A
essência da Europa.
Em vésperas de um novo ano é oportuno
reflectir sobre o futuro da União Europeia (UE), até porque a Presidência
rotativa do Conselho da União Europeia vai ser exercida nos próximos seis meses
por um dos Estados-Membros que estão a procurar cumprir programas de
assistência financeira nos quais intervêm Instituições da União.
Trata-se da Irlanda - e no primeiro
semestre de 2014 tal responsabilidade incumbirá à Grécia...
Embora tenha sido relegado para um
plano algo secundário pelo relevo que o Conselho Europeu assume no que respeita
às principais orientações políticas, o Conselho da União Europeia nem por isso
deixa de ter um papel relevante na adopção de disposições legislativas, pelo
que será curioso seguir a interpretação que a Irlanda e a Grécia darão às
funções que irão assumir, bem como o desempenho cada vez mais apagado da
Comissão Europeia - teoricamente o sustentáculo da coesão da UE.
Como já escrevi em texto inserido numa
colectânea de depoimentos sobre a UE, o conceito que esteve na base da
construção das Comunidades Europeias assentou essencialmente no princípio do
fomento das trocas comerciais de bens e serviços que - esperariam os seus
fundadores – permitiria uma melhor e mais rápida integração política.
O propósito dos fundadores era
essencialmente de natureza política e visava não só a obtenção de condições que
evitassem novas guerras fratricidas na Europa mas também permitir que esta se
impusesse como exemplo ao mundo em termos não só do exercício da democracia mas
também sob o ponto de vista económico.
Porém o conceito que esteve na base da
construção das Comunidades Europeias assentou essencialmente no princípio do
fomento das trocas comerciais de bens e serviços que - esperariam os seus
fundadores – permitiria uma melhor e mais rápida integração política.
Não foi assim por acaso que vingou
inicialmente a expressão "Mercado Comum", bem como a designação
posterior de "CEE - Comunidade Económica Europeia", o que demonstra
bem que o conceito que esteve na base da construção das Comunidades Europeias
assentou essencialmente na expectativa de que as trocas comerciais de bens e
serviços permitiriam uma melhor e mais rápida integração política.
Contudo, e como a evolução comunitária
o tem vindo a demonstrar, o método de associação económica assente
principalmente em tais parâmetros não veio a resultar num modelo sólido de
integração política, tendo a criação de uma união monetária contribuído para
potenciais tendências de desagregação devido à falta de adopção pela Comissão
Europeia de medidas tendentes a corrigir os primeiros sinais de desequilíbrio.
A UE está assim num momento em que é
fundamental para a sua sobrevivência e afirmação no espaço mundial dar
prioridade à Política - evidentemente sem esquecer os propósitos de recuperação
económica e financeira, mas evitando cometer uma vez mais o erro de pensar que
estes devem estar acima dos objectivos que consubstanciarão os de um sólida
União Europeia.
Os cidadãos da UE devem ter a noção de
que os seus dirigentes têm a obrigação de pensar para além do curto prazo.
E os actuais dirigentes têm sobre os
seus ombros a responsabilidade da tomada de opções políticas que permitam que a
UE se afirme como um exemplo de um espaço de paz e de desenvolvimento.
30.Dezembro.2012.
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Freguesias - golpe na
democracia.
Espectáculo triste e
deprimente, aquele que ocorreu na Assembleia da República no passado dia 21, em
que foi aprovada a reorganização administrativa do território das freguesias,
através da criação de "Uniões" de freguesias por agregação de
conjuntos de entre elas, ou por alterações dos limites territoriais.
Determinando a
Constituição que quaisquer alterações aos limites de freguesias deveriam ser
aprovadas na sequência de debate na especialidade, o Parlamento optou por
proceder à votação município a município, em que os resultados foram de
aprovação sistemática pela maioria parlamentar que apoia o actual Governo,
havendo apenas algumas variações pontuais determinadas por algumas abstenções
de deputados, nomeadamente dos restantes grupos parlamentares, aprovação
sistemática esta que não considerou a existência de diversas incongruências
apresentadas antes de cada votação e em que ressaltaram a falta de mapas com as
novas delimitações e a indefinição das sedes das novas autarquias.
Não foi por acaso que a
Constituição determinou que este tipo de votações fosse feito na especialidade,
isto é, freguesia a freguesia, pois por certo considerou que se tratava de
matéria sensível e que está na base do funcionamento da democracia - não é à
freguesia que estão cometidas as funções essenciais dos processos eleitorais ?
Ao impor um modelo de
reorganização que deveria ser consensual e ter a maior participação possível do
eleitorado, e interpretando sem pensar os ditames do Memorando de Maio de 2011,
cujos objectivos eram essencialmente o aumento da eficiência e a redução de
custos - caso este para o qual uma redução do número de freguesias em
praticamente nada contribuiria - a maioria parlamentar deu um profundo
golpe no sistema democrático.
Foi coadjuvada, é certo,
pelo maior partido da oposição, que sendo certo ter dado o seu acordo
ao citado Memorando, não promoveu tanto quanto deveria o necessário debate
interpretativo do qual deveria surgir claramente a noção de que o caminho da
eficiência e da redução de custos não passaria pela eliminação sistemática de
freguesias nem pela agregação de outras criando ingovernáveis uniões com
dezenas de milhares de eleitores, num caminho de crescente afastamento do
eleitorado e também gerador de desnecessárias tensões.
Pobre país.
23.Dezembro.2012.
"Redes sociais" e
credibilidade da informação.
Na sequência do trágico assassinato de
diversas pessoas, na sua maioria crianças, numa escola dos EUA, cedo se
espalhou no "Facebook" e em outras "redes sociais" da
Internet o boato de que o autor dos crimes teria sido um determinado assinante
do "Facebook", circulando velozmente a identificação da respectiva
página.
Cedo se constatou um terrível engano:
tinha sido o irmão o responsável pelo execrável massacre.
Tal não obstou a que tivessem
circulado múltiplos comentários e insultos dirigidos à pessoa errada, apesar
dos esforços de esclarecimento entretanto desenvolvidos.
Isto sucedeu, por coincidência, na
mesma semana em que os EUA, o Canadá e mais alguns países (entre os quais
Portugal, ao que parece) recusaram aderir ao projecto de Tratado sobre as
telecomunicações internacionais, em que a UIT - União Internacional para as
Telecomunicações (Instituição da ONU) - se propunha assumir um papel de alguma
regulação numa área que tem primado por uma assinalável liberdade, mas em que o
principal poder se situa sob muitos aspectos nos EUA.
O facto é que a liberdade de expressão
na Internet - princípio a preservar na maior amplitude possível - tem
possibilitado a difusão de informações erróneas ou atentatórias do bom nome de
muitas pessoas, que assumem aspectos da maior gravidade quando são de origem
não identificada.
É certo que já se assiste a alguma
intervenção do poder judicial, porém de difícil concretização quando se trate
de assuntos que têm a sua génese ou principais desenvolvimentos em Estados que
não o dos residentes afectados por tais tipos de informações erróneas,
ocorrendo por outro lado situações em que o simples facto de serem
retransmitidas tem suscitado acusações de cumplicidade interpostas junto do
poder judicial, em nítido exagero persecutório que deveria igualmente ser
objecto de adquada clarificação legislativa.
Também não deve ser esquecida a
existência de Estados autoritários onde a filtragem de conteúdos e de emissores
na Internet assume proporções preocupantes para todos aqueles que acreditam que
o progresso da Humanidade será tanto maior quanto o for a liberdade de
informação - desde que exercida no respeito pelos direitos de todos.
Estamos ainda longe de atingir tão
nobres objectivos, que porém devem também assentar em dois princípios
fundamentais: em primeiro lugar, o da identificação tão fundamentada quanto
possível sobre quem são os autores da informação que circula na Internet; e em
segundo lugar, o da capacidade de interposição de queixas, e do respectivo
julgamento, a nível internacional.
Esperemos que a própria Internet,
espaço por excelência da liberdade de informação, possa continuar a contribuir
para que sejam dados os necessários passos - e para tal todos devemos
contribuir, apenas retransmitindo o que inequivocamente se nos afigure
adequadamente fundamentado.
16.Dezembro.2012
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Democracia: a representação e a
participação.
Acaba de ser aprovada na Assembleia da
República a lei que estabelece a reorganização administrativa das freguesias,
caracterizada essencialmente pela fusão de freguesias em "uniões" de
freguesias de maior dimensão, nomeadamente em áreas rurais, bem como por
idêntico processo em áreas urbanas - criando "uniões" cuja dimensão
excede em diversos casos 50 mil eleitores.
Como tenho vindo a referir nestas
net-páginas, trata-se de um processo que constitui um enorme passo atrás na
caracterização do nosso sistema democrático, excepção feita a alguns casos em
que se recomendaria a agregação de múltiplas freguesias (como por exemplo
quanto às cerca de 90 existentes no concelho de Barcelos).
Já aqui o disse, e volto a repetir:
tratou-se da "grande solução" para a melhoria da eficiência do poder
local ("ordenada" pelo Memorando de Entendimento com o FMI, BCE e Comissão
Europeia), que para além de reduzidíssimas poupanças num orçamento do Estado em
que representam apenas cerca de 0,15% dos encargos destroi um tecido
socio-político que antes precisaria de um reforço de atribuições, competências
e recursos a transferir dos municipios - tal como deveria ocorrer também nos
municípios urbanos em que cada vez mais os eleitores estão a ficar afastados da
participação na vida local, sem a qual a vida política fica limitada a uma
representatividade distante.
Não esqueçamos que o termo
"freguesia" está associado à noção de "frequência", neste
caso de um local, sendo portanto um elemento agregador do tecido social, não
fazendo sentido caminhar-se no sentido do afastamento imposto
administrativamente e cujas consequências se traduzirão numa menor participação
na resolução dos problemas de natureza local.
Não existe qualquer coerência em
associar, como sucederá no concelho de Cascais, duas freguesias com mais de 20
mil eleitores cada uma, criando uma "super-freguesia" em que os
cidadãos, se já mal se conheceriam, pior ficam.
Acrescerão também sérios problemas na
organização do sistema eleitoral - precisamente a escassos meses das eleições
do próximo ano..
Por outro lado, o Governo tinha já
vindo a dar a entender que quanto aos municípios pouco ou nada do que estava
previsto no "Memorando" seria aplicado, não só no que respeita a
limites de endividamento mas também quanto ao que se refere a agregações de
concelhos (bases da organização dos partidos políticos...), restando assim as
junções de freguesias como argumento a tentar apresentar como prova de
cumprimento da parte do Memorando relativa ao Poder Local.
Porém, quanto às necessárias as
transferências de atribuições, competências e recursos dos orgãos autárquicos
municipais (sem aumento nos encargos globais), não há notícia de que o assunto
esteja a ser analisado e discutido com a profundidade que deveria ter.
Tais reforços de meios, e os
necessários redimensionamentos de diversas Freguesias, não devem deixar de
tomar em consideração que em muitos casos os órgãos das Freguesias do
despovoado interior são praticamente o único ponto de contacto da população com
a Administração pública, e que no caso das grandes freguesias urbanas se
deveria optar pela respectiva divisão em outras unidades de menor dimensão que
possibilitassem uma maior aproximação entre eleitores e eleitos.
Se os cidadãos sentissem que as Juntas
de Freguesia tivessem mais poderes e recursos, que as suas reclamações quanto
ao asseio, à segurança, às pequenas reparações na via pública, ao trânsito, ao
estacionamento de viaturas, e mesmo quanto à solidariedade social, tivessem
soluções mais rápidas e eficazes - e com menos custos - participariam
certamente muito mais na vida pública local, e todo o sistema político
beneficiaria de tal.
E se às Assembleias de Freguesia fosse
outorgada a capacidade de globalmente constituirem um colégio eleitoral que
elegeria um Senado com poderes importantes no processo legislativo teríamos
então a possibilidade de fazer motivar ainda mais os cidadãos para a
participação na vida política - processo de que os partidos políticos
obviamente beneficiariam na sequência da osmose que tal sistema induziria a
nível local entre eleitores e partidos, e da motivação acrescida em cidadãos
mais qualificados e experientes actualmente mais arredados da vida pública ou
limitados a participação em intervenções escritas ou em seminários e aparições
televisivas com reduzida influência no poder político.
Portugal está doente. E para a sua
melhoria falta a participação popular, nela se incluindo a das elites, e a
aproximação entre eleitores e eleitos, sem o que não se conseguirão condições
para a superação dos momentos difíceis que vivemos e que se irão por certo
agravar nos próximos anos.
Portugal não tem ainda condições para
viver apenas sob um modelo de democracia formal e assente na delegação
periódica do poder político, sistema que até agora desempenhou o seu papel
institucional, mas a que lhe falta estar bem arreigado no comportamento
político e social dos cidadãos.
Tenho a consciência de que alguns dos
conceitos que tenho vindo a apresentar visando a melhoria da democracia
representativa através do aperfeiçoamento da democracia participativa só são
suceptíveis de aplicação mediante a adopção de novos textos constitucionais.
Também sei que modificações deste
tipo, bem como outras mais controversas, dificilmente poderão ser concretizadas
no actual quadro de organização do poder político, tanto pelos presentes
detentores do poder, como por parte significativa dos que se apresentam como
alternativa.
Também admito que o eventual
agravamento da conjuntura política e social possa levar a situações em que se
constate a ineficácia de tal quadro.
Desejável seria que a lucidez se
antecipasse a tais situações.
8.Dezembro.2012 .
Inconstitucionalidades e
impreparações.
São muitas - e dos mais
diversos quadrantes políticos - as opiniões que têm vindo a público afirmando
que a lei que aprovou o Orçamento do Estado para 2013 apresenta diversas normas
que são inconstitucionais, e que por tal facto requerem que o Presidente da
República solicite a correspondente apreciação preventiva.
Esta apreciação, no caso
de ser solicitada, deverá ocorrer no prazo de oito dias após a recepção da Lei
pelo Presidente, presumindo-se que tal prazo se extinga no final da próxima
semana, o que deixará o Tribunal Constitucional perante a situação de ter que
se pronunciar num prazo inferior aos 25 dias de que normalmente disporia para o
efeito, dada a provável hipótese de o Presidente da República encurtar tal
prazo por motivos de urgência, dado que o Orçamento deveria ser promulgado e
publicado antes do final do corrente ano.
Por outro lado e tal
como já ocorreu recentemente afigura-se provável que, caso não tenha sido solicitada
pelo Presidente da República a apreciação preventiva, venha a ocorrer
posteriormente à respectiva publicação um pedido de declaração de
inconstitucionalidade de uma ou mais normas estabelecidas no Orçamento, pedido
esse suscitado ao Tribunal Constitucional por iniciativa de um décimo do número
de deputados.
Desenha-se assim uma
situação que mais uma vez poderá por em causa a execução orçamental - pelo
menos em termos de prazos - no caso de o Tribunal Constitucional se pronunciar
pela existência de inconstitucionalidades, quer ainda em Dezembro no caso
de nos próximos dias lhe ser solicitada pelo Presidente da República
a respectiva apreciação, quer posteriormente na sequência de solicitação dos
deputados para o efeito necessários, pois o texto legislativo deve voltar a ser
objecto de análise e decisão pela Assembleia da República, afigurando-se muito
difícil que em Dezembro ainda houvesse tempo para tal.
Pergunta-se, pois, se no
Governo não houve ninguém minimamente competente que tenha pensado na necessidade
de serem cuidadosamente analisadas as hipóteses de haver inconstitucionalidades
nas diversas normas constantes do projecto de Orçamento do Estado, quer pelos
muitos juristas existentes no Estado, quer por reputados constitucionalistas.
Ou estaria à espera que
o Tribunal Constitucional viesse novamente a repetir a apreciação que muitos
caracterizaram como mais política que jurídica ao fixar alcances mais restritos
para os efeitos de algumas inconstitucionalidades, como sucedeu quanto à
supressão de subsídios salariais a funcionários públicos e a pensionistas, e
agora exprimindo alguma decisão do tipo "trata-se de norma
inconstitucional, mas a título excepcional e dada a situação financeira do
Estado entendemos que por este ano não deve ser considerada a validade da
inconstitucionalidade" ...
1.Dezembro.2012
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UE: o orçamento e o futuro.
O Conselho Europeu da passada semana
não conseguiu chegar a uma plataforma de entendimento que possibilitasse a
aprovação do orçamento plurianual da União Europeia, adiando para data
posterior a apreciação de nova proposta
da Comissão.
Impasse sem dúvida associado aos
problemas relacionados com o Euro e com as dívidas soberanas de alguns dos
Estados-membros, foi desta vez marcado pela originalidade de ter sido o
Presidente da União - isto é, o Presidente do Conselho Europeu H.Van Rompuy - a
entidade encarregada de encontrar uma solução que pudesse colmatar as
divergências existentes.
Originalidade, pois o paralelo desta
situação com o que se passaria num Estado seria o facto de se ter pedido ao
próprio Presidente da República que tomasse a seu cargo uma tarefa que
normalmente incumbiria ao Governo.
No caso vertente, deveria ter sido
solicitado á Comissão Europeia - autora da proposta inicial - que revisse o
projecto, pois não só dispõe dos instrumentos necessários para o efeito como
tem por definição os canais apropriados para comunicar com os Estados-membros,
sendo aliás de estranhar que se chegasse à reunião do Conselho com uma proposta
com poucas probabilidades de ser aprovada, o que significa a ausência de
apropriado trabalho de análise prévia conjunta.
Deu-se assim mais um passo na
descredibilização da Comissão Europeia e do seu Presidente, bem como mais um
golpe no já de si escasso prestígio do Presidente da União, que desde há muito
deviam ter tomado a única posição que permitiria à União reflectir sobre o
funcionamento das suas Instituições, possibilitando assim que o Parlamento
Europeu também recuperasse o seu papel de representante máximo do sistema
democrático da União Europeia.
Estes factos prenunciam o agravamento
da falta de coesão política na União, de que apenas poderá recuperar caso
ocorram acontecimentos ponderosos e inesperados que permitam o retomar dos
laços quebrados bem como a evolução para formas de modelo político que lhes
permitam fazer face.
Caso contrário, a União regressará à situação
em que se encontrava no início da década de 1990 - ou seja, a do "Mercado
comum".
25.Novembro.2012 .
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"Mercenários camarários"...
L.F.Menezes,
actual Presidente da Cãmara Municipal de Gaia, cujo mandato termina no próximo
ano, declarou há pouco tempo que se candidataria nas próximas eleições (Outubro de
2013) à
Presidência da Câmara Municipal do Porto, acrescentando que tal decisão era
"irrevogável" (sic).
Isto, apesar de a lei em vigor
estabelecer que o Presidente de Câmara Municipal, só podendo ser eleito para
três mandatos consecutivos (caso de L.F.Menezes), fica impedido de assumir
aquelas funções durante o quadriénio imediatamente subsequente ao último
mandato consecutivo permitido.
Tem sido argumentado que a lei em
vigor não proíbe taxativamente recandidaturas noutro concelho, porém parece
inequívoco que o espírito da lei procura evitar a existência de mandatos
"eternos" saltitando entre os mais de 300 concelhos ora existentes.
Poderia contrapor-se que a lei não
proíbe a existência de candidaturas "permanentes" de Deputados, mas a
Constituição estabelece que representam todo o país e não os círculos por que
são eleitos.
Por outro lado, a Constituição
estabelece que não é admitida a reeleição do Presidente da República para um
terceiro mandato consecutivo, nem durante o quinquénio imediatamente
subsequente ao termo do segundo mandato consecutivo.
Parece inegável, deste modo, que o
legislador se tem inclinado para a limitação de mandatos contínuos - e não terá
ido mais longe quanto a Deputados porque são os próprios autores das leis, e
porque não terá sido até agora tal apreciação colocada ao Tribunal
Constitucional.
A opinião pública talvez se inclinasse
mais para a adopção generalizado do princípio de só serem permitidas
recandidaturas após passado um mandato, pois seria assim possível comparar
melhor os desempenhos dos eleitos, dando-lhes posteriores oportunidades de
voltar a demonstrar as suas capacidades.
Profissionais de candidaturas
saltitantes: situações que são de evitar, pois são mais um factor de
profissionalização política que contribuiria para um ainda maior afastamento
entre eleitores e eleitos.
18.Novembro.2012 .
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Angelismos e subserviências.
A "visita de inspecção" que
a Chanceler Angela Merkel vem amanhã fazer ao Estado português tem vindo a
suscitar um conjunto de reacções que culminaram com a publicação no
"Expresso" de ontem de uma carta aberta que um conjunto de pessoas
com alguma influência política lhe dirigiu, e que a tratam quase como se fosse
a Presidente da União Europeia.
