Textos e outros documentos: 2014

Textos e outros documentos: 2014
(O índice está no final da página).
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    Um ano de exercício do "novo" Poder Local.
    No final de 2013 entrou em vigor uma nova divisão administrativa do território no que respeita às Freguesias, na sequência do disposto no Memorando de Entendimento visando a concessão de um Programa de assistência financeira cujas disposições principais foram dadas como terminadas em Maio do corrente ano.
    Tal Memorando previa uma profunda reorganização dos limites dos concelhos e freguesias existentes, visando uma substancial redução do respectivo número através de múltiplas agregações, mas certamente por influência das estruturas partidárias de implantação a nível municipal os concelhos ficaram como estavam, tendo sido as indefesas Freguesias o alvo da sanha reformadora do famoso Ministro Relvas, passando a ser metade das existentes.
    Se é certo que em casos como os de Lisboa e Barcelos havia freguesias de reduzida dimensão (no caso de Barcelos eram cerca de 80) em que se justificaria um processo de agregação, já noutros, como em Cascais e Oeiras, houve a constituição de uniões de freguesias já de si muito populosas passando por exemplo a de Algés, com cerca de 20 mil cidadãos, a fazer parte de uma "União de Freguesias" com mais do dobro da população.
    Um aspecto positivo, porém, da reorganização ocorrida foi - em teoria - a atribuição de mais algumas competências às freguesias, bem como da possibilidade de transferência de poderes e recursos dos municípios.
    Contudo na grande maioria dos casos pouco ou nada foi concretizado, durante o ano que agora cessa, quanto a tais transferências, debatendo-se assim as novas freguesias com os mesmos problemas de incapacidade de prover a situações que seriam facilmente resolúveis numa perspectiva de proximidade, isto acrescido das dificuldades provocadas pelos aumentos populacional e territorial.
    Tais situações geram por parte dos cidadãos o aumento da descrença nas capacidades do Poder Local, de que são um exemplo a frequência nas reuniões públicas mensais quer das Assembleias quer das Juntas de Freguesia, em que está previsto um período para intervenção do público: antes da "reorganização" a participação média nas reuniões da Junta de Algés era de 5 pessoas, e depois decresceu para 4 - isto, numa "União de Freguesias" agora com quase 50 mil cidadãos residentes ! E o panorama na Assembleia de Freguesia é análogo, embora obviamente com números um pouco mais elevados.
    Heroicamente prosseguem os eleitos, nomeadamente na Junta, a tentar colmatar a falta de competências e recursos, apesar de as retribuições financeiras que lhes são outorgadas serem quase simbólicas face às responsabilidades que têm.
    Por outro lado, ocorreu igualmente a extinção de muitas pequenas Freguesias no interior do nosso país, e que eram - com custos reduzidíssimos - um dos poucos meios de contacto entre uma população desprotegida e a Administração Central.
    Como já tenho escrito nestas net-páginas, resta saber quais as poupanças de gastos públicos nesta reorganização (talvez apenas na ordem de algumas dezenas de milhões de Euros), para nos interrogarmos sobre a respectiva eficácia, tanto administrativa como política.
    Se os cidadãos sentissem que as Juntas de Freguesia tivessem mais poderes e recursos, que as suas reclamações quanto ao asseio, à segurança, às pequenas reparações na via pública, ao trânsito, ao estacionamento de viaturas, e mesmo quanto à solidariedade social, tivessem soluções mais rápidas e eficazes - e com menos custos - participariam certamente muito mais na vida pública local, e todo o sistema político beneficiaria de tal.
    É assim oportuno que se comece a pensar na atitude a tomar face a uma das mais desastradas disposições contidas no Memorando de 2011, pois parece ser óbvio que Portugal não deve continuar vinculado ao cumprimento de acções contraproducentes face aos objectivos de racionalização das despesas públicas nem atentatórias do exercício da democracia.
