dentro destes são feitas.
E só continuo a ver um caminho: o reforço do Poder Local.
11.Outubro.2016.
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República sem norte.
Sem norte, porque entre outras razões -
infelizmente mais ponderosas - o respectivo Governo escolheu o feriado nacional
comemorativo da data da implantação da República para se juntar a outros 3 que
seriam suprimidos com o objectivo de fazer crescer o Produto Interno Bruto de
modo a se corresponder aos ditames do Programa de Assistência Financeira
internacional aceitado em 2011 pelo Governo português e pelos partidos
políticos que viriam a formar o governo seguinte - supressão que no caso de ser
absolutamente necessária para o cumprimento do Programa em questão.poderia e
deveria incidir sobre outro feriado nacional sem o simbolismo estrutural deste,
Sem norte, porque os seus representantes
associaram a eliminação do feriado nacional à diminuição do já de si reduzido
fulgor comemorativo que vinha a ser constatado ao longo dos anos, em vez de
promoverem a realização de manifestações públicas que voltassem a contribuir
para o renascimento dos ideais republicanos, optando ao invés pela envergonhada
celebração discursiva em recinto fechado.
Sem norte, porque o Presidente da
República decidiu não estar presente nas tradicionais comemorações promovidas
pela Câmara Municipal de Lisboa invocando a necessidade de se "concentrar
na reflexão sobre as decisões que terá de tomar" na sequência do acto
eleitoral que ocorre hoje - apesar de há escassos dias ter afirmado que sabe
"muito bem" o que irá fazer - esquecendo que além da data de 25 de
Abril de 1974 apenas outra, não por acaso, é mencionada no texto
constitucional: a de 5 de Outubro de 1910, e nem sequer abrindo o acesso
público aos jardins do Palácio de Belém como tinha feito em anos anteriores.
Pátria esta, "metida no gosto da
cobiça e na rudeza duma austera, apagada e vil tristeza" ...
4.Outubro.2015.
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_____________________________________________
Tem sido anormalmente fértil o presente período
pré-eleitoral no que respeita a sondagens sobre intenções de participação no
próximo acto eleitoral e sobre qual o sentido de voto.
Contudo as fichas técnicas que devem por
lei acompanhar as sondagens encomendadas pela Imprensa e por outros meios de
informação publica não são suficientemente explícitas quanto ao universo de
referência nem aos termos de comparação com outros dados, deixando-nos dúvidas
sobre os valores dos graus de erro e intervalos de confiança indicados.
Acredito que os responsáveis tenham tomado
em consideração tais valores de base, mas penso que seria vantajosa a
publicação de mais elementos que ajudassem o público a compreender melhor o
modo como a partir de consultas a amostras reduzidas da população se deduzem
valores de natureza global, esclarecendo dúvidas como por exemplo as que têm
surgido relativamente ao recurso a perguntas colocadas através de telefones da
rede fixa, aparentemente cada vez menos instalados nos lares.
Por exemplo, seria útil que quando se
referem os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) relativos à
população residente no território nacional seja esclarecido se foram corrigidos
quanto aos fluxos emigratórios ocorridos nos últimos quatro anos, e que se
admite possam atingir cerca de 4% dos eleitores recenseados.
Por outro lado, seria igualmente
interessante e vantajoso o conhecimento das correlações entre os dados
relativos à percentagem de inquiridos que não respondem ou que estão indecisos
e as estimativas prováveis de abstencionistas calculadas de acordo com a
evolução média de tais valores ao longo dos últimos anos.
Com estes e outros esclarecimentos que
sejam considerados úteis o público ficaria certamente com uma melhor ideia do
valor das sondagens, bem como do seu eventual papel no esclarecimento - quiçá
na modulação - da opinião pública em períodos de campanha eleitoral.
27.Setembro.2015.
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A
reacção do Governo húngaro face ao grande afluxo de refugiados que procuraram
atravessar as suas fronteiras a sul e a leste visando chegar aos
Estados-Membros da União Europeia provocou um enorme desagrado em muitos
sectores da opinião pública europeia, que assistia perplexa à construção de uma
nova "Cortina de ferro" - desta vez com objectivos diferentes dos que
presidiram à anterior , mas nem por isso menos mórbidos.
lnvocando
de um modo literal as disposições do Acordo de Schengen e do Estatuto dos
Refugiados e sem procurar a solidariedade que a generalidade dos
Estados-Membros da União Europeia lhe poderia proporcionar infligiu- se um
golpe profundo na União, que poderá ter que vir a hibernar durante alguns anos
até serem curadas as feridas provocadas pela presente crise e pelas dicotomias
criadas pela apressada criação da moeda única, quer no âmbito da Zona Euro quer
no da própria União.
Há
certamente que rever os termos do Acordo de Shengen, que poderão não estar
adaptados quer à existência de fluxos enormes de refugiados quer à situação de
descontinuidades geográficas como as que se verificam no caso da Grécia, sem
fronteiras comuns com outros Estados-Membros da União.
Porém
tal não é razão para se construírem novos "muros da vergonha",
acrescendo que estes foram criados por quem tinha a obrigação de se lembrar da
existência dos anteriores - parte deles nos mesmos locais.
É assim
responsabilidade dos actuais dirigentes dos Estados-Membros da União Europeia
pensarem na descoberta de um novo rumo para a União.
De urna
clarificação do que deve ser o novo Espírito Europeu, algo diferente do que em
1946 levou à construção de uma comunidade europeia cujos objectivos, se bem que
nobres, eram excessivamente eurocêntricos e económicos.
Esqueciam
o Mundo e o dever do exemplo pela demonstração dos valores que a ele deveriam
presidir.
Não
colocaram suficientemente as pessoas em primeiro lugar.
Deste
modo e tal como tenho vindo a recordar desde há dois anos nestas páginas, cabe
assim e agora a todos, e em particular aos de maior propensão intelectual,
reflectir de novo sobre a nossa Europa, e colocar os seus dirigentes face às
suas responsabilidades.
20.Setembro.2015.
O intenso afluxo de refugiados à Europa tem suscitado obviamente o interesse geral, tendo sido objecto de múltiplas intervenções dos meios de informação pública.
No entanto não parece ter havido até agora a preocupação de explicar claramente os diversos aspectos que têm caracterizado aquelas migrações, desde a origem dos migrantes às razões que os levam a tomar tão decisivo passo nas suas vidas, bem como no que respeita às diversas classes de rendimento de que auferiam e aos tipos de agregados familiares em deslocação - isto, para só citar alguns dos aspectos, pois outros haverá igualmente relevantes como sejam as religiões seguidas.
De acordo com números mencionados pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) o número total de refugiados no mundo excederá os 11 milhões, que deverão ser acrescidos de mais 30 milhões de pessoas que embora não tenham migrado estão sob a sua área de preocupações - caso de apátridas, por exemplo - e que podem vir a fazer crescer ainda mais o número de refugiados.
Os que têm procurado a União Europeia como lugar de refúgio são maioritariamente originários do Médio-Oriente, e em menor quantidade (mas nem por isso menos apreciável) provindos da zona de África ao norte da linha equatorial.
Os refugiados sírios que procuraram acolhimento na Turquia, Líbano e Jordânia já atingiram o enorme número de cerca de 4 milhões (dos quais 2 na Turquia), admitindo-se que provenha de entre eles a maioria dos que através da Grécia, Bulgária, Macedónia e Sérvia procuram agora chegar à Hungria e a partir daí prosseguir para outros Estados-membros da União Europeia.
Os refugiados que têm procurado a Itália como entrada para a UE serão provavelmente originários de África, se bem que haja muitos sírios que através do Egipto e depois da Líbia tenham igualmente procurado a via de acesso pelo Mediterrâneo.
No meio deste quadro, surge logo uma pergunta: e se por exemplo os dois milhões de refugiados na Turquia decidissem deslocar-se para a União Europeia, seguindo o exemplo das já centenas de milhar que o terão conseguido ou estão em vias de conseguir ?
E outra pergunta: e porque razão apenas uma minoria dos refugiados sírios decidiu, ou conseguiu, chegar às fronteiras da União Europeia - nomeadamente à Grécia, Itália, e Hungria ?
Qual o seu perfil? Que meios utilizaram ?
Um jornalismo de qualidade deveria apresentar factos que ajudassem os cidadãos a ter perspectivas mais fundamentadas sobre estas questões.
Tais factos serão por certo (ou deveriam ser) do conhecimento dos departamentos apropriados da Comissão Europeia, cuja obrigação de os dar a conhecer é inequívoca - passadas que foram as "sagradas férias" de Agosto...
Através de quem ?
Do tal jornalismo de qualidade, que logicamente já lhe deveria ter colocado as óbvias questões, e de ter investigado e dado a conhecer as condições de sobrevivência e de expectativas de vida nos campos de refugiados do Médio-Oriente.
13.Setembro.
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"Procuradoria" ?
A recente mudança na situação prisional de um ex-Primeiro-Ministro voltou a trazer a público aparentes novas violações do segredo de justiça a que o respectivo processo tem estado submetido, assunto que já tinha sido objecto de reflexão nestas páginas em Junho, pouco depois de a
Procuradoria-Geral da República ter emitido um comunicado em que referia que "o Ministério Público, sempre que tem conhecimento de factos suscetíveis de integrarem o crime de violação de segredo de justiça, procede à instauração do respetivo inquérito".
Já decorreram mais de dois meses sobre tal informação, e não me parece que tenha sido dada suficiente publicidade aos eventuais resultados ao procedimento então instaurado na sequência de noticias da revista Sábado.
Também não tive conhecimento da existência de outros inquéritos da Procuradoria-Geral suscitados por outras aparentes múltiplas violações de segredo no âmbito do mesmo processo, admitindo porém que a falta de suficiente publicitação possa ter contribuído para a minha ignorância - minha, e por certo de muitos outros cidadãos.
É assim lícita a interrogação sobre a competência da Procuradoria-Geral da República, pelo menos no que respeita a investigações que procurem conhecer factos que se passam no seu próprio âmbito.
E também nos podemos interrogar sobre se tem estado assegurado adequadamente o regular funcionamento das instituições constitucionais.
6.Setembro.2015.
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Morrer em AuchDorf.
AuchDorf ? Existe ?
Existe, mas apenas na combinação de palavras entre Auchwitz e Parndorf.
Parndorf ? Porquê associá-la ao campo de extermínio de Auchwitz, onde tantas pessoas foram assassinadas, privadas de oxigénio em salas hermeticamente fechadas ?
Porque foi perto de Parndorf, a escassos 300 quilómetros a sul de Auchwitz, que 70 refugiados encontraram a morte, privados de oxigénio dentro de um camião hermeticamente fechado, em longa agonia cujos horríveis contornos são igualmente indescritíveis.
Daí a palavra "AuchDorf".
Palavra que nos deve fazer reflectir sobre a complexidade da situação que tem levado tantas pessoas a recorrer a exploradores do sofrimento alheio para procurar refúgio noutros locais arrostando com dificuldades que as colocam em perigo de vida análogo ao que defrontrariam se tivessem ficado nos seus países de origem.
Não é fácil opinar sobre soluções para um problema que abrange milhões de refugiados, nomeadamente na Turquia, Jordânia, Líbano, Egipto, Tunísia e outros países do Médio-Oriente e Norte de África, bem como centenas de milhares que mais recentemente têm procurado abrigo na União Europeia,
No entanto, poderemos e deveremos reflectir sobre hipóteses que se podem colocar em futuros mais próximos ou mais afastados, não só desde a eclosão de novos conflitos militares generalizados mas também e por exemplo a perspectivas de uma prolongada emissão de cinzas vulcânicas na sequência de inesperadas erupções ou as de um aquecimento global que torne a vida impossível no norte de África.
E a resposta deve ser colectiva e solidária, tal como o deve ser também na presente situação a da União Europeia, construída sob idênticos propósitos, e cujos dirigentes devem ter em conta as diferenças de capacidade de ajuda de cada um dos seus Estados-membros - alguns com problemas que levaram a migrações que a União deve procurar suster e corrigir através de novas políticas de natureza financeira.
Porém, procurando soluções que por um lado permitam a diminuição das condições de instabilidade nos locais de onde as pessoas se têm visto forçadas a emigrar; e por outro que pressionem adequadamente Estados que nomeadamente no Médio Oriente têm possibilidades de aumentar o seu apoio.
As agonias que precederam os afogamentos no Mediterrâneo e as sofridas em "AuchDorf" devem assim e pelo menos constituir para todos nós um motivo para profunda reflexão e tomada de apropriadas atitudes.
30.Agosto.2015.
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Um Centenário, uma oportunidade perdida.
Lamento ter que voltar a mencionar a falta de visão histórica dos contabilistas que presidem aos destinos de Portugal, ao esquecerem a oportunidade que nos planos nacional e internacional teria havido para recordar o início da expansão atlântico-índica, há 600 anos.
Prometendo não voltar mais a tomar a iniciativa de recordar este assunto, não deixarei para já de referir que ainda esperei que num assomo de coragem, mesmo a partir de Boliqueime ou de uma qualquer localidade algarvia, houvesse pelo menos uma declaração oficial que embora apenas numa perspectiva interna nos recordasse a data de 21 de Agosto de 1415, em que o nosso país foi capaz de iniciar um processo de aumento do inter-conhecimento entre povos distantes, com momentos positivos e outros menos felizes, porém num desenvolvimento que atinge agora uma dimensão global.
Como referi nestas páginas na data em que passava o VI Centenário da tomada de Ceuta, apenas me dei conta, no plano de iniciativas oficiais ou oficiosas, de umacomemoração patrocinada pela Câmara Municipal de Oeiras - que consistiu na apresentação de quatro comunicações suscitadas a propósito do tema, e, em Ceuta, de um encontro de natureza gastronómica...
"Grandiosas" comemorações oficiais, como se constata.
Já antes da data em que se celebrariam 600 anos sobre a largada da Armada que transportaria o Exército que com o Rei de Portugal e seus filhos viria a tomar Ceuta tinha a partir daqui apelado a que o simbolismo da partida daquela Força Naval com dezenas de naus e galés, bem como de outras embarcações, não fosse esquecido, dado significar o início da expansão naval do nosso país.
Estou certo de que pelo menos tanto o Chefe do Estado-Maior da Armada, como o seu par no Exército, não terão deixado de em tempo oportuno recordar ao Ministro da Defesa Nacional a efeméride, com vista à sua condigna comemoração, não tendo obviamente havido tempo para se estudar o assunto, ocupado que estaria com outras importantes questões como a re-instalação da câmara hiperbárica ou o destino a dar ao edifício do Hospital Militar do Exército.
Mas em 2115 haverá outra oportunidade.
23.Agosto.2015.
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Lamento ter que voltar a mencionar a falta de visão histórica dos contabilistas que presidem aos destinos de Portugal, ao esquecerem a oportunidade que nos planos nacional e internacional teria havido para recordar o início da expansão atlântico-índica, há 600 anos.
Prometendo não voltar mais a tomar a iniciativa de recordar este assunto, não deixarei para já de referir que ainda esperei que num assomo de coragem, mesmo a partir de Boliqueime ou de uma qualquer localidade algarvia, houvesse pelo menos uma declaração oficial que embora apenas numa perspectiva interna nos recordasse a data de 21 de Agosto de 1415, em que o nosso país foi capaz de iniciar um processo de aumento do inter-conhecimento entre povos distantes, com momentos positivos e outros menos felizes, porém num desenvolvimento que atinge agora uma dimensão global.
Como referi nestas páginas na data em que passava o VI Centenário da tomada de Ceuta, apenas me dei conta, no plano de iniciativas oficiais ou oficiosas, de umacomemoração patrocinada pela Câmara Municipal de Oeiras - que consistiu na apresentação de quatro comunicações suscitadas a propósito do tema, e, em Ceuta, de um encontro de natureza gastronómica...
"Grandiosas" comemorações oficiais, como se constata.
Já antes da data em que se celebrariam 600 anos sobre a largada da Armada que transportaria o Exército que com o Rei de Portugal e seus filhos viria a tomar Ceuta tinha a partir daqui apelado a que o simbolismo da partida daquela Força Naval com dezenas de naus e galés, bem como de outras embarcações, não fosse esquecido, dado significar o início da expansão naval do nosso país.