Tais reacções em nada contribuem para
dignificar Portugal, pois contribuem para acentuar um papel de subserviência
relativamente a um Estado-membro que tendo - é certo - um importante papel no
conjunto da União, e em particular na zona Euro, nem por isso deixa de ser um
dos muitos que a ela pertencem, e que devem pautar o seu comportamento mútuo em
função do que está disposto nos Tratados por eles subscritos.
Não se contesta a ocorrência de uma
visita de Estado, desde que se paute pela cortesia e pela retribuição de um
convite oportunamente formulado. Mas o que não se pode nem deve aceitar é que
pelo comportamento de grande parte da opinião de muitos responsáveis políticos
e de personalidades com reconhecidas capacidades intelectuais se contribua para
condicionar o pensamento do povo á ideia de que quem manda na União Europeia
não são as Instituições designadas por representação popular, seja directa,
seja indirecta, mas sim Directórios - neste caso reduzidos já a apenas uma
pessoa...
Exija-se aos representantes eleitos
pelos portugueses, e aos seus pares nos outros Estados-membros, que sejam as
Instituições da União a discutir os problemas que a todos afectam e em especial
os que causam mais preocupação a alguns de entre eles, pois por exemplo o
problema da dívida soberana de um Estado não é apenas dele: deve preocupar a
todos, e todos devem procurar ajudar a encontrar soluções razoáveis para o
ultrapassar, e não o deixar entregue á sua sorte.
A instabilidade criada na União
Europeia por um ou mais Estados-membros com problemas graves decorrentes da
introdução do Euro, bem como de comportamentos notoriamente incorrectos quanto à
adopção de políticas que - por vezes aconselhadas pela própria Comissão
Europeia - descredibilizaram os equilíbrios orçamentais, pode propagar-se a
toda a União, nomeadamente se for cometido o erro da criação de uma
"Cortina" que não sendo de "Ferro" nem de divisão entre
Leste e Oeste seja uma "Cortina Financeira" de separação entre o
Norte e o Sul.
Aos representantes eleitos pelos
portugueses cabe ajudar a promover o diálogo, nomeadamente no Conselho Europeu,
e recusar "subserviências angelicais", sem prejuízo de lealmente
afirmarem que não as aceitamos.
11.Novembro.2012 .
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Resgatados, refundados.
A recente solicitação que o
Primeiro-Ministro endereçou ao Partido Socialista, solicitando a respectiva
colaboração para o que apelidou de "refundação" do Memorando de
Entendimento celebrado entre o Governo Português e três entidades de cariz internacional
(Comissão Europeia, Banco Central Europeu, e Fundo Monetário Internacional)
visando a concessão à República Portuguesa de um avultado empréstimo, faz
suscitar um conjunto de importantes questões que levantam sérias dúvidas sobre
a capacidade e sentido de Estado dos responsáveis políticos que intervieram na
concretização do citado Memorando.
Deduz-se de tal solicitação que é
requerida, se bem que de forma velada, a constituição de uma maioria
parlamentar mais alargada que a actual e visando a aprovação de novas
disposições de carácter estrutural que permitam a redução permanente da despesa
pública, excedendo assim os limites temporais previstos no Memorando.
Independentemente dos juizos de valor
que se possam fazer a propósito deste documento, parece que teria sido mais
lógico que tal maioria tivesse sido constituída logo após as eleições para a
Assembleia da República que viriam a ocorrer pouco depois da assinatura daquele
programa, o qual foi da responsabilidade do anterior Governo (tendo tido a
aprovação dos dois partidos que viriam a formar uma coligação governamental
após aquelas eleições), para não se caír no paradoxo que entretanto tem vindo a
existir de haver um partido político que, tendo apoiado a elaboração do
Memorando, passou a assumir posições de abstenção - ou mesmo contrárias -
quanto à execução de diversas disposições nele previstas.
Perguntar-se-à qual a razão pela qual
não foi oportunamente tentada a constituição de uma maioria parlamentar mais
alargada, uma vez que era de admitir que a coligação formada não tivesse a
capacidade e a base de apoio necessárias para concretizar um plano sensato de
acções que permitissem evitar a situação de embaraço que se deduz da invocada
necessidade de "refundação", pois mesmo para acções de tal tipo
constantes no Memorando não se conseguiu a respectiva concretização - por
exemplo, a redução do número de municípios.
A resposta a esta dúvida está em
Belém, onde terá prevalecido a opção por uma aparente neutralidade quanto às
opções que poderiam ter sido sugeridas pelo Presidente da República ao
indigitado Primeiro-Ministro, e que com a alegada e propalada magistratura dita
de influência, activa ou de acção nos bastidores teria talvez permitido atenuar
o sombrio caminho que temos vindo a seguir.
4.Novembro.2012.
"Voluntários" compelidos.
Terminou há dias o prazo para que as
Assembleias Municipais se pronunciassem sobre o projecto de Reorganização
Administrativa Territorial Autárquica ("RATA"...) constante da Lei
22/2012, que visava e visa essencialmente um processo de agregação de
freguesias em cada município tendente a diminuir em cerca de 25% o número total
existente no país.
Foram inúmeras as Assembleias que se
pronunciaram contra a concretização de modificações no respectivo município, ou
que não se pronunciaram sequer, o que segundo a citada Lei equivale a uma
rejeição dos novos mapas propostos pelo Governo, entre elas as do Porto e Gaia
- sustentáculos aparentes das posições do Executivo.
A mesma Lei prevê que a Unidade
Técnica criada para assessorar a Assembleia da República na tomada de decisões
sobre este assunto emita pareceres sobre a conformidade das propostas
municipais com os critérios nela apresentados, e que apresente propostas
concretas de reorganização administrativa do território das freguesias, em caso
de ausência de pronúncia das assembleias municipais.
Curiosamente - ou talvez não, dado que
muitos partidos políticos dependem das respectivas organizações concelhias - a
"RATA" apenas prevê quanto a reorganizações dos territórios municipais
a possibilidade de processos de fusão por iniciativa dos respectivos
municípios, pelo que a "grande solução" para a melhoria da eficiência
do poder local ("ordenada" pelo Memorando de Entendimento com o FMI,
BCE e Comissão Europeia) passa, segundo aquela Lei, pela agregação forçada de
freguesias de pequena dimensão, o que para além de reduzidíssimas poupanças
destroi um tecido socio-político que antes precisaria de um reforço de
atribuições, competências e recursos a transferir dos municipios - tal como deveria
ocorrer também nos municípios urbanos em que cada vez mais os eleitores estão a
ficar afastados da participação na vida local, sem a qual a vida política fica
limitada a uma representatividade distante.
Também se pode antever que as próximas
eleições para as autarquias locais venham a sofrer consequências quer no âmbito
da identificação entre eleitores e candidatos, quer no da respectiva
organização, o que mais poderá contribuir para o descrédito das medidas
adoptadas.
Tudo isto, num período em que a
autoridade do Estado já começou a ficar minada por actos de revolta dos
cidadãos para com os seus representantes políticos, na sequência de decisões
mal explicadas ou resultantes de processos de participação deficientes.
Reduzida a um arremedo fingido de
participação democrática, em que os municípios - e os cidadãos - se tornam em
"voluntários" compelidos, a "RATA" contribui assim para
roer ainda mais o edifício político...
28.Outubro.2012 .
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O Euro e a
União Europeia.
Terminado o Conselho Europeu de 18/19 de Outubro corrente e lidas as suas conclusões (talvez melhor classificadas por intenções) não podemos deixar de nos interrogar se os dirigentes dos Estados-membros que as subscreveram tiveram plena consciência da falta de visão sobre o futuro da União Europeia que delas ressalta, bem como das declarações que antes e depois foram proferidas.
Parece que não se apercebem que o futuro da União está indissociavelmente ligado ao da moeda única, e que esta depende da saúde financeira e económica dos Estados que a adoptaram.
Que tal saúde foi afectada por problemas ligados à dívida soberana dos Estados-membros que seguiram as orientações contraditórias produzidas em 2009 e em 2010 pela Comissão Europeia, provocando o respectivo agravamento em vez de contribuírem para a correcção dos erros que tais Estados (aliás como a própria Alemanha) tinham cometido a partir do momento - pouco tempo depois da respectiva adopção do Euro - em que deixaram de procurar observar os critérios de convergência que estiveram na base da instituição da moeda única, sem que a Comissão Europeia tenha desencadeado como lhe competia os adequados mecanismos sancionatórios.
Que uma "União" pressupõe uma atitude colaborante de cooperação para se encontrarem soluções, sem que tal deva inibir a justa aplicação de sanções a quem deixou agravar os problemas, em vez de se deixarem entregues à sua sorte os Estados-membros em dificuldades - agora já não como membros de uma União mas apenas como Estados semi-soberanos tentando cada um encontrar a compreensão da banca e fundos internacionais para minorar os crescente custos de dívidas que devido a enormes juros se tornam impossíveis de liquidar, e tendo que recorrer a uma entidade extra-europeia (o FMI) para obter financiamentos face às modestíssimas possibilidades apresentadas pelos mecanismos e fundos criados para tal fim dentro da União.
Que não é possível aceitar que a Comissão Europeia venha agora afirmar que nada tem a ver com os programas de estabilidade financeira adoptados pelos Estados em dificuldades e que a responsabilidade é dos Governos respectivos, esquecendo que é parte constitutiva das entidades criadas para a respectiva elaboração e acompanhamento.
Que só agora "descobriram" que dispõem de um banco de investimentos europeu (o BEI) que poderia substituir-se aos "mercados" e financiar as economias em dificuldades, nomeadamente às pequenas e médias empresas, promovendo - sem prejuízo da procura dos equilíbrios orçamentais dos Estados - o crescimento e por consequência o emprego e a criação de riqueza susceptível de criar uma recuperação sólida.
Mas que terão decidido que o capital do citado Banco passasse apenas dos actuais 10 mil milhões de Euros para 60 mil milhões, valor modestíssimo face aos valores que se imporiam.
Em vez de tal perspectiva, concentraram-se sobre modelos (Mecanismo Europeu de Estabilidade, Supervisão bancária, e outros) cuja plena entrada em vigor já será tardia - para além de insuficiente - para a produção de resultados que evitem as crises sociais e políticas que se avizinham e que irão minar a coesão dos Estados em maiores dificuldades como também a da própria União.
Esperemos que perante este quadro os nossos "estadistas" tomem as posições que se impõem, ou então os portugueses e outros europeus encarregar-se-ão de as tomar.
21.Outubro.2012 .
Terminado o Conselho Europeu de 18/19 de Outubro corrente e lidas as suas conclusões (talvez melhor classificadas por intenções) não podemos deixar de nos interrogar se os dirigentes dos Estados-membros que as subscreveram tiveram plena consciência da falta de visão sobre o futuro da União Europeia que delas ressalta, bem como das declarações que antes e depois foram proferidas.
Parece que não se apercebem que o futuro da União está indissociavelmente ligado ao da moeda única, e que esta depende da saúde financeira e económica dos Estados que a adoptaram.
Que tal saúde foi afectada por problemas ligados à dívida soberana dos Estados-membros que seguiram as orientações contraditórias produzidas em 2009 e em 2010 pela Comissão Europeia, provocando o respectivo agravamento em vez de contribuírem para a correcção dos erros que tais Estados (aliás como a própria Alemanha) tinham cometido a partir do momento - pouco tempo depois da respectiva adopção do Euro - em que deixaram de procurar observar os critérios de convergência que estiveram na base da instituição da moeda única, sem que a Comissão Europeia tenha desencadeado como lhe competia os adequados mecanismos sancionatórios.
Que uma "União" pressupõe uma atitude colaborante de cooperação para se encontrarem soluções, sem que tal deva inibir a justa aplicação de sanções a quem deixou agravar os problemas, em vez de se deixarem entregues à sua sorte os Estados-membros em dificuldades - agora já não como membros de uma União mas apenas como Estados semi-soberanos tentando cada um encontrar a compreensão da banca e fundos internacionais para minorar os crescente custos de dívidas que devido a enormes juros se tornam impossíveis de liquidar, e tendo que recorrer a uma entidade extra-europeia (o FMI) para obter financiamentos face às modestíssimas possibilidades apresentadas pelos mecanismos e fundos criados para tal fim dentro da União.
Que não é possível aceitar que a Comissão Europeia venha agora afirmar que nada tem a ver com os programas de estabilidade financeira adoptados pelos Estados em dificuldades e que a responsabilidade é dos Governos respectivos, esquecendo que é parte constitutiva das entidades criadas para a respectiva elaboração e acompanhamento.
Que só agora "descobriram" que dispõem de um banco de investimentos europeu (o BEI) que poderia substituir-se aos "mercados" e financiar as economias em dificuldades, nomeadamente às pequenas e médias empresas, promovendo - sem prejuízo da procura dos equilíbrios orçamentais dos Estados - o crescimento e por consequência o emprego e a criação de riqueza susceptível de criar uma recuperação sólida.
Mas que terão decidido que o capital do citado Banco passasse apenas dos actuais 10 mil milhões de Euros para 60 mil milhões, valor modestíssimo face aos valores que se imporiam.
Em vez de tal perspectiva, concentraram-se sobre modelos (Mecanismo Europeu de Estabilidade, Supervisão bancária, e outros) cuja plena entrada em vigor já será tardia - para além de insuficiente - para a produção de resultados que evitem as crises sociais e políticas que se avizinham e que irão minar a coesão dos Estados em maiores dificuldades como também a da própria União.
Esperemos que perante este quadro os nossos "estadistas" tomem as posições que se impõem, ou então os portugueses e outros europeus encarregar-se-ão de as tomar.
21.Outubro.2012 .
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A "austeridade" e o exemplo.
O semanário "Sábado" recorda no seu Editorial de 11 de Outubro passado a existência de uma Associação dos ex-Deputados da Assembleia da República, que nos últimos 5 anos terá recebido financiamentos do Orçamento parlamentar na ordem dos 280 mil Euros.
No Relatório de contas de gerência de 2011 pode aliás ser verificado, na pág.83, que o valor atribuído naquele ano se cifrou em 43837 Euros (estando previsto para o corrente ano o aumento para 44732, contrariamente ao que é referido no "blog" oficial da referida Associação, em aedar.blogspot.pt ).
Esta Associação de ex-Deputados foi criada no ano de 2003, tendo em Março de 2005 sido declarada, por deliberação da Assembleia da República, como Associação de Interesse Parlamentar, ao abrigo da Lei nº.7/93 (Estatuto dos Deputados).
No "blog" da Associação ("AEDAR") desmente-se em esclarecimento uma alusão do citado Editorial sobre a organização de um torneio de golfe na Quinta da Marinha, não se contestando porém o facto de o mencionado Editorial noticiar que há uma funcionária atribuída a tempo inteiro ao funcionamento da Associação, bem como um técnico de contas.
Não se contesta o direito à existência de tal Associação, cujo interesse é evidente, nem o facto de lhe ser atribuído um gabinete nas instalações parlamentares.
Porém, mesmo que fosse concretizada a redução de 40% que a AEDAR informa no mesmo esclarecimento estar prevista na dotação orçamental para o corrente ano, nem por isso os contribuintes deixarão de se interrogar sobre se uma Associação deste tipo deve receber subsídios da Assembleia da República, nomeadamente em período de contenção de despesas.
Poderá argumentar-se que se trata de quantias pouco significativas, mas como estas muitíssimas outras haverá, e de entre elas muitas de valores extremamente elevados, havendo diversos locais na Internet onde são apresentadas ligações para múltiplas fontes oficiais onde tal será facilmente constatado.
Não pode existir autoridade responsável e respeitada sem se dar o exemplo, desde o Presidente da República, quanto aos seus réditos e quanto aos gastos das suas Casas - Civil e Militar, à Assembleia da República, quanto aos vencimentos, outras remunerações e subsídios, bem como às despesas de funcionamento, e Membros do Governo e respectivos Gabinetes, quanto a remunrerações e subsídios, bem como em dispêndios nos respectivos Ministérios.
E muitas outras áreas existem, em que sem contenções públicas, significativas e notórias tais reduções se impõem independentemente de eventuais alívios nas políticas de "austeridade".
Mas não foi por acaso que referi os três órgãos de soberania, pois sem passos decisivos no exemplo continuarão a não poder saír do remanso dos seus gabinetes sem se sujeitarem a apupos e insultos impensáveis há pouco mais de um ano.
Comece-se, pois, pelo pequeno exemplo da Associação de ex-Deputados, pois certamente não deixarão de querer figurar como os precursores da limitação de despesas excessivas do erário público.
14.Outubro.2012 .
O semanário "Sábado" recorda no seu Editorial de 11 de Outubro passado a existência de uma Associação dos ex-Deputados da Assembleia da República, que nos últimos 5 anos terá recebido financiamentos do Orçamento parlamentar na ordem dos 280 mil Euros.
No Relatório de contas de gerência de 2011 pode aliás ser verificado, na pág.83, que o valor atribuído naquele ano se cifrou em 43837 Euros (estando previsto para o corrente ano o aumento para 44732, contrariamente ao que é referido no "blog" oficial da referida Associação, em aedar.blogspot.pt ).
Esta Associação de ex-Deputados foi criada no ano de 2003, tendo em Março de 2005 sido declarada, por deliberação da Assembleia da República, como Associação de Interesse Parlamentar, ao abrigo da Lei nº.7/93 (Estatuto dos Deputados).
No "blog" da Associação ("AEDAR") desmente-se em esclarecimento uma alusão do citado Editorial sobre a organização de um torneio de golfe na Quinta da Marinha, não se contestando porém o facto de o mencionado Editorial noticiar que há uma funcionária atribuída a tempo inteiro ao funcionamento da Associação, bem como um técnico de contas.
Não se contesta o direito à existência de tal Associação, cujo interesse é evidente, nem o facto de lhe ser atribuído um gabinete nas instalações parlamentares.
Porém, mesmo que fosse concretizada a redução de 40% que a AEDAR informa no mesmo esclarecimento estar prevista na dotação orçamental para o corrente ano, nem por isso os contribuintes deixarão de se interrogar sobre se uma Associação deste tipo deve receber subsídios da Assembleia da República, nomeadamente em período de contenção de despesas.
Poderá argumentar-se que se trata de quantias pouco significativas, mas como estas muitíssimas outras haverá, e de entre elas muitas de valores extremamente elevados, havendo diversos locais na Internet onde são apresentadas ligações para múltiplas fontes oficiais onde tal será facilmente constatado.
Não pode existir autoridade responsável e respeitada sem se dar o exemplo, desde o Presidente da República, quanto aos seus réditos e quanto aos gastos das suas Casas - Civil e Militar, à Assembleia da República, quanto aos vencimentos, outras remunerações e subsídios, bem como às despesas de funcionamento, e Membros do Governo e respectivos Gabinetes, quanto a remunrerações e subsídios, bem como em dispêndios nos respectivos Ministérios.
E muitas outras áreas existem, em que sem contenções públicas, significativas e notórias tais reduções se impõem independentemente de eventuais alívios nas políticas de "austeridade".
Mas não foi por acaso que referi os três órgãos de soberania, pois sem passos decisivos no exemplo continuarão a não poder saír do remanso dos seus gabinetes sem se sujeitarem a apupos e insultos impensáveis há pouco mais de um ano.
Comece-se, pois, pelo pequeno exemplo da Associação de ex-Deputados, pois certamente não deixarão de querer figurar como os precursores da limitação de despesas excessivas do erário público.
14.Outubro.2012 .
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Degredados
para a Galé ...
Qualquer
Nação tem simbolismos e rituais que fazem parte constituinte da sua existência
como Estado independente, e a República Portuguesa não constitui excepção,
avultando entre tais símbolos as datas marcantes quer no que respeita á sua
independência quer quanto ao estabelecimento de sistemas políticos de forte adesão
popular.
Pode
compreender-se que por razões conjunturais algumas dessas datas não sejam
transitoriamente consideradas como feriados, sem que por isso deixem de ser
comemoradas tanto quanto as circunstâncias o permitam.
Por
tais razões ter-se-ia imposto que as comemorações oficiais do aniversário da
implantação da República, ocorridas no passado dia 5 de Outubro, tivessem
procurado acentuar que a prevista supressão futura do respectivo feriado não
seria definitiva.
Porém
tal não ocorreu. Antes pelo contrário.
Sendo
certo que a adesão popular às tradicionais comemorações na Praça do Município,
em Lisboa, nunca foi muito grande, o facto é que nem por isso deixavam de ser
abertas à população, que estupefacta tomou conhecimento da migração das entidades
oficiais para um obscuro e pouco conhecido "Pátio da Galé", sem saber
se o acesso público seria pernitido - e que a sê-lo nunca albergaria mais que
algumas dezenas de pessoas devido à exiguidade do espaço de tal
"Galé".
As
razões para tal procedimento, aventadas pelo Presidente da Câmara Municipal,
não terão de modo nenhum convencido a opinião pública (a avaliar pelo que veio
a lume), que se terá inclinado a pensar que terão sido razões de
"segurança" as responsáveis pela decisão tomada, motivos cuja génese
estaria em diversas reacções populares dirigidas contra responsáveis políticos
em recentes manifestações de rua.