     Ao mesmo tempo talvez se venha a verificar - esperemos que em tempo útil - que o aumento das capacidades do Poder Local, e respectivas consequências na organização geral do Poder político,  é a solução democrática para se revitalizar uma União Europeia cujas instituições estão cada vez mais afastadas dos cidadãos.
    28.Dezembro.2014.
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   Vítor Crespo - nem um cartão!                       (Versão corrigida na tarde de 21.Dez.)

    Nem um cartão de condolências terá sido enviado à família do Contra-Almirante Vítor Crespo, falecido há dias, quer pelo Presidente da República, quer pelo Primeiro-Ministro, segundo noticiou ontem o jornal "Expresso".
     Apenas a Presidente da Assembleia da República deixou uma mensagem de condolências nas net-páginas do Parlamento.
    Confortavelmente instalados nas cadeiras do Poder, tanto o Presidente da República como o Primeiro-Ministro ter-se-ão talvez refugiado em pareceres de jovens adjuntos dos seus gabinetes de apoio invocando que tal Almirante não estava no exercício de funções oficiais - para não se admitir que desconhecessem o papel que Vítor Crespo, cujo falecimento foi noticiado pelos meios de informação pública, desempenhou na construção do regime democrático ora vigente.
    Nem representantes foram sequer enviados às cerimónias fúnebres, tanto no velório como no funeral, demonstrando assim a falta de consideração que os citados altos responsáveis pelo Poder político deveriam ter por quem foi relevante membro do Conselho da Revolução até à sua extinção em 1982.
    Já com o Coronel Vítor Alves, falecido há quase 4 anos, se prenunciava - embora talvez não no mesmo grau - o que iria agora suceder, e que demonstra bem o quão é tantas vezes fraca a memória dos povos, bem como de alguns dos seus dirigentes aquando de "esquecimentos" sobre o passado.
    Por certo prescientes de tal, morreram em paz com a sua consciência, grandes ao pé da pequenez de outros.
    21.Dezembro.2014.
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Caetano, Costa Gomes, e Spínola.
Três personagens que em três meses, de Janeiro a Março de 1974, tiveram um papel relevante na História de Portugal, mas que não terá sido até agora suficientemente estudado: Marcelo Caetano, Costa Gomes, e Spínola.
Plenos de contradições e de indefinições quanto ao que pensariam fazer e ao que efectivamente concretizaram, acabaram por revelar grandes indecisões quanto ao que poderiam fazer quanto ao futuro de Portugal, sendo mais arrastados pelos acontecimentos do que intervenientes determinantes.
Marcelo Caetano já em meados de Janeiro confidenciava a um alto quadro da Administração Pública que se sentia muito desanimado pelo rumo dos acontecimentos e sem força anímica nem política para intervir no problema dos territórios sob administração portuguesa, conforme me foi confidenciado por testemunha presencial do encontro em que tal desabafo ocorreu.
Em notório desacordo com as perspectivas de Spínola sobre a questão colonial, designa-o contudo para o novo cargo expressamente criado de Vice-Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, sob a dependência do então General Costa Gomes, cujos pontos de vista sobre a mesma questão estavam longe de ser claros.
Pouco tempo depois acederia a receber oficiais destacados dos quadros intermédios da Forças Armadas, ligados ao movimento de natureza conspirativa que então vinha a tomar forma mais organizada, recusando-se porém a considerá-los como interlocutores credenciados e afirmando-lhes que só dialogaria com a hierarquia militar.
Aceita em meados de Fevereiro a publicação do livro de Spínola "Portugal e o futuro", refugiando-se num parecer positivo de Costa Gomes sobre a obra em causa.
E recebe na sua residência, logo a seguir, Costa Gomes e Spínola, onde reconhece não ter seguido o caminho certo na resolução do problema ultramarino, dizendo que a única solução seria a de aqueles Oficiais-Generais solicitarem ao Presidente da República a demissão do Presidente do Conselho prontificando-se para assumirem o poder (não sendo claro quanto à forma de tal ocorrer) - solução recusada por ambos.