Estou certo de que pelo menos tanto o Chefe do Estado-Maior da Armada, como o seu par no Exército, não terão deixado de em tempo oportuno recordar ao Ministro da Defesa Nacional a efeméride, com vista à sua condigna comemoração, não tendo obviamente havido tempo para se estudar o assunto, ocupado que estaria com outras importantes questões como a re-instalação da câmara hiperbárica ou o destino a dar ao edifício do Hospital Militar do Exército.
Mas em 2115 haverá outra oportunidade.
23.Agosto.2015.
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Ceuta, ou o adormecimento nacional.
Que me desculpem os prezados leitores, mas entendo que não devo deixar de voltar a referir a espantosa inacção do nosso país no que respeita a uma condigna comemoração do VI Centenário da Expedição a Ceuta.
Completaram-se em 18 de Julho 600 anos sobre a data em que uma poderosa Armada largou do Tejo sob o comando do próprio Rei de Portugal, acompanhado por seus filhos, para um mês depois o Exército nela transportado tomar de assalto a praça de Ceuta, no que tem sido geralmente considerado o símbolo da expansão atlântico-índica portuguesa - e europeia - sendo também o primeiro e grande passo no caminho da globalização empreendido pelo Homem.
Recordemos que um decreto de 1912 do Governo da jovem República Portuguesa estabelecia um programa de Celebração nacional do V Centenário da tomada de Ceuta (e do IV Centenário da morte de Afonso de Albuquerque) nomeando para o executar uma Comissão oficial presidida pelo prestigiado intelectual Ansemo Braamcamp Freire.
Tal como mencionei oportunamente nestas páginas, o Estado Novo não desperdiçou oportunidades comemorativas não só em 1940 (Nacionalidade e Restauração) como em 1960 (Henriquinas), neste caso já então incapaz de antever o que se pressentia no horizonte do tempo, mas não hesitando em relembrar datas históricas e mesmo assim conseguindo algum impacto internacional.
Com uma antecedência semelhante à que ocorreu entre 1912 e 1915 teria havido tempo para se reflectir que tipo de comemoração seria o mais apropriado, por exemplo lembrando à Europa - e pelo menos às Américas - o papel de Portugal enquanto impulsionador dos contactos sistemáticos entre os continentes, num modelo comemorativo ajustado às novas realidades no quadro mundial.
Estou certo de que as Academias que não esqueceram o centenário da conquista de Ceuta e que a tal efeméride têm dedicado diversas iniciativas já desde o ano passado não terão deixado de oportunamente propor ao Governo e à Assembleia da República o adequado estudo do modelo de comemorações, sugerindo por certo diversas hipóteses, e que de tais propostas terão dado conhecimento ao Presidente da República, aos Partidos políticos sem representação parlamentar, e aos principais meios de informação pública.
Mesmo que porventura não o tenham feito, é lamentável - e triste - que os altos responsáveis políticos, com os seus múltiplos gabinetes de estudo e de apoio, aparentemente nada tenham concretizado quanto a um assunto de tanta relevância, pois Portugal não se deve esquecer da sua História, mesmo que por vezes pautada por aspectos menos felizes.
Sejamos claros: tais altos responsáveis deveriam ter a coragem suficiente para explicar à Nação as razões que os levaram a esta inacção - e, já agora, que o façam no dia 21 de Agosto, dia do VI centenário da tomada de Ceuta.
16.Agosto.2015.
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Que me desculpem os prezados leitores, mas entendo que não devo deixar de voltar a referir a espantosa inacção do nosso país no que respeita a uma condigna comemoração do VI Centenário da Expedição a Ceuta.
Completaram-se em 18 de Julho 600 anos sobre a data em que uma poderosa Armada largou do Tejo sob o comando do próprio Rei de Portugal, acompanhado por seus filhos, para um mês depois o Exército nela transportado tomar de assalto a praça de Ceuta, no que tem sido geralmente considerado o símbolo da expansão atlântico-índica portuguesa - e europeia - sendo também o primeiro e grande passo no caminho da globalização empreendido pelo Homem.
Recordemos que um decreto de 1912 do Governo da jovem República Portuguesa estabelecia um programa de Celebração nacional do V Centenário da tomada de Ceuta (e do IV Centenário da morte de Afonso de Albuquerque) nomeando para o executar uma Comissão oficial presidida pelo prestigiado intelectual Ansemo Braamcamp Freire.
Tal como mencionei oportunamente nestas páginas, o Estado Novo não desperdiçou oportunidades comemorativas não só em 1940 (Nacionalidade e Restauração) como em 1960 (Henriquinas), neste caso já então incapaz de antever o que se pressentia no horizonte do tempo, mas não hesitando em relembrar datas históricas e mesmo assim conseguindo algum impacto internacional.
Com uma antecedência semelhante à que ocorreu entre 1912 e 1915 teria havido tempo para se reflectir que tipo de comemoração seria o mais apropriado, por exemplo lembrando à Europa - e pelo menos às Américas - o papel de Portugal enquanto impulsionador dos contactos sistemáticos entre os continentes, num modelo comemorativo ajustado às novas realidades no quadro mundial.
Estou certo de que as Academias que não esqueceram o centenário da conquista de Ceuta e que a tal efeméride têm dedicado diversas iniciativas já desde o ano passado não terão deixado de oportunamente propor ao Governo e à Assembleia da República o adequado estudo do modelo de comemorações, sugerindo por certo diversas hipóteses, e que de tais propostas terão dado conhecimento ao Presidente da República, aos Partidos políticos sem representação parlamentar, e aos principais meios de informação pública.
Mesmo que porventura não o tenham feito, é lamentável - e triste - que os altos responsáveis políticos, com os seus múltiplos gabinetes de estudo e de apoio, aparentemente nada tenham concretizado quanto a um assunto de tanta relevância, pois Portugal não se deve esquecer da sua História, mesmo que por vezes pautada por aspectos menos felizes.
Sejamos claros: tais altos responsáveis deveriam ter a coragem suficiente para explicar à Nação as razões que os levaram a esta inacção - e, já agora, que o façam no dia 21 de Agosto, dia do VI centenário da tomada de Ceuta.
16.Agosto.2015.
Laudato si, Francisco.
Louvado sejas, Francisco, por teres corajosamente publicado a carta encíclica que começa precisamente com a expressão com que Francisco de Assis iniciou o cântico em que louva a Terra que nos acolhe e a todos os seres vivos, e que passaste a designar por nossa “casa comum”.
Por certo que muitos de nós, não seguidores da tua religião, reconhecerão a justeza das tuas palavras no que elas contêm de universal, compreendendo obviamente que tenhas aconselhado um caminho para a vida associado à tua fé mas ao qual não se sentem inclinados a aderir.
Permite-me porém algumas observações que visam principalmente procurar completar propostas - recomendações – algumas das quais se chocam com conceitos que advêm da interpretação que a tua religião (e muitas outras) fazem quanto a ideias de eternidade e que estão profundamente ligadas a convicções derivadas dos fundamentos das crenças que as marcam.
Começaria então por referir que temos que pensar que mais do que numa casa comum nós estamos num “navio” que voga no espaço e que daqui a alguns milhares de milhões de anos provavelmente naufragará arrastando consigo os poucos seres vivos que ainda porventura nele existam.
E que devemos admitir a possibilidade de num prazo mais curto, que tanto poderá ser de algumas centenas de milhares de anos como de apenas uns poucos milhares, deixar de haver condições para que a vida humana prossiga tal como a conhecemos no seu estádio actual bem como no modo como temos observado a sua transformação desde o início da revolução industrial – e em particular das evoluções informático-robótica e na área das implantações de tipo biológico.
Tais condições, Francisco, podem ser profundamente alteradas caso não sejam seguidos os sábios conselhos que formulas quanto à preservação e aperfeiçoamento da nossa "casa comum", em "causa comum" que permita ganharmos tempo para nos podermos dedicar à nobre tarefa de pesquisarmos soluções que possibilitem a preservação da vida assim que surjam os primeiros sinais de que esta nossa nave poderá vir a sossobrar.
Será talvez ambição excessiva almejarmos medidas abrangentes para um eco-sistema complexo e em constante mutação, mas o Homem pode e deve procurar pelo menos soluções que permitam evitar que a sua espécie se extinga quer na sua versão actual de Homo Sapiens Sapiens, ou quiçá de "Homo Informaticus", pois seria triste pensarmos que poderia desaparecer este tipo de ser vivo, capaz de usar o conhecimento para viver melhor - e eventualmente encontrar uma forma de preservar no espaço a sua espécie quando esta nave, a sua casa comum, um dia naufragar.
Francisco: mostraste um caminho e assumiste-te como um dos maiores dirigentes mundiais - apenas e paradoxalmente limitado pelo teu credo.
Laudato si.
9.Agosto.2015.
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Louvado sejas, Francisco, por teres corajosamente publicado a carta encíclica que começa precisamente com a expressão com que Francisco de Assis iniciou o cântico em que louva a Terra que nos acolhe e a todos os seres vivos, e que passaste a designar por nossa “casa comum”.
Por certo que muitos de nós, não seguidores da tua religião, reconhecerão a justeza das tuas palavras no que elas contêm de universal, compreendendo obviamente que tenhas aconselhado um caminho para a vida associado à tua fé mas ao qual não se sentem inclinados a aderir.
Permite-me porém algumas observações que visam principalmente procurar completar propostas - recomendações – algumas das quais se chocam com conceitos que advêm da interpretação que a tua religião (e muitas outras) fazem quanto a ideias de eternidade e que estão profundamente ligadas a convicções derivadas dos fundamentos das crenças que as marcam.
Começaria então por referir que temos que pensar que mais do que numa casa comum nós estamos num “navio” que voga no espaço e que daqui a alguns milhares de milhões de anos provavelmente naufragará arrastando consigo os poucos seres vivos que ainda porventura nele existam.
E que devemos admitir a possibilidade de num prazo mais curto, que tanto poderá ser de algumas centenas de milhares de anos como de apenas uns poucos milhares, deixar de haver condições para que a vida humana prossiga tal como a conhecemos no seu estádio actual bem como no modo como temos observado a sua transformação desde o início da revolução industrial – e em particular das evoluções informático-robótica e na área das implantações de tipo biológico.
Tais condições, Francisco, podem ser profundamente alteradas caso não sejam seguidos os sábios conselhos que formulas quanto à preservação e aperfeiçoamento da nossa "casa comum", em "causa comum" que permita ganharmos tempo para nos podermos dedicar à nobre tarefa de pesquisarmos soluções que possibilitem a preservação da vida assim que surjam os primeiros sinais de que esta nossa nave poderá vir a sossobrar.
Será talvez ambição excessiva almejarmos medidas abrangentes para um eco-sistema complexo e em constante mutação, mas o Homem pode e deve procurar pelo menos soluções que permitam evitar que a sua espécie se extinga quer na sua versão actual de Homo Sapiens Sapiens, ou quiçá de "Homo Informaticus", pois seria triste pensarmos que poderia desaparecer este tipo de ser vivo, capaz de usar o conhecimento para viver melhor - e eventualmente encontrar uma forma de preservar no espaço a sua espécie quando esta nave, a sua casa comum, um dia naufragar.
Francisco: mostraste um caminho e assumiste-te como um dos maiores dirigentes mundiais - apenas e paradoxalmente limitado pelo teu credo.
Laudato si.
9.Agosto.2015.
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Catalisadores e transformações políticas.
Diversos exemplos demonstram o papel dos catalisadores nas transformações de natureza política que sem a sua existência evoluiriam muito gradualmente, e em muitos casos não na direcção que acabaria por ser imprimida às reacções sociais na sequência de tais detonadores.
Em Portugal temos exemplos relativamente recentes de tais fenómenos, dos quais o mais saliente foi o movimento militar de 25 de Abril de 1974, que originou uma profunda modificação na sociedade portuguesa e nos territórios coloniais que ascenderam posteriormente à independência.
Outros houve, sendo igualmente relevante a tentativa de golpe de Estado de 11 de Março de 1975, que acabou por desempenhar um papel catalisador contrário aos objectivos desejados pelos seus autores.
Também, e com grande relevância, assume características algo semelhantes a sublevação de paraquedistas ocorrida na segunda quinzena de Novembro de 1975, que acabou por actuar como detonador de uma reacção militar com cobertura institucional em 25 de Novembro, neutralizando o poder político que vinha a crescer depois dos acontecimentos de 11 de Março.
Mais recentemente temos um exemplo de uma intenção política que actuou como catalisador de uma forte manifestação pública de oposição aos seus propósitos: o anúncio, há cerca de três anos, da descida da Taxa Social Única para as entidades patronais em paralelo com a subida de tal taxa para os trabalhadores, levando ao recuo governamental.
Outros exemplos há em que situações propícias a terem um efeito catalítico de uma grande modificação acabaram por não o provocar, tendo sido uma delas a falta de uma política apropriada para evitar a invasão militar do então Estado da Índia, cujos reflexos nas Forças Armadas portuguesas deixaram marcas profundas - porém não as suficientes para a deposição do poder político de então.
E não é por acaso que o imobilismo social em Portugal tem vindo a coabitar com o cada vez maior número de observadores que se apresentam como defensores de profundas modificações no sistema político, mas que nada conseguem dada a defesa intransigente do modelo actual por parte nomeadamente dos partidos políticos - que só se reformariam caso e quando aparecesse um fenómeno indutor de catalisação apropriada.
A nível mundial não é possível, como é evidente, prever-se quando poderão surgir fenómenos de catalisação nem em que direcção produzirão efeitos, mas apenas pressentir-se esta ou aquela área onde poderão surgir dado haver condições para a sua eclosão.
Angola, Venezuela, Brasil, África do Sul e China aparecem como hipóteses mais prováveis, mas nada exclui a sempre surpreendente França de vir a aparecer em tal grupo - e a Grécia poderá talvez contribuir para se apresentar como detonador de uma crise no seio da União Europeia.
E, claro, depois das catálises aparecem as inevitáveis análises.
2.Agosto.2015.
Diversos exemplos demonstram o papel dos catalisadores nas transformações de natureza política que sem a sua existência evoluiriam muito gradualmente, e em muitos casos não na direcção que acabaria por ser imprimida às reacções sociais na sequência de tais detonadores.
Em Portugal temos exemplos relativamente recentes de tais fenómenos, dos quais o mais saliente foi o movimento militar de 25 de Abril de 1974, que originou uma profunda modificação na sociedade portuguesa e nos territórios coloniais que ascenderam posteriormente à independência.
Outros houve, sendo igualmente relevante a tentativa de golpe de Estado de 11 de Março de 1975, que acabou por desempenhar um papel catalisador contrário aos objectivos desejados pelos seus autores.
Também, e com grande relevância, assume características algo semelhantes a sublevação de paraquedistas ocorrida na segunda quinzena de Novembro de 1975, que acabou por actuar como detonador de uma reacção militar com cobertura institucional em 25 de Novembro, neutralizando o poder político que vinha a crescer depois dos acontecimentos de 11 de Março.
Mais recentemente temos um exemplo de uma intenção política que actuou como catalisador de uma forte manifestação pública de oposição aos seus propósitos: o anúncio, há cerca de três anos, da descida da Taxa Social Única para as entidades patronais em paralelo com a subida de tal taxa para os trabalhadores, levando ao recuo governamental.
Outros exemplos há em que situações propícias a terem um efeito catalítico de uma grande modificação acabaram por não o provocar, tendo sido uma delas a falta de uma política apropriada para evitar a invasão militar do então Estado da Índia, cujos reflexos nas Forças Armadas portuguesas deixaram marcas profundas - porém não as suficientes para a deposição do poder político de então.
E não é por acaso que o imobilismo social em Portugal tem vindo a coabitar com o cada vez maior número de observadores que se apresentam como defensores de profundas modificações no sistema político, mas que nada conseguem dada a defesa intransigente do modelo actual por parte nomeadamente dos partidos políticos - que só se reformariam caso e quando aparecesse um fenómeno indutor de catalisação apropriada.
A nível mundial não é possível, como é evidente, prever-se quando poderão surgir fenómenos de catalisação nem em que direcção produzirão efeitos, mas apenas pressentir-se esta ou aquela área onde poderão surgir dado haver condições para a sua eclosão.