Assistimos
assim, através da televisão, ao espectáculo deprimente do refúgio - com
raríssimas excepções - das "forças vivas da Nação", como noutros
tempos de triste memória, numa espécie de "bunker" cujo nome de Galé
algo premonitoriamente fazia e faz lembrar os degredados sem força para reagir
à escravidão imposta.
E,
no caso vertente, quiçá subjugados por sentirem que simbolicamente estariam a
assistir ao fim de mais um episódio da República que teima tenazmente em lutar
contra os que por desleixo ou incompetência a deixaram chegar ao ponto onde
tristemente se encontra, e que fogem de encarar o povo que dizem representar
quebrando os laços de confiança estabelecidos entre eleitores e eleitos e que
constituem a essência da democracia, como tenho vindo a referir nestas páginas.
Tais
laços só poderão ser recuperados caso sejam assumidos pelos representantes
políticos os erros que - muitos deles - sistematicamente cometeram.
É
esse o procedimento que a República deles espera.
6.Outubro.2012
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Governados
e governantes: a quebra dos laços .
O deprimente espectáculo dos automóveis de luxo que transportavam membros do Conselho de Estado a saírem em alta velocidade do Palácio de Belém sob os apupos e insultos de muitos manifestantes que aguardavam o termo da reunião daquele Conselho, bem como as vaias que têm vindo a ser dirigidas aos membros do Governo sempre que aparecem em público, são um indicador de quanto se perderam diversos laços de confiança entre representados e representantes, o que significa a criação de feridas que levam muito tempo a sarar e sendo assim um sinal preocupante para a estabilidade do regime democrático.
Sob outras formas, o mal estar apresenta-se também na Grécia, na Itália, e em Espanha - neste caso com cambiantes que podem por em causa a própria unidade do Estado - e muito provavelmente dentro de alguns meses teremos problemas análogos em França, face à situação das contas públicas.
Ou seja, a "União" Europeia corre o risco de uma cisão larvar, em que sob o ponto de vista formal as respectivas Instituições desempenharão o seu papel, mas cegas relativamente aos problemas que o definhamento económico - que se repercutirá nos restantes Estados-Membros - não deixará de trazer em termos de aumento do desemprego e da agitação social, com as inerentes consequências e que se traduzirão por uma quebra na sua influência a nível mundial.
Diversos economistas de nomeada sustentam entretanto que a aposta em alguns anos de austeridade nas políticas orçamentais induzirão a impossibilidade de uma retoma do crescimento, sendo necessário mitigá-las e ao mesmo tempo financiar investimentos que potenciem a criação de emprego e o equilíbrio das balanças comerciais.
Entre eles e muito recentemente, El-Erian advoga a necessidade de uma ajuda de emergência à Grécia, não deixando de recordar que diversos países da União "perdoaram" avultadas dívidas de países em desenvolvimento, em notório contraste com a atitude face à República Helénica.
Entretanto em Portugal a aplicação das disposições de maior austeridade financeira irá traduzir-se nos próximos meses por um ainda maior aumento da tensão social, agravada pelo contágio espanhol e pela quebra que acaba de ocorrer nos laços entre governados e governantes, pelo que ao Governo, à Assembleia da República e ao Presidente da República não restará outra atitude que não seja a de conjuntamente com os responsáveis dos Estados-Membros em análoga situação forçarem no quadro da União Europeia a rápida adopção de acções que fomentem o crescimento económico e diminuam o ritmo das que induzam o aumento do desemprego.
E, como tenho vindo a mencionar em textos anteriores, surgirão por certo acontecimentos catalisadores que levarão à mudança dos principais actores políticos e à adopção de aperfeiçoamentos no sistema político que corrijam os erros que levaram à actual situação.
29.Setembro.2012 .
O deprimente espectáculo dos automóveis de luxo que transportavam membros do Conselho de Estado a saírem em alta velocidade do Palácio de Belém sob os apupos e insultos de muitos manifestantes que aguardavam o termo da reunião daquele Conselho, bem como as vaias que têm vindo a ser dirigidas aos membros do Governo sempre que aparecem em público, são um indicador de quanto se perderam diversos laços de confiança entre representados e representantes, o que significa a criação de feridas que levam muito tempo a sarar e sendo assim um sinal preocupante para a estabilidade do regime democrático.
Sob outras formas, o mal estar apresenta-se também na Grécia, na Itália, e em Espanha - neste caso com cambiantes que podem por em causa a própria unidade do Estado - e muito provavelmente dentro de alguns meses teremos problemas análogos em França, face à situação das contas públicas.
Ou seja, a "União" Europeia corre o risco de uma cisão larvar, em que sob o ponto de vista formal as respectivas Instituições desempenharão o seu papel, mas cegas relativamente aos problemas que o definhamento económico - que se repercutirá nos restantes Estados-Membros - não deixará de trazer em termos de aumento do desemprego e da agitação social, com as inerentes consequências e que se traduzirão por uma quebra na sua influência a nível mundial.
Diversos economistas de nomeada sustentam entretanto que a aposta em alguns anos de austeridade nas políticas orçamentais induzirão a impossibilidade de uma retoma do crescimento, sendo necessário mitigá-las e ao mesmo tempo financiar investimentos que potenciem a criação de emprego e o equilíbrio das balanças comerciais.
Entre eles e muito recentemente, El-Erian advoga a necessidade de uma ajuda de emergência à Grécia, não deixando de recordar que diversos países da União "perdoaram" avultadas dívidas de países em desenvolvimento, em notório contraste com a atitude face à República Helénica.
Entretanto em Portugal a aplicação das disposições de maior austeridade financeira irá traduzir-se nos próximos meses por um ainda maior aumento da tensão social, agravada pelo contágio espanhol e pela quebra que acaba de ocorrer nos laços entre governados e governantes, pelo que ao Governo, à Assembleia da República e ao Presidente da República não restará outra atitude que não seja a de conjuntamente com os responsáveis dos Estados-Membros em análoga situação forçarem no quadro da União Europeia a rápida adopção de acções que fomentem o crescimento económico e diminuam o ritmo das que induzam o aumento do desemprego.
E, como tenho vindo a mencionar em textos anteriores, surgirão por certo acontecimentos catalisadores que levarão à mudança dos principais actores políticos e à adopção de aperfeiçoamentos no sistema político que corrijam os erros que levaram à actual situação.
29.Setembro.2012 .
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O
Poder na rua.
A
enorme mudança no clima político que ocorreu em Portugal desde há duas semanas,
detonada pela desastrada intervenção pública do Primeiro-Ministro sobre
intenções governamentais que foram interpretadas pela opinião pública como
sendo profundamente injustas, contribuiu para trazer à superfície dados
profundamente preocupantes sobre o estado da democracia no nosso país.
O
mais recente respeita a uma sondagem em que quase 90% do eleitorado residente
se afirma desiludido com o sistema democrático, percentagem praticamente
coincidente à de outra, realizada em 2010, que apontava para
o facto de os portugueses não confiarem nos dirigentes políticos e de metade
dos cidadãos considerar que a sua situação económica ter regredido
acentuadamente nos últimos anos.
Não
é de admirar, assim, e como já o mencionei há dias, que o sentimento de
injustiça latente na sociedade portuguesa tenha actuado como um rastilho inflamatório
dos espíritos, sem que as organizações políticas, sindicais e outras consigam
desempenhar o seu papel de reguladores de tensões sociais, como o têm
demonstrado as recentes manifestações públicas e a mudança de tom no tratamento
dado pela população aos responsáveis políticos.
Todas
estas questões apontam para um problema de base: o grau de participação dos
cidadãos na vida política.
O
poder Constituinte estabeleceu em 1976 um sistema político
"clássico"análogo ao da generalidade das democracias existentes, em
que reside nos partidos o monopólio do exercício do poder político , e que
passou a ter plena aplicação em Portugal após a revisão constitucional de 1982.
Porém,
tal sistema - em que a delegação de poder se sobrepõe ao acompanhamento constante
da actividade política no âmbito local - dificilmente resiste a tensões
em casos de deterioração da vida económica, principalmente quando não
tenha ainda ocorrido a consolidação de uma sólida vivência secular do
sistema político pluri-partidário.
E
muito menos resistiu a ´25 anos de "aparelhismo", essencialmente
baseado em quadros saídos de "juventudes" partidárias, cujos
desempenhos contribuiram em muito para o agravamento da situação económica do
país e para a falta de horizontes que se tem constatado.
Não
é assim de admirar que após a enorme adesão popular dos anos 70 aos ideais da
democracia o progressivo afastamento dos partidos políticos face aos cidadãos
tenha permitido que se instalassem profundos sentimentos de decepção face ao
comportamento dos responsáveis políticos, sendo agora muito difícil recuperar a
confiança perdida - precisamente num momento em que se tornaria fundamental uma
mobilização colectiva susceptível de contribuir para a superação da crise que
infelizmente irá durar mais alguns anos.
Contudo
não desesperemos totalmente. Há ainda soluções a tentar, cuja necessidade se
imporá à medida que a situação económica, social, e política se agravem perante
a incapacidade do sistema político enquadrar as tensões que irão recrudescer
ainda mais, face à visível "dessacralização" do poder político.
Tais
soluções não passam, porém, pela generalidade dos presentes "actores"
políticos.
22.Setembro.2012
.
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Sentimentos
de injustiça, e propensão à mudança.
Com
maior ou menor inabilidade política, o que terá mais perpassado da comunicação
"prè-futebolística" feita há dias pelo Primeiro-Ministro terá sido o
que foi percepcionado pela opinião pública como uma proposta de novo imposto
sobre os rendimentos do trabalho, cujo montante seria transferido para as
entidades empregadoras e sem qualquer benefício para os fundos da segurança
social.
Os
posteriores esclarecimentos não terão apagado tal percepção, criando na maioria
dos que vivem do seu trabalho um sentimento de virem a ser objecto de uma
profunda injustiça, acrescida pelo facto de serem poucas as vozes autorizadas
que entendem que o sistema proposto revivificará a economia e criará mais
emprego.
O
sentimento de injustiça é um dos factores determinantes para a propensão
radical no sentido de mudanças na organização social política, tal como o são
também e nomeadamente as fortes carências alimentares, e a invasão territorial
por estrangeiros, pelo que se acrescentarmos a sensação de impunidade por actos
de corrupção e procedimentos ilegais por parte de pessoas com poder e recursos
financeiros que igualmente permanece na sociedade portuguesa estaremos a chegar
a uma situação em que basta um rastilho para inflamar os espíritos, sem que as
organizações políticas, sindicais e outras consigam desempenhar o seu papel de
reguladores de tensões sociais.
Um
pequeno exemplo, mas nem por isso menos significativo, tem consistido no
tratamento diferente que tem sido dado aos concelhos e às freguesias no âmbito
dos projectos de reforma administrativa de âmbito territorial, pois os
concelhos (em que se apoia a "poderosa" organização política
partidária) irão sair praticamente intocáveis quanto a tais ideias de
modificação, enquanto as "desprotegidas" freguesias serão as vítimas
de uma "reestruturação" que apenas reduzirá (se é que o consegue.. .)
os seus encargos dos actuais 0,19% para 0,15% do orçamento do Estado, com menor
eficácia e com sérios problemas na organização do sistema eleitoral - precisamente
a escassos meses das eleições do próximo ano...
Ou
seja, tudo ao invés do que deveria ocorrer.
Porque
é que abordo esta questão, aparentemente sem uma relação directa com o início
deste texto ?
Porque
o nosso país, se conseguir ultrapassar os próximos dois ou três anos, sem
convulsões sociais, e admitindo que o BCE, por um lado, e por outro o BEI,
conseguem promover acções que induzam o crescimento do emprego sem prejudicar
os esforços de equilíbrio orçamental, tem que mudar de estilo de vida.
Um
novo estilo de vida política, em que a necessária osmose cada vez mais distante
entre os partidos políticos e os cidadãos seja feita prioritamente a partir do
poder local de base - as freguesias - e em que os cidadãos mais qualificados e
experientes sejam motivados a participar mais do que em seminários ou
intervenções televisivas onde exibam toda a sua competência, ao fim e ao cabo
orientada muito mais para o proveito próprio.
Tal
estilo tem que ser construído desde já, e de um modo participado, antes que
seja tarde.
Doutro
modo, as comemorações do 40º aniversário do movimento militar de 25 de Abril de
1974 - se existirem - não saberão a mel.
16.Setembro.2012.
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Uma nova
UE: a "União Euro" e o seu novo Presidente M.Draghi...
Acaba de
surgir no anfiteatro europeu a tentativa de formação de uma nova UE.
Não se
trata da União Europeia, mas sim de uma "União Euro", que embora
coincidindo com a Zona Euro - cujo Presidente ainda é J.Juncker - poderá vir a
ter um Presidente de facto: M.Draghi.
O
Governador do Banco Central Europeu (BCE) acaba de explorar até ao limite as
suas competências, cuidando de encontrar uma solução que não obtenha grande
oposição por parte das instâncias alemãs, na medida em que condiciona as
possibilidades de compra - certo que indirecta - de dívida pública de
Estados-Membros em dificuldades ao pedido formal de ajuda financeira
condicionada à verificação dos respectivos termos de execução.
Tal
hipótese poderá vingar mesmo que o Tribunal Constitucional da Alemanha não
aceite a ratificação do Mecanismo Europeu de Estabilidade, pois este dependeria
de um papel mais relevante da Comissão Europeia, limitando-se o BCE a apoiar as
tramitações de natureza financeira.
Perfila-se
assim no horizonte mais um Presidente de instâncias europeias, que relegaria
para um segundo plano as responsabilidades do Presidente da Zona Euro, e
assumiria um papel que remeteria para um terceiro patamar as apagadas
personalidades do Presidente da União Europeia - já há muito a desempenhar
funções próximas de um Secretário-Geral do Conselho Europeu - e do Presidente da Comissão Europeia, este
mais em funções de Coordenador de um Secretariado Executivo (e não será por
acaso que surgiram precisamente ontem
notícias no "Expresso" de que se deduzem intenções de continuação do
seu desempenho actrual face às cada vez mais reduzidas hipóteses de presença
visível em confrontos "presidenciais" portugueses).
Caso estas
perspectivas se afirmem, o BCE acabará inevitavelmente por presidir também a
uma União Bancária - proposta ou não pela Comissão Europeia - desempenhando funções de supervisão
paralelamente às suas reponsabilidades actuais relativas à solidez do Euro - e
agora acrescidas por uma capacidade de empréstimo de fundos e de compra de
dívida.
A União
Europeia, que nasceu do primado dos mercados comerciais esquecendo a aposta na
movimentação das pessoas, e que passou a ter como objectivos a liberalização
das trocas de bens e serviços - relegando para menor prioridade o
aperfeiçoamento de uma união de cariz político - para depois apostar em uniões
monetárias pouco consolidadas, procura agora corrigir alguns destes erros
colocando a actividade bancária como o cerne do seu funcionamento.
Em momento
em que nacionalismos e xenofobias reaparecem podemos interrogar-nos sobre se
bastará a aposta nos banqueiros para salvar o nobre projecto da União Europeia.
Talvez o
"Governador-Presidente" M.Draghi acabe por dar uma ajuda, evitando a
queda do Euro em primeiro passo que permita que a política deixe de ser tão
comandada pelo poder económico-financeiro.
9.Setembro.2012
.
_____________________________________________
O "mercado".
Não, não me refiro ao mercado
financeiro, ou aos mercados que emprestam a Estados em dificuldades orçamentais,
mas sim a outro tipo de mercados: o das "compras" e
"vendas" de jogadores profissionais de futebol.
Com efeito, a generalidade dos órgãos
de informação pública em Portugal, e provavelmente em muitos outros países onde
o futebol profissional atrai o interesse de milhões de pessoas, acaba de cobrir
exaustivamente as "aquisições" de jogadores num "mercado"
que fechou em 31 de Agosto, e que voltará abrir dentro de alguns meses, e que
anteriormente era apelidado de época de transferências.
Tal mudança de designação é bem
característica de quanto tem vindo a aumentar a alienação relativa a este tipo
de espectáculos, que como já tenho vindo a referir nestas páginas se aproximam
muito mais de desempenhos circences em que as compras de artistas mais qualificados,
e dos seus treinadores" (quase diria "tratadores"...) são
determinantes para o sucesso financeiro das empresas que os sustentam,
eufemisticamente designadas por "clubes".
Tais empresas jogam habilmente com o
lado emocional das pessoas que por motivos que têm muito de irracional resolvem
aderir à condição de simpatizantes, mesmo de "militantes" - por vezes
ferozes - de tais associações.
Compreender-se-ia melhor que tais
adesões ocorressem na sequência de participação em actividades de natureza lúdica
com origem por exemplo no bairro ou cidade onde os simpatizantes de uma
associação tivessem nascido ou se tivessem neles radicado, o que estaria mais
consentâneo com os sentimentos gregários que caracterizam a nossa espécie.
Assim, e pelo contrário, constata-se
que o seguidismo relativamente a uma empresa de futebol faz esquecer que o
factor nele determinante é o sucesso de uma actividade empresarial que
"explora" os "mercados" com os seus "olheiros" e
com o recurso a meios financeiros cuja origem e ligações são frequentemente
associadas a negócios menos claros.
Uma vitória da empresa em causa no
campo de futebol não significa assim mais do que a possibilidade de um adepto
afirmar perante um patrão, chefe, ou vizinho cuja "equipa" perdeu,
uma sua suposta superioridade que contribui para um sentimento de afirmação que
nada tem a ver com o desporto.
Repetindo o que já anteriormente
escrevi, parece também inconcebível que tantas personalidades de entre as mais
conhecidas na vida portuguesa se deixem envolver nos meandros que rodeiam este
espectáculo, e que diversas de entre elas colaborem nos tortuosos e sombrios
esquemas financeiros a ele associados, desde a construção de estádios à
contratação de artistas do futebol, bem demonstrados por escutas telefónicas
nunca desmentidas pelos seus participantes.
Entre tais personalidades encontram-se
juristas de qualidade, um presidente de relevante Câmara Municipal, um
cirurgião altamente conceituado, licenciados com provas dadas nos seus campos
profissionais, empresários de sucesso, professores universitários, deputados e
outras personalidades de algum nível cultural, que não raras vezes se digladiam
ferozmente, inclusivamente acompanhando treinadores na atribuição de culpas a
árbitrose e induzindo assim à exacerbação colectiva de ódios
Muito falta ainda, infelizmente, até
que esta forma de alienação deixe de contribuir para o esquecimento de tantos
outros assuntos que deveriam ocupar bastante mais do nosso tempo.
2.Setembro.2012.
Grupos económicos e liberdade
dos jornalistas.
A liberdade de imprensa assenta, como
é geralmente reconhecido, num pluralismo de fontes de informação que permita
aos cidadãos formularem as suas opiniões comparando o que é dado a público por
pessoas com diferentes pontos de vista, quer sobre factos quer através de
opiniões.
Porém um desejável maior pluralismo só
é possível desde que os jornalistas - termo usado mesmo quando se trate de
orgãos de informação que não se caracterizam por serem jornais no sentido
clássico de tal expressão - sintam que não têm condicionamentos das respectivas
entidades patronais quanto à respectiva liberdade de publicação de factos e de
opiniões, ou que estão adequadamente protegidos por leis e associações
profissionais que zelem pelos seus direitos, e, ainda, que existe uma sã
concorrência que lhes permita mudar de orgão de informação sem dificuldades.
São porém conhecidos diversos casos em
que têm ocorrido despedimentos de jornalistas por terem formulado opiniões ou
apresentações de factos que mereceram a discordância das respectivas entidades
patronais, que por seu turno estão ligadas a grupos empresariais e financeiros
cujos interesses são muitas vezes coincidentes.
Face a tais situações, aos cidadãos
que procuram estar melhor informados depara-se a dificuldade de ponderarem se
as descrições factuais têm um aceitável grau de credibilidade, e se as opiniões
formuladas não estão nem condicionadas por interesses menos claros nem
submetidas a um crivo tácito de exclusão de outras.
Há alguns anos tais dificuldades não
eram fáceis de superar, mas com o advento da Internet começa a ser possível
caminhar-se no sentido do aumento do número e qualidade das escolhas à
disposição dos cidadãos, que podem agora assinar uma ou mais publicações em
formato electrónico em que reconheçam haver um grau considerável de
independência jornalística bem como uma abertura a opiniões que não sendo de
jornalistas cubram um importante leque de pontos de vista - nestas incluindo-se
os comentários de leitores.
Por outro lado, podem aceder às
net-páginas publicadas gratuitamente por outros orgãos de informação, e face à
qualidade da informação apresentada decidirem sobre eventuais acessos pagos,
substituindo ou complementando anteriores.