Mas após a reunião, em 5 de Março, de quase 200 oficiais em Cascais, em que foi manifestado um indisfarçável apoio a hipóteses de uma maior intervenção militar sob a direcção de Costa Gomes e Spínola, promove a realização em 13 de Março de uma manifestação de apoio dos oficiais-generais à política governamental, a que apenas faltaram Costa Gomes, Spínola, e Tierno Bagulho.
E no dia seguinte demite Costa Gomes e Spínola dos cargos que desempenhavam, atitude que terá contribuído decisivamente para a sublevação militar de 16 de Março, que para além da prisão dos oficiais participantes apenas deu origem a algumas transferências compulsivas de oficiais indiciados como participantes no movimento conspirativo.
Por outro lado, ao longo deste período - e até à eclosão do golpe militar de 25 de Abril - o contacto entre aqueles dois Oficiais-Generais e os dirigentes da conspiração militar pautou-se por um notório distanciamento por parte de Costa Gomes e de Spínola, o que se até à sua demissão poderia ser compreensível, já depois de 14 de Março demonstra algum desejo de não comprometimento, ainda bem visível na manhã e princípio da tarde de 25 de Abril.
Ou seja, recusando tomar o poder em Fevereiro, acabaram por ter que o tomar em Abril.
Só que noutras circunstâncias...

14.Dezembro.2014.
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   Estará o sistema democrático em perigo ?
    Tony Blair, em recente artigo no New York Times (4.Dez.2014), afirma que estamos no momento em que devemos discutir como melhorar e modernizar o sistema democrático, uma vez que este se debate com o problema da sua capacidade e eficácia para responder adequadamente e em tempo às necessidades dos cidadãos.
    O facto de T.Blair ter escrito sobre este assunto mostra bem quão grandes são os problemas que se têm adensado sobre os Estados que adoptaram o regime democrático clássico, tratando-se de mais uma das muitas intervenções que a este propósito têm surgido, e que na grande maioria dos casos se limitam a concluir apelando a pequenas modificações nos sistemas eleitorais e de representação política.
     No entanto, a principal questão que se coloca é a da vetustez de um sistema que assenta essencialmente quase só no método da representação eleitoral, em que periodicamente se elegem os cidadãos a quem é conferido um mandato de governação: ou seja, um  sistema baseado na democracia representativa, assente em partidos cujos fins estão inevitavelmente associados à conquista de poder político.
    Os tempos porém mudaram, e continuam a evoluir de uma forma cada vez mais acelerada e em que o aumento da informação disponível coloca os eleitos sob escrutínio permanente, mas sem uma relação de maior proximidade com os cidadãos que lhes possibilitasse uma melhor avaliação do modo como são exercidos os mandatos conferidos.
    Tenho assim vindo a afirmar, e repito-o uma vez mais, que o cerne da democracia está no Poder Local, em que os eleitores podem melhor apreciar o desempenho das pessoas que elegeram, e escolher aqueles em quem ficaram com confiança para gerir parte importante da sua vida colectiva.
    E, porque não, delegar neles a escolha total ou parcial dos que nos planos regional, nacional e - no nosso caso - europeu regerão os nossos destinos no mandato seguinte, metodologia que forçará os partidos políticos a repensar os critérios de organização e representação por que se regem, com as naturais consequências na melhoria da governação.
    E, por outro lado, se o Poder Local tiver atribuições, competências e recursos que permitam uma efectiva governação nas suas áreas de responsabilidade, teremos o que falta à democracia representativa: a democracia participativa.
    7.Dezembro.2014.
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Juncker: o milagre da multiplicação dos Euros.
    O novo Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, deu a conhecer há poucos dias, com pompa e circunstância, um plano para revitalizar a economia na União Europeia, apresentando um número mágico superior a 315 mil milhões de Euros que corresponderia a um investimento concretizável a partir de Junho de 2015 e executável em 3 anos.
    Porém na apresentação do plano constatou-se que a Comissão Europeia apenas contribuiria com 16 mil milhões, havendo também um compromisso do Banco Europeu de Investimento de participação com 5 mil, verbas estas que constituiriam segundo J.C.Juncker uma garantia indutora de que os restantes quase 300 mil milhões viriam de investimentos privados.