Angola, Venezuela, Brasil, África do Sul e China aparecem como hipóteses mais prováveis, mas nada exclui a sempre surpreendente França de vir a aparecer em tal grupo - e a Grécia poderá talvez contribuir para se apresentar como detonador de uma crise no seio da União Europeia.
E, claro, depois das catálises aparecem as inevitáveis análises.
2.Agosto.2015.
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Sim, passam hoje 600 anos sobre a data em que uma poderosa Armada largou do Tejo numa expedição que seria coroada pela conquista de Ceuta, operação geralmente associada ao início da expansão naval e militar portuguesa, episódio a que me referi nestas páginas há duas semanas - na vã esperança de alertar para tal facto quer o Presidente da República, a Assembleia da República, o Primeiro-Ministro, ou mesmo os Partidos políticos - além dos meios de informação pública.
Nem sequer uma referência por parte de tais entidades.
Que contraste com o sucedido em 1915, em que aliás se comemoraram igualmente 400 anos sobre a morte de Afonso de Albuquerque, e com as Comemorações do V Centenário do falecimento do Infante D.Henrique, que tiveram larga expressão e participação internacional !
Um acto em que o Rei e os seus filhos embarcaram na esquadra que iria marcar um novo e fulgurante período da nossa História, assinalado apenas e ao longo deste ano (e não no dia de hoje) por algumas Academias e publicações de Investigadores e outros interessados, longe portanto do lustre nacional e internacional que deveriam ter suscitado.
Mesmo que alguns historiadores não atribuam a D.João I, com a conquista de Ceuta, uma intenção de expansão atlântica visando o Índico, mas apenas a consolidação da sua nova dinastia e o controle das saídas do Mediterrâneo, não parece haver dúvidas de que o sucesso da ocupação de Ceuta permitiu a abertura de novos horizontes, marcando decisivamente o início de uma globalização que iria transformar o Mundo.
Ainda resta a remota possibilidade de se comemorar a conquista de Ceuta, no mês de Agosto - fraca consolação para quem pensa que nada terá havido de mais simbólico do que a largada de uma esquadra com um ambicioso projecto imperial, e que deveria ter sido recordada aos portugueses - e ao Mundo.
Pobre país, que tais dirigentes tem.
25.Julho.2015.
_________________________________________
O "EuroGrupo".
Os recentes episódios relacionados com o Euro e a Grécia suscitaram diversas observações sobre o vazio legal do chamado Eurogrupo, constituído pelos ministros das Finanças dos Estados-membros que adoptaram o Euro como moeda, e que até tem um Presidente eleito pelos seus pares.
É certo que os Tratados que regulam a União Europeia prevêem a existência de um Conselho dos ministros dos Estados-membros que se reúne de acordo com as diversas áreas governativas, entre as quais a dos assuntos económico-financeiros; e nesta apenas participam - no caso de assuntos que envolvem a moeda comum - os ministros dos Estados que a adoptaram, mas não estando prevista a existência de um Presidente, nem sequer a de um porta-voz.
Temos assim, sob o ponto de vista institucional, um "Conselho" (de ministros por áreas de intervenção das respectivas pastas, e em que o de Ministros da área económico-financeira costuma ser designado por "EcoFin"), e o Conselho Europeu (dos Chefes de Estado ou de Governo), competindo a este, por exemplo, adoptar as orientações gerais das políticas económicas dos Estados-
-Membros e da União, sob propostas do Conselho (de Ministros) e mediante recomendações da Comissão Europeia.
O cidadão europeu interrogar-se-à por certo sobre o modo de funcionamento de tal sistema no caso dos Estados da zona Euro, pois deduzirá que há reuniões de ministros em que só participam alguns, e que o Presidente do Conselho respectivo poderá não participar nelas por não pertencer a um dos Estados-membros que adoptaram o Euro...
Por outro lado, nas reuniões do Conselho Europeu (de chefes de Estado ou de Governo) debater-se-ão questões que por respeitarem ao Euro acabam por ter impacto nas políticas económicas de todos os Estados, sendo lícito admitir-se então a respectiva intervenção nas discussões que tenham lugar, e que no caso vertente deverão ter conclusões adoptadas por consenso ou por unanimidade.
"Compreender-se-à melhor", assim, a confusão que terá reinado em Bruxelas no passado fim-de-semana, e aumentarão certamente as dúvidas sobre se a criação do Euro terá tido o efeito centrípeto e aglutinador de uma maior - e melhor - união de Estados, ou se a criação de uma entidade que regulasse a movimentação de capitais e a fiscalidade, no quadro das diferentes moedas nacionais, não teria sido uma opção preferível.
Estas questões, porque interferem com a solidez do Euro, e com a sobrevivência da União Europeia, que dificilmente poderá voltar atrás no que respeita à adopção da moeda única, merecem uma solução arrojada no que respeita à respectiva compatibilização com os diversos graus de desenvolvimento das economias de cada um dos Estados-membros.
Solução que passa pelo aumento do investimento público-privado europeu, e pelo reajustamento do Tratado orçamental face às dívidas soberanas - decisões que requerem políticas corajosas, e cada vez mais inadiáveis.
19.Julho.2016.
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Ceuta: um centenário quase esquecido?
Nos próximos dias completam-se 600 anos sobre o início da expansão marítima e colonial portuguesa, geralmente associado à partida da Armada que sob o comando do próprio Rei de Portugal, D.João I, viria a ocupar, algumas semanas depois, a cidade de Ceuta.
Com excepção de algumas iniciativas dispersas, nomeadamente da Sociedade de Geografia de Lisboa, Academia de Marinha, e Instituto D.João de Castro, parece ter caído um manto de esquecimento colectivo sobre o episódio que caracterizou o começo de uma mudança profunda na vida de Portugal até há poucas décadas, e cujos reflexos marcaram o início da globalização.
Poder-se-ia pensar que motivos de relacionamento internacional estariam na origem de um tal recolhimento, como se fosse indigno de Portugal recordar a sua História, mesmo que pautada por erros de estratégia ou de comportamento para com outros povos.
Mas o facto é que o próprio Município de Ceuta está a dar grande relevo à data da tomada de Ceuta, mesmo num contexto sensível decorrente das reivindicações marroquinas sobre o enclave, enquanto que em Portugal não há aparentemente, salvo alguns colóquios de cariz universitário e novos livros de investigação sobre o tema, manifestações adequadas promovidas pelos altos responsáveis políticos, nomeadamente o Presidente da República, a Presidente da Assembleia da República, e o Primeiro-Ministro - e pelos principais Partidos Políticos, bem como por anunciados ou pressentidos candidatos à eleição presidencial.
É assim esquecida uma oportunidade para que colectivamente recordemos o passado, e se aproveite um momento tão particular para de novo se discutir o futuro.
Portugal tem que acordar.
E deve também, responsável que foi por um passo inicial tão importante como o foi o dado com a partida para Ceuta, procurar ajudar a motivar a Europa a encontrar um novo caminho no Mundo - e para o Mundo.
12.Julho.2015.
(Revisto em 16.Julho.2015).
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Um caminho para a Europa.
Já por diversas vezes me tenho referido nestas páginas à falta que os cidadãos da União Europeia sentem de um projecto para a Europa, apesar de os mais recentes Tratados o conterem de uma maneira bem clara nos seus preâmbulos e artigos definidores.
Independentemente dos aperfeiçoamentos que se antevêem como necessários, o que os cidadãos também constatam é a falta de dirigentes políticos que lhes proponham caminhos que permitam a concretização do projecto que subscreveram, bem como os ajustamentos que para tal sejam necessários.
Nos 5 anos que mediaram entre a queda do muro de Berlim e a assinatura do Tratado da União Europeia houve uma pessoa que desempenhou tal papel, e que apesar de alguns erros cometidos conseguiu imprimir à construção de tal união um decisivo impulso: J.Delors.
Interpretou muito bem o papel que Comissão Europeia tinha como "entidade motora" em tal processo, identificando com clareza as acções para tal necessárias, em contraste assim com as apagadas personalidades que lhe sucederam cuja principal preocupação sempre pareceu ser a busca de um bom cargo após o termo das suas funções.
Agora, a escassos dias de completar 90 anos, vem (em co-autoria com P.Lamy e A.Vitorino), propor de um modo simples e lógico três acções para resolver os problemas suscitados pela situação na Grécia: "em primeiro lugar, uma ajuda financeira razoável que permita restaurar a sua solvência a curto prazo.
A seguir, uma mobilização dos instrumentos da UE para reanimar a economia helénica e fazê-la regressar ao crescimento; e, finalmente, colocar rapidamente na agenda a análise do peso da dívida grega e das dívidas dos outros 'países sob-programa", acrescentando que "só um plano global assim pode abrir perspectivas de esperança e de mobilização para o povo grego e as suas autoridades e, dessa forma, comprometê-los com o esforço de reconstrução de que o país precisa e de que a UE beneficiará", pois "o problema da Grécia não é apenas nacional" porque "tem e terá efeitos em toda a Europa", pelo que a questão não se limita "a medir as consequências económicas e financeiras", mas de "perceber a evolução da Grécia numa perspectiva geopolítica como um problema europeu".
J.Delors mostra assim que os europeus devem deixar de eleger "anões políticos" para conduzir os seus destinos.
5.Julho.2015.
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(Nem Ata nem desata. Acordo ou sonho ?)
Conforme noticiado recentemente, discordâncias no seio da CPLP sobre o "acordo ortográfico", nomeadamente quanto ao uso da palavra "ata" a propósito do texto final sobre a XIV Conferência dos Ministros da Justiça, obrigaram ao uso de duas grafias na respectiva acta.
Parece assim oportuno suscitar-se uma vez mais a revisão da utilidade de um "acordo" que como se acaba de constatar está no seu estertor de morte.
E, independentemente de outras iniciativas que por certo surgirão, será útil recordar-se que o Provedor de Justiça pode requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de ilegalidade de normas, nos termos do artigo 281.º, números 1 e 2, alínea d), da Constituição.
A propósito de tais competências é útil a transcrição dos seguintes trechos de um artigo da autoria do actual Provedor (escrito antes de ocupar o seu presente cargo) e de Francisco Ferreira de Almeida, publicado em 13 de Fevereiro de 2012:
" Por força do art. 8.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, a vigência internacional de um tratado é condição da sua vigência interna. Ora, no plano internacional, um tratado entra em vigor logo que o consentimento a ficar vinculado por ele (através do acto de ratificação) seja manifestado por todos os Estados que hajam intervindo na respectiva negociação (cfr. art. 24.º, n.º 2 da Convenção de Viena Sobre o Direito dos Tratados, de 1969 - CV). Admite-se, é certo, no n.º 1 da mesma disposição, a possibilidade de as partes convirem numa solução diversa, designadamente a da entrada em vigor da convenção internacional em causa no momento em que se atinja um determinado número de ratificações. Sucede, todavia, que tal solução, apresentando-se como perfeitamente concebível para tratados multilaterais gerais, não parece feita à feição de tratados com um número limitado de partes... E, muito em particular, de um tratado com as especificidades do AO, em que claramente se sobrepuja o imperativo de que ele constitua uma totalidade solidária... De resto, um regime jurídico diferenciado, v. g., em matéria de adesão, de formulação de reservas, de eventual produção de efeitos para Estados terceiros, etc., acaba por singularizar, face aos demais, este tipo de pactos multilaterais restritos.
Acresce que do acto de autenticação (ou assinatura) de um tratado internacional decorrem certos efeitos jurídicos. De entre eles, o da inalterabilidade do texto (art. 10.º da CV) e o do dever geral de boa-fé (art. 18.º da CV),
traduzindo-se este último num dever de abstenção de actos que atentem contra o objecto ou fim da convenção.
Pois bem, se por um lado o II Protocolo Modificativo do AO, de Julho de 2004, ao arrepio daquele primeiro sentido normativo, alterou, em parte, a redacção originária do AO, fazendo, do mesmo passo, letra morta do n.º 4 do art. 24.º da CV, que considera obrigatórias, desde a adopção do texto, as cláusulas relativas às modalidades da entrada em vigor, por outro - o que se nos afigura bem mais grave - consubstanciou justamente um acto (concertado!) que malogrou, sem apelo nem agravo, o objecto e a finalidade do tratado. Com efeito, não se vê como o propósito assumido da criação de uma ortografia unificada para o português possa ser alcançado com o consentimento à vinculação a ser exprimido por apenas três dos oito Países de Língua Oficial Portuguesa. Tratar-se-ia, a nosso ver, de uma verdadeira contradictio in terminis que confrangeria passar em claro, não fora a circunstância de, em 2004, se ter procurado, pura e simplesmente, encontrar uma solução expeditiva - imponderadamente inspirada numa suposta prática da CPLP - para a entrada em vigor, a todo o transe, do AO.
Nessa ocasião, Portugal acabaria, ironicamente, por postergar normas constantes da CV a que se vinculara pouco tempo antes por Decreto do Presidente da República, n.º 46/2003, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 181, de 7 de Agosto de 2003... ".
E, a concluir, é referido no citado artigo o seguinte:
"Com isto se demonstra, julgamos, que no próprio interesse dos "turiferários" do chamado AO - indiferentes aos argumentos da diversidade, da etimologia, da sonoridade e da estética da língua, reiteradamente brandidos pelos seus opositores - se justifica, quanto antes, sobrestar na decisão de o considerar já em vigor (em vigor, mas como?), porquanto tal hipotético assomo de clarividência equivaleria, bem vistas as coisas, à prática de um acto destinado à preservação da sua integridade - outro dos corolários do aludido dever geral de boa-fé que impende sobre os signatários de uma convenção internacional."
É assim, lícito, dada a opinião expendida que acabo de transcrever, que seja sugerido ao Provedor que pondere a eventualidade de exercer desde já as competências que lhe são conferidas pela Lei, requerendo ao Tribunal Constitucional a declaração de ilegalidade das normas que visam a entrada em vigor do designado "Acordo ortográfico".
28,Junho.2015.
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Têm continuado a vir ao conhecimento público diversas informações sobre actos processuais sobre os quais impende segredo de justiça.
As mais recentes e com maior notoriedade referem-se a transcrições de interrogatórios conduzidos pelo Procurador da República Jorge Rosário Teixeira, publicadas na revista "Sábado" e obtidas - como a própria revista refere - a partir de gravação pelo Ministério Público feita no DCIAP (Departamento Central de Investigação e Acção Penal).
Sendo certo que no ordenamento jurídico português o segredo de justiça deve ser excepção e não a regra geral, a respectiva violação deveria ser seguida com particular atenção pelas entidades responsáveis pela defesa da legalidade democrática, nomeadamente o Ministério Público, pois constituiria um crime.
No caso vertente importa realçar que além da sua eventual imputação apenas (infelizmente como tem sido habitual) aos responsáveis - segundo a Lei da Imprensa - da revista, parece muito mais relevante o facto de esta ter conseguido obter uma gravação feita no próprio departamento investigador, organismo pertencente ao Ministério Público.
Tratando-se da segunda transcrição publicada por aquela revista semanal, seria lícito esperar-se que entretanto já tivesse vindo a público adequado esclarecimento sobre os procedimentos que a Procuradoria-Geral por certo já terá determinado face a uma evidente violação do segredo de justiça aparentemente iniciada a partir de um organismo sob a sua égide.
Não se espera que seja o próprio departamento a entidade designada para investigar o assunto, pois existe uma "Inspecção do Ministério Público", nem se deseja o mero anúncio habitual da instauração de um "rigoroso" inquérito - como se os inquéritos não pudessem deixar de ser "rigorosos".
O que se deseja - para além da revisão do conceito de "segredo de justiça" - é que a Procuradoria procure, e que o Ministério Público exerça correctamente as suas funções.
E que haja quem zele pelo regular funcionamento das instituições democráticas.
21.Junho.2015.
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Um Tratado mal tratado,
Acabam de se completar 30 anos sobre a data em que Portugal assinou o Tratado de adesão às Comunidades Europeias, em cerimónia que no Mosteiro dos Jerónimos simbolizava também o inevitável fim do seu império colonial, tal como o do predomínio expansionista das potências europeias, incapazes de o sustentar após ferozes conflitos de que todas - umas menos que outras - tinham saído perdedoras,
Portugal beneficiou então e durante cerca de 15 anos das circunstâncias favoráveis proporcionadas pelos fluxos de fundos de apoio de que passou a dispor, mas tal como a generalidade dos Estados-membros da União Europeia foi depois envolvido num processo de alguma desagregação política que se tem vindo a acentuar, e cujas origens penso remontarem aos anos 50, quando as fundações comunitárias não tiveram a ambição de ir além da criação - necessária e fundamental, acentue-se - da Comunidade do Carvão e do Aço, e do Mercado Comum.