Finalmente, há o mundo cada vez mais crescente
das net-páginas pessoais, dos registos regulares ("blogs"), e dos
diálogos e debates em redes sociais electrónicas - tudo elementos que podem
contribuír para a melhoria da qualidade da informação obtida, permitindo a cada
cidadão com acesso à Internet "construir" a sua rede própria de
recolha de informação, e que por definição pode e deve estar submetida a
alterações e melhoramentos constantes.
É certo que como Sergei Brin e Larry
Page, fundadores da Google, têm mencionado, há poderosas forças que tentam
condicionar o acesso à Internet, desde Estados repressivos a grupos
empresariais, mas as características desta super-rede internacional apontam
mais para a superação progressiva de tais obstáculos, se bem que acompanhada de
uma crescente abertura à intervenção do Direito Internacional Privado em
matéria de regulação de conflitos.
Creio assim que a tendência
prevalecente não poderá deixar de ser a de um favorecimento generalizado da
liberdade de informação e consequente melhoria da nossa capacidade de percepção
sobre o mundo em que vivemos.
26.Agosto.2012
.
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Emprego partilhado.
Há dias li mais um de muitos depoimentos de cidadãos que, rondando
os 50 anos de idade, estava desempregado e sem esperanças de encontrar nova
ocupação, apesar dos esforços de reconversão e da disponibilidade para aceitar
um trabalho de remuneração inferior à média dos salários de que tinha auferido.
Com evidente desãnimo, exprimia o seu desalento pelo facto de ter
uma probabilidade de vida (não se referia a "esperança de vida"...)
até aos 80 ou 90 anos mas passada quer a viver de outros apoios de natureza
familiar, quer mais tarde com uma pensão de reforma obviamente reduzida, limitando
a sua vida a uma inactividade forçada ou eventualmente a vagas acções de
voluntariado ou de estudo, que possivelmente não impediriam a existência de
muitos momentos de depressão e frustração interior.
A propósito destas situações de desemprego apresentei nestas
páginas, há cerca de cinco meses, uma sugestão centrada na adopção de um
sistema repartido em associações de duas pessoas, e a que me volto a referir
dado ter lido um artigo relativamente
recente ( http://www.project-syndicate.org/commentary/share-the-work ) do
reputado Prof.Barry Eichengreen em que este influente economista advoga a
adopção de esquemas de partilha de trabalho, mas que porém incide
essencialmente sobre a redução voluntária ou negociada do tempo respectivo.
É evidente que o sistema proposto por B.Eichengreen também tem
como objectivo ajudar empresas a ultrapassar situações de crise através da
diminuição de encargos com a força de trabalho, mas por outro lado prevê um
reforço do sistema assistencial do Estado através da concessão de subsídios
(que se poderiam designar de "apoios a emprego parcial").
Mas há outra área, a das empresas que não passam por tantas
dificuldades financeiras, e que lucrariam com o aumento da sua força de
trabalho - sem contudo terem mais encargos - através do sistema que já advoguei (
http://documentos.posterous.com/desemprego-total-emprego-parcial ) e cujas
linhas principais volto a referir.
Imaginemos assim que existe uma figura jurídica nas relações de
trabalho que permite que dois desempregados firmem um acordo em que se
candidatam ao desempenho de uma função num posto de trabalho cujo tempo de exercício
é partilhado entre ambos, com a anuência da entidade patronal e do Estado,
sendo a remuneração individual superior a metade da correspondente ao tempo
total, cabendo ao Estado o pagamento do respectivo diferencial.
Um exemplo: um determinado posto, remunerado habitualmente com 560
Euros mensais por 8 horas diárias com pausa de 1 hora (0900/1800), seria
ocupado por duas pessoas - uma entre as 0800 e as 1330, e a outra entre as 1330
e as 1900, ambas recebendo uma remuneração de 335 Euros (280 da entidade
patronal e 55 a cargo do Estado).
Muitas pessoas poderiam pensar que apesar da injustiça relativa do
nível de remuneração face ao correspondente em tempo total haveria vantagens em
não só terem uma ocupação mas também que o tempo livre lhes permitiria prestar
mais atenção à família (e ao seu próprio desenvolvimento pessoal), com os
benefícios de ordem social que assim seriam induzidos na vida colectiva .
Os efeitos na redução das horas de ponta em termos de transportes
também não seriam de desprezar, tal como o aumento da actividade no comércio em
geral.
A contribuição financeira do Estado teria uma contrapartida
evidente na redução dos subsídios de desemprego, e a entidade patronal
beneficiaria obviamente do aumento do número de horas de trabalho, o que lhe
permitiria melhorar a produtividade e o nível de remunerações dos seus
colaboradores.
Modelo evidentemente de adesão voluntária, teria como
inconvenientes a eventual difícil coabitação com os colaboradores em termos de
contrato clássico - mas que por seu turno não deixariam de examinar as
vantagens de aderirem ao novo sistema.
Teríamos assim dois modelos de actuação, um para as empresas em
dificuldades, e outro para as que estivessem de melhor saúde financeira e
económica, em que o Estado não dispenderia mais recursos em termos de subsídios
do que os que actualmente existem, e que permitiriam ir além do que está
previsto no "Memorando de Entendimento" que rege e regerá nos
próximos anos a nossa vida colectiva.
19.Agosto.2012 .
Grécia: no colo da mamã ...
São preocupantes os sinais de divisão
na União Europeia, agora já no plano verbal e ao nível das mais altas
autoridades do Estado, chegando-se mesmo ao remoque e ao quase insulto como
ocorreu há dias quando um responsável alemão afirmou que estava na hora de a
Grécia sair do colo da mamã, referindo-se obviamente à Zona Euro.
Outros recentes sinais reveladores de
tensões ocorreram quando o Presidente do Eurogrupo, Jean Claude Juncker,
responsabilizou a Alemanha pelo agravamento da crise, ou quando o Primeiro-Ministro
italiano, Mario Monti, implicitamente acusou a Alemanha de estar a contribuir
para a dissolução da própria União Europeia.
Por outro lado o Banco Central
Europeu, por certo sob a influência do Governador do Bundesbank, acaba de
recomendar aos Estados-membros que estão com dificuldades no âmbito da dívida
soberana que procedam a um abaixamento das remunerações salariais - o que
independentemente da justeza e resultados da acção proposta não deixa de ser um
inusitado extravasar das suas competências.
Todos estes acontecimentos são bem
demonstrativos de algo que falta nas Instituições da União Europeia: a
capacidade de uma direcção eficaz, capaz de procurar consensos e de evitar o
perigoso caminho que não só afecta a credibilidade do Euro como a própria
existência da União.
E, a propósito, há que recordar os
tempos em que Jacques Delors, enquanto Presidente da Comissão Europeia,
conseguia assumir tal papel apesar de coexistir com personalidades tão
marcantes como Helmut Köhl e François Mitterrand, pois conseguia situar bem um
objectivo que transcendia os dos países componentes da União.
Agora, que temos ?
Um Presidente da União Europeia que
com o seu ar de gato assustado emite de vez em quando umas vagas declarações
sobre lugares-comuns, e um Presidente da Comissão que desde que tomou posse não
foi capaz de contribuir decisivamente para a melhoria do "espírito
europeu" cuja consolidação potencial se tornou mais nítida depois do
primeiro Encontro Internacional de Genebra, ocorrido logo após o termo da
guerra de 1939/45, em que personalidades tão ilustres como Jaspers ou Mounier
apontavam os traços comuns caracterizadores do que poderia vir a ser uma União.
É certo que J.Barroso se referiu
nalguns discursos a tal "espírito", mas aparentemente não se notou
que tenha passado além disso, notando-se, isso sim, o pendular ritmo de visitas
a Portugal que alguns atribuem a um desejo não ser esquecido visando eventuais
e futuros desempenhos presidenciais.
Perguntarão: mas que pode ser feito,
já que o Parlamento Europeu - como referi nestas páginas na passada semana -
não parece querer nem poder desempenhar um papel mais activo na presente crise
?
A resposta de um dirigente, de um
verdadeiro dirigente, está em interpretar o seu mandato à luz das circunstãncias
- embora sem o ultrapassar - pelo que deve procurar afirmar-se mostrando
caminhos e procurando consensos.
Não o conseguindo, deve tomar o
caminho óbvio: a ameaça de renúncia ao seu cargo.
Tal permitirá uma clarificação das
questões e o reconhecimento de que só com a união dos europeus se poderá
resolver a crise endémica e larvar em que estamos, mesmo que para tal seja
necessária a passagem por uma declarada e assumida crise institucional das
instituições da União Europeia.
12.Agosto.2012
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"Le
Majordome et le Valet de chambre", ou o Parlamento e a Comissão.
Ao
analisar as deliberações do Parlamento Europeu desde que eclodiu a crise do
Euro não podemos - cidadãos eleitores daquela Instituição da União Europeia -
deixar de ficar perplexos perante a aparente passividade do Parlamento face à
situação que se desenhou e que tem vindo a agravar-se.
Se
apenas nos fixarmos nos últimos meses, o que existe de mais relevante parece
ser em termos de algum impacto público uma Resolução saudando as conclusões do
recente Conselho Europeu, e apelando à Comissão Europeia para que prepare até
Setembro legislação que possa por em prática tais conclusões, bem como há
poucos meses alguns projectos de resoluções legislativas (um dos quais aliás da
autoria de uma eurodeputada portuguesa).
Os
cidadãos da União Europeia esperariam certamente dos deputados, que foram os
únicos responsáveis políticos eleitos directamente, um maior poder de
iniciativa política e de visibilidade da respectiva actuação, que se deveria
debruçar sobre as grandes questões que se jogam com o futuro do Euro e com os
seus efeitos na vida da União.
Os
cidadãos da União cada vez desconhecem mais, na sua grande maioria, a
actividade dos eurodeputados não só nesta área como também em outras; e não são
algumas entrevistas nos países de origem que permitem colmatar tais
deficiências de informação, não sendo assim de admirar que o resultado da
abstenção nas próximas eleições para o Parlamento Europeu se venha a situar em
valores da ordem dos 80% ...
O
que se requer é a discussão profunda do modo como o Conselho Europeu e a
Comissão têm vindo a lidar com a situação, discussão que se deve centrar nos
aspectos de natureza política relacionados com o futuro da União, com
resultados e tomadas de posição relevantes que - com a pressão da opinião
pública - levem as outras duas Instituições a deixar as perspectivas
economicistas e financeiras de curto prazo no plano em que se devem situar : o
da subordinação à política, pois a visão de longo prazo deve sempre moldar os
outros pontos de vista.
De
outro modo, continuaremos a assistir ao espectáculo deprimente de, perante um
país cujo Tribunal Constitucional se arroga a prerrogativa de dirigir a União
Europeia, o Parlamento Europeu desempenhar um papel que pouco ultrapassará o de
"Majordome" perante um casal em que o marido é quem manda, e a
Comissão Europeia o acolitar tal "Valet de chambre" sempre solícito e
sem iniciativa ...
5.Agosto.2012.
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Henry
Simons e a nacionalização da actividade bancária.
Lendo
há algum tempo no Herald um texto do Prof.Alperovitz sobre as dificuldades de
uma regulação da actividade bancária deparei com uma referência a um importante
economista que desconhecia - Henry C.Simons - curiosamente um dos mentores da
famosa "Escola de Chicago", cujo representante mais conhecido, Milton
Friedman, defendeu a acentuada liberalização dos mercados financeiros.
Simons
porém ja temia que o poder das grandes instituições financeiras pudesse tornar
impossíveis quaisquer tentativas no sentido da regulação da respectiva
actividade, receios que mais tarde e segundo Alperovitz o próprio Friedman
viria a subscrever.
Com
uma clareza e lógica indiscutíveis argumentava que caso as actividades
económicas fundamentais não fossem verdadeiramente competitivas deveriam ser
nacionalizadas. Sacrilégio ?
O
facto é que chegou mesmo a ser apresentado nos anos 30 um documento que viria a
ser conhecido por "Plano de Chicago" em que e citando de novo
Alperovitz se propunha - para os EUA - a nacionalização dos
Bancos
Centrais de cada Estado, bem como a redução dos bancos à actividade clássica de
depósitos e concessão de créditos...
E
curiosamente foi a crise financeira que levou à nacionalização - total ou
parcial - de diversas empresas (aliás não apenas financeiras) de grande
dimensão e importância fulcral para os EUA, entre as quais algumas de natureza
financeira.
Claro
que as nacionalizações em muitos sectores implicam a existência de adequados
poderes de regulação, bem como de legislação que proteja equilibradamente o
direito à greve, e o direito dos cidadãos a serviços mínimos apropriados,
nomeadamente na áreas dos transportes.
Todas
estas questões ajudam a compreender as por enquanto débeis tentativas de
criação de uma entidade de supervisão bancária no âmbito da União Europeia, ou
mesmo a hipótese de o BCE ser autorizado a exercer actividades análogas
relativamente às principais instituições bancárias da UE.
Não
tenhamos contudo dúvidas: algo tem que ser feito concertadamente a nivel
mundial - se bem que não necessariamente de modo centralizado - para procurar
evitar o caminho que as transacções financeiras vinham a tomar: uma espécie de
"esquema de Ponzi" de derivativos cujas consequências minaram a
economia mundial.
Nacionalização
das actividades bancárias - sacrilégio, ou talvez não ?
29.Jul.2012
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A encruzilhada europeia.
Continuam as sombras sobre a capacidade da União Europeia superar
a crise financeira, económica e política em que se deixou inexplicavelmente
afundar, constatando-se que a generalidade dos dirigentes não têm infelizmente
capacidade de previsão e decisão que lhes permita anteciparem-se ao pressentido
agravamento, mediante o recurso a uma profunda reorganização da União
A Comissão Europeia, a quem competiria o papel de tomada de
iniciativa face aos primeiros sinais de 2007 e 2008, deixou-se apagar passando
a um papel de alto-secretariado de alguns Estados-Membros mais influentes.
O Parlamento Europeu, quer pelos seus Presidentes, quer pelos
grupos parlamentares e pela grande maioria dos Deputados, não se ouve, correndo
o risco de nas próximas eleições se constatar uma avultadíssima abstenção que
poderá significar o seu fim no modelo actual.
Os Estados-membros não assumem um papel solidário - obviamente
considerando-se a necessidade de profundos ajustamentos estruturais nalguns
deles.
Assim, creio que só poderá haver hipóteses de solução quando
ocorrer algo que se constitua como um catalisador, pois os organismos que não
estão constituidos de modo a que os seus sistemas de regulação intervenham em
situações críticas tendem a adormecer e a deixar agravar progressivamente o seu
estado.
Que tipo de catalisador ? Admito que possa ser um acontecimento
importante, de cariz negativo e inesperado, provavelmente na área da grande
Banca, com efeitos contagiantes.
Esperemos que tal acontecimento ocorra o mais cedo possível, pois
se a reacção europeia for adequada, passar -se-à a um nível de organização
superior ao actual.
A União e os seus dirigentes poderão então ter presentes, a título
de exemplo e de contribuição de um debate a propósito, diversas linhas
principais de orientação, visando recuperar o papel que a Europa já teve na
cena mundial através de algumas das nações que a constituiram, mas agora de uma
forma coerente, coordenada e compatível com os princípios de igualdade entre os
povos do mundo que passaram a ser generalizadamente aceites como objectivos a
prosseguir.
Em tais linhas orientadoras avultaria desde logo a redução de
desequilíbrios orçamentais de modo a não excederem o nível de 3%, e de dívida
pública sem superar 50% do Produto Interno Bruto, em cerca de 6 anos, sob
controle do BCE, acompanhada de forte intervenção do FEI e BEI na criação de
emprego através das PMEs, bem como de grande apoio financeiro às grandes
empresas, privilegiando projectos internacionais.
Por outro lado, o crescimento da economia sem o qual não será
possível manter os apoios de natureza social que caracterizaram a Europa terá
que ser apoiado por uma acentuada aposta na educação, investigação e inovação,
visando em especial a pesquisa e o desenvolvimento de novas fontes de energia.
A União Europeia também não deverá deixar de privilegiar a
construção de um significativo poder aeronaval e espacial, sem o que não terá
uma voz influente a nível mundial.
Finalmente, os dirigentes da União terão que ser claros no
estabelecimento de tais objectivos, e que passam inevitavelmente por mais
trabalho - e melhor trabalho - sem o que não se conseguem os recursos necessários
para a manutenção e aperfeiçoamento dos princípios do Estado social. E passam
também por um aperfeiçoamento das condições de participação política dos
cidadãos, essenciais para a inovação e para a compreensão dos factores de
mudança que ocorrem no mundo.
21.Julho.2012.
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Uma quinta-feira em Belém.
Presidente - Compreenderão por certo
que o principal tema desta reunião que habitualmente temos todas as semanas
seja o Acordão do Tribunal Constitucional, facto que motivou o meu pedido para
nela estivesse presente o Senhor Ministro das Finanças.
Primeiro-Ministro - Julgo assim útil recordar que neste
gabinete e há precisamente um ano fiz uma análise errada da situação política
face ao que então pensava da improbabilidade de ser suscitada - por quem o
poderia fazer - a questão da eventual inconstitucionalidade da disposição
orçamental relativa à supressão de subsídios apenas para a Função Pública e
pensionistas, propondo assim ao Senhor Presidente que promulgasse o orçamento
logo que aprovado pela Assembleia da República. Subestimei também pareceres de
especialistas em direito constitucional não só do meu Gabinete como também de
diversos que igualmente admitiam a existência de inconstitucionalidades.
Presidente - O mesmo aconteceu comigo,
se bem que houvesse opiniões que se inclinavam para a constitucionalidade das
normas em causa - aliás creio que muito recentemente o próprio Senhor Ministro
dos Negócios Estrangeiros opinou publicamente no sentido de considerar que não
se justificava onerar mais o sector privado. Espero obviamente que tal posição
pública tenha sido previamente acordada ao nível do Conselho de Ministros, pois
doutro modo pode significar para o exterior que há fracturas na coesão
governamental.
Primeiro-Ministro - A propósito, não
sei até que ponto é que o Tribunal foi sensível às declarações do Senhor
Presidente sobre a questão da equidade de tratamento dos cidadãos e
contribuintes, a qual também poderá ter sido publicamente entendida como uma
atenuação de solidariedade institucional, pois esta tinha sido bem patente
aquando da promulgação do orçamento. Por outro lado, creio que é
responsabilidade de todo o Poder Executivo, e não apenas do Governo, bem como
dos participantes no Poder Legislativo, ponderar bem a constitucionalidade dos
instrumentos jurídicos que propõem para aprovação.
Ministro das Finanças - O facto é que
este Acordão surge num péssimo momento, pois dada a execução orçamental até ao
momento teremos possivelmente que recorrer a um orçamento rectificativo em que
uma parte das receitas terá que vir de impostos adicionais, e ao qual se
seguirá a preparação do Orçamento de Estado para 2013 em que seremos obrigados
a ter em conta esta posição do Tribunal Constitucional. E estas medidas terão
por certo um efeito negativo sobre a taxa de crescimento, com evidentes
reflexos no aumento do desemprego.
Presidente - Além disso receio que a
conflitualidade social aumente como seria de esperar, havendo aliás já sinais
evidentes do natural mal-estar. Parece-me que não restam outras alternativas
que não sejam as de demonstrar às entidades responsáveis pela concessão dos
empréstimos à República que o Memorando de Entendimento cuja proposta inicial
foi elaborada pelo anterior Governo - certo que com o apoio dos partidos que
apoiam o actual - já não é exequível apesar dos esforços do presente.
Ministro das Finanças - Se tal
hipótese surgisse como sendo da iniciativa conjunta da Comissão Europeia, Banco
Central Europeu, e Fundo Monetário Internacional, e não como decorrente de uma
solicitação formal da República ficaríamos em melhor posição para se reduzir o
desequilíbrio orçamental crónico, e continuar a tomar as medidas que permitirão
um crescimento sustentado da nossa economia que leve à redução gradual das
dívidas existentes.
Presidente - Penso que no Governo
existe a capacidade diplomática que se afigura necessária e conveniente para
que sejam concretizadas estas linhas de acção, pelo que recomendaria ao Senhor
Primeiro-Ministro que procedesse em conformidade.
Primeiro-Ministro - Por certo que sim,
Senhor Presidente: E espero também que seja melhorada a nossa comunicação
institucional, bem como e nomeadamente a explicação aos portugueses das
dificuldades por que passamos, e da razão das disposições que têm vindo a ser
tomadas, bem com as que inevitavelmente se sucederão e que terão que ter em
conta a distribuição por todos da diminuição dos seus rendimentos.
15.Julho.2012
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Diálogos (in)imagináveis e
(in)constitucionais ...
Pedro - Certamente que não se
importará por hoje eu ter pedido ao Vítor para me acompanhar, dada a natureza
do assunto previsto para este nosso encontro semanal.