    Esta pormenorização financeira não constava do discurso que em 15 de Julho perante o Parlamento Europeu marcou a sua apresentação de candidatura ao cargo de Presidente da Comissão Europeia, e em que o número então referido de 300 mil milhões de Euros terá constituído forte argumento eleitoral, percebendo-se agora que assentava num milagre: o da multiplicação dos Euros.
    Exceptuando qualquer arma secreta de natureza financeira como por exemplo uma fortíssima redução de impostos para as empresas participantes (que creio ter sido aplicado no Luxemburgo e noutros santuários) não se descortina como é que o "Plano Juncker" poderá ter sucesso.
    A própria participação do Banco Europeu de Investimento, 5 mil milhões, é ridiculamente baixa face ao tecto quase ilimitado que poderia teoricamente atingir caso os "accionistas" - os Estados-Membros da União Europeia assim o entendessem.
    Recordemos, a título de comparação, que no mesmo prazo de 3 anos a República Portuguesa (Estado de pequena dimensão face a todo o conjunto) recebeu fundos correspondentes a 25% dos apresentados no Junckeriano programa.
    Parece assim que o que se passa é um emaranhado de indecisões.
    O Banco Central Europeu - com responsabilidades apenas sobre uma parte da União, e totalmente autónomo face às outras instituições - tenta animar a economia através de acções sobre o valor da moeda e sobre concessões de facilidades de natureza financeira à banca, esperando ansiosamente que esta defina prioridades de concessão de crédito consentâneas com as políticas "austeritárias" (não necessariamente coincidentes com os seus interesses próprios nem com perspectivas de criação de emprego - favorecendo  pequenas e médias empresas - ou com outros objectivos enunciados pelo Conselho Europeu).
    Os restantes Estados-Membros, cada um com a sua moeda, Banco Central e Banca "tradicional", tentam cumprir os objectivos de desenvolvimento indicados pelo Conselho Europeu recorrendo aos instrumentos financeiros habituais e ao recurso ao crédito bancário internacional.
     O Banco Europeu de Investimento, entidade que poderia contribuir decisivamente para a concretização de grandes projectos indutores de crescimento, depara-se com a oposição disfarçada dos Estados-Membros (seus "accionistas") que não querem ouvir falar de políticas expansionistas - mesmo se acompanhadas de fortes disposições visando o equilíbrio orçamental.
    A ilação a tirar é uma: é a política, uma política da União Europeia, que deve comandar a economia, bem como os instrumentos financeiros - que não são mais do que crédito. E este é uma consequência da confiança.
    Que por sua vez provem da determinação política, e não de qualquer contabilista que esteja no lugar de Ministro das Finanças.
    30.Novembro.2014.
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    Ocupação da sede da DGS/PIDE - memória e História.

    A publicação pela "Visão-História", nº 23 (de Março de 2014), de um artigo de Paulo Chitas sobre a ocupação da sede da DGS/PIDE suscitou alguns comentários sobre as duas versões diferentes nele apresentadas relativas ao modo como tal se processou, o que levou a que pela primeira vez se encontrassem alguns dos principais responsáveis por aquela operação, a fim de recordarem em conjunto alguns dos episódios ocorridos naquele dia.
    Assim, o Alm.Vargas de Matos, então Comandante do Destacamento de Fuzileiros que participou no cerco e ocupação da sede daquela polícia política, trocou algumas impressões com o Coronel Alberto Ferreira, que comandava a Secção do Regimento de Cavalaria 3 (Estremoz) participante na mesma operação, e comigo, confirmando que quando os responsáveis pelas forças de Fuzileiros entraram no edifício já as armas dos agentes estavam arrecadadas no gabinete perto do da Direcção (algo de que não me recordava), o que corrobora o que o Coronel de Cavalaria Alberto Ferreira já tinha relatado no livro ""Memórias da Revolução; Portugal 1974-1975" (2004), de autoria do Coronel Manuel Bernardo, ou seja, que a primeira força a entrar na sede da então DGS foi a que ele comandava, sendo acompanhado pelo então Major Campos de Andrada, que o informara ter sido nomeado pelo General Spínola para comandar as forças que tinham a missão de ocupação da sede da então DGS.