Ou seja, procurou-se evitar a guerra através da administração comum do carvão e do aço, e construir a paz pela interpenetração das trocas comerciais - esquecendo o fomento dos contactos interpessoais, em que às débeis tentativas relativas à mobilidade dos trabalhadores se juntou a falta de ambição na de estudantes, pese embora a criação do modelo Schengen como condição necessária para quaisquer tentativas de fomento da comunicação entre cidadãos.
Tivesse havido a visão para por exemplo aumentar a duração do tempo do programa Erasmus, bem como para estender o seu âmbito a muitíssimo mais estudantes, e também a jovens trabalhadores, e a Europa daqui a alguns anos pensaria de modo diferente e haveria por certo uma União Europeia mais solidária.
Não é assim de admirar que as Nações existentes na União Europeia procurem cada vez mais em si mesmas as soluções para os seus problemas, mais do que no recurso a mecanismos de cooperação, e que não haja políticas verdadeiramente comuns de defesa, de segurança, ou de relações externas.
E contudo Portugal teve oportunidades parar tentar um impulso qualitativo visando o aperfeiçoamento da União: na preparação final do Tratado de Lisboa (em que lhe coube a Presidência da União), e nos mais recentes 10 anos, em que foi um português o Presidente da Comissão Europeia.
Um Tratado mal tratado, por falta de apropriada ambição, e de uma adequada competência ?
13.Junho.2015.
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Desporto profissional, dependência, e alienação.
Hesitei antes de abordar o tema das relações entre o espectáculo desportivo profissional e a dependência e alienação das realidades provocadas por este tipo de manifestações, mas considerei que não deveria deixar de voltar a tentar apelar ao bom senso e a mostrar o exagero em que se tem caído no quase endeusamento dos principais actores de tais exibições.
Como já o fiz em textos anteriores, publicados nestas net-páginas, volto a afirmar que tem vindo a aumentar a alienação relativa a este tipo de espectáculos, que se aproximam muito mais de desempenhos circences em que as compras de artistas mais qualificados, e dos seus treinadores" (quase diria "tratadores"...) são determinantes para o sucesso financeiro das empresas que os sustentam, eufemisticamente designadas por "clubes".
Tais empresas jogam habilmente com o lado emocional das pessoas que por motivos que têm muito de irracional resolvem aderir à condição de simpatizantes, mesmo de "militantes" - por vezes ferozes - das associações que se dedicam principalmente ao fomento de demonstrações "desportivas".
O seguidismo relativamente a uma empresa "desportiva" faz esquecer que o factor nele determinante é o sucesso de uma actividade empresarial que recorre a meios financeiros cuja origem e ligações são frequentemente associadas a negócios menos claros, como se constatou recentemente a nível mundial com o futebol profissional, em que os quantitativos financeiros circulantes são avultadíssimos.
E, claro, também a nível nacional, com o recente episódio de um treinador de futebol contratado num quadro em que os números envolvidos são exorbitantes, e em que os pormenores das negociações são rocambolescos.
As consequências da alienação colectiva à volta destas situações fazem esquecer que jogadores e treinadores, "comprados" por empresários que depois os "vendem" aos donos de "empresas desportivas" - sejam eles indivíduos como ocorre cada vez mais com árabes, russos, e outros novos-ricos, ou empresas cotadas em bolsa - defrontarão numa época os que já foram seus colegas ou colaboradores em situações anteriores.
E não devemos deixar de recordar as marchas "legionárias" de adeptos, entoando canções obscenas e envolvendo-se em lutas cujos resultados são muitas vezes bem funestos, ou procedendo a selváticas destruições de bens materiais, bem como as provocações e infindáveis discussões televisivas sobre o pormenor de uma situação de golo, alimentadas por juristas e profissionais liberais que quase se insultam mutuamente, contribuindo para a criação de ambientes de ódio em vez de pugnarem por uma sã convivência.
Esperemos entretanto que os cidadãos vão progressivamente compreendendo que estão - também no âmbito dos espectáculos "desportivo-profissionais" - a ser alvo de manipulações sobre o seu pensamento que visam fazê-los esquecer outras questões mais candentes.
7.Junho.2015.
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Internet, informação, e comunicação.
A importante companhia Cisco, relevante a nível mundial em matéria de redes de comunicação electrónica, acaba de publicar um estudo sobre tendências no desenvolvimento da Internet.
São números impressionantes, que apontam para que dentro de 4 ou 5 anos a circulação de videos ocupe 80% do tráfego, e que os dispositivos sem fios sejam duas vezes mais que os clássicos, aumentando até 11 vezes, em 2019, relativamente a 2014.
Independentemente dos números relativos a aspectos comerciais e financeiros, bem como a comparações entre grandes áreas geográficas, o que mais me reteve a atenção, sob o ponto de sociológico, foi precisamente o que citei ao início: o crescimento do video, e o dos dispositivos móveis.
Tudo leva a crer que caminhamos assim para uma sociedade em que os indivíduos se tornem progressivamente mais autónomos no processo de obtenção e transmissão de informação, e em que a componente audio-visual prevaleça sobre a escrita.
Nesta, novos programas como o Netflix e o Periscope permitem a transmissão directa de video a partir de um dispositivo móvel, levando inevitavelmente à prevalência deste tipo de comunicações sobre as que se baseiam na transmissão de informação escrita, podendo talvez vir a reduzir igualmente e em breve prazo o fluxo das comunicações telefónicas clássicas.
Cabe assim reflectir, uma vez mais, sobre os conceitos de informação e de comunicação - este último associado à perspectiva de diálogo directo, face a face, sem a intermediação de um dispositivo tecnológico - e o respectivo papel na evolução socio-política.
Sendo certo que caminhamos para uma sociedade mais informada, não é evidente que venha a ser melhor informada, pois é de admitir que o predomínio da circulação audio-visual retire espaço à transmissão de informação de mais qualidade e em que a componente escrita - que permite uma melhor reflexão sobre o que se lê e o que se passa a texto - perca parte da sua importância relativamente à que se processa em termos audio-visuais.
Não será assim difícil pressentir que o predomínio dos meios de informação audio-visual se poderá vir a reflectir cada vez mais sobre o modo de escolha dos representantes políticos, assumindo crescente importância o papel daqueles meios na transmissão da respectiva propaganda eleitoral, em que a prevalência do conceito de representação e de delegação de poderes tende a deixar para trás as formas de participação directa na vida política.
A consciência da encenação que decorre do exercício do poder político obtido em tais circunstâncias obriga a que os cidadãos devam procurar obter formas de escolha dos seus representantes em que o diálogo face a face, e a observação directa do comportamento dos que elegem, sejam determinantes para a formulação das suas opiniões.
Ou seja, dando prioridade à comunicação directa, inter-pessoal, nos processos eleitorais, em detrimento dos métodos que tenham subjacentes tentativas de manipulação do pensamento.
31.Maio.2015.
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Tsushima - o primeiro sinal.
Tsushima - o primeiro sinal.
Completam-se depois de amanhã 110 anos sobre a batalha naval de
Tsushima, em que a Marinha japonesa aniquilou uma importante esquadra russa, o
que constituiu a primeira vitória significativa de um Estado não europeu sobre
uma potência ocidental.
Foi o primeiro sinal inequívoco de que estavam a mudar os ventos da
História, após cerca de 500 anos sobre o início da expansão via marítima de
diversos países europeus, de que Portugal foi o primeiro exemplo mais significativo.
250 anos passaram desde o início da ocupação de novos territórios em
África e nas Américas para que estas iniciassem o caminho das suas
independências, percurso terminado em cerca de 100 anos.
No século XIX assiste-se igualmente à abolição formal da escravatura, e
à partilha do continente africano pelas potências coloniais, bem como à
redistribuição no continente asiático das zonas de suserania exterior sobre
Estados e Nações, tentando a Europa - e os EUA - assegurar o que pensariam ser
uma divisão definitiva do globo em termos de áreas de influência.
O final do séc.XIX e o princípio do seguinte foram assim abalados,
quando tudo se desenhava no espírito das potências dominantes no sentido de uma
estabilização das fronteiras entre Estados e da redistribuição de área de
domínio ou de influência, pela derrota da Rússia face ao Japão, num primeiro
aviso de que a expansão conseguida não poderia ser mantida por muito tempo.
E os conflitos que eclodiram depois na Europa, com as duas Grandes
Guerras, e os seus reflexos nos territórios ocupados tanto em África como na
Ásia, enfraqueceram decisivamente as potências colonizadoras incapacitando-as
de assegurarem o domínio que exerciam por meios militares.
Ao mesmo tempo, as ideias de liberdade e igualdade entre pessoas e
povos, decisivas nas independências ocorridas nas Américas, firmaram o seu
caminho permitindo a reorganização de diversos povos da Ásia em novos Estados,
através de matrizes étnicas ou de natureza confessional, e a congregação de
outros, nomeadamente em África, dentro das fronteiras herdadas das imposições
coloniais.
Tsushima foi assim um primeiro sinal das mudanças profundas que viriam a
ocorrer no século XX. Oxalá possa também constituir uma lição para os
construtores da História, apontando caminhos para um progresso da Humanidade baseado
no conhecimento e na equidade.
24.Maio.2015.
________________________________________________________________Os jovens e a Política.
Causou grande impacto a divulgação de um estudo sobre a actual participação política e cívica dos jovens, solicitado pelo Presidente da República à semelhança de um análogo realizado em 2007, e em que se constata que o já então fraco interesse de há 8 anos regrediu ainda mais - e para níveis altamente preocupantes.
A questão é embaraçante para um Presidente que não conseguiu mobilizar a juventude para a intervenção política,sendo porém de louvar a franqueza relativamente à divulgação do estudo - que aliás, sendo realizado através do Orçamento do Estado, teria sempre que ser publicado.
O estudo confirma o crescente alheamento global dos cidadãos face aos instrumentos de participação na vida política, nomeadamente no que respeita aos partidos políticos, que são cada vez mais vistos como meras associações para a conquista do Poder e respectiva obtenção de benefícios de tal decorrentes.
E, como tenho vindo a referir com alguma regularidade nestas páginas, o desencanto com a vida colectiva leva a alheamentos cujos resultados são sempre imprevisíveis, bastando um pequeno detonador para suscitar movimentações radicais que acabam em muitos casos por regressões na organização política.
A grande questão coloca-se quase sempre na procura de um equilíbrio entre a representação dos eleitores, e a respectiva participação na actividade política, pois se é necessário delegar poderes em eleitos outorgando-lhes um mandato temporal para os exercerem, também é imperioso encontrar formas de acompanhar o exercício de tais poderes e verificar se os representantes exercem correctamente as suas funções, de modo a que nas eleições seguintes haja a possibilidade de se corrigir o sentido de voto e de procurar novas alternativas.
Estas questões são comuns a quase todos os Estados, pois apenas não existem em regimes totalitários, em que as disputas se fazem na exclusividade dos detentores do poder político, com maior ou menor grau de conflitualidade em função do grau de despotismo e da capacidade de distribuição de privilégios entre os círculos mais próximos do poder central.
Há contudo que considerar a existência de novos dados, tanto em Portugal como em já muitos países, relativos à existência crescente de mais meios de informação, nomeadamente electrónica, e nestes avultando a informação lateral determinada pelo correio electrónico em diversas variantes, algumas delas apelidadas de "redes sociais".
No entanto, mais informação não significa necessariamente mais participação política, pois esta só atinge o pleno significado quando exercida presencialmente e se consegue observar o modo como os representantes eleitos exercem as suas funções, bem como dialogar com eles - certamente com mais e melhor informação - algo dificilmente realizável apenas mediante o recurso a instrumentos de comunicação electrónica.
Assim, para se procurar mobilizar a juventude (bem como a população em geral) para a participação política há que proporcionar ao Poder Local, nomeadamente ao nível das Freguesias, condições que permitam fazer sentir aos cidadãos que perto deles estão cidadãos eleitos que poderão contribuir decisivamente para a resolução de questões essenciais para a sua vida.
Se tais cidadãos tiverem igualmente atribuições que lhes permitam por seu turno escolher representantes que a nível central possam ter responsabilidades políticas, a sua influência passará a ser elemento decisivo nas diversas escolhas do eleitorado.
E, conscientes que os seus representantes nos órgãos autárquicos estão a ser observados, os partidos políticos não deixarão de os escolher adequadamente.
Quanto mais tempo passar sem se fomentar uma verdadeira participação dos cidadãos no Poder Local, mais definhará o sistema democrático.
A postura dos jovens assim o prenuncia.
17.Maio.2015.
Círculos uninominais, resultados distorcidos.
Agora que em Portugal se voltou a falar insistentemente dos círculos uninominais como a solução milagrosa para aumentar a aproximação entre os eleitores e os seus representantes é oportuno reflectir sobre os recentes resultados das eleições para o Parlamento do Reino Unido, em que a representação assenta no princípio de a cada circunscrição eleitoral corresponder a eleição de apenas um deputado.
Constatamos assim que o Partido Liberal-Democrata, que obteve cerca de 2,5 milhões de votos, conseguiu eleger apenas 8 deputados, enquanto o Partido Nacionalista Escocês, com cerca de 1,5 milhões de votantes, obteve uma representação de 56 deputados.
Por outro lado, no UKIP (Partido Independentista do Reino Unido) votaram quase 4 milhões de eleitores - a que correspondeu a eleição de apenas 1 deputado, e o Partido dos Verdes igualmente só conseguiu 1 a partir dos cerca de 1,2 milhões que nele votaram.
Se compararmos com o número de representantes que os dois maiores partidos conseguiram (563), através de cerca de 20,5 milhões de eleitores, verificamos a enorme desproporção nos resultados, pois cerca de 8 milhões de eleitores apenas conseguiram a eleição de 10 deputados.
Ao se "apagar" praticamente da representação parlamentar o Partido Independentista, o sistema uninominal contribui assim para se tentar fazer esquecer o grande crescimento daquele partido desde as eleições anteriores, ocorridas em 2010, tentativa que porém não faz esquecer a realidade do significativo aumento do anti-europeísmo e da xenofobia que têm sido bandeiras e lemas daquela formação política.
As manobras de engenharia eleitoral que advêm do sistema são assim e na sua essência anti-democráticas, mesmo quando têm a sua origem - como é o caso do Reino Unido - em conceitos que remontam ao séc.XVIII, quando a distância do interior ao centro de decisões levava a que coubesse a um único cidadão a representação colectiva.
Os tempos, porém, são outros. A informação corre célere, e todos têm o direito de se sentirem representados por alguém que esteja mais em sintonia com as suas opiniões - o que apenas o sistema de representação proporcional melhor permite.
10.Maio.2015.
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Dois momentos marcantes em 25 de Abril de 1974.
Estando a decorrer quatro décadas desde os acontecimentos que assinalaram uma das mais significativas transformações ocorridas na História do nosso país, o tempo que já passou permite uma melhor reflexão sobre os momentos marcantes ocorridos em 25 de Abril de 1974, e uma melhor identificação dos que foram mais decisivos para as mudanças políticas sucedidas nos meses seguintes.
Comecemos obviamente por aquela data: recordemos que pela madrugada teve início o movimento militar visando um golpe de Estado cujos objectivos genéricos incluiam a instituição de um regime democrático em Portugal, mediante uma transição em que o poder político seria da responsabilidade de uma Junta de oficiais generais cuja presidência estava prevista para ser exercida pelo General Costa Gomes.
Porém, na tarde daquele dia ocorreu - curiosamente dentro do golpe militar e de Estado - um outro golpe de Estado, quando o Presidente do Conselho de Ministros solicitou ao General Spínola que fosse à sua presença para lhe transmitir o poder político, tendo este General aquiescido a tal e passado a exercer de facto a presidência da Junta militar.
Ainda naquela mesma tarde, mas já no final, tem lugar um episódio que viria a contribuir decisivamente para desencadear um ambiente pré-revolucionário: do interior da sede da DGS/PIDE são efectuados múltiplos disparos de armas automáticas que matam quatro cidadãos de entre um grande número de pessoas que frente àquele edifício se manifestavam contra a polícia política.