Aníbal - Evidentemente que não, pois
nas minhas funções tenho o dever de não só me manter informado sobre tudo que
seja relevante para os destinos desta nossa - por assim dizer - grande empresa,
como também de dar meu parecer e conselho sempre que entender seja conveniente.
Pedro - O resumo que lhe enviei cobre
o essencial; porém há uma questão que certamente terá chamado a sua atenção:
trata-se da supressão dos subsídios de 13º e 14º meses aos funcionários do
Estado e das empresas estatais e das autarquias, bem como aos pensionistas em
geral, pois diversos especialistas admitem que tal eliminação possa estar
eivada de inconstitucionalidade. Porém o Vítor argumenta que esta disposição é
fundamental para se cumprir o objectivo fixado para o "deficit"
orçamental do próximo ano e dos seguintes.
Vítor - Com efeito, pareceu-nos que a
melhor solução susceptível de ser aplicada no âmbito do Programa de ajustamento
financeiro deveria ter em conta a necessidade de poupar o sector privado a mais
impostos, de modo a prejudicar o menos possível a economia nacional, pelo que a
opção que nos pareceu mais apropriada foi a que aqui trazemos.
Aníbal - No entanto alguns dos
especialistas da minha Casa Civil em questões constitucionais, bem como outros
que publicamente se pronunciaram sobre esta questão, reputam de
inconstitucional tal possibilidade (se bem que tal parecer não seja unânime).
Vítor - Confesso que não vejo melhor
solução do que aquela que apresentamos, pois a alternativa agravaria o declínio
- já previsível - da economia no próximo ano, com efeitos inevitáveis no
aumento do "deficit" orçamental previsto.
Pedro - No que respeita às questões de
natureza constitucional, tanto no meu Gabinete como no próprio Conselho as
opiniões também não são consensuais, se bem que a nível público alguns
respeitados constitucionalistas manifestem sérias reservas quanto à opção
contida no presente documento.
Aníbal - E no Parlamento, qual será a
reacção?
Pedro - O António está obviamente e
por assim dizer "amarrado" a um voto da sua bancada que não pode
deixar de ser o de abstenção, pois o seu partido apoiou o conteúdo do Memorando
de entendimento, sendo-lhe difícil outra atitude.
Aníbal - E ele domina o seu grupo
parlamentar de modo a evitar que alguns dos seus membros se juntem à restante
oposição ou a parte dela conseguindo assim a décima parte dos deputados que
como sabeis é necessária para ser solicitada uma declaração de
inconstitucionalidade ?
Pedro - Creio bem que sim. E quanto a
outras hipóteses de pedidos de declaração de inconstitucionalidade nâo creio
que as entidades que o poderiam fazer - desde a Presidente da Assembleia e
Procurador-Geral até ao próprio Provedor de Justiça ... Também no que respeita
a possíveis acções em tribunais, ocorreriam certamente tarde demais para
produzir efeitos em 2012.
Vítor - Em qualquer caso, preferimos
apresentar-lhe este assunto com antecedência, pois ainda temos tempo para
apresentar a outra estratégia orçamental que referimos.
Aníbal - Bem. Tudo ponderado, têm o meu acordo. Boas tardes
e bom sucesso.
(Teria ocorrido esteja diálogo, ou
similar, em Junho de 2011 ?).
08.Julho.2012.
_______________________________________________
O comportamento de um Deputado.
Ricardo Rodrigues tem sido referido
nestas net-páginas por diversas vezes a propósito do facto de ter mantido o seu
cargo de Deputado (sem que a Assembleia da República tivesse criticado
formalmente o seu comportamento...) após ter sido publicamente conhecido o
facto de ter furtado dois gravadores a jornalistas da revista
"Sábado", invocando depois argumentos que de modo nenhum
justificariam tal acto, previsto pelo Código Penal como passível de pena de
prisão até 3 anos ou com pena de multa.
O furto tinha como objecto, conforme
reconhecido pelo próprio, impedir por meios legais a publicação de uma
entrevista que tinha acabado de conceder e que estava registada naqueles
gravadores, e que assim constituiriam meio de prova para tal procedimento, a
ser requerido em tribunal.
Foi assim julgado no âmbito de
atentado à liberdade de imprensa, pois a apreensão de quaisquer materiais
necessários ao exercício da actividade jornalística é punível com pena de
prisão de 3 meses a 2 anos ou multa de 25 a 100 dias, se pena mais grave lhe
não couber nos termos da lei penal, acrescendo que se o infractor for agente do
Estado e agir nessa qualidade a pena sobe para prisão de 3 meses a 3 anos ou
multa de 30 a 150 dias.
O país assistiu entretanto e ao longo
de dois anos ao facto de Ricardo Rodrigues ter sido depois designado para
diversos cargos oficiais no âmbito das suas reponsabilidades parlamentares, dos
quais renunciou apenas agora e depois da condenação - mas mantendo o lugar de
deputado !
Tal condenação invocou o crime de
atentado à liberdade de imprensa, e limitou-se apenas a uma multa de 110 dias a
45 euros diários, o que perfaz 4950 euros, indo em meu entender contra o
espírito da lei, pois um Deputado - sendo "agente do Estado", como
refere a lei - tem especiais responsabilidades no exemplo que deve dar aos
cidadãos, em particular num regime democrático cuja essência está na liberdade
de expressão.
Por consequência creio que a punição
deveria ser de prisão efectiva.
Anunciou que irá recorrer da sentença,
renunciando às funções de representação da Assembleia da República no Conselho
Geral do Centro de Estudos Judiciários (!), assim como ao lugar de suplente no
- imagine-se - Conselho Superior de Informações, mas mantendo o lugar de
deputado, o que o faz entrar num processo de contradição evidente, pois deveria
ter renunciado a todos os cargos de natureza parlamentar logo que foi conhecido
o furto.
Invocará obviamente o facto de a
sentença não ser definitiva, mas porquê então uma renúncia parcial ?
A imagem da Assembleia da República
sai ferida deste assunto, seja qual for a sua conclusão, e por consequência sai
igualmente ferido o regime democrático...
30.Junho.2012 .
______________________________________________________________
Defesa Nacional -
reorganização, desorganização.
Recente
"Despacho" do Ministro da Defesa Nacional estabelece uma Directiva
visando a reorganização da Defesa Nacional e das Forças Armadas, estabelecendo
um Grupo de Trabalho para apresentar, dentro de um mês e meio, um projecto para
a estrutura superior respectiva, e dando um limite de 3 meses para - na
sequência da respectiva decisão ministerial sobre tal documento - a
apresentação da "versão final".
Contudo o próprio
Despacho não deixa de se referir ao início do estudo, determinado há dias pelo
Governo, de um novo Conceito Estratégico de Defesa Nacional, que dará origem a
uma revisão do Conceito Estratégico Militar e consequentes Missões, Sistema e
Dispositivo de Forças.
Este estudo será
desenvolvido por um "Conselho de sábios", designados pelo Governo,
que sob a presidência de Luís Fontoura deverá apresentar as suas reflexões
precisamente no mesmo prazo de 3 meses...
Seguir-se-á a
aprovação em Conselho de Ministros e a posterior apresentação à Assembleia da
República.
É evidente que até o
cidadão menos atento a estes assuntos não deixará de se interrogar sobre as
razões e a lógica de tal procedimento, pois deve decorrer do novo Conceito
Estratégico de Defesa Nacional o "desenho" do Sistema e do
Dispositivo de Forças (como o próprio Despacho ministerial o reconhece), e só
depois o da reorganização da estrurura superior dos organismos da Defesa
Nacional e das Forças Armadas.
Com efeito, admitamos
que o Conceito Estratégico de Defesa Nacional reconhece que as únicas
"armas" com significado
militar e político de que se dispõe são de natureza oceânica, e que as
restantes são essencialmente instrumentos de cooperação militar no quadro das
alianças em que Portugal está integrado, bem como de defesa do território
contra inimigos de fraca dimensão.
Admitamos igualmente
que é reconhecido que Portugal não dispõe, a curto e médio prazo, de recursos
para obter novas armas, quer terrestres, aéreas ou navais, e que o citado
Conceito se deve basear nos meios disponíveis.
A consequência lógica
destas hipóteses, ou de outras que delas pouco devem diferir dadas as
limitações financeiras existentes a prazo, é a de que se deve construir o
modelo de estrutura superior de direcção a partir das realidades, e não o
contrário, como a pressurosa emissão do "Despacho" ministerial quer fazer
aprovar.
Convenhamos pois que
é ilógico desenvolver simultaneamente estudos relativos a um novo modelo de
organismos da Defesa Nacional e das Forças Armadas sem que esteja aprovado pela
Assembleia da República um novo Conceito Estratégico de Defesa Nacional ...
25.Junho.2012
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França, Grécia, Egipto, G-20, Conselho
Europeu: mês inconclusivo ?
Se juntarmos aos temas deste título a
recente notícia sobre o empréstimo a Espanha teremos bem a noção da possível
importância de que o mês de Junho de 2012 se poderá revestir no que respeita
aos acontecimentos na esfera internacional, ou constituir mais um adiamento na
resolução dos problemas que actualmente têm o seu epicentro na União Europeia.
De entre eles, as eleições em França
serão talvez os menos relevantes, o mesmo não se podendo dizer do acto
eleitoral na Grécia, cujos resultados provavelmente constituirão mais um
compasso de espera que uma solução para a designada crise grega, e das escolhas
eleitorais no Egipto, que provavelmente não ajudarão à estabilização política
naquele país mantendo assim um ponto de interrogação num Médio Oriente que
continua altamente instável.
A acrescer a estas situações teremos
mais uma reunião dos G-20 em que continua a ocorrer a dupla representatividade
da Alemanha, França, Itália e Reino Unido, pois além de estarem presentes
enquanto Estados também o estão por interposta "União Europeia"
através do respectivo Presidente do Conselho Europeu (e, curiosamente, também
do Presidente da Comissão Europeia).
Sendo inevitável que neste encontro
seja profundamente discutida a crise das dívidas soberanas de alguns países da
zona Euro, e os seus reflexos na solidez desta moeda uma vez que pode haver um
agravamento da crise económico-financeira a nível mundial, é por demais
evidente que os 4 Estados da União Europeia presentes directamente em Los Cabos
(México) não têm condições para assumirem uma posição comum sobre tais temas
pois são conhecidas as suas divergências.
E a mesma triste figura será assumida
quer por Herman V.Rompuy quer por José D. Barroso, pois nem um nem outro têm
mandato da Zona Euro para articularem algo consistente (não se percebendo aliás
o que este último estará a fazer no México, uma vez que é o primeiro quem
representa a União Europeia), nem ocorreu ainda a reunião do Conselho Europeu
que no final des mês irá provavelmente decidir algo cujo sinónimo corresponderá
provavelmente a mais um adiamento de soluções disfarçado sob a forma de tonitruantes
declarações...
Que mais será preciso para que a União
Europeia se assuma como tal, protegendo os Estados mais débeis mas ajudando-os
igualmente a equilibrarem as suas finanças e a crescerem de forma apropriada,
sabendo-se que só assim é que a economia mundial sairá da crise em que se tem
vindo a afundar?
Infelizmente parece que tal apenas
sucederá na sequência de um fenómeno que actue como catalisador provocando um
desastre que leve a reorganizações profundas, mas com custos que poderiam ser
evitados ou minorados se tais reorganizações fossem consequência de acções bem
estudadas e melhor executadas.
O problema do Euro é neste momento um
problema mundial. Cabe aos dirigentes mundiais assumirem as suas obrigações.
17.Junho.2012.
___________________________________________________________________________
U.E. : primeiro as pessoas.
Uma reflexão sobre o modelo de
integração económica e política mais adequado para a União Europeia faz
curiosamente regressar o meu pensamento a fins da década de 50, enquanto jovem
cadete em viagem de curso numa fragata da Marinha de Guerra, acabada de acostar
em Ostende.
Vindo de um país onde havia a opressão
obsidiante de um regime autoritário, o contacto com a juventude belga e de
outras nações europeias fez-me sentir o que era viver num país livre, membro da
recém-criada Comunidade Económica Europeia (CEE) - então também conhecida como
"Mercado Comum", e contribuir para o amadurecimento de opções pela
democracia e pelo desenvolvimento de um espírito europeu que despontava já nos
Encontros Internacionais de Genebra e que anos mais tarde ajudei a que fosse
adoptado em Portugal.
Porém, não foi por acaso que também
mencionei a expressão "Mercado Comum", pois demonstra bem que o
conceito que esteve na base da construção das Comunidades Europeias assentou
essencialmente no princípio do fomento das trocas comerciais de bens e serviços
que - esperariam os seus fundadores – permitiria uma melhor e mais rápida
integração política.
Contudo, e como a evolução comunitária
o tem vindo a demonstrar, o método de associação económica e política assente
principalmente em tais parâmetros não viria a resultar - tanto quanto seria
desejável - num modelo sólido de integração.
E porquê ? Tivesse sido mais
privilegiado o apoio à livre circulação de pessoas, nomeadamente as mais
jovens, assim seriam mais rapidamente obtidas
condições e bases para um maior aprofundamento de processos de
integração política - aliás indissociáveis dos que respeitam à melhoria da
participação na vida política.
Nunca é tarde, todavia, para se darem
os desejáveis passos em tal sentido, sem o que uma verdadeira e desejável união
de Estados com políticas essenciais comuns nunca terá consistência.
10.Jun.2012
(texto original publicado em Nov.2011,
in "25 anos na U.E.", ed.Almedina).
Serviços "secretos"
Desde há algum tempo que têm estado na
ribalta noticiosa os serviços de informações do Estado, quer por suspeitas
apresentadas solenemente ao país pelo
próprio Presidente da República a propósito da "segurança" dos
computadores dos seus serviços, quer por fugas de informação que respeitam a
dados de natureza empresarial, ou ainda por utilização indevida de informações
registadas naqueles serviços.
O debate público que se tem avolumado
nos últimos tempos tem incidido quase exclusivamente sobre possíveis indícios
de natureza criminal relativamente`ao eventual uso indevido da informação
existente ou à justificação das razões que levaram à sua recolha, e obviamente
sobre a acção ou inacção das entidades fiscalizadoras do funcionamente daqueles
serviços.
São porém muito esquecidas as
perspectivas de natureza fulcral sobre a utilidade que está a ser obtida a
partir do trabalho dos Serviços de Informação da República Portuguesa (SIRP),
quer e nomeadamente do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED),
quer do Serviço de Informações de Segurança (SIS) - sem se esquecer a
existência do Centro de Informações e Segurança Militar e dos serviços de
informações dos diversos organismos de natureza policial.
Poderá dizer-se que as entidades a
quem tais serviços prestam contas, em particular os que são objecto da atenção
do Conselho de Fiscalização respectivo, são suficientemente idóneas para
avaliar da utilidade do respectivo trabalho, pois o Conselho Superior de Informações
é composto pelas mais altas figuras do Governo e inclui dois deputados eleitos
pelo Parlamento bem como o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas e
os presidentes dos Governos Regionais, tendo ainda o Primeiro-Ministro que
manter informado o Presidente da República sobre tais matérias.
Contudo o cidadão comum não se
apercebe bem, como é do domínio público, dos resultados conseguidos por um
dispositivo tão complexo de obtenção e tratamento de informações, acrescendo
que os recentes acontecimentos envolvendo o que os meios de informações
apelidaram de "espiões" têm contribuído para o descrédito dos
sistema.
Pensa, tal cidadão, que o SIS deveria
procurar identificar - por exemplo - os agrupamentos criminosos estrangeiros
que espalham o terror entre os cidadãos da União Europeia que se instalaram no
Algarve e que têm levado a uma retracção do seu número e a uma propaganda
negativa sobre um Portugal "seguro" com efeitos deletérios sobre o
investimento de que o nosso país precisa; e comunicar tais informações aos
organismos policiais com vista à neutralização das intenções criminosas
existentes.
E o mesmo procedimento deveria ser
aplicável aos grupos de cidadãos nacionais que actuam com métodos violentos
quer na área da ourivesaria quer em outras em que a insegurança pública tem
aumentado, em especial no comércio de estupefacientes.
Interroga-se, tal cidadão, sobre se os
resultados obtidos pelos numerosos agentes do SIED têm contribuído para
melhorar a qualidade das decisões de natureza estratégica de que Portugal
precisa, em especial no momento presente de crise financeira e económica
internacional.
E põe obviamente em dúvida se o
tratamento das informações recolhidas em matéria de defesa tem permitido
repensar o dimensionamento das Forças Armadas e a redistribuição dos
respectivos recursos financeiros.
Impõe-se uma reflexão pública sobre
estes assuntos, e que se traduza numa profunda reorganização - a par das
economias que provavelmente dela decorrerão.
3.Junho.2012
______________________________________________________
G-8-P=G-7 ?
Esta aparentemente
misteriosa equação poderá revestir-se de algum significado politico na área das
relações internacionais, pois "P" significa "Putin", e o
facto de estar precedido de um sinal negativo mais não quer dizer que simboliza
a sua ausência da cimeira dos G-8, no presente fim de semana(em Camp David),
que fica assim de novo reduzida ao conjunto de países que formavam os G-7.
Especula-se sobre as
razões da ausência, desde uma mudança da orientação política face aos EUA,
podendo significar um endurecimento devido ao projecto da NATO de instalação de
um sistema anti-míssil visando eventuais agressões do Irão - mas que teria
eventualmente outros objectivos - ou pelo contrário uma atenuação do
relacionamento visível com B.H.Obama que poderia beneficiar a respectiva
candidatura à reeleição como Presidente.
Porém há outras
possíveis interpretações, sendo que uma delas poderia ser a aposta numa maior
intervenção nos G-20, procurando demonstrar que o tempo dos G-7 já terá
passado, pois a crise económica e financeira a nível mundial incide
principalmente sobre o que estes países significam em termos da sua relação com
os países da Zona Euro, podendo a presente cimeira centrar-se quase
exclusivamente sobre os problemas de crescimento económico susceptíveis de
terem agora nova abordagem na sequência da estreia de François Hollande no
plano internacional.
V.Putin limitar-se-ia
assim a esperar o habitual comunicado grandiloquente dos ora G-7, que na
prática se limitará a um piedoso rosário de intenções de limitado alcance
prático, para depois na próxima reunião dos G-20, em Junho, tentar uma
estratégia de organização consistente deste grupo e que não poderia deixar de
passar quer pela criação de uma agência de regulação financeira mundial no
âmbito da ONU, quer pelo aumento das capacidades de intervenção das agências e
organizações já existentes - e necessariamente por uma nova "moeda"
internacional.
Entretanto a
"União" Europeia limitar-se-á a esperar pelo próximo Conselho, dentro
de dias, aguardando que possam vir a ser adoptadas algumas das ideias de
animação do crescimento económico analisadas em Camp David (entre as quais a de
um reforço dos meios financeiros do BEI - Banco Europeu de Investimento - que
tenho aliás vindo a defender desde há vários meses nestas páginas), porém
"temperadas" pela questão grega...
Virão a tempo ?
19.Maio.2012 .
G-8-P=G-7 ?
Esta aparentemente
misteriosa equação poderá revestir-se de algum significado politico na área das
relações internacionais, pois "P" significa "Putin", e o
facto de estar precedido de um sinal negativo mais não quer dizer que simboliza
a sua ausência da cimeira dos G-8, no presente fim de semana(em Camp David),
que fica assim de novo reduzida ao conjunto de países que formavam os G-7.
Especula-se sobre as
razões da ausência, desde uma mudança da orientação política face aos EUA,
podendo significar um endurecimento devido ao projecto da NATO de instalação de
um sistema anti-míssil visando eventuais agressões do Irão - mas que teria
eventualmente outros objectivos - ou pelo contrário uma atenuação do
relacionamento visível com B.H.Obama que poderia beneficiar a respectiva
candidatura à reeleição como Presidente.
Porém há outras
possíveis interpretações, sendo que uma delas poderia ser a aposta numa maior
intervenção nos G-20, procurando demonstrar que o tempo dos G-7 já terá
passado, pois a crise económica e financeira a nível mundial incide
principalmente sobre o que estes países significam em termos da sua relação com
os países da Zona Euro, podendo a presente cimeira centrar-se quase
exclusivamente sobre os problemas de crescimento económico susceptíveis de
terem agora nova abordagem na sequência da estreia de François Hollande no
plano internacional.
V.Putin limitar-se-ia
assim a esperar o habitual comunicado grandiloquente dos ora G-7, que na
prática se limitará a um piedoso rosário de intenções de limitado alcance
prático, para depois na próxima reunião dos G-20, em Junho, tentar uma
estratégia de organização consistente deste grupo e que não poderia deixar de
passar quer pela criação de uma agência de regulação financeira mundial no
âmbito da ONU, quer pelo aumento das capacidades de intervenção das agências e
organizações já existentes - e necessariamente por uma nova "moeda"
internacional.