    O Coronel Alberto Ferreira  recordava-se também de talvez cerca das 21.30 já ter constatado a presença de pessoal da Marinha junto à entrada da rua António Maria Cardoso, confirmando assim o que realmente aconteceu, ao contrário de diversas alusões que tinham sido publicadas referindo que as forças de Marinha teriam chegado ao local apenas às 02.00 de 26 de Abril.
    Entretanto ainda não é bem perceptível para mim o modo como o então Major Campos de Andrada veio ao encontro do então 1.º Tenente Vargas de Matos e de mim, quando entrámos na sede sem nos termos apercebido que Cavalaria 3 já o tinha feito, e dirigido depois ao gabinete do Major Silva Pais (onde ocorreu então por iniciativa minha o episódio da retirada dos quadros dos altos dignitários do regime político de então), admitindo o Coronel Alberto Ferreira que o então Major Campos de Andrada tenha saído do edifício quando terminou a inspecção documental a que procedeu, tendo então encontrado o então 1.º Tenente Vargas de Matos e eu próprio quando já nos deslocávamos para a entrada do edifício.
    Há, é certo, prestigiados Jornalistas e Historiadores que têm dado a conhecer algumas dúvidas sobre as horas a que as forças participantes no cerco entraram na sede da DGS/PIDE, bem como muitas discrepâncias nos relatos constantes nos jornais da época sobre os acontecimentos ocorridos naqueles dias.
     O mesmo sucede na identificação horária de muitos registos fotográficos, radiofónicos e televisivos, e nas memórias entretanto publicadas por muitos participantes e testemunhas, o que só vem demonstrar quão difícil é o trabalho de reconstituição histórica, bem como a interpretação das razões que levaram os diversos participantes a proceder desta ou daquela maneira.
    Como já escrevi nestas net-páginas, tenho tido o cuidado, quando me interrogam sobre pormenores daqueles tempos, de acentuar que a minha memória se tem concentrado  mais sobre as questões mais importantes, tendo esquecido muitos factos que até poderiam ajudar a esclarecer melhor o passado.
    No caso vertente, tal como já referi, o importante é que a polícia política tenha sido neutralizada e impedida de renascer disfarçada.

    23.Novembro.2014.
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    J.C.Juncker e o declínio da Comissão Europeia.
    O progressivo apagamento da Comissão Europeia face ao Conselho Europeu acaba de ser agravado pelo episódio relacionado com o papel de Jean-Claude Juncker no assunto que o novo Presidente da Comissão apelidou de possível "engenharia fiscal" ocorrido no tempo  - não muito distante - em que no Luxemburgo desempenhou as funções de Ministro das Finanças e de Primeiro-Ministro.
    Desde que Jacques Delors cessou as suas funções de Presidente da Comissão, em que soube manter um equilíbrio institucional face ao Conselho , assistimos a uma crescente subalternização daquela instituição face a esta última, tendo para tal contribuído não só o perfil dos Presidentes da Comissão que lhe sucederam, como também a inépcia com que  a Comissão assistiu quase sem intervir de maneira decisiva à elaboração do chamado "Tratado de Lisboa", contribuinte activo para tal caminho de menorização.
    Agora que se impunha dar passos importantes na senda de uma uniformização das políticas de natureza fiscal, para o que seria necessária a elaboração de propostas solidamente sustentadas cujo estudo deveria caber principalmente à Comissão, é que tal possibilidade fica comprometida com as revelações vindas a público a propósito do papel do Luxemburgo no relacionamento da sua política fiscal com empresas de grandes dimensões.