Estes dois acontecimentos imprimem rumos diferentes ao exercício do poder político, a que até agora - que eu saiba - não terá sido atribuída a importância que em meu entender nele tiveram.
No caso do primeiro deles e embora parecesse inevitável que mais tarde ou mais cedo haveria um confronto de perspectivas entre os Generais Spínola e Costa Gomes, tal como viria a suceder em 28 de Setembro, seria de admitir - na hipótese de o General Costa Gomes ter sido o presidente inicial da Junta de Salvação Nacional - a possibilidade de uma antecipação da tentativa de golpe de Estado ocorrida em 11 de Março do ano seguinte, em vez da renúncia apresentada em Setembro.
No caso do segundo acontecimento (as mortes dos quatro cidadãos) parece lícito aventar-se - como o fiz em texto anterior - que caso tal acontecimento não houvesse ocorrido a indignação popular contra a DGS/PIDE, embora existente, não teria chegado ao ponto a que chegou, dando origem ao avolumar do já enorme repúdio popular pela existência daquela polícia política e contribuindo decisivamente para o clima prè-revolucionário que ocorreu nos dias que culminaram com as manifestações do primeiro de Maio.
Paradoxos curiosos: M.Caetano "escolhe" o seu sucessor, e a DGS/PIDE "agudiza" um revolução...
3.Maio.2015.
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Estando a decorrer quatro décadas desde os acontecimentos que assinalaram uma das mais significativas transformações ocorridas na História do nosso país, o tempo que já passou permite uma melhor reflexão sobre os momentos marcantes ocorridos em 25 de Abril de 1974, e uma melhor identificação dos que foram mais decisivos para as mudanças políticas sucedidas nos meses seguintes.
Comecemos obviamente por aquela data: recordemos que pela madrugada teve início o movimento militar visando um golpe de Estado cujos objectivos genéricos incluiam a instituição de um regime democrático em Portugal, mediante uma transição em que o poder político seria da responsabilidade de uma Junta de oficiais generais cuja presidência estava prevista para ser exercida pelo General Costa Gomes.
Porém, na tarde daquele dia ocorreu - curiosamente dentro do golpe militar e de Estado - um outro golpe de Estado, quando o Presidente do Conselho de Ministros solicitou ao General Spínola que fosse à sua presença para lhe transmitir o poder político, tendo este General aquiescido a tal e passado a exercer de facto a presidência da Junta militar.
Ainda naquela mesma tarde, mas já no final, tem lugar um episódio que viria a contribuir decisivamente para desencadear um ambiente pré-revolucionário: do interior da sede da DGS/PIDE são efectuados múltiplos disparos de armas automáticas que matam quatro cidadãos de entre um grande número de pessoas que frente àquele edifício se manifestavam contra a polícia política.
Estes dois acontecimentos imprimem rumos diferentes ao exercício do poder político, a que até agora - que eu saiba - não terá sido atribuída a importância que em meu entender nele tiveram.
No caso do primeiro deles e embora parecesse inevitável que mais tarde ou mais cedo haveria um confronto de perspectivas entre os Generais Spínola e Costa Gomes, tal como viria a suceder em 28 de Setembro, seria de admitir - na hipótese de o General Costa Gomes ter sido o presidente inicial da Junta de Salvação Nacional - a possibilidade de uma antecipação da tentativa de golpe de Estado ocorrida em 11 de Março do ano seguinte, em vez da renúncia apresentada em Setembro.
No caso do segundo acontecimento (as mortes dos quatro cidadãos) parece lícito aventar-se - como o fiz em texto anterior - que caso tal acontecimento não houvesse ocorrido a indignação popular contra a DGS/PIDE, embora existente, não teria chegado ao ponto a que chegou, dando origem ao avolumar do já enorme repúdio popular pela existência daquela polícia política e contribuindo decisivamente para o clima prè-revolucionário que ocorreu nos dias que culminaram com as manifestações do primeiro de Maio.
Paradoxos curiosos: M.Caetano "escolhe" o seu sucessor, e a DGS/PIDE "agudiza" um revolução...
3.Maio.2015.
Perdoar-me-à - quem porventura leia estas páginas com mais assiduidade - a circunstância de nos últimos "Pontos de vista" aqui apresentados se tenham focado aspectos relacionados com o cerco e ocupação da sede da DGS/PIDE, mas tal tem sido devido também à profusão de testemunhos, antigos e recentes, que têm surgido nos últimos dias a propósito de tal episódio, e de que a série audio-visual da RTP 2 assinada pelo distinto Jornalista Jacinto Godinho é um excelente exemplo.
Cerco da sede da DGS/PIDE: personagens da História
O primeiro documentário da citada série, passado ontem, é baseado numa primeira edição apresentada há um ano, e acrescenta-lhe novos testemunhos, imagens e transcrições radiofónicas relativamente a diversos acontecimentos ocorridos na sede da polícia política e nas suas imediações nos dias 25 e 26 de Abril, entre os quais depoimentos do então Capitão e agora Coronel de Cavalaria Alberto Ferreira, bem como de diversos cidadãos que participaram nas movimentações espontâneas dirigidas contra a DGS/PIDE.
O testemunho do Coronel Alberto Ferreira, inédito em termos audio-visuais, vem ajudar a compreender melhor o que sucedeu no cerco e entrada das forças militares na sede, nomeadamente no que respeita a alguma descoordenação decorrente da existência de diversos "actores" que emitiam instruções para o teatro de operações: o General António de Spínola - com as suas intenções oscilantes relativas ao futuro da DGS/PIDE, contactando quer o respectivo Director-Geral directamente, quer o então Inspector-Superior Coelho Dias -, os Oficiais de maior confiança do General Spínola, os Oficiais constituindo o Posto de Comando do movimento militar, no Regimento de Engenharia da Pontinha, e o Comandante Carlos Contreiras, no Centro de Comunicações da Armada.
Mas por outro lado algo há no documentário que é importante para se perceber a importância que as mortes de 4 cidadãos alvo dos disparos de pessoal da DGS/PIDE tiveram no evoluir da situação local e nas incidências respectivas no plano político geral, e esse algo é o ambiente de desespero e de alta tensão vivido pelos manifestantes objecto das armas de fogo, e que acicatou ainda mais a repulsa que a generalidade do povo sentia por um organismo altamente responsável pela repressão da liberdade, ambiente esse que nunca tinha até agora, que me lembre, sido tão bem retratado.
A importância das fontes de informação que eu designaria de "secundárias", mas nem por isso menos importantes, é essencial para se elaborar a História, pois por vezes desmistificam os relatos "oficiais". E os cidadãos menos conhecidos que testemunharam o que viram e sentiram naqueles momentos são fundamentais para se compreender o que então se passou, assim como o são muitos outros que anonimamente participaram em operações militares naqueles dias.
E assim entramos nos caminhos das hipóteses: se tais mortes não tivessem ocorrido, quer por se ter estabelecido um cordão de forças impeditivo do acesso às imediações da sede da DGS/PIDE, quer por se ter forçado a retirada dos manifestantes que certamente acorreriam ao local (como viria a acontecer), teria o pessoal da polícia política sido enviado para a prisão de Caxias, ou aguardaria em suas casas o destino administrativo decorrente da prevista extinção (inicialmente não admitida pelo General Spínola) ?
Teria havido julgamentos - em tribunais militares ou civis - dos agentes torcionários e autores de assassinatos, bem como dos responsáveis por tais actos ?
Um distinta Professora de História, Luísa Tiago de Oliveira, caracterizou o cerco e ocupação da sede da DGS/PIDE como sendo a versão em Portugal da tomada da Bastilha, pelo que as respostas a estas perguntas - novas hipóteses, aliás - são difíceis.
Mas o que é inegável é que as mortes ocorridas junto à sede da polícia política aceleraram o passo da História.
26.Abril.2015.
____________________________________________________
A crescente capacidade da Internet na difusão do conhecimento confere-lhe um importante papel na divulgação da História, bem como na acumulação de elementos de informação que possam contribuir para o seu aperfeiçoamento.
Foi nestas perspectivas que a propósito do cerco e ocupação da sede da então Direcção-Geral de Segurança (DGS/PIDE) publiquei aqui um texto há cinco meses procurando apresentar testemunhos susceptíveis de ajudar historiadores e jornalistas a aperfeiçoar o conhecimento do então ocorrido, e que diverge nalguns casos do que é referido em diversas net-páginas, nelas se incluindo as da Associação 25 de Abril (que irá aliás, e conforme soube, proceder à respectiva reformulação), bem como em múltiplos livros até agora surgidos.
Como afirmei no citado texto têm sido apresentadas versões diferentes sobre as horas a que as forças participantes no cerco entraram na sede da DGS/PIDE, e assinaladas muitas discrepâncias nos relatos constantes nos jornais e noutros meios de informação.
Tais discrepâncias não impedem porém que se possa apresentar um conjunto de conclusões sobre as quais espero com curiosidade a opinião de Historiadores.
Em primeiro lugar, parece inegável que o movimento militar - no qual havia como é evidente pontos de vista diferentes - tinha no que respeita à DGS/PIDE uma posição que se orientava para a sua extinção como polícia política e para a sua transformação nas colónias em instrumento de informação militar enquanto perdurassem hostilidades.
Por outro lado, os recursos militares disponíveis para a concretização do golpe militar não eram suficientes para abranger a DGS/PIDE, considerada como tendo pouca capacidade operacional - embora a respectiva Delegação do Porto tenha sido considerada como alvo a atingir no plano de operações para a Região Militar do Norte.
Porém assim que na manhã de 25 de Abril se soube que se soube da disponibilidade de um Destacamento de Fuzileiros Especiais foi-lhe atribuído o objectivo de ocupar a sede da DGS/PIDE, o que não foi concretizado devido à constatação de haver forças no local que facilmente poderiam neutralizar qualquer tentativa em tal sentido.
Após a concretização do golpe de Estado mediante a demissão do Presidente do Conselho de Ministros foi constituída nova Força militar da Marinha visando a ocupação da sede da DGS/PIDE, que porém não procedeu ao assalto de imediato devido às mortes de civis provocadas por disparos de armas de fogo por elementos daquela polícia política, que de imediato levaram ao cerco da sede por Forças do Regimento de Cavalaria 3 (Estremoz).
Durante a noite de 25 para 26, e na própria madrugada de 26, ocorreram diversos contactos entre responsáveis pelo golpe de Estado e os dirigentes da DGS/PIDE, visando que a rendição se desse sem problemas, o que viria a ocorrer já de manhã, embora sem coordenação - a nível central - das Forças do Exército e da Marinha presentes no cerco.
Finalmente: não é, tanto quanto sei, muito claro o modo como foi, na tarde do dia 26, atribuída à Marinha a função de permanecer na sede da DGS/PIDE como responsável pela ocupação.
Cabe agora aos Historiadores a vez de se debruçarem sobre este aspecto - mais importante do que à primeira vista poderá parecer - embora e tal como já referi no meu citado texto de há meses o importante é que a polícia política tenha sido neutralizada e impedida de renascer disfarçada.
19.Abril.2015.
______________________________________________________________Tal sucede talvez como consequência de algum desencanto colectivo com o desempenho da generalidade dos partidos políticos bem como com a arquitectura institucional em que se movem, e que se traduz por uma pulsão sub-liminar tendente a apelar a que o próximo Presidente possa contribuir de forma marcante - mesmo que discreta - para a melhoria do sistema constitucional.
É por estas razões que convem que se volte a insistir na necessidade de ao escolher o Presidente da República se avaliar o seu programa bem como a sua personalidade, ponderando-se a respectiva capacidade para a concretização da carta de intenções que por certo apresentará à escolha eleitoral.
Como referi em texto anterior, há duas semanas, às possibilidades que a Constituição lhe confere de convocar extraordinariamente o Parlamento, e de lhe enviar mensagens formais agregam-se a de exercer a que tem vindo a ser designada por magistratura de influência, e que constitui um factor de exercício extra-constitucional cujas potencialidades devem ser bem interpretadas e aproveitadas.
O seu desempenho das funções presidenciais deveria assim ser pautado por três áreas de intervenção.
Uma, a do exercício normal e rotineiro dos poderes e direitos constitucionalmente previstos, que obviamente contemplam situações em que a avaliação dos documentos legais que lhe são apresentados pode atingir níveis de decisão que requererão ponderação de constitucionalidade.
Outra, a de avaliação constante sobre o regular funcionamento do sistema político, quer no que respeita à Assembleia da República e à estabilidade governamental - cabendo-lhe aqui a eventualidade da tomada de decisões sem recurso - quer quanto ao modo como as restantes instituições exercem os seus poderes, tendo residido aqui uma das principais dificuldade de intervenções presidenciais que, devendo ser discretas, por isso mesmo apresentam um maior grau de dificuldade. E , nestas, não se devendo esquecer que o cargo de Comandante Supremo das Forças Armadas não deve ser apenas simbólico.
Finalmente, uma área que sendo mais dirigida para o futuro, nem por isso deixa de ter a maior relevância, pois é fundamental - como já afirmei há dias - que promova a troca regular de ideias sobre questões importantes que determinarão o papel de Portugal no futuro - sem que tal prejudique a presença amiga e solidária com os portugueses, desde os mais desfavorecidos pela sorte aos que, no estrangeiro e em Portugal, lutam por uma vida melhor.
12.Abril.2015.
As eleições na Madeira e a organização eleitoral.
A confusão que ocorreu no apuramento dos resultados das recentes eleições para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira veio assinalar negativamente as comemorações do 40.º aniversário da realização do primeiro acto eleitoral em que o sufrágio foi universal e livre, baseado num recenseamento altamente participado.
Foram as eleições para a Assembleia Constituinte, em 25 de Abril de 1975.
Para tais eleições foi constituído um departamento no Ministério da Administração Interna (MAI), que viria a ser designado por STAP (Secretariado Técnico para os Assuntos Políticos), e que iria alguns meses mais tarde dar lugar ao STAPE (em que a palavra "Políticos" foi substituída por "Processos Eleitorais"), organismo que deixaria de ter o estatuto de Direcção-Geral há poucos anos, sendo sucessivamente absorvido por uma Direcção- Geral da Administração Interna, que por seu turno foi dissolvida mediante a integração dos seus serviços numa enorme Secretaria-Geral do Ministério respectivo - tudo isto reflectido num emaranhado legislativo e regulamentar difícil de compreender a partir das net-páginas governamentais.
No entanto, e apesar da crescente falta de apoio institucional apropriado, a agora modesta Divisão de Administração Eleitoral tem continuado a manter um elevado padrão de qualidade graças à dedicação e pundonor do seu pessoal, tendo organizado sob os habituais padrões de qualidade o acto eleitoral na R.A.Madeira, bem como o respectivo escrutínio provisório.
Porém, e ao que julgo saber, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) não soube interpretar adequadamente os dados de tal escrutínio, não se certificando junto da Divisão de Administração Eleitoral do MAI de que estariam a ser correctamente introduzidos nos respectivos registos, assim faltando proceder à integração dos resultados relativos à Freguesia do Porto Santo.
Os resultados foram os que são conhecidos: recursos para o Tribunal Constitucional, e o inevitável hiato institucional decorrente.
Poderá o apagamento progressivo do STAPE ter contribuído para que a CNE não tivesse mantido a íntima colaboração que se impõe neste tipo de processos ?
Há que evitar reformas estruturais que não assegurem os princípios de uma organização eficaz - e a recente mudança no MAI parece ser uma delas...
5.Abril.2015.
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Sobre as funções do Presidente da República.
Não será por acaso que o regime político da República Portuguesa é caracterizado habitualmente como semi-presidencialista, apesar de as mais recentes revisões constitucionais terem acentuado um crescente pendor para o predomínio da componente parlamentar.
Para esta caracterização contribui por certo a imagem que o Parlamento tem em largos sectores da opinião pública, associada ao também constantemente invocado fosso entre eleitores e eleitos numa democracia que sendo de matriz representativa deixa pouca margem institucional para um aumento da participação política.