Entretanto a
"União" Europeia limitar-se-á a esperar pelo próximo Conselho, dentro
de dias, aguardando que possam vir a ser adoptadas algumas das ideias de
animação do crescimento económico analisadas em Camp David (entre as quais a de
um reforço dos meios financeiros do BEI - Banco Europeu de Investimento - que
tenho aliás vindo a defender desde há vários meses nestas páginas), porém
"temperadas" pela questão grega...
Virão a tempo ?
19.Maio.2012 .
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Um Caedaquestão ?
A perspectiva de uma retirada total
das forças estrangeiras actualmente presentes no Afeganistão, prevista para
2014 e precedida por retiradas graduais (quando não inopinadas ou concretizadas
em prazos infeiores aos previstos, como poderá ser o caso das francesas), já
deu origem a uma algo apressada mudança da respectiva estratégia.
Procura-se agora envolver cada vez
mais as forças afegãs, apesar do crescente número de episódios em que alguns
dos seus soldados têm disparado sobre militares das forças internacionais
(ISAF), sendo também legítimas as dúvidas sobre se o poder político naquele
país tem consistência suficiente para sobreviver à retirada dos militares
estrangeiros, dúvidas acentuadas pela interrogação suscitada pela capacidade
das forças de segurança interna em enfrentar o movimento Taliban, que não
aparenta estar em regressão no que respeita ao controle do povo em diversas
áreas do país e que contiunua a demonstar elevado poder de penetração no
restante território - incluindo meios urbanos - dando-se inclusivamente ao
"luxo" de pautar o ritmo das negociações secretas visando o fim das
hostilidades.
Não parece provável que a ISAF veja o
dilatado o prazo do mandato que o Conselho de Segurança lhe estabeleceu, até
porque tem aumentado nos Estados Unidos da América a impopularidade
relativamente ao envolvimento militar, sendo de admitir que em 2015 - se não
antes - a evolução dos acontecimentos leve a que o Governo Afegão se veja
obrigado a admitir no seu seio a presença dos Taliban, que caso continuem a
manter a consistência política que os tem caracterizado pode passar um papel
preponderante naquele país.
E, dados os antecedentes do que tem
sido a vida política no Afeganistão, não seria de admirar que o papel preponderante
pudesse vir a ser dominante, constituindo toda esta sucessão de episódios mais
uma demonstração das grandes dificuldades que existem quando se tenta dominar
um povo pela força das armas sem que haja um envolvimento total da vontade
política dos "dominadores" bem como uma destruição determinante do
seu aparelho produtivo, situações bem demonstradas quanto ao termo das Guerras
de 1939/45, e - ao invés - no Iraque e nos casos de tentativas de socorro
contra acções de genocídio ou de repressão sangrenta de oposições políticas.
Caso o poder Taliban se volte a
instalar no Afeganistão, e não constitua uma ameaça para o Irão ou para o
Paquistão, não será assim de admirar que a Al Caeda venha a criar uma espécie
de Estado-sombra no sul do Afeganistão, que seria difícil de atingir mesmo com
os futuros "drones" de longo alcance, ou através de operações de
comandos difíceis de serem realizadas sem o apoio explícito dos países
vizinhos.
Tal "Estado", que
consubstanciaria a derrota política dos países que aprovaram a constituição da
ISAF, não deixaria de ser de ser designado por Caedaquestão ...
13.Maio.2012.
_________________________________
Primeiros de Maio.
O dia 1 de Maio de 1974 foi
caracterizado pela existência de diversas manifestações públicas do povo, que
encheu praças com muitas centenas de milhares de portugueses que puderam assim
e de forma espontânea não só celebrar o Dia Mundial do Trabalhador como e
principalmente o vento de liberdade que se fazia sentir após décadas de regime
autoritário.
Outros Primeiros de Maio se foram
sucedendo, caracterizados também por manifestações populares organizadas por
movimentos de natureza sindical, e também com expressivos números de
participantes, longe porém dos que ocorreram nos anos de 1974 e 1975, mas já
caracterizadas por forte pendor de luta política relaivamente às relações entre
o poder e o mundo do trabalho, e também pelo encerramento da grande maioria de estabelecimentos
comerciais que tradicionalmente se mantinham abertos em Domingos e dias
feriados, procurando assim homenagear os trabalhadores em geral.
Contudo o recente dia 1 de Maio foi
caracterizado principalmente, em termos de cobertura noticiosa, pela abertura
de grandes estabelecimentos comerciais dos quais um lançou uma agressiva
campanha de descontos em compras, que provocou uma autêntica corrida ao consumo
por parte de - estimo - centenas de milhares de pessoas que esvaziaram as
prateleiras dos 350 supermercados da cadeia respectiva.
Não é do meu conhecimento que tenha
havido acontecimentos deste tipo nos restantes países onde é tradicionalmente
comemorado o 1º de Maio, data que simbolizou os acontecimentos em que nos EUA
houve em 1886 grandes manifestações em luta pela redução dos enormes horários
de trabalho, fortemente reprimidas e com o enforcamento de alguns dos
respectivos promotores, tendo tal data passado a ser dedicada aos trabalhadores
sob a forma de feriado onde tradicionalmente apenas se mantinham em
funcionamento os serviços essenciais.
Não parecendo provável que a
Assembleia da República venha a legislar em breve no sentido de proibir a
abertura de grandes estabelecimentos comerciais naquele dia, repondo assim uma
situação que já existiu e que correspondia às tradições universalmente
seguidas, é assim com curiosidade que se espera o que poderá ocorrer no próximo
Primeiro de Maio, pois se entretanto não ocorrerem mais acções do mesmo tipo,
quer por parte dos promotores da agora sucedida, quer por iniciativa de outros,
muitos cidadãos aguardarão que tais procedimentos se possam repetir, levando
assim aquele dia a ser conhecido como do trabalhador e do consumidor, e
nomeadamente se tal for objecto de repetição nos anos seguintes.
Tratando-se de uma questão de natureza
política, não deixa de ser curioso que sejam entidades patronais a
"legislar" sobre tal matéria...
6.Maio.2012.
_______________________________________________________
E depois do Adeus ...
Foi com a inolvidável canção com este título
que entre outros actos simbólicos a Assembleia da República comemorou o 38.º
aniversário do golpe de Estado de 25 de Abril de 1974, que viria a permitir a
instauração de um sistema democrático terminando assim algumas dezenas de
regime autoritário.
Ao contrário do que vinha sendo tradicional e
que simbolizava também um comprometimento histórico da Assembleia da República
com o gesto dos militares que tinha permitido a existência da democracia, a
Associação 25 de Abril recusou este ano o habitual convite para se fazer
representar, enquanto símbolo do "Movimento das Forças Armadas" que
permitiria depois a realização de eleições livres, invocando que "a linha
política seguida pelo actual poder político deixou de reflectir o regime democrático
herdeiro do 25 de Abril configurado na Constituição da República Portuguesa.
Tal posição tem sido objecto de diversos
comentários, entre os quais o meu, mas poucos
(se é que algum) se pronunciaram sobre o que poderá ocorrer no próximo ano caso
o Parlamento volte a formular análogo convite, hipótese em que a Associação 25
de Abril certamente terá pensado.
Admitindo a hipótese de o actual poder político
(para usar os termos usados pela Associação) não inflectir a sua linha
política, não restaria por certo outra atitude que não fosse a de nova
ausência, que viria certamente agravar as clivagens que têm existido em
Portugal a propósito das celebrações de uma data que deveria ser um símbolo da
Liberdade.
Por outro lado, como a "linha
política" actual decorre em grande parte dos termos do Memorando de
Entendimento entre o Governo da República Portuguesa e as instâncias
internacionais que prestam assistência financeira às graves dificuldades que o
noso país atravessa, Memorando esse que foi assinado pelo anterior Governo e
com o acordo dos partidos que viriam a formar o actual, não parece provável a
curto prazo uma inflexão notória da citada linha política mesmo que na sequência
de eleições antecipadas o principal partido da oposição viesse a formar
governo, uma vez que não só participou na elaboração do referido Memorando como
também tem vindo a afirmar que não põe em causa os termos nele contidos, embora
apele a interpretações que não os excedam.
Só a mudança de políticas na União Europeia, e
em particular na Zona Euro, que induzissem estratégias de crescimento
susceptíveis de virem a atenuar as consequências das inevitáveis e necessárias
medidas de equilíbrio orçamental a prazo, permitiria a inflexão notória do rumo
político do Governo, o que porém não ocorreria por certo num prazo curto.
E assim novas ausências se perfilariam no
horizonte, criando o possível cenário de deixar de haver convites semelhantes.
Ou seja, depois do Adeus.
29.Abril.2012.
____________________________________________
25 de Abril - data de concórdia, ou de discórdia ?
A
Associação 25 de Abril acaba de anunciar que "não participará nos actos
oficiais nacionais evocativos do 38.º aniversário do 25 de Abril",
invocando que "a linha política seguida pelo actual poder político
deixou de reflectir o regime democrático herdeiro do 25 de Abril configurado na
Constituição da República Portuguesa, e que o poder político que actualmente
governa Portugal configura um outro ciclo político que está contra o 25 de
Abril, os seus ideais e os seus valores".
Entre
os actos oficiais em causa está a habitual sessão solene na Assembleia da
República, com a presença do Presidente da República, dos Presidentes do
Tribunal Constitucional e Supremo Tribunal de Justiça, e do Governo, bem como
das individualidades mais relevantes dos orgãos mais importantes do Estado, do
Corpo Diplomático acreditado em Lisboa, e de muitas outras personalidades de
relevo na vida pública portuguesa, entre as quais os Directores dos principais
meios de informação pública.
Anunciaram
também a sua ausência um ex-Presidente da República e um ex-Presidente da
Assembleia da República, declarando fazê-lo por solidariedade com a Associação
25 de Abril.
Salvo
melhor opinião, e admitindo que a Associação 25 de Abril foi convidada para se
fazer representar - como nos anos anteriores - na citada sessão solene, creio
que os motivos invocados são discutíveis, pois a Assembleia da República é o
orgão por excelência do regime democrático e de liberdade cuja instauração foi
o principal objectivo do golpe de Estado de 25 de Abril de 1974, nela
coabitando os defensores das razões invocadas para a ausência com os que têm um
ponto de vista diferente.
Penso,
pois, que a Associação 25 de Abril cria um precedente que agrava a clivagem que
já se vinha a sentir desde há muito nas comemorações de uma data que deveria
ser festejada numa perspectiva de consenso sobre os valores da liberdade e da
democracia, e deixando-se a luta política para os locais próprios.
E
pena é que os sucessivos Presidentes da República, Deputados de todas as
Legislaturas, e Governos se tenham limitado até agora a promover comemorações
de natureza formal de uma data que foi efusivamente saudada pela grande maioria
dos portugueses.
Luís
da Costa Correia
24
de Abril de 2012.
25 de Abril. De ... 2014.
" Foi há quatro décadas.
Um golpe de Estado - que rapidamente
se transformou em revolução - dois anos depois veria a concretização, se bem
que parcial, dos propósitos inicialmente enunciados.
O anterior golpe, em 1926, daria
também origem a um regime que também durou quarenta anos, e que se viria a
esgotar tanto pela persistência na adopção de um modelo autoritário como pela
falta de visão sobre as transformações que ocorriam na cena internacional,
falta de visão essa que levou ao atraso de uma descolonização que poderia e
deveria ter ocorrido de outra forma.
Nao se pode deixar, assim, de
reflectir sobre as razões que levaram a que um regime democrático, ao invés do
anterior, tivesse deixado o pais em situação de penúria e sob o fortissimo
endividamento que levou à limitação da soberania e a consequências evidentes na
diminuição dos padrões de vida.
E isto apesar do forte apoio
internacional - politico e financeiro - tanto após a descolonização como no
decorrer da lógica adesão a uma união europeia de Estados independentes.
Nao admira assim que se tenha
instalado o desânimo em grande parte dos cidadãos, desapontados também com o
fraco desempenho de diversas instituições do Estado, nomeadamente na área da
justiça - tanto formal como social.
E desapontados igualmente - ou
principalmente - com o funcionamento dos partidos políticos, esquecidos
sistematicamente do diálogo com os cidadãos, não só a nível nacional como
também no plano das relações internas entre os seus militantes, o que
contribuiu talvez decisivamente para um afastamento dos eleitores relativamente
à participação política e à falta de confiança na generalidade dos dirigentes
do país, como diversas e sucessivas sondagens de opinião o tinham vindo a
prenunciar.
Não foi assim surpresa a ocorrência da
forte agitação que ocorreu desde 2012, com evidentes reflexos nas eleições
entretanto ocorridas e na conturbada agitação política ao nível das mais altas
esferas do Estado, levando a uma ainda maior degradação da vida social e
política que se sente hoje, neste dia em que se comemora - em acentuado clima
de desânimo e de preocupação - o
quadragésimo ano após a queda do regime autoritário que deu lugar à instauração
da democracia em Portugal. "
- As linhas acima poderão ter uma
conclusão um pouco diferente se ainda for possível melhorar o quadro de
participação política dos cidadãos, cujo reduzido nível constitui um perigo
para a sustentação do sistema democrático.
E como ? Os responsáveis políticos têm
ao seu dispor a escolha de entre múltiplas fórmulas para propor aos eleitores,
sugeridas por diversos cidadãos e organizações.
Resta saber se irão a tempo de evitar que
a comemoração do quadragésimo aniversário da data de 25 de Abril de 1974 se transforme num
exercício de tristeza colectiva, encabeçado por um grupo de sexagenários e
septuagenários afastados - eles também - da maioria do povo, que, continuando a
acreditar na democracia, terá porém deixado de o fazer quanto aos seus
representantes.
22.Abril.2012
Um
Portugal sub-con-Tratado ...
Sexta-feira,
13. De abril, 2012.
Pressurosamente
veio a Assembleia da República aprovar - sob a forma de Resolução - o Tratado
sobre
Estabilidade,
Coordenação e Governação na União Económica e Monetária, assinado em 30 de
Janeiro de 2012 pelo Representante da República Portuguesa, e que dentro de 6
ou 7 anos seria integrado nos actuais Tratados sobre a União Europeia.
Entrará
em vigor se promulgado pelo Presidente da República, que ainda poderia (o que
provavelmente não fará) consultar o Tribunal Constitucional a tal respeito,
pois não ressalta claramente se as disposições do Tratado se enquadram
claramente na Constituição.
Conforme
algumas sondagens indicam, a maioria dos portugueses seria favorável ao Tratado
em causa. Mas se inquiridos sobre o seu conteúdo e implicações parece evidente
que apenas uma reduzida minoria terá adequado conhecimento, sendo evidente que
mal grado algumas importantes e credenciadas iniciativas (Instituto Europeu,
por exemplo) não houve suficiente debate público sobre uma matéria cujas
implicações na nossa soberania são assinaláveis, indo muito além das que até
agora impendiam no quadro da União Europeia.
E nem
tempo adequado houve, pois as linhas gerais do projecto de Tratado apenas foram
conhecidas em 9.Dez.2011, acrescendo que Portugal foi o primeiro Estado a
formalizar o primeiro passo para a respectiva ratificação, quando poderia ter
deixado tal iniciativa a outro de entre os Estados-membros mais
"puristas" em tal matéria, em vez de se assumir como
"subcontratado" para dar o exemplo de arranque...
Assim,
em 2014 (quando o Tratado entrar em vigor, caso seja ratificado por 12 dos 25
que o assinaram) Portugal terá que tentar cumprir os irrazoáveis prazos que
estão previstos para a redução do "deficit" orçamental até menos de
0,5% e de dívida pública a um ritmo de 5% anual face ao Produto Interno Bruto
sempre que esta exceda 60% do PIB (actualmente estará bem acima de 100%, e
aparentemente ainda a crescer).
Não
se nega que Portugal deve reestruturar as suas contas públicas, desequilibradas
por décadas de falta de visão política; porém para que tal aconteça será
necessário que esta forma de "solidariedade orçamental" seja
acompanhada pelo seu equivalente em termos de cooperação económica, pois no
quadro previsto - mais gravoso que o actual - tal não será possível.
Uma
"União" Europeia a sério praticaria uma solidariedade a sério -
embora com os mecanismos necessários para evitar os desequilíbrios orçamentais
antes de se tornarem gravosos para os Estados-membros, e - por arrastamento -
para a sua união.
Talvez
a crise económica em outros países, e consequente ameaça para o Euro, venham a
tal ajudar.
Portugal
deve deixar assim de aparecer como o pressuroso indigente sub-con-Tratado, e
tentar desempenhar com dignidade o papel de País livre que deve procurar ser.
Para
isso, precisa de Deputados que oiçam o País. Que debatam também com os
cidadãos. Que estejam conscientes que em democracia um voto nunca é uma carta
branca.
15.Abril.2012.
_________________________________________
Hipocrisia,
frontalidade, e exemplo.
O
Governo português decidiu, no quadro das disposições extraordinárias que
entendeu necessárias para o cumprimento do programa de assistência financeira
ao nosso país, que não concederia mais dispensas eventuais de serviço aos
funcionários públicos (vetustamente chamadas de "tolerâncias de
ponto") em diversos dos dias em que era hábito fazê-lo, nestes se
incluindo a tarde da quinta-feira que precede o Domingo da Páscoa católica.
Conhecida
que foi a decisão governamental, a Assembleia da República decidiu, em
conferência dos grupos parlamentares e sob a presidência de Assunção Esteves,
antecipar para a manhã da passada quinta-feira a realização da sessão plenária
prevista para a tarde.
Segundo
a imprensa refere, tal decisão foi tomada por unanimidade, quando seria
precisamente no corrente ano que o Parlamento tinha previsto que pela primeira
vez haveria sessão plenária nas quintas-feiras análogas.
Sendo
certo que a Assembleia da República não depende do Governo, não deixa de ser
surpreendente que pelo menos os dois partidos políticos em que se sustenta a
coligação governamental não tenham manifestado a solidariedade que seria lógica
nas presentes circunstâncias, e que os grupos parlamentares em geral tenham
optado por adoptar formas de comportamento que outro desacreditado responsável
político trauliteiramente tomou em idênticas circunstâncias.
Não
se trata aqui de se analisar a justeza da decisão governamental, mas sim de se
constatar uma situação de nítida hipocrisia, associada à falta de frontalidade,
e que constituem um péssimo exemplo que não deixará de agravar a má ideia que
muitos portugueses têm dos deputados em geral, contribuindo para a
descredibilização da democracia que cada vez mais vozes - influentes e não tão
influentes - afirmam estar a ocorrer.
E
infelizmente o aperfeiçoamento da democracia, que passa por uma profunda
mudança dos sistemas de participação dos cidadãos, não é notoriamente
susceptível de ser iniciado pelos próprios deputados e pelos partidos políticos
em geral...
8.Abril.2012.
_______________________________________________________
Freguesias : manifestação mais que simbólica.
Segundo diversos meios de informação pública foram mais
de 150 mil as pessoas que hoje se deslocaram a Lisboa para manifestarem
publicamente o seu desacordo relativamente à perspectiva de supressão de
freguesias prevista no "Memorando de Entendimento" celebrado em 2011
entre o Governo português - com o apoio dos 3 maiores partidos políticos - e as
instâncias internacionais subscritoras do Programa de Assistência Financeira à
República.
Tal Memorando (que na área autárquica tinha como
principais preocupações a diminuição de custos e o aumento da eficácia) já
tinha dado origem a diversos documentos governamentais, nomeadamente um
"Documento verde" com diversas linhas de acção, e uma Proposta de Lei
- esta já com diversas modificações face ao conteúdo do citado Documento.
Por outro lado, o Governo tinha já vindo a dar a entender
que quanto aos municípios pouco ou nada do que estava previsto no
"Memorando" seria aplicado, não só no que respeita a limites de
endividamento mas também quanto ao que se refere a agregações de concelhos,
restando assim as junções de freguesias como argumento a tentar apresentar como
prova de cumprimento da parte do Memorando relativa ao Poder Local.
A posição governamental, acompanhada aliás por grande
parte dos deputados, não surpreende pois os partidos políticos baseiam a sua
organização nas estruturas concelhias...
Do que porventura não estariam à espera seria de uma
manifestação popular tão significativa, pelo que devem estar perplexos quanto
ao modo como reagir.
Se houvesse alguma clarividência, seria esta uma
excelente oportunidade para se reforçarem acentuadamente as atribuições,
competências e recursos das Juntas e Assembleias de Freguesia, privilegiando as
que resultassem de processos de agregação ou de desagregação voluntária dentro
de determinados limites tendentes a constituirem dimensões autárquicas de maior
eficiência, reforços esses que seriam transferidos a partir dos existentes nos
municípios, em processo que deveria estar subordinado ao princípio de no seu
todo haver uma redução de dispêndios orçamentais não inferior a uma determinada
e significativa percentagem.