E se é verdade que Maurice Duverger sagazmente recorda que em regimes semi-presidencialistas o Parlamento tem teoricamente uma maior legitimidade democrática por nele estarem representados todos os votantes, enquanto o Presidente é eleito apenas por uma parte deles, não é menos verdadeiro que no imaginário colectivo este é considerado habitualmente como o representante de todos os eleitores, e assim se costuma apresentar perante os cidadãos.
Agora que surgem intenções de candidatura ao cargo de Presidente da República parece assim útil reflectir sobre as possíveis interpretações de exercício de tal função no quadro semi-presidencial que a Constituição lhe confere actualmente, e de que saliento o imperativo de garantir a independência nacional, a unidade do Estado, e o regular funcionamento das instituições democráticas, sendo por inerência o Comandante Supremo das Forças Armadas, bem como defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição.
Podendo convocar extraordinariamente o Parlamento, bem como dirigir-lhe mensagens formais, tem igualmente o direito de se pronunciar sobre todas as emergências graves para a vida da República, pelo que é inegável o papel fundamental que constitucionalmente lhe é conferido.
Como é evidente, não se deve imiscuir no regular funcionamento das instituições democráticas, mas tal perspectiva não o deve eximir de olhar para o futuro a longo prazo, promovendo a troca de ideias entre forças políticas bem como a participação dos cidadãos no debate sobre questões importantes que determinarão o papel de Portugal nas próximas décadas, abstendo-se porém de se pronunciar sobre possíveis alternativas.
Demografia, movimentos migratórios, sistema político, investigação e inovação, recursos marítimos, energias, segurança colectiva - eis um breve enunciado de alguns temas susceptíveis de serem colocados como desafios aos portugueses, aqui e no estrangeiro, e cujo debate contribuiria certamente para lhes dar novos ânimos - e obviamente para prestigiar a função presidencial.
29.Março.2015.
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Há alguns dias foi profusamente divulgado um video relativo a uma conferência em que Yanis Varoufakis aparecia fazendo um gesto, considerado habitualmente como obsceno, associando-o à Alemanha.
Y.Varoufakis, actual Ministro das Finanças da Grécia, rapidamente desmentiu ter feito tal gesto, considerando que o video tinha sido manipulado, e que a conferência filmada não era recente pois tinha sido proferida em 2013 - se bem que tivesse feito referências desprimorosas à política alemã.
No dia seguinte Jan Böhmermann, responsável pelo programa satírico no qual tinha passado o video em causa, veio afirmar que a cena respeitante ao discutível gesto tinha sido inserida através de manipulação de imagens de modo a coincidir com as afirmações críticas relativas à Alemanha.
Seguiram-se novos desmentidos em sentido contrário, desta vez por parte dos produtores do programa, e profunda controvérsia em especial na Alemanha relativamente ao que passou a ser denominado como "Varoufake" - talvez como antecâmara para "Varougate"...
Este episódio demonstra bem como cada vez é mais importante a ponderação dos cidadãos sobre a qualidade e a fiabilidade da informação que lhes é transmitida, em particular por meios audio-visuais, uma vez que as técnicas de manipulação de imagens e sons atingem actualmente níveis de sofisticação absolutamente impressionantes.
Já em 2010, nestas páginas, tinha tido a oportunidade de dar a conhecer (e pode-se ver a partir daqui) como se tinha fabricado a filmagem de um acidente de autocarro - que não tinha acontecido - em Lyon, e que é uma boa lição sobre o cuidado que devemos ter na apreciação da informação que nos chega, pois tal como então referi nestas páginas se há alguns anos os detentores dos meios de transmissão em massa de informação estavam relativamente bem identificados, agora contam-se por milhões.
Acresce o facto de o correio electrónico, os blogues, e as redes sociais electrónicas permitirem a proliferação de informação ou de documentos de reduzida credibilidade - para não referir os que envolvem mistificação - bem como a publicação de comentários anónimos com a inevitável probabilidade do insulto ou da falta de fundamentação.
Debate-se entretanto o jornalismo com o problema da manutenção gratuita das versões "on-line" dos orgãos de informação escrita face à por enquanto ainda reduzida vertente da publicidade paga, problema que poderá chegar às próprias estações de televisão e radio dado o aumento da banda larga na Internet, suscitando então quer uma maior presença da publicidade comercial quer o pagamento do acesso aos conteúdos; ou, o que parece ser mais provável, um misto das duas opções.
O facto é que o cidadão desejoso de obter a informação com maior grau de credibilidade terá que a procurar onde existem profissionais de mérito, que obviamente têm que ser pagos tanto através da aquisição do produto, como dos rendimentos decorrentes da publicidade.
Por outro lado, permanecerá a dúvida sobre se os possuidores dos meios de informação pública interferem - mesmo que subliminarmente - no trabalho dos jornalistas, levando a que a informação transmitida não seja isenta e que a independência seja algo posta em causa.
O facto de não ter sido renovado recentemente o contrato de um prestigiado jornalista de um dos periódicos de maior prestígio em Portugal permite continuar a acalentar dúvidas sobre este tipo de questões, pois cada vez mais somos obrigados a aferir da consistência da informação em função da qualidade do seu difusor.
E a assumirmos, mesmo assim, uma postura de verificação permanente, nomeadamente através da comparação de fontes, sobre o que nos vai sendo transmitido.
22.Março.2015.
Há alguns dias foi profusamente divulgado um video relativo a uma conferência em que Yanis Varoufakis aparecia fazendo um gesto, considerado habitualmente como obsceno, associando-o à Alemanha.
Y.Varoufakis, actual Ministro das Finanças da Grécia, rapidamente desmentiu ter feito tal gesto, considerando que o video tinha sido manipulado, e que a conferência filmada não era recente pois tinha sido proferida em 2013 - se bem que tivesse feito referências desprimorosas à política alemã.
No dia seguinte Jan Böhmermann, responsável pelo programa satírico no qual tinha passado o video em causa, veio afirmar que a cena respeitante ao discutível gesto tinha sido inserida através de manipulação de imagens de modo a coincidir com as afirmações críticas relativas à Alemanha.
Seguiram-se novos desmentidos em sentido contrário, desta vez por parte dos produtores do programa, e profunda controvérsia em especial na Alemanha relativamente ao que passou a ser denominado como "Varoufake" - talvez como antecâmara para "Varougate"...
Este episódio demonstra bem como cada vez é mais importante a ponderação dos cidadãos sobre a qualidade e a fiabilidade da informação que lhes é transmitida, em particular por meios audio-visuais, uma vez que as técnicas de manipulação de imagens e sons atingem actualmente níveis de sofisticação absolutamente impressionantes.
Já em 2010, nestas páginas, tinha tido a oportunidade de dar a conhecer (e pode-se ver a partir daqui) como se tinha fabricado a filmagem de um acidente de autocarro - que não tinha acontecido - em Lyon, e que é uma boa lição sobre o cuidado que devemos ter na apreciação da informação que nos chega, pois tal como então referi nestas páginas se há alguns anos os detentores dos meios de transmissão em massa de informação estavam relativamente bem identificados, agora contam-se por milhões.
Acresce o facto de o correio electrónico, os blogues, e as redes sociais electrónicas permitirem a proliferação de informação ou de documentos de reduzida credibilidade - para não referir os que envolvem mistificação - bem como a publicação de comentários anónimos com a inevitável probabilidade do insulto ou da falta de fundamentação.
Debate-se entretanto o jornalismo com o problema da manutenção gratuita das versões "on-line" dos orgãos de informação escrita face à por enquanto ainda reduzida vertente da publicidade paga, problema que poderá chegar às próprias estações de televisão e radio dado o aumento da banda larga na Internet, suscitando então quer uma maior presença da publicidade comercial quer o pagamento do acesso aos conteúdos; ou, o que parece ser mais provável, um misto das duas opções.
O facto é que o cidadão desejoso de obter a informação com maior grau de credibilidade terá que a procurar onde existem profissionais de mérito, que obviamente têm que ser pagos tanto através da aquisição do produto, como dos rendimentos decorrentes da publicidade.
Por outro lado, permanecerá a dúvida sobre se os possuidores dos meios de informação pública interferem - mesmo que subliminarmente - no trabalho dos jornalistas, levando a que a informação transmitida não seja isenta e que a independência seja algo posta em causa.
O facto de não ter sido renovado recentemente o contrato de um prestigiado jornalista de um dos periódicos de maior prestígio em Portugal permite continuar a acalentar dúvidas sobre este tipo de questões, pois cada vez mais somos obrigados a aferir da consistência da informação em função da qualidade do seu difusor.
E a assumirmos, mesmo assim, uma postura de verificação permanente, nomeadamente através da comparação de fontes, sobre o que nos vai sendo transmitido.
22.Março.2015.
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A assembleia militar do 11 de Março de 1975 e a História
O quadragésimo aniversário da tentativa de golpe-de-estado de 11 de Março de 1975 suscitou alguma curiosidade por parte dos meios de informação pública, que recordaram diversos episódios - entre os quais alguns menos conhecidos - e deram a conhecer alguns aspectos inéditos.
É certo que em muitos casos, em especial no que se refere a meios audio-visuais, terá havido a repetição do que julgo serem erros decorrentes de não ser tomada em devida conta a circunstância de o país estar dividido, no que respeita à memória dos últimos 50 anos, em dois grandes grupos : o das pessoas com mais de 60 anos (cerca de 15 em 1970), e as mais jovens - nestas havendo que distinguir também as que têm menos de 50 anos, e que por isso não viveram tão intensamente os momentos de explosão social e política de 1974 e 1975.
Assim, e no que respeita ao grupo dos mais jovens, que são agora a maioria da população, e entre os quais se constata haver em muitos casos um desconhecimento profundo da nossa História mais recente, teria sido útil (e será aconselhável no futuro) que tais episódios fossem sempre que possível precedidos por um prévio enquadramento retrospectivo - no caso de apresentações audio-visuais, com explicações sintéticas sobre a natureza do regime existente até 1974 coincidentes com imagens e sons dos responsáveis políticos, bem como e por exemplo da DGS/PIDE e prisão de Caxias, de repressão laboral e de manifestações, da queda de Goa, da guerra colonial, do golpe militar e de estado, das manifestações de rua, do Gen. Spínola em discursos presidencial e de renúncia, da agitação social, de militares jovens no poder e da respectiva confrontação, da eleição constituinte, e de outros acontecimentos relevantes que passaram a fazer parter da nossa História, privilegiando sempre a eventualidade de revelações inéditas bem como dando preferência às que se revestissem de cunhos de natureza emocional.
É nesta última perspectiva que não resisto a transcrever excertos de um texto do Embaixador Francisco Seixas da Costa, que enquanto jovem oficial prestando serviço militar obrigatório participou nas operações de 25 de Abril de 1974 tendo quase um ano depois, ainda "miliciano", estado presente na assembleia de militares que de forma mais ou menos espontânea se reuniu na noite de 11 de Março de 1975 para analisar a tentativa de golpe-de-estado que nesse dia tinha ocorrido:
" Era o dia 11 de Março de 1975. Spínola havia provocado a revolta contra o MFA em Tancos, mandara avançar forças sobre Lisboa, convencido que poderia conseguir um levantamento de outras unidades, descontentes com a progressão radical da revolução. A tensão político-militar tinha atingido o seu ponto extremo e culminaria com a patética rendição dos pára-quedistas em frente ao RALIS, sob a mediação de Luís Costa Correia, com a fuga de Spínola para Espanha, a prenunciar que muita coisa poderia mudar a partir de então. Não sabíamos, porém, o quê e como. (...)
(...) Aí pelas 10 horas da noite, forma-se, no seio do "pessoal" que discutia a situação, uma ideia imparável: ir a Belém, interromper o “Conselho dos Vinte” e exigir uma reunião extraordinária da Assembleia do MFA, para essa mesma noite.(...)
(...) De seguida, as coisas precipitaram-se. Saímos para uma sala maior, os membros do Conselho acabaram por se juntar à tropa "amotinada" que nós éramos, houve uma dura troca de palavras durante cerca de um quarto de hora, com Vasco Lourenço a tentar ser a força moderadora do lado dos conselheiros, tendo o presidente Costa Gomes acedido, finalmente, à realização da Assembleia – esse areópago de cerca de 240 militares que era uma espécie de parlamento da revolução.
Meia hora mais tarde, perante o entusiasmo de muitos e o visível incómodo de alguns, estávamos a reunir, de volta à calçada das Necessidades, aquela que ficou conhecida como a “assembleia selvagem” de 11 de Março, uma Assembleia do MFA convocada em termos mais do que duvidosos e com uma composição mais do que nunca “ad hoc” – de que a melhor prova era a minha própria presença, que dela não fazia parte formal, embora, noutra qualidade, tivesse estado presente em reuniões anteriores, o que voltaria a repetir-se até julho.
Aquela foi a noite dos confrontos verbais extremos, de um apelo pateta e isolado a fuzilamentos de “traidores”, de uma imensidão de intervenções dramáticas, em que até eu não deixei de meter a minha breve colherada oratória. (...) "
(A versão integral do documento de que apresentei os citados extracto pode ser consultada a partir daqui).
Aproveito a oportunidade para, na sequência do meu anterior "Ponto de vista" sobre o "11 de Março", dar igualmente a conhecer um relato de uma insuspeita personalidade pertencente ao então "Conselho dos Vinte", que constituiu a Mesa de Presidência da assembleia anteriormente referida, e que mencionou ter havido "uma voz inquieta no meio da balbúrdia em que vinha decorrendo boa parte da reunião", suscitando "a questão das próximas eleições e a consideração de que se tornava imperativo que dali saísse uma manifestação clara e afirmativa de que o MFA as levaria por diante, cumprindo o que prometera", tendo o "presidente da Mesa" (Gen.Costa Gomes, também Presidente da República) apoiado "claramente a proposta e a declaração formal".
15.Março.2015.
11 de Março de 1975 - entre o trágico e o burlesco.
Decorrem esta semana 40 anos sobre um episódio que marcou profundamente a História de Portugal, e sobre o qual creio ser útil transmitir publicamente o que nele foi a minha participação - algo involuntária - que terá ajudado a inflectir o rumo dos acontecimentos ocorridos em 11 e 12 de Março de 1975.
Recorro, para tal efeito, aos apontamentos tomados durante uma entrevista conduzida pela Professora Doutora Luísa Tiago de Oliveira no âmbito de um projecto inserido em metodologia de História Oral, que está em fase final de conclusão, e para o qual a minha participação lhe foi proposta pelo Comandante Carlos Contreiras - ele próprio igualmente entrevistado.
Devo desde já acentuar que a minha memória deixa muito a desejar, não por ter ingerido BavaRoise a mais (esclareço que se trata de uma tentativa de humor a propósito do recente depoimento de um conhecido "telefonista" em comissão parlamentar de inquérito...), mas porque sempre nela retive mais as grandes linhas relativas a acontecimentos importantes do que meros pormenores, pelo que procuro quanto a estes tentar deduzir o que creio que provavelmente teria feito em circunstâncias que me sejam relatadas.
Acresce que quanto a acontecimentos relevantes em que estive presente - por exemplo a participação no comando de forças que ocuparam a sede da DGS/PIDE - só muito tarde é que tanto jornalistas como historiadores me colocaram questões, certamente por ter havido outros protagonistas com mais interesse, pelo que tal contribuiu para o apagamento gradual das minhas recordações.
Assim, eis um resumo do que são as minhas recordações do sucedido no episódio que viria ser conhecido como o "11 de Março", e que poderão contribuir para o esclarecimento da pergunta que de quando me vão fazendo ("mas como é que apareceu naquele local ?" ) a propósito de uma recorrente cena filmada por equipa da RTP dirigida pelo distinto jornalista Adelino Gomes, que se dirigiu às imediações do Regimento de Artilharia de Lisboa (RALis) por também ter recebido informação da existência de ataques da Força Aérea contra aquele Regimento.
A minha participação naquele acontecimento, o facto de ter sido parcialmente transmitida pela TV, a ausência de perguntas durante muitos anos por parte da generalidade dos meios de informação pública sobre o modo como apareci naquelas cenas, e uma natural predisposição minha para evitar a ribalta informativa contribuíram para que tal ficasse envolvido nalgum mistério, proporcionando interpretações contraditórias sobre o meu pensamento e maneira de ser, pelo que pretendo com este texto possibilitar mais alguma luz sobre o passado.
Estava numa reunião no Estado-Maior da Armada, quando chegou a noticia de que estavam a ocorrer ataques da Força Aérea ao RALis, pois naquela zona moravam oficiais da Marinha e alguns dos que estavam presentes na reunião começaram a receber telefonemas das respectivas mulheres, referindo tais ataques. O Almirante Vilarinho, que dirigia aquela reunião, achou por bem face àquelas notícias cessá-la naquele momento, pelo que resolvi ir ver o que é se passava. Mudei para traje civil e apanhei um táxi pedindo ao condutor (Henriqueto Henriques Tomé, nome que não esqueci...) que me levasse à zona do Regimento.
Chegados aos Olivais, pedi-lhe para esperar e dirigi-me no sentido do que parecia ser um núcleo de militares, que constatei ser uma secção de pára-quedistas em posição de cerco. Identifiquei-me perante o responsável e pedi-lhe que caso possível me desse uma ideia do que se estava a passar.
Fui informado que o respectivo Comandante era o então Capitão Sebastião Martins, a quem me dirigi - ao mesmo tempo me apercebendo de que o então Capitão Dinis de Almeida tinha surgido nas imediações - pelo que lhes sugeri que trocassem impressões pois parecia-me existirem equívocos naquela situação, ao que acederam, tendo então o diálogo sido gravado em video pela equipa da RTP que tal como Helena Vaz da Silva (Jornalista do "Expresso") estava presente no local, como já referido.
Enquanto os dois principais protagonistas dialogavam apercebi-me de que a força de para-quedistas tinha recebido como missão assaltar e tomar o comando do RALis, enquadrada numa tentativa de golpe-de-estado, pelo que pensei que se devia tentar evitar o eclodir de uma situação de confronto militar de resultados imprevisíveis e num país que tentava caminhar no sentido de uma democracia - com eleições constituintes previstas para o mês seguinte.
Foi por tal razão que procurei intervir no diálogo entre aqueles dois oficiais, nomeadamente após o Capitão Sebastião Martins nos ter mostrado um texto que seria a proclamação de intenções a ser difundida ao país (um tosco documento de duas páginas), enfatizando que o movimento militar de 25 de Abril de 1974 não deveria terminar numa luta fratricida pois tais não eram os seus propósitos, e que se ambos afirmavam estarem recebendo ordens das respectivas cadeias hierárquicas haveria um ponto em que ambas não coincidiriam, sugerindo assim que fosse procurado o esclarecimento dos equívocos junto dos superiores hierárquicos - procedimento que acabaria por ser seguido pelos Comandantes operacionais respectivos.
Com efeito - e julgo não ter até agora vindo a público - os Comandantes do Regimento sitiado (Tenente-Coronel Leal de Almeida) e dos Para-quedistas sitiantes (Major Mensurado) dirigiram-se então ao gabinete do General Mendes Dias, Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, donde realizaram telefonemas a diversos oficiais, entre os quais o então Brigadeiro Otelo Saraiva de Carvalho (contactado pelo Tenente-Coronel Leal de Almeida) e o Coronel Rafael Durão (com quem o Major Mensurado contactou), factos testemunhados pelo Comandante Ferreira de Gouveia, a quem o Brigadeiro Otelo Saraiva de Carvalho tinha solicitado que se deslocasse ao Gabinete do General Mendes Dias, e creio que também pelo já falecido Major Arlindo Ferreira (Força Aérea).
Tais telefonemas não terão contribuído de imediato para o esclarecimento da situação, nem o facto de terem sido presenciados pelo General Mendes Dias, só tendo havido um entendimento na sequência de intimação do Brigadeiro Otelo Saraiva de Carvalho, transmitida pelo Comandante Ferreira de Gouveia, no sentido de este dar voz de prisão ao Major Mensurado caso insistisse no propósito de serem retomadas as hostilidades, tendo então este oficial desistido na sequência de mais telefonemas ao Coronel Rafael Durão, assim tornando possível o regresso ao comando local das respectivas Forças - onde creio que terão deparado já com um cenário de apaziguamento entre militares.
Entretanto eu tinha regressado logo ao taxi cujo motorista tinha acreditado que eu voltaria, e dirigi-me ao gabinete do Chefe do Estado-Maior da Armada (Almirante Pinheiro de Azevedo - com quem eu não contactava desde a tarde de 25 de Abril de 1974), que me recebeu de imediato ao saber que eu tinha observado a situação de perto, e a quem transmiti, na presença do Almirante Filgueiras Soares e do Chefe do Gabinete, Comandante Manuel Martins Guerreiro, o que tinha constatado.
Ainda assisti à reacção do Almirante Pinheiro de Azevedo, telefonando logo para o General Costa Gomes, Presidente da República, dando-lhe conta do que acabara de saber, mas retirei-me logo a seguir, para de tarde regressar à minha Unidade, no Alfeite, para onde tinha voltado após em Julho de 1974 ter solicitado o fim da minha presença na Comissão de Extinção da DGS/PIDE (por razões que oportunamente esclarecerei nestas páginas).
À noite, já em minha casa, fui surpreendido por uma solicitação de convocação urgente no Instituto de Defesa Nacional, onde se realizava uma Assembleia do Movimento das Forças Armadas - aliás com a presença de diversos militares a ela não pertencentes de direito - a fim de explicar as razões pelas quais tinha estado junto ao RALis, e os termos da minha intervenção.
Esquecendo os termos talvez algo inquisitoriais de tal solicitação, e perante um silêncio profundo dos participantes, aproveitei para reiterar os princípios pelos quais tinha vindo a pautar a minha atitude: acreditar que o regime político do "Estado Novo" só poderia tombar na sequência de um golpe-de-estado executado por oficiais que tivessem em mente a instauração da democracia; que uma vez conseguido tal objectivo os militares deviam retirar-se do exercício do poder político e colaborar na respectiva consolidação; e que nessa perspectiva se deveriam realizar no prazo previsto as essenciais eleições para a Assembleia Constituinte.
Já estávamos na madrugada do dia 12 de Março.
Não esperei por comentários, tendo saído logo da sala, recordando-me que o então Tenente-Coronel Loureiro dos Santos e outro oficial da mesma patente foram esperar-me para me felicitar dizendo-me que tinha sido corajoso ao fazer aquela intervenção numa assembleia que tinha estado a decorrer em termos altamente emocionais.
Devo acrescentar que o General Costa Gomes, alguns meses mais tarde, me disse que eu tinha proporcionado melhores condições, com as minhas palavras em favor da realização das eleições, para que ele tivesse afirmado perante aquela assembleia que as eleições se realizariam no prazo previsto.
Um breve comentário sobre as circunstâncias que terão determinado a tentativa de golpe-de-estado, cuja génese ainda está por ser cabalmente esclarecida, e que foi atribuída à difusão de uma lista de personalidades a eliminar no quadro do que ficou conhecido como um projecto de "matança da páscoa": caso tal intenção e lista existissem, os "derrotados" teriam sido fisicamente suprimidos, o que não ocorreu, pois ao que me relataram quanto ao decorrer do início da Assembleia de militares na noite de 11 para 12 de Março de 1975 apenas um obscuro oficial se pronunciou naquele sentido, sem qualquer adesão dos restantes.
Por outro lado, e a terminar: parece inacreditável como é que um conjunto de oficiais de alta craveira profissional, encabeçados pelo então General Spínola, "organizou" uma tal tentativa de golpe militar sem qualquer consistência...
9. Março.2015.
Um dos efeitos mais nefastos de um certo Memorando...
... foi a chamada "reorganização administrativa territorial autárquica" de 2012, cujas iniciais ("rata") aliás já não auguravam nada de muito positivo, a que se juntou o empenho na sua concretização demonstrado pelo inesquecível Ministro Dr.Relvas, um dos mais entusiastas defensores dos termos constantes no tal "Memorando de Entendimento" de 2011 que configuravam uma profunda reorganização dos limites territoriais das freguesias e concelhos portugueses - estes últimos, convem não esquecer, rapidamente esquecidos pela influência de muitas "concelhias" partidárias.
A sanha reorganizativa das potências financeiras ocupantes e dos seus migueis aliados centrou-se assim no fraco elo das Freguesias, reduzindo-as de cerca de 4000 para 3000 através de múltiplas agregações que deram origem a enormes aglomerados de que os exemplos mais significativos são as agora designadas "União das Freguesias de Cascais e do Estoril", com perto de 60 mil habitantes, e a "União das Freguesias de S.Mamede de Infesta e da Senhora da Hora" (mais de 50 mil), coabitando com as intocadas Algueirão e Mem Martins (mais de 55 mil) e Rio Tinto (perto de 50 mil).
O facto é que continuam a existir 220 Freguesias (ou "Uniões de Freguesias") com mais de 10 mil habitantes, distorcendo-se assim o conceito associado a tal palavra, que pressupõe uma "frequência" de contactos entre pessoas que para tal têm que habitar não muito longe umas das outras, possibilidade que começa a ser mais difícil de se concretizar quando os habitantes excedem o número de 5 mil, por muitos considerado como o que não deve ser superado quando se deseja que as pessoas se conheçam minimamente.
É certo que houve um esforço no sentido de se tentar que fossem atribuidos mais recursos e competências às autarquias, mas até agora são pouco visíveis os resultados, e não foi apresentado até ao momento, tanto quanto conheça, um documento demonstrativo das poupanças - se é que houve - porventura decorrentes da "rata", e dos respectivos alegáveis aumentos de eficácia.
Cada vez se fala mais sobre a cada vez maior "distância" entre eleitores e eleitos, aventando-se soluções que inevitavelmente assentam na panaceia dos círculos uninominais, que são apresentados como solução mágica para diminuir tal afastamento, esquecendo-se que o sistema representativo a eles associado - essencial numa democracia - tem porém que ser completado com métodos que favoreçam uma maior participação política.
E estes assentarão inevitavelmente no poder local, que permite - desde que lhe sejam conferidas mais competências e atribuídos mais recursos - envolver os cidadãos na resolução de muitos dos problemas que se lhes deparam, e conhecer melhor os eleitos a quem deram ou darão o seu voto.
A próxima transformação política cuja inevitabilidade já se pressente terá assim que passar, em Portugal, da actual "Rata" para uma "Gata" - "Grande Alteração do Território Autárquico"...
1.Março.2015.
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Paradoxos na luta contra o extremismo muçulmano.
Quem iria dizer que o discurso mais notável pronunciado nos tempos mais recentes contra o radicalismo de grupos muçulmanos viria a ser pronunciado por um militar que ascendeu à Presidência do Egipto na sequência de um golpe-de-estado (se bem que legitimado por posteriores eleições geralmente reconhecidas como validando uma maioria significativa de adesão entre os egípcios) ?
O General Abdu l-Fattāḥ Sa‘īd Ḥusayn Khalīl as-Sīsī, mais conhecido por Al-Sisi, interveio * na comemoração anual do nascimento do profeta Maomé da Universidade Al-Azhar (Cairo), no final de Dezembro passado, para referir que se tinha deixado que a ideologia se apoderasse da religião através de uma lógica que não corresponde à época em que vivemos.
Dirigindo-se em especial aos teólogos e aos clérigos, sugeriu que examinassem profundamente a situação actual, considerando preocupante que a ideologia continuasse a ser santificada a tal ponto que seja difícil analisá-la sem preconceitos, e que a religião a ela associada esteja assim a ser hostil ao resto do mundo, sendo inconcebível que 1 bilião e meio de muçulmanos pudessem querer eliminar os restantes 7 biliões de "infiéis".
"Temos que mudar radicalmente a nossa religião", disse (e naquele momento o video* mostrou que apenas uma parte da assistência aplaudiu...), pois a "nação muçulmana está exangue e corre na direcção da sua queda".
Acentuando a diferença entre religião e ideologia, e os riscos de esta última se instilar na primeira a um ponto tal em que não se compreende onde termina uma e começa a outra, Al-Sisi mostrou grande coragem num local simbólico - a Universidade Al-Azhar , farol da teologia muçulmana - onde já há 5 anos Barack H.Obama tinha apelado a uma convivência mais sã em discurso que terá sido determinante para que lhe fosse atribuído o Prémio Nobel da Paz.
Paradoxos. Um Nobel da Paz cujos esforços não resultaram como seria desejado, e um Presidente que chega ao Poder após destituir outro eleito democraticamente - ambos com um discurso centrado sobre os excessos das interpretações religiosas.
O mundo tem vindo a mudar, e cabe agora aos muçulmanos dar os principais passos no sentido da eliminação dos ódios e preconceitos alimentados por intérpretes radicais das religiões que as transformam em bandeiras ideológicas.
Doutro modo as tensões que se vivem em grande parte do mundo do Islão poderão conduzir a situações conflituais de onde ninguém sairá vencedor.
22.Fevereiro.2015.
* https://www.youtube.com/watch?v=NJfnquV7MHM
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E a Crimeia ?
Entra hoje em vigor um cessar-fogo entre separatistas russófilos e as forças militares ucranianas, na sequência de um acordo em Minsk - o segundo, após os ocorridos há alguns meses sob o patrocínio da OSCE, em que tinham participado apenas representantes da Ucrânia, da Rússia, e dos separatistas.
Do acordo de há dias, em que participaram A.Merkel, F.Hollande, P.Poroshenko, e V.Putin, surgiu uma Declaração formal em que estas personalidades se comprometem a usar a respectiva influência sobre as partes em conflito no sentido de lhe ser dado fim, visando a plena aplicação dos diversos compromissos firmados desde 5 de Setembro de 2014.
Porém, logo no parágrafo inicial da citada Declaração, aquelas personalidades reafirmam o seu pleno respeito pela soberania e integridade territorial da Ucrânia.
Uma Ucrânia com as fronteiras reconhecidas internacionalmente como as estabelecidas pela própria Rússia, enquanto potência dominante da então URSS ?
Ou uma Ucrânia em que segundo a interpretação de V.Putin a integração na Rússia da Crimeia-Sebastopol foi o resultado de um processo legítimo assente num referendo?
Convem não nos esquecermos que a Assembleia-Geral da ONU adoptou uma Resolução, em Março de 2014, apelando aos Estados-membros para não reconhecerem quaisquer mudanças no estatuto da Crimeia (e de Sebastopol).
O recente acordo de Minsk constitui assim mais um exercício de hipocrisia, com a Rússia a interpretar a integridade ucraniana sem a Crimeia-Sebastopol, e os três outros Estados a considerarem o contrário - com dois deles (França e Alemanha, porém sem delegação formal do Conselho Europeu) assumindo tacitamente uma troca: a intocabilidade das fronteiras sueste Ucrânia em troca da integração russa da Crimeia-Sebastopol...
Em temos estratégicos percebem-se os propósitos de V.Putin: Sebastopol é essencial para as forças aeronavais russas, pelo que a troco do "esquecimento" da península da Crimeia pode perfeitamente deixar de apoiar militarmente os separatistas do leste ucraniano, exercendo então a sua influência no sentido de estes aceitarem soluções políticas que não ponham em causa as actuais fronteiras russo-ucranianas.
No que respeita à União Europeia, o decorrer da situação na Ucrânia desde os meses finais de 2013 demonstra bem a falta de uma consistente política de relações internacionais que aliada a uma débil capacidade militar conjunta são elementos que contribuem para a falta de coesão já decorrente da carência de uma sólida perspectiva de desenvolvimento conjunto - elementos denunciadores de uma quebra do projecto europeu.
15.Fevereiro.2015.
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O "Conselho" Europeu.
De acordo com os últimos Tratados que têm enformado a organização da União Europeia, nomeadamente os que se agregaram sob a designação mais conhecida por "Tratado de Lisboa" ressalta obviamente a que reúne os Chefes de Estado ou de Governo dos Estados-Membros: o Conselho Europeu.
Presidido por uma personalidade exterior ao Conselho, porém escolhida por este, também são membros permanentes o Presidente da Comissão Europeia, e a Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança participa nos seus trabalhos.
Reunindo-se habitualmente quatro vezes por ano, pode o Presidente além disso e sempre que a situação o exija convocar uma reunião extraordinária do Conselho Europeu.
Vem esta introdução a propósito da situação que se vive na União Europeia, não só no plano interno como também nas suas relações externas.
No plano interno, a situação criada pelas recentes eleições na Grécia aumentou o grau de instabilidade na Zona Euro, já objecto de preocupação pelos sinais deflacionários que - contagiando a maioria dos restantes Estados-Membros - levaram à adopção de medidas excepcionais do Banco Central Europeu visando a recuperação da confiança e do investimento que dela deveria decorrer.