O Portugal profundo que foi sentido na manifestação de 31
de Março muito beneficiaria de tais procedimentos, que ajudariam a alicerçar os
fundamentos de uma democracia que está doente por falta de oportunidades de uma
participação política dos cidadãos que só é verdadeiramente genuína se exercida
ao nível do Poder local directo - ou seja, no âmbito das Freguesias.
31.Março.2012
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Eleitos: distorções.
Já me tinha referido nestas páginas, bem como em artigos
publicados na Imprensa (nomeadamente no "Expresso" e no “Público”)
aos problemas suscitados pelo grande nível de abstenções, decorrentes de
estarem inscritos nos cadernos eleitorais talvez algumas centenas de milhar de
emigrantes, problema que aliás poderia ser atenuado cruzando a base de dados do
recenseamento eleitoral com a das inscrições consulares, seguida de pergunta
aos eleitores sobre a opção de local de voto – se em Portugal, se no respectivo
círculo da emigração.
Volto ao assunto, pois acresce agora que ao que refere a
imprensa já terá emigrado desde 2007 cerca de meio milhão de eleitores, o que
vem distorcer ainda mais a distribuição dos mapas de eleitos - tanto quanto no
que respeita à Assembleia da República, quanto no âmbito do Poder Local, pois
uma distribuição incorrecta de mandatos pode vir a influenciar os resultados
das próximas eleições.
No caso da Assembleia da República o problema é mais
evidente, uma vez que há distritos onde estariam recenseados muitos emigrantes
e onde por consequência seriam atribuídos mais deputados dos que os que
deveriam ter, havendo outros distritos com menos - sendo que a tendência
eleitoral em alguns dos círculos eleitorais provavelmente poderia ser diferente
da existente nos outros.
No âmbito do Poder Local ocorre análoga situação, que
leva a que haja Freguesias e Concelhos onde o número de eleitos é notoriamente
excessivo face ao dos eleitores residentes, com o consequente dispêndio
excessivo em remunerações, bem ao arrepio do espírito da Lei.
Para corrigir estas situações poderia aplicar-se o
princípio de não serem contabilizadas as abstenções, o que não prejudicaria as
eleições em círculo nacional (único) como o são as do Presidente da República e
dos Deputados ao Parlamento Europeu, e introduziria maior justiça nas eleições
de Deputados à Assembleia da República, na medida em que a distritos com maior
emigração - onde há muitos eleitores não residentes habitualmente - não seriam
atribuídos mais Deputados do que os que correspondessem ao verdadeiro
"peso" eleitoral dos respectivos círculos, argumento que seria
igualmente válido para as eleições locais (nestas, contribuindo-se para um
correcto ajustamento do número de eleitos).
Haveria entretanto que manter uma excepção quanto ao
número de Deputados pelos círculos da emigração, para os quais se manteria o
actual sistema, bem como nos referendos, para cuja validade a Constituição
impõe que a participação seja superior a 50 por cento dos inscritos - assunto
aliás que poderia também ser objecto de profunda reflexão..
Assim, os mapas de representantes a eleger seriam
elaborados a seguir à publicação dos resultados oficiais de cada círculo
eleitoral - e não antes, como sucede actualmente - e a redução do número de
eleitos para o Poder Local seria certamente bem-vinda no quadro excepcional que
decorre do Memorando de Entendimento celebrado em 2011 com instâncias
internacionais.
A Assembleia da República, dotada neste momento de
poderes constituintes normais, poderia modificar adequadamente os artigos da
Constituição necessários para que tais disposições entrassem em vigor,
nomeadamente os artigos números 149 e 239 (que estabelecem que os mapas de
eleitos são elaborados em função do recenseamento), o que por certo
contribuiria também para uma maior mobilização do eleitorado.
25.Março.2012
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Desemprego total, emprego parcial.
Imaginemos que existe uma figura jurídica nas relações de
trabalho que permite que dois desempregados firmem um acordo em que se
candidatam ao desempenho de uma função num posto de trabalho cujo tempo de
exercício é partilhado entre ambos, com a anuência da entidade patronal e do
Estado, sendo a remuneração individual superior a metade da correspondente ao
tempo total, cabendo ao Estado o pagamento do respectivo diferencial.
Um exemplo: um determinado posto, remunerado
habitualmente com 560 Euros mensais por 8 horas diárias com pausa de 1 hora
(0900/1800), será ocupado por duas pessoas - uma entre as 0800 e as 1330, e a
outra entre as 1330 e as 1900, ambas recebendo uma remuneração de 335 Euros
(280 da entidade patronal e 55 a cargo do Estado).
Muitas pessoas poderiam pensar que apesar da injustiça
relativa do nível de remuneração face ao correspondente em tempo total haveria
vantagens em não só terem uma ocupação mas também que o tempo livre lhes
permitiria prestar mais atenção à família, com os benefícios de ordem social
que com tal seriam induzidos na vida colectiva .
Os efeitos na redução das horas de ponta em termos de
transportes também não seriam de desprezar, tal como no comércio em geral.
A contribuição financeira do Estado teria uma
contrapartida evidente na redução dos subsídios de desemprego, e a entidade
patronal beneficiaria obviamente do aumento do número de horas de trabalho, o
que lhe permitiria melhorar a produtividade e o nível de remunerações dos seus
colaboradores.
Modelo evidentemente de adesão voluntária, teria como
inconvenientes a eventual difícil coabitação com os colaboradores em termos de
contrato clássico - mas que por seu turno não deixariam de examinar as
vantagens de aderirem ao novo sistema.
18.Março.2012.
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A insustentável certeza do não ter...
... com que pagar as dívidas de Portugal.
Foi esta a conclusão a que assisti num diálogo entre dois
cidadãos que se bem que pouco conhecedores de questões financeiras e económicas
nem por isso deixavam de trocar impressões sobre o momento difícil que o nosso
país atravessa. Eis assim o essencial das opiniões e dúvidas expressas.
- Como se explica o "perdão" de grande parte da
dívida grega concedido por credores privados ?
- Parece-me que quando emprestaram fundos a juros cada
vez mais altos sabiam que seria inevitável que a Grécia não os pudesse pagar na
sua totalidade nos prazos previstos, o que ajuda a explicar o facto de tais
juros serem cada vez maiores nos novos empréstimos concedidos para - imagine-se
bem - pagar os juros de empréstimos anteriores...
- Quer isso dizer que quando eram emprestados por exemplo
10 mil milhões de Euros com juros de 20% já sabiam que na prática não iriam
receber inevitavelmente mais do que 11 mil milhões (o que já era um negócio
interessante) ?
- Claro, e isso explica o porquê das tais taxas cada vez
mais altas, pois sabia-se que a Grécia não teria capacidade para desenvolver a
sua economia a um ritmo que lhe permitisse tais pagamentos.
- Então por que razão continuavam credores privados a
emprestar ?
- Porque sabiam que os países da zona Euro tudo fariam -
ou quase tudo - para evitar a bancarrota de um dos seus Estados-membros, e que
exerceriam forte pressão sobre a Grécia para diminuir os gastos públicos que
tinham estado na origem do grande endividamento.
- Ou seja, Portugal não pode deixar de ser obrigado a
solicitar novo programa de assistência financeira, sendo mesmo assim, como
li, inevitável
uma "reestruturação" da
sua dívida?
- É evidente, como também o é a impossibilidade de o
admitir publicamente, pois os juros entretanto impostos acabariam por subir
ainda mais.
- Será que tudo isto
explica o facto de na Alemanha já se falar nestas questões relativas a Portugal ?
- Claro que sim. E assim como a adesão ao Euro não foi
positiva para Portugal (por má administração dos créditos a baixos juros
tornados então possíveis), também a zona Euro não tem alternativa que não seja
a de financiar o ajustamento de Portugal ...
- Então estamos condenados a viver – em ressonância com
Kundera - na insustentável certeza de não ter ?
- Com que pagar as nossas dívidas ... Outros que o façam
quanto a importante parte delas !
Haverá entretanto alguém que explique
fundamentadamente a
estes dois cidadãos o que verdadeiramente se passa, e o que provavelmente
ocorrerá ?
11.Março.2012
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Uma solução para a crise?
O recente Tratado europeu para a estabilidade orçamental, assinado
pelos Governos de 25 dos 27 Estados-membros da União Europeia, vem reforçar os objectivos de prevalência dos equilíbrios
orçamentais como metodologia privilegiada para se regressar às rotas de
crescimento na União.
Tal metodologia, habitualmente designada por
"austeridade" e preconizada por alguns dos Estados-membros,
nomeadamente a Alemanha, como sendo a única via para se conseguirem os
objectivos de progresso económico da União, tem vindo a ser criticada por
muitos economistas e políticos que asseveram ser impossível aos países em
dificuldades no que respeita à sua crescente dívida pública a obtenção do
equilíbrio sem um enorme decréscimo do seu nível de vida, e que poria mesmo em
risco a respectiva vivência democrátca.
É assim oportuno voltar a recordar o papel do
Banco Europeu de Investimentos (BEI) e do seu Fundo com o mesmo nome,
pois este último foi criado com o principal propósito de ajudar ao
financiamento das pequenas e médias empresas da União Europeia, e que poderia
desempenhar - conjuntamente com o BEI e na sequência do
decidido no Conselho Europeu de 2000 (Lisboa) -
importantíssimo papel no debelar da crise cujo fim não se avista, nomeadamente
se forem apenas adoptadas as soluções em curso e as que estão no mesmo sentido
preconizadas.
Mantendo-se embora as acções tendentes à
obtenção dos equilíbrios orçamentais e que assentam principalmente na redução
dos gastos do Estado, é urgente a aposta na criação de emprego, área em que
aquelas instituições podem desempenhar um relevante papel no apoio à criação de
pequenas e médias empresas (PME), bem como ao financiamento das que existem e
que tenham condições de sobrevivência, e privilegiando as que fomentem a
inovação, a exportação e a criação de emprego de modo sustentável.
Como é evidente, deveria haver regras muito
claras que impedissem o uso de financiamentos da responsabilidade do BEI ou do
seu Fundo Europeu de Investimentos (FEI) em operações que contribuissem de
forma directa para contornar as obrigações impostas pelos programas de auxílio
financeiro externo, embora indirectamente pudessem beneficiar do decréscimo de
custos sociais induzido pela diminuição do desemprego e pela criação de
riqueza.
O apoio do BEI (que nasceu logo com a
assinatura do Tratado de Roma, em 1958, e cujos accionistas são os
Estados-membros da União...) não requer quaisquer novos Tratados, e o seu
potencial de financiamento não tem limites determinados, pelo que se configura
como uma solução simples, rápida, e eficaz para permitir aos Estados-membros em
dificuldades o crescimento mínimo e a paz social indispensáveis para que
paralelamente possam prosseguir o caminho de consolidação orçamental a que são
obrigados pelos Tratados que voluntariamente subscreveram.
04.Março.2012
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" Portuguesas, portugueses:
" Tenho reflectido profundamente sobre
as críticas que me têm sido dirigidas publicamente a propósito de algumas
declarações que tenho feito a propósito dos meus rendimentos pessoais.
Antes de mais, quero salientar que tenho
cumprido escrupulosamente o que a lei me obriga em matéria de registo de tais
rendimentos no Tribunal Constitucional, bem como respeitado todas as minhas
obrigações em termos fiscais.
Reconheço contudo que não tenho sido
suficientemente claro em diversas ocasiões em que fui convidado a pormenorizar
melhor a origem dos meus rendimentos, origem que - repito - tem observado todas
as regras quanto ao respeito das leis em vigor.
Tal falta de clareza não foi o procedimento
mais apropriado, e por tal apresento-vos as minhas desculpas.
E por consequência darei assim instruções à
minha Casa Civil para responder com precisão às perguntas que nesta matéria lhe
venham a ser formuladas pelos meios de informação pública.
Espero assim poder contribuir para que se
volte a aprofundar o sentimento de ligação que sempre procurei que existisse
entre nós. "
Será que esta declaração, ou análoga, virá a
existir ?
Será que não é evidente - para o seu possível
autor, e para os seus conselheiros - que sem ela a função presidencial perde
capacidade de mobilização nos tempos difíceis que vivemos e que infelizmente
tudo indica que se irão agravar ?
26.Fevereiro.2012
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Manifesto contra um Tratado.
Assisti nos últimos dias a dois colóquios
sobre o recente projecto de Tratado internacional habitualmente designado como
"TIG - Tratado Inter Governamental", a que no meu anterior "Ponto de vista"
semanal de 12.Fev.2012 me referi apelidando-o de "TIG - Tratado da Ilusão
Germânica", dado o que penso ser a sua evidente inexequibilidade, tendo
aliás tal referência minha sido expressa publicamente no primeiro dos dois
colóquios.
O projecto em causa tem o pomposo e longo
nome de "Tratado sobre a Estabilidade, a Coordenação e a Governação na
União Económica e Monetária"., que aliás deveria ser completado pela
expressão "no âmbito da União Europeia" ...
No segundo dos dois encontros, promovidos
pelo Instituto Europeu da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa a que
distintamente preside o Professor Eduardo Paz Ferreira e que lhe tem imprimido
uma notável dinâmica, participaram personalidades com o maior relevo na opinião
pública sobre questões europeias, e que expressaram as suas dúvidas e certezas
sobre o documento em causa, pois o tema do colóquio era precisamente "Sim ou
não ao Tratado Intergovernamental".
Entre tais opiniões ressaltaram, a meu ver, as do Professor Viriato Soromenho Marques e do Professor João Ferreira do Amaral, ambas discordantes da ideia do Tratado e antevendo que
caso entrasse em vigor a União Europeia veria acrescidos os seus problemas e
poderia mesmo terminar enquanto "União" poítica de Estados.
Os pontos de vista a favor da entrada em
vigor do projecto Tratado provinham mais de pessoas que reflectiam posições de
instituições a que pertencem (por exemplo, um diplomata da Embaixada da Alemanha
em Lisboa, ou o Chefe do Gabinete do Parlamento Europeu em Lisboa).
Não por acaso, foi apresentado na mesma
sessão um Manifesto
intitulado "Um Tratado que não serve a União Europeia", que resume o
conteúdo de projecto, classificando-o como desnecessário, mal elaborado,
promotor de divisões e de metodologias de austeridade impeditivas de um
crescimento estável, e contribuindo para um maior afastamento dos cidadãos da
participação política sem a qual não florescem os sistemas democráticos,
Manifesto cujo primeiro subscritor é o Dr.José Silva Lopes e que igual e
obviamente assinarei.
Além de tais críticas, considero que o
projecto de Tratado é desnecessário, pois os instrumentos jurídicos e
financeiros existentes tinham sido suficientes - e ainda o são - para resolver
a crise financeira e política que se instalou, assim o tivessem compreendido,
logo que surgiu, os altos responsáveis pelas Instituições da União Europeia.
Como já não estão em posição que lhes permita
tomar posições adequadas dentro do âmbito dos actuais Tratados, só lhes resta
uma atitude. Enquanto é tempo.
19.Fevereiro.2012
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O TIG: Tratado da Ilusão Germânica ?
Dada a situação financeira de um cada vez
maior número de Estados-membros da União Europeia, a sigla TIG (de
"Tratado Inter Governamental) deveria antes corresponder a "Tratado
da Ilusão Germânica", pois não parece exequível a obtenção do objectivo de
0.5% no desequilíbrio orçamental nos prazos previstos, mesmo para os países que
se encontram em melhor situação nesse âmbito; além disso, mesmo que atingido
tal limite, os seus resultados poderiam contribuir - ao contrário do desejado -
para a indução de situações deflacionárias, também estas inimigas de um
crescimento regular da economia.
Acresceria que os processos de ratificação do
novo Tratado podem não ter os resultados esperados, nomeadamente nos
Estados-membros que sejam pela opinião pública forçados a consultas
referendárias, em que certamente os cidadãos se perguntariam se os Tratados
existentes não seriam suficientes para aplicar as penalizações já neles
previstas para situações de incumprimento orçamental e de nível relativo da
dívida pública face ao Produto Interno Bruto.
Além de tudo isto, mais este Tratado no
âmbito da União Europeia talvez obrigasse à criação de mais uma
"Presidência", pois a existente no âmbito do Euro Grupo não poderia
abranger apenas o universo dos seus Estados-membros.
Ou seja, mais uma confusão dispersiva, pois à
prevista União a 28 Estados (após a admissão da Croácia, prevista para o início
de 2013) temos que considerar a situação em que há apenas 27 (na sequência de
uma recente auto-exclusão parcial do Reino Unido), e a dos 26 que agora
subscreveram o TIG - para não mencionar os 22 de Schengen, ou o universo dos
que também pertencem à NATO.
Tal nova Presidência seria, em qualquer caso,
tão apagada quanto agora o são as outras que proliferam: a que é exercida
rotativamente, a do Euro Grupo, a do Conselho Europeu e a da Comissão Europeia,
que têm vindo a ser ofuscadas pela Presidência "de facto", exercida
pela Alemanha (de que um cidadão preside igualmente e por coincidência, ao
Parlamento Europeu - este também quase desaparecido da cena política).
O "método comunitário" para a
construção europeia, que tinha produzido resultados com alguma solidez e no
qual a Comissão desempenhava um importante papel nomeadamente no que respeita à
iniciativa legislativa e na função de "guardiã" dos Tratados, deu
lugar a uma complexa teia criada pelo Tratado de Lisboa, e na qual o também
português J.D.Barroso se enredou, contribuindo para permitir a ascensão da
agora comumente designada pelo termo "Merkozy" (que julgo aliás ter
sido eu um dos primeiros a usar, em Junho de 2011, nestas net-páginas",
conjuntamente com outro que não teve idêntico sucesso, correspondente a uma
união de dois países: a "Alemança"...)
Pobre "União" Europeia, cada vez
mais imersa em contradições, com uma Comissão Europeia incapaz de se assumir
como a entidade agregadora que já foi...
12.Fev.2012
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Violência em estádios.
As barbaridades cometidas por adeptos do
espectáculo futebolístico no final de um jogo em Port Said fazem-me voltar a um
assunto sobre o qual já me pronunciei nestas net-páginas: o da alienação e
violência que ocorrem em diversos encontros desta natureza, que deveriam ser de
salutar confraternização mas que acabam por se transformar em expressões de
acentuado confronto.
Como já o referi anteriormente, se dúvidas
houvesse sobre se este tipo de espectáculos pode ser considerado de natureza
desportiva, tais reacções bastariam para as esclarecer, pois o Desporto deve
corresponder a elegância de atitudes e de respeito por decisões arbitrais -
senão transforma-se em algo perto de um combate - pelo que dado o que aconteceu
no Egipto há que voltar de novo ao tema do futebol profissional, nomeadamente
quanto aos seus piores aspectos e àos paradoxos que provoca.
Comecemos por por focar o triste espectáculo
proporcionado por muitos comentadores "desportivos" ao culparem os
árbitros pelos maus resultados dos clubes de que são adeptos (esquecendo que
criticam decisões que têm que ser tomadas em fracções de segundo e sendo raros
os casos em que as revêem na sequência de observações de juizes auxiliares) e
analisando depois tais julgamentos em infindáveis repetições televisivas dos
lances em causa.
Entre tais "comentadores"
encontram-se juristas de qualidade, um presidente de relevante Câmara
Municipal, um cirurgião altamente conceituado, licenciados com provas dadas nos
seus campos profissionais, empresários de sucesso, professores universitários,
deputados e outras personalidades de algum nível cultural, que não raras vezes
se digladiam ferozmente induzindo assim à exacerbação de ódios entre certamente
muitos dos espectadores (ou espetadores...) capazes de perfurarem adversários
de opinião quer com o olhar quer mesmo com objectos de natureza física.
A tais opiniões juntam-se as de vários treinadores
de futebol, bem como de responsáveis por sociedades anónimas
"desportivas" (SAD), acirrando os ânimos de pessoas que esquecem que
tais agremiações não são mais do que promotoras de espectáculos para os quais
compram nos "mercados" artistas que muitas vezes estão nas épocas
seguintes a defender a cores de associações rivais.
Tais SAD, não raras vezes apoiadas
financeiramente por autarquias municipais - e também, pelo menos até há pouco
tempo, a nível de região autónoma - são frequentemente dirigidas por
empresários ou empreiteros de obras públicas, ou por comerciantes que alimentam
ódios regionais e actos de corrupção, muitas vezes registados em escutas
telefónicas publicadas, das quais não se conhecem desmentidos sobre a
veracidade da respectiva existência.
Movimentando muitos milhões de Euros,
permitem suspeitas sobre a origem de tais fundos (e sobre os seus destinos...)
que ao fim e ao cabo alimentam um comércio de pessoas com pouca capacidade para
se libertarem dos jugos que sobre elas impendem.