No plano das relações externas, ressalta o agravamento da situação política e militar na Ucrânia, bem como o tácito "esquecimento" da anexação da Crimeia pela Federação Russa, e, ainda a situação no Médio-Oriente - em particular na Síria e no Iraque.
Perante tudo isto, assiste-se ao apagamento político do Presidente do Conselho Europeu, muito semelhante ao ocorrido com o patusco Herman van Rompuy, que quase entrou mudo para sair calado, e que o por enquanto não "patusko" Donald Tusk parece querer vir a imitar depois das suas entradas de leão enquanto presidiu ao Governo polaco.
E, pior do que isso, vê-se a surgir a "Presidente de facto" do Conselho Europeu, Angela Merkel, acolitada por François Hollande, a no caso da situação ucraniana tomar iniciativas e a afirmar posições que deveriam ser o resultado de uma reunião extraordinária do Conselho, obviamente convocada pelo seu Presidente Tusk, mas que ocorrerá já depois, e não antes, de tais diligências terem sido concretizadas.
Ao mesmo tempo, recusando aparentemente receber o novo Chefe do Governo grego, contrariamente ao que outros dos seus pares fizeram, não sugere de imediato a Donald Tusk que convoque uma reunião do Conselho para que todos os seus participantes oiçam face a face o que têm a dizer Alexis Tsipras e Yanis Varoufakis (que pode assistir e participar no encontro) sobre as suas propostas para a crise financeira e económica grega, limitando-se a esperar pela reunião extraordinária e informal (que deliberações vinculativas podem ser adoptadas em encontros informais ?) prevista para o próximo dia 12 de Fevereiro.
Ao mesmo tempo que esta triste situação perdura alguns chefes de Governo mantêm-se numa posição de cínico silêncio (não devendo ser difícil deduzir-se quais são os que mantêm tal atitude) e outros, não exigindo que estas situações - importantes e urgentes - recomendem uma rápida convocação formal do Conselho Europeu e não a delegação tácita em personalidade providencial, parecem assim uns seres invertebrados, sempre atentos, veneradores e obrigados...
9.Fevereiro.2015.
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Alemanha: "Keines Keynes..."
Tal título pretende ser um jogo de palavras entre "Keines", ("nenhum", podendo mesmo querer dizer "nada", ou "nada de"), e "Keynes" - o economista habitualmente conotado com políticas de desenvolvimento impulsionadas pelo Estado.
E obviamente quer significar que pelo menos até agora a política económica da Alemanha tem sido caracterizada por uma obsessão monetarista assente em equilíbrios orçamentais absolutos, rejeitando totalmente qaisquer ideias de endividamento do Estado, mesmo que para financiar programas geradores de emprego, comp Keynes advogava e que um grande número de prestigiados economistas (entre os quais Stiglitz, Krugman e Grawe) continua a defender como solução para economias em situação deflacionária e de grande desemprego como a que a Zona Euro atravessa.
Pode-se compreender a razão pela qual muitos alemães defendem a política actual do seu Governo, bem como a da generalidade dos que o precederam a seguir à confrontação de 39/45, ao recordarem que uma das razões que levou o seu país para tal conflito foi a situação hiper-inflacionária decorrente da obrigação do pagamento de dívidas de guerra impostas pelo Tratado de Versailles de 1919, recordação que persiste como um trauma inapagável.
Porém grande parte dos alemães esqueceu também que os países vencedores do conflito de 39/45 abstrairam do pagamento de parte importante das reparações decorrentes da guerra, reconhecidamente provocada pelos propósitos expansionistas do Reich, e que concederam largo prazo para a regularização da dívida remanescente, associado a condições vantajosas para a respectiva concretização, permitindo igualmente a reunificação dos dois Estados alemães - o que em teoria teria permitido a criação de uma potência económica ainda maior do que a que efectivamente surgiu.
As autoridades políticas e monetárias alemãs continuam assim fixadas numa obsessão que se poderia classificar de monetarista, desconfiando inclusivamente das iniciativas do Banco Central Europeu visando apoiar monetariamente a Banca da Zona Euro de modo a fomentar a concessão de mais crédito à iniciativa privada.
É verdade que é possível que a mais recente destas iniciativas tenha um grau de insucesso semelhante às anteriores, pois está baseada no pressuposto que a Banca passará a conceder muito mais crédito a empresas, o que não é evidente, pois os Bancos não o farão sem prévia verificação sustentada da solidez dos projectos, pelo que voltamos ao cerne do problema, que é o de não haver um clima de confiança no futuro; e este só se consegue através de um profundo empenhamento, tanto dos cidadãos como dos governos, passando assim por um forte programa político a nível da União Europeia que aposte no investimento de iniciativa pública concretizado na sua execução através das empresas privadas - e nestas com a predominância das que criam mais emprego: as de média dimensão.
A "Modest proposal" * (Holland, Varoufakis, Galbraith) contem as ideias para tal concretização - sem recurso ao endividamento público.
Ou seja, em vez de "keines Keynes", "mehr Keynes" (mais Keynes)...
* http://yanisvaroufakis.eu/euro-crisis/modest-proposal/
1.Fevereiro.2015.
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UE: democracia em perigo ?
Segundo a Economist (20 de Janeiro), a razão para o crescente sentimento de haver uma crise da democracia na Europa decorre do aumento do "fosso" existente entre os dirigentes políticos e os eleitores.
Sucede que os cidadãos estão agora melhor informados, pelo que a sua apreciação das acções dos seus representantes é muito mais fundamentada e cada vez mais distante dos tempos em que a democracia representativa outorgava aos eleitos poderes que só eram objecto de escrutínio em períodos eleitorais.
Sendo evidente que em sociedades complexas não se pode nem deve proceder a referendos mensais sobre a adopção de novas disposições legislativas, cabe interrogarmo-nos como se pode melhorar um sistema democrático baseado em eleições de representantes de dezenas de milhares de cidadãos, que dificilmente conhecem quem foi eleito, e que obviamente não tem disponibilidades de tempo para dialogar com os seus eleitores de modo a que estes se possam aperceber da personalidade de quem os representa e a quem se outorga o poder legislativo.
É assim evidente que o modelo político que temos vindo a seguir na União Europeia e na maioria dos Estados tem que ser melhorado no sentido de os partidos políticos evoluírem no sentido de haver uma maior proximidade face aos cidadãos.
Uma das melhores maneiras de se caminhar em tal sentido não assenta em "engenharias eleitorais" do tipo "círculos uninominais" , mas sim através do reforço do poder local, tanto em atribuições, competências e recursos, como em capacidade eleitoral de escolha de Câmaras legislativas com capacidade legislativa - tal como tenho vindo a defender nestas páginas, e em diversos textos na Imprensa.
Os partidos políticos não deixariam assim de procurar escolher quem fosse mais capaz de a nível local exercer os seus mandatos e de transmitir os seus pontos de vista, proporcionando-se deste modo o aperfeiçoamento da sua qualidade enquanto elementos fundamentais para a existência de um sistema democrático saudável.
Doutro modo, continuaremos a afundar-nos alienados num quadro de divisão crescente entre "eles" e "nós".
25.Janeiro.2015.
______________________________________________________________ União Europeia e religião.
O Preâmbulo do Tratado da União Europeia (que com o Tratado sobre o funcionamento da UE formou em 2008 o que é conhecido como Tratado de Lisboa) começa precisamente por declarar que os Estados aderentes se inspiraram "no património cultural, religioso e humanista da Europa".
As referências a religiões e às suas práticas são naqueles Tratados muito escassos, incidindo essencialmente sobre o dever da não discriminação em função das religiões seguidas, bem como sobre o respeito de ritos de natureza religiosa em diversas esferas da actividade.
Se é evidente que os deveres de não discriminação e de respeito por crenças e práticas de natureza religiosa não poderiam deixar de constituir elementos fundamentais de Tratados que se baseiam na liberdade e na democracia, já a menção relativa ao património religioso provocou acesas discussões na fase preparatória da elaboração final do Tratado da União.
Tais discussões chegaram a incidir sobre a introdução de referência ao cristianismo, que não foi aprovada, tal como outras do mesmo género, sendo talvez um importante argumento naquele período a existência da candidatura à adesão por parte da Turquia Estado com uma esmagadora maioria muçulmana.
No entanto acabou por ser aprovada a inclusão no Preâmbulo da referência ao "património religioso" da Europa, sendo evidente que tal expressão trazia subjacente a inspiração no cristianismo, orientação religiosa da grande maioria dos europeus, pois a outra religião com mais seguidores estava limitada a bolsas de imigrantes com maior implantação em França, Reino Unido, e Alemanha, e - em Estados fora da União Europeia, nos que se formaram a partir da Jugoslávia, e na zona europeia da Turquia.
A União Europeia tem desde a sua criação e até agora demonstrado que aceita a convivência pacífica com os muçulmanos, expressa nos princípios do seu património religioso, notoriamente baseado no cristianismo, aceitação que tem sido igualmente declarada pela generalidade dos dirigentes dos povos muçulmanos.
No entanto, dado que de ambos os lados a História se encarregou por diversas vezes de demonstrar que não existiu tal convivência, podemos interrogar-nos sobre se não teria sido preferível não incluir no Preâmbulo do Tratado da União Europeia a referência a um "património religioso" que por diversas vezes deixou muito a desejar em tal matéria, bastando a integração - já expressa nos Tratados - da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Constando porém dos Tratados, tal reforça a necessidade de se fazer o possível por que seja observado com especial incidência na perspectiva de pacificação das tensões que neste momento ocorrem - o mesmo se desejando ocorra por parte dos povos muçulmanos, principalmente na fase que atravessamos, que requer extrema sensibilidade política de todas as partes envolvidas.
As alternativas que se venham a colocar não auguram nada de bom.
18.Janeiro.2015.
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Dilemas muçulmanos.
Quantos dos que participaram, tanto em França como noutros países, nas manifestações de repúdio pelo bárbaro assassinato de caricaturistas do Charlie Hebdo, foram motivados não só pela expressão da defesa da liberdade de expressão mas também por um sentimento crítico relativamente aos extremismos de minorias muçulmanas que impulsionaram os perpretadores daqueles crimes, é uma dúvida que não poderá deixar de ser colocada.
De tal sentimento à consideração de que o islamismo é estruturalmente uma religião de ódio vai um pequeno passo, mesmo que tal ilação não seja claramente afirmada, e para essa perspectiva contribuem as notícias sobre as atrocidades cometidas pelo Boko Haram na Nigéria, bem como os sucessivos atentados que dizimam muçulmanos ora chiitas ora sunitas, acções sanguinolentas e sectárias dos Taliban afegãos e paquistaneses, e os conflitos no médio-oriente nestes avultando os massacres do "exército islâmico", e os atentados nos EUA e em Espanha - sem se esquecer a Chechénia e tantos outros episódios.
Não muitos, mas talvez bastantes daqueles manifestantes constatarão que nos países de maior implantação muçulmana não houve manifestações contra o atentado à liberdade de imprensa, e que apenas nalguns deles houve tímidas expressões governamentais de pesar (embora não tenham saído à rua as mesmas massas populares que há três ou quatro anos se insurgiram contra a publicação de caricaturas do profeta Maomé e que agora logicamente se deveriam ter igualmente regozijado com a "execução" de uma possível "fatwa" lançada contra os caricaturistas do profeta em causa).
No fundo, a par da proclamação do direito à liberdade de expressão não terá - lá no fundo dos seus pensamentos - aumentado o fosso que separa os muçulmanos dos que não seguem tais princípios religiosos, apesar das proclamações dos dirigentes de associações islâmicas que asseveram que a sua religião é baseada na paz e no respeito por outras crenças ?
Fosso que só pode ser reduzido pelas comunidades muçulmanas, o que dificilmente ocorrerá a curto prazo sem haver hierarquias com autoridade interpretativa, como sucede no islamismo , e em que continua a haver dissidências sangrentas entre os seus ramos.
Restará à União Europeia o "caminho aéreo" seguido pelos EUA contra os dirigentes promotores de ataques destinados a criar o medo permanente?
E quando tais dirigentes residirem no seu seio ?
11.Janeiro.2015.
Banco Central Europeu: o quarto Poder ?
Aumentam os sinais da provável ocorrência a curto prazo de uma decisão do Banco Central Europeu (BCE) visando adquirir quantidades substanciais de dívida soberana de Estados-membros da Área Euro, com a finalidade de obviar aos riscos deflacionários que têm vindo a por em causa o desenvolvimento económico naquela zona.
A principal missão do BCE é preservar o poder de compra do euro e, desse modo, a estabilidade de preços na área do euro, conforme consta dos respectivos estatutos, pelo que a queda que se tem vindo a verificar relativamente ao valor do Euro face ao Dolar (EUA) constitui motivo de alta preocupação para o chamado Eurosistema, constituído pelo BCE e pelos Bancos Centrais nacionais dos Estados-Membros que adoptaram o euro, face ao notório falhanço das sucessivas tentativas do BCE para animar o desenvolvimento económico através nomeadamente da redução da taxa de juro dos empréstimos de Euros pelo BCE para valores próximos do zero, e ao insucesso das disposições visando animar a situação financeira dos Bancos através de disposições que teoricamente deveriam ter proporcionado a injecção de empréstimos às empresas.
Por outro lado, o Eurosistema deve de acordo com os Tratados da UE apoiar as políticas económicas gerais, visando o desenvolvimento sustentável assente num crescimento económico equilibrado, numa economia social de mercado altamente competitiva que tenha como meta o pleno emprego e o progresso social, não lhe competindo - nomeadamente ao BCE - a sua formulação, pois esta deve ser exclusiva das Instituições apropriadas, nomeadamente o Conselho , o Parlamento, e a Comissão, nos respectivos âmbitos.
Ora uma eventual decisão de compra de dívidas soberanas é algo que pelo seu conceito e alcance não poderia deixar de constituir prerrogativa destas Instituições, em especial do Conselho Europeu, principalmente no que respeita aos Estados-membros em que tais dívidas assumem valores muito elevados - como sucede em Portugal.
Como no Conselho - e na própria Comissão - têm prevalecido posições em matéria de política financeira que rejeitam quaisquer fórmulas que na prática constituam perdão ou reestruturação das dívidas soberanas na parte em que foram constituídas por empréstimos de Instituições da União (a própria Comissão, e o ... BCE), assistir-se-á provavelmente a um "fechar de olhos" perante a provável decisão do BCE, sustentada na ausência de alternativas para a difícil situação da moeda única e da economia da União Europeia, em especial da área Euro.
Como já tenho escrito nestas net-páginas, a UE deve usar a Instituição de que dispõe para financiar o investimento - o Banco Europeu de Investimento - e que estatutariamente deve privilegiar no exercício das suas funções as parcerias com Bancos dos Estados-membros.
Pensar que os Bancos nacionais constituem o principal factor de desenvolvimento em tempos de profunda recessão da economia é um erro, como se constatou no fracasso, acima referido, das tentativas do BCE ocorridas ao longo do último ano.
4.Janeiro.2015.
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Índice (2015):
-
- Informação e comunicação em democracia.
- 40 anos depois, um notável documento de Christian Andersen
- Reorganização administrativa das autarquias locais.
- Morrer em AuchDorf.
- Ceuta, ou o adormecimento nacional.
- Laudato si, Francisco.
- Ceuta: um centenário quase esquecido?
- Um caminho para a Europa.
(Nem Ata nem desata. Acordo ou sonho ?)
- Desporto profissional, dependência, e alienação.
- Internet, informação, e comunicação.
- Tsushima - o primeiro sinal.
- Os jovens e a Política.
- Círculos uninominais, resultados distorcidos.
- Dois momentos marcantes em 25 de Abril de 1974.
- Meios de informação pública: confiar e desconfiar.
- A assembleia militar do 11 de Março de 1975 e a História
- E a Crimeia ?
- O "Conselho" Europeu.
- Alemanha: "Keines Keynes...".
- UE: democracia em perigo ?
- União Europeia e religião. (18.Janeiro)
- Dilemas muçulmanos. (11.Janeiro)
- Banco Central Europeu: o quarto Poder ? (4.Janeiro.2015).
010108