Nao é assim de espantar que se vejam nos
televisores ou na Internet reportagens sobre a chegada das "claques"
- apoiadas financeiramente de modo pouco claro - aos estádios que visitam,
quais exércitos bolsando alarvidades e ostentanto "pinturas de
guerra", criando ambiente para confrontações cujos resultados podem bem
vir a ser análogos aos que provocaram 70 ou 80 mortos no Egipto, bem como sobre
regressos às suas terras espalhando destruições nas estradas por onde passam.
Há que ter, porém, esperança em que dirigentes
e comentadores, treinadores e jogadores, políticos e intelectuais, bem como as
pessoas que em geral sejam julgadas mais lúcidas na análise deste tipo de
fenómenos, possam passar a contribuir para que as paixões exacerbadas dêem
lugar a uma sâ convivência.
Levará muito tempo, ainda. Mas tais dias
progresivamente chegarão, assim se acentue como tem sucedido o acesso a uma
melhor informação.
05.Fevereiro.2012
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Sombras sobre a democracia.
Não são muito animadores os resultados dos
mais relevantes estudos de opinião realizados desde 2009 relativamente à
qualidade da democracia em Portugal e ao modo como os cidadãos a encaram.
Em Julho de 2009 as conclusões de um inquérito a uma amostra significativa de cidadãos, de
responsabilidade da Sedes e da Flad, já eram muito pessimistas apontando um
acentuado desânimo da maioria dos cidadãos.
Posteriormente - em fins de 2010 - uma
sondagem encomendada no âmbito de uma iniciativa conhecida por "Projecto
Farol" à conhecida e credenciada empresa GFK dava a conhecer
uma maioria de opiniões do mesmo pendor sobre o perfil dos dirigentes políticos
(em quem cerca de 90% dos portugueses não confiariam) e quanto ao estado geral
do País, pois segundo metade dos inquiridos estaria pior do que em 1970.
A culminar este quadro, foi apresentado há
dias no Instituto de Ciências Sociais um outro estudo
elaborado por conhecidos especialistas em Sociologia e análises políticas, no
qual 65% dos portugueses já estariam pouco ou nada satisfeitos com a democracia
e uma parte significativa da população (cerca de 15%) estaria a favor da
existência de um governo autoritário, em algumas circunstâncias - percentagem
que teria aumentado sensivelmente por comparação com resultados de 2009
Como já referi anteriormente nestas páginas,
podemos assim interrogarmo-nos sobre as razões de uma aparente derrocada da
credibilidade do sistema de democracia parlamentar em que vivemos, e que levou
a um tão grande divórcio entre os partidos políticos e o povo, a um ponto tal
que até se fala em mudança de regime.
A crise financeira e da economia que se tem
acentuado nos últimos anos não será por certo estranha a esta evolução da
opinião pública, e com o agravamento perceptível até este momento (que tudo
indica aumentará significativamente nos próximos meses e em especial em 2013) o
descrédito do sistema político terá provavelmente um crescimento ainda maior.
Acresce que além das carências económicas e
do aumento do desemprego, em especial na juventude, é profundamente sentida
pelo povo a falta de justiça - tanto no que respeita à concepção de muitas leis
como no que respeita aos atrasos na aplicação das que são entendidas como
equilibradas - e o cada vez mais crescente fosso entre ricos e pobres sem a
criação de oportunidades para que estes possam melhorar o seu nível de vida
mediante apropriadas oportunidades de formação e consequente aperfeiçoamento da
sua qualidade de trabalho.
Muitos já pressentem que lhes virão a faltar
recursos para proverem à doença, recursos que terão existido enquanto houve
algum crescimento da economia, bem como para poderem auferir de pensões de
sobrevivência ou para subsistirem enquanto desempregados e sem possibilidades
reais de emprego.
Assim o natural desânimo dos cidadãos com o
sistema democrático, agravado pelo progressivo aumento da sensação de injustiça
e de falta de oportunidades, só poderia ser colmatado - enquanto ainda houvesse
tempo, que começa a escassear - pelo recurso a uma maior participação política,
nomeadamente a nível local, que levasse a uma desejável aproximação entre os
cidadãos e as pessoas que por estes são eleitas, de modo a transformar a
democracia formal em que vivemos no sentido do caminho para uma democracia real.
A preconizada aproximação entre eleitores e
eleitos certamente contribuiria para que estes últimos fossem escolhidos pelo
seu valor e dedicação às causas públicas e não por grupos de interesses muitas
vezes inconfessáveis que têm levado a eleições de cidadãos sem o perfil
adequado para as altas responsabilidades em que foram investidos, como se tem
verificado ao nível de muitos dirigentes políticos em geral, e mais
recentemente muito em particular.
Já tenho indicado nestas páginas algumas
metodologias susceptíveis, creio, de melhorar o sistema democrático, o que na
situação que vivemos atenuaria as tensões e dificuldades fortíssimas por que
iremos passar, pelo que dispensarei de repetir o que tal respeito escrevi.
Oxalá, porém, ainda haja tempo para que - estas
ideias ou outras que sejam apropriadas - possam surtir algum efeito.
29.Janeiro.2012 .
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O direito à renúncia (presidencial).
Tiveram grande repercussão as declarações do
Presidente Aníbal Cavaco Silva, interrogado na rua por meios de informação
pública a propósito da remuneração oficial auferida, uma vez que apenas referiu
expressamente (e após largos segundos de hesitação, ou de reflexão) que auferia
uma pensão de 1300 Euros, limitando-se a acrescentar que também recebia uma
outra, de reforma, por ter sido funcionário do Banco de Portugal - porém sem
mencionar o valor, que diversas fontes (não desmentidas, e entre as quais o
"Expresso" de 21.Jan.2012) admitem poder levar a que os seus
rendimentos mensais enquanto pensionista possam ser da ordem dos 8200 Euros
ilíquidos.
Comentários não faltaram, sendo a grande
maioria negativos (se considerarmos os que vieram a publico na imprensa e nas
próprias páginas presidenciais inseridas no "Facebook"), e diversos
criticando o que se poderia pensar ter sido uma forma de ocultação dos seus
rendimentos através de uma tentativa de fazer levar a crer que a base da
remuneração seria o valor de 1300 Euros, acrescida de outra que seria da mesma
ordem, quiçá pouco superior, e que por consequência não permitiriam prover ás
suas despesas correntes...
Há um aspecto, porém, que não foi, segundo
creio, suficientemente focado, e que foi o facto de o Presidente ter dado a
entender que teria decidido não receber a remuneração oficial devida ao seu
cargo, quando afinal teve que optar, na sequência de lei que obrigava a uma
escolha entre tal remuneração e eventuais pensões de reforma, por esta
alternativa - provavelmente porque o seu valor seria superior ao da
correspondente ás suas funções.
E esta decisão, se bem que legal, aponta
contudo para uma perspectiva que se poderia considerar de desvalorização do seu
alto cargo, atitude que talvez não fosse seguida por alguns (não digo todos...)
dos seus antecessores, que provavelmente considerariam ser seu dever optarem
pela remuneração oficial em vez de se considerarem como
"pensionistas" e logicamente suspendendo entretanto o recebimento de
pensões.
E acrescerá o facto de ter referido que os
montantes que iria receber não seriam quase de certeza suficientes para pagar
as suas despesas, dando igualmente a entender que teria que recorrer às suas
poupanças e de sua Mulher mas não mencionando a circunstância de receber
mensalmente cerca de 2900 Euros para despesas de representação, nem a de muitos
dispêndios de diversos tipos lhe serem pagos pelo Orçamento do Estado,
Cabe assim e também recordar, a propósito das
declarações citadas, que em Novembro de 2008 e aquando do assunto da gestão dos
rendimentos das suas poupanças através de alguns bancos o Presidente da
República já tinha evitado referir que as elevadíssimas mais-valias conseguidas
por aplicações feitas pelo Banco Português de Negócios tinham sido obtidas por
negociação de acções compradas à Sociedade Lusa de Negócios.
Todos estes episódios, reveladores de alguma
falta de clareza no exercício de funções para as quais é necessária uma grande
transparência, poderão contribuir para uma diminuição acentuada do seu peso
político e das capacidades de intervenção que constituem a chamada "magistratura
de influência presidencial", que mais necessária seria no período de crise
económica (e não apenas económica ...) que já se vive e que tende a aumentar,
levando muitos cidadãos a interrogarem-se quanto à solidez do perfil da pessoa
a que se poderá ter que recorrer para tomadas de posição difíceis nos difíceis
tempos que se avizinham.
Seria mau para o nosso país se em plena crise
nacional e europeia ocorresse, por iniciativa de um Presidente que admitisse
não conseguir estar à altura de reagir adequadamente em tais momentos, uma
declaração de renúncia ao seu mandato.
22.Janeiro.2012.
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O uso e abuso do "Facebook".
Não contesto o mérito do "Facebook"
ao permitir a possibilidade de criação de pequenas "net-páginas" de
um modo simples, abrindo assim as portas a uma melhor comunicação entre pessoas
que de outro modo teriam alguma dificuldade em criar páginas clássicas ou
mesmo"blogs",
Rapidamente empresas, grupos e governos se
aperceberam do que o "Facebook" poderia constituir em termos de
difusão de ideias ou de produtos, e das capacidades de retransmissão existentes
até nas pequenas redes de conhecimentos que entretanto se criaram, permitindo
assim a rápida expansão de uma ideia ou do conhecimento de um produto - pese
embora o facto de a existência de tal meio de comunicação poder enfermar quer
de perigosas quebras na privacidade pessoal, quer na disseminação de boatos ou
de falsidades de difícil neutralização.
O que porém não parece correcto é o facto de
entidades públicas privilegiarem o "Facebook" nas suas estratégias de
comunicação, em detrimento dos meios tradicionais, não fazendo tambem e por
exemplo sentido que o Presidente da República transmita uma opinião oficial
apenas por aquele meio, sem curar de a repercutir nas "net-páginas"
da Presidência da República, o que permitiria aos restantes meios de informação
pública a possibilidade da respectiva retransmissão.
E muito menos apropriado será o facto de o
Governo ter lançado uma aliás meritória iniciativa de participação popular na
apresentação de ideias tendentes a melhorar a nossa vida colectiva designando
exclusivamente para a escolha da que suscitasse mais adesões o método de
votação através do "Facebook", restringindo assim aos participantes
nesta rede a possibilidade de votarem nas que considerassem melhores.
E como é evidente os sub-grupos de interesses
que se formam naquela rede e que estejam melhor organizados conseguem (como
ocorre neste momento) colocar como principais candidatos às classificações mais
relevantes movimentos como o que pugna pela abolição das corridas de touros, ou
o que defende a manutenção da Educação Visual e Tecnológica, ou, ainda, outro
em prol dos Guias-Intérpretes Nacionais, preterindo outras ideias de aparentemente
maior e melhor alcance colectivo como seja a proposta de movimento que
apresenta iniciativas para melhorar a eficiência na Administração Pública.
Parecendo pouco provável que por exemplo o
movimento que se propõe não deixar morrer o comércio no bairro de Campo de
Ourique (Lisboa) atinja uma clasificação relevante, o facto é que o sistema
designado para a escolha do movimento mais popular enferma de um mal que se
poderia designar por "demagogia tecnológica", com algumas analogias
com a metodologia seguida há alguns anos para a "eleição" da
personalidade portuguesa mais relevante da nossa História, e que resultou em
que entre os candidatos mais votados estivessem António O. Salazar e Álvaro
B.Cunhal.
Neste tipo de iniciativas, que são de
estimular na medida em que levam à participação de muitos cidadãos desejosos de ajudar a melhorar o nosso País, há que
constituir juris qualificados, que escolham - por temas - as ideias que devam
ser encaminhadas para quem possa avaliar da sua exequibilidade.
Doutro modo, contribui-se para o alimento da
demagogia e para o desânimo das pessoas que generosamente dedicaram algum do
seu tempo à apresentação de ideias manifestamente interessantes.
15.Janeiro.2012.
O uso e abuso do "Facebook".
Não contesto o mérito do "Facebook"
ao permitir a possibilidade de criação de pequenas "net-páginas" de
um modo simples, abrindo assim as portas a uma melhor comunicação entre pessoas
que de outro modo teriam alguma dificuldade em criar páginas clássicas ou
mesmo"blogs",
Rapidamente empresas, grupos e governos se
aperceberam do que o "Facebook" poderia constituir em termos de
difusão de ideias ou de produtos, e das capacidades de retransmissão existentes
até nas pequenas redes de conhecimentos que entretanto se criaram, permitindo
assim a rápida expansão de uma ideia ou do conhecimento de um produto - pese
embora o facto de a existência de tal meio de comunicação poder enfermar quer de
perigosas quebras na privacidade pessoal, quer na disseminação de boatos ou de
falsidades de difícil neutralização.
O que porém não parece correcto é o facto de
entidades públicas privilegiarem o "Facebook" nas suas estratégias de
comunicação, em detrimento dos meios tradicionais, não fazendo tambem e por
exemplo sentido que o Presidente da República transmita uma opinião oficial
apenas por aquele meio, sem curar de a repercutir nas "net-páginas"
da Presidência da República, o que permitiria aos restantes meios de informação
pública a possibilidade da respectiva retransmissão.
E muito menos apropriado será o facto de o
Governo ter lançado uma aliás meritória iniciativa de participação popular na
apresentação de ideias tendentes a melhorar a nossa vida colectiva designando
exclusivamente para a escolha da que suscitasse mais adesões o método de
votação através do "Facebook", restringindo assim aos participantes
nesta rede a possibilidade de votarem nas que considerassem melhores.
E como é evidente os sub-grupos de interesses
que se formam naquela rede e que estejam melhor organizados conseguem (como
ocorre neste momento) colocar como principais candidatos às classificações mais
relevantes movimentos como o que pugna pela abolição das corridas de touros, ou
o que defende a manutenção da Educação Visual e Tecnológica, ou, ainda, outro
em prol dos Guias-Intérpretes Nacionais, preterindo outras ideias de
aparentemente maior e melhor alcance colectivo como seja a proposta de
movimento que apresenta iniciativas para melhorar a eficiência na Administração
Pública.
Parecendo pouco provável que por exemplo o
movimento que se propõe não deixar morrer o comércio no bairro de Campo de
Ourique (Lisboa) atinja uma clasificação relevante, o facto é que o sistema
designado para a escolha do movimento mais popular enferma de um mal que se
poderia designar por "demagogia tecnológica", com algumas analogias
com a metodologia seguida há alguns anos para a "eleição" da
personalidade portuguesa mais relevante da nossa História, e que resultou em
que entre os candidatos mais votados estivessem António O. Salazar e Álvaro
B.Cunhal.
Neste tipo de iniciativas, que são de
estimular na medida em que levam à participação de muitos cidadãos desejosos de ajudar a melhorar o nosso País, há que
constituir juris qualificados, que escolham - por temas - as ideias que devam
ser encaminhadas para quem possa avaliar da sua exequibilidade.
Doutro modo, contribui-se para o alimento da
demagogia e para o desânimo das pessoas que generosamente dedicaram algum do
seu tempo à apresentação de ideias manifestamente interessantes.
15.Janeiro.2012.
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Verde "Documento verde".
Decorridos alguns meses sobre a apresentação
governamental de um "Documento verde" sobre a reforma da
Administração Local, o mínimo que se poderá dizer quanto ao estado de
adiantamento do programa de intenções nele expressas é que está ainda muito
"verde".
Com efeito, um dos acontecimentos mais
relevantes que vieram a público foi o aparentemente enorme recuo do Governo
quanto à redução do número de Municípios (e em permitir, ao contrário do que
estava previsto, a manutenção dos actuais limites de endividamento municipal
bem como a contratação de novos funcionários, ao arrepio do que está em vigor
no âmbito da Administração Central).
Por outro lado, foi também notícia o vigor
com que foi rejeitada, em congresso nacional de Freguesias (se bem que muitas
não estivessem presentes), a prevista agregação destas unidades de poder local,
embora pareça que neste caso tal atitude não possa vir a impedir a ocorrência
de diversas fusões.
No que respeita ao sector empresarial local
julga-se que algo poderá ser realizado quanto à diminuição do número de
empresas municiais, concretização essa que poderá contudo ficar longe do
pretendido, dado o "exemplo" dos recuos no endividamento e nas
contratações.
Porém, quanto a um dos mais importantes
aspectos previstos no Documento Verde, o das transferências de atribuições,
competências e recursos dos orgãos autárquicos municipais, não há notícia de
que o assunto esteja a ser analisado e discutido com a profundidade que deveria
ter.
Está expresso naquele documento que tais
transferências para os órgãos autárquicos das freguesias deverão permitir uma
maior eficácia do poder local, nomeadamente ao nível das suas bases, apesar de
ser desejável a sua concretização dentro do princípio de não darem origem a
aumentos de despesas, mas sim e desejavelmente às suas reduções.
Os ecos que me chegam quanto à existência de
análises sobre a descentralização susceptível de ocorrer são quase
inexistentes. E se bem que a discussão formal deste tema esteja paradoxalmente
prevista apenas para os últimos três meses do prazo indicado no Documento verde
(Abril a Junho próximos), o facto é que tal questão constitui o cerne da
prevista reforma, e já deveria estar em pleno debate tanto ao nível das
Assembleias Municipais como ao das Assembleias de Freguesia - e mesmo nas
reuniões públicas das Juntas de Freguesia - de forma aberta á participação dos
cidadãos.
Pelo contrário, o que se pressente é que a
preocupação vigente, "ganha a guerra" dos limites dos municipios, é a
relativa à manutenção dos actuais quanto às freguesias; e que tal estado de
espírito é eseencialmente o dos responsáveis respectivos, que por consequência
não suscitam não animam a participação dos cidadãos no debate de tão relevante
assunto.
Se os cidadãos sentissem que as Juntas de Freguesia
tivessem mais poderes e recursos, que as suas reclamações quanto ao asseio, à
segurança, às pequenas reperações na via pública, ao trânsito, ao
estacionamento de viaturas, e mesmo quanto à solidariedade social, tivessem
soluções mais rápidas e eficazes - e com menos custos - participariam
certamente muito mais na vida pública local, e todo o sistema político
beneficiaria de tal.
Com já escrevi em texto anterior, cabe aos
cidadãos exercerem o seu direito de opinião em matéria tão importante para a
"democracia real", pois em caso contrário a "democracia
formal" poderá não ser capaz de resistir aos tempos de crise que se vivem
e que provavelmente se agravarão.
E cabe ao Presidente da República, à
Assembleia da República, ao Governo, aos meios de informação pública, e aos
cidadãos em geral, suscitar em tempo útil a discussão destas questões.
08.Janeiro.2012.
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2012, Odisseia na Terra...
Parece ser o destino de um Portugal
tristonho, sem outros objectivos que não sejam os da mera sobrevivência
financeira, o de uma Odisseia que prossegue o seu caminho, sem que haja - com
raras excepções - alguém que procure mostrar o que parece inevitável com o
envelhecimento acentuado dos seus cidadãos nele residentes, e propor soluções
que contribuam para inverter o declínio que se verifica.
Se tivermos presentes os dados estatísticos
decorrentes dos censos populacionais, e já tomando em consideração os relativos
a 2011, verificamos a gradual distorção de uma figura que já nada tem de
"pirâmide" etária, e da qual deverão provavelmente ser extraídos os
números recentemente vindos a público sobre a emigração de jovens que ocorreu
depois da realização dos inquéritos no âmbito do censo do corrente ano.
As perspectivas no que respeita à emigração
apontam infelizmente para que o fluxo se mantenha ou mesmo para que aumente,
dado que estão relacionadas principalmente com a ausência de crescimento
económico, acrescendo que até altos responsáveis políticos sugerem tal
perspectiva a muitos cidadãos desempregados que não consigam obter novas
qualificações - aliás para um mercado de trabalho com elevadas taxas de
desemprego...
Com a taxa de natalidade a regredir, e tendo
já atingido o limiar a partir do qual deixa de haver aumento populacional,
espera-nos um futuro de definhamento e de provável empobrecimento, pois as
gerações em idade activa e cada vez em menor número provavelmente não
conseguirão impulsionar o país de modo a atingir taxas de crescimento que por
um lado permitam amortizar os excedentes de dívida pública e privada, e por
outro contribuir para o sustento de uma cada vez maior massa de pensionistas,
bem como para assegurar um sistema de saúde "tendencialmente
gratuito".
Isto, caso o País e em especial os
responsáveis políticos não se debruçarem a fundo sobre estas questões, pois
para além dos horizontes de curto prazo como o são os relacionados com os
compromissos de natureza financeira e com o cumprimento do programa
governamental para uma legislatura há os que se situam em prazos mais longos, e
para os quais há que procurar desde já soluções que obviem ao desaparecimento
de Portugal como um país independente.
Em penosa Odisseia na Terra...
1.Janeiro.2012
010108
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