    Sem políticas sólidas e coerentes relacionadas com a banca da zona Euro e fora desta, bem como uma desejável e progressiva uniformização fiscal, a União Europeia continuará a arrastar-se penosamente, pois as assimetrias existentes não são de molde a fomentar a confiança e o investimento, levando a uma diminuição da credibilidade das instituições, e ao renascer dos extremismos e nacionalismos a que já estamos a assistir.
    J.C.Juncker, dado o seu papel nos mais de 10 anos que exerceu funções governativas  com incidência no plano da fiscalidade, não tem outra alternativa que não seja demitir-se.
    E o Parlamento Europeu deve escrutinar cuidadosamente o historial do novo candidato  a Presidente da Comissão.
    Doutro modo, arrisca-se a ver aumentado o papel de supremacia que o Conselho Europeu, com o seu "braço armado" que é agora o Banco Central Europeu, tem vindo a exercer tanto sobre a Comissão como sobre o próprio Parlamento.

    16.Novembro.2014. 
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    UE - Investimento, confiança, política.

    Desde Junho passado que, como recordei em Setembro nestas páginas, o Banco Central Europeu (BCE) tenta reanimar a economia da UE através de ajudas à Banca respectiva - ao arrepio segundo alguns das suas competências estatutárias.
     Anuncia agora o seu Presidente, M.Draghi, que estão em estudo novos conjuntos de disposições, reconhecendo implicitamente que não tiveram sucesso as tentativas anteriores.
    A situação quase deflacionária em que a a Zona Euro caíu, arrastando a grande maioria dos restantes Estados-Membros, bem como muitos outros países europeus exteriores à União, já não encontra desculpas na economia dos EUA, estando-se em risco de queda num ciclo vicioso de onde não se vêem saídas no actual quadro de políticas económico-financeiras.
    A crença quase ilimitada no funcionamento livre dos mercados tem-se deparado com a inércia da Banca, mais preocupada com a sua sobrevivência e em atingir os níveis de obrigações que lhes são impostos do que em financiar a economia, argumentando que não há pedidos de investimento quer por faltarem projectos credíveis quer por não haver mercados exteriores com dinâmica suficiente para necessitarem de mais importações.
    E esta argumentação é mais dirigida às PME, contribuindo assim para a falta de crescimento do emprego e agravando as tensões sociais e políticas, não se sentindo, por outro lado, o forte aumento de intervenção que se requereria ao Banco Europeu de Investimento (BEI) na sequência da sua missão primordial de apoio às PME (não apenas da zona Euro), razão pela qual provavelmente não se conhece a existência de uma política de difusão clara e constante dos projectos financiados pelo BEI.
    Perante a passividade generalizada a que se assiste, nomeadamente por parte da Banca - agora com a existência formal de uma "União Bancária" - e com o falhanço notória das políticas de tentativas de revitalização dos Bancos, há que criar um espírito de confiança no futuro que induza a necessidade de investimento e do indispensável financiamento.
    Ou seja, através de políticas que apontem para projectos que contenham componentes que para além de visarem os óbvios mercados externos apostem igualmente nas virtualidades do grande mercado interno europeu.
    Projectos que, contra muitas das correntes de pensamento financeiro dominantes na UE, tenham um forte caracterização de investimento público susceptível de provocar efeitos de cadeia sobre micro, pequenas e médias empresas.
    Para que haja desenvolvimento, é essencial haver investimento; por sua vez, este requer financiamento, o que pressupõe a existência de crédito, e da necessária confiança.
    Confiança política no futuro: requer outra política, outras políticas para a União Europeia.
    Quem as conduz ?

     9.Nov.2014.
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     União Europeia: Federação ou Confederação?
    A Suécia, Estado Membro da União Europeia, acaba de reconhecer a Palestina como um Estado independente logo na véspera da entrada em funções da nova Comissão Europeia - de que uma das vice-presidências tem precisamente as funções de Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança. 
    Não foi certamente por acaso que a decisão sueca foi tomada e publicada em 30 de Outubro, pois em 1 de Novembro entrou em vigor uma disposição do Tratado de Lisboa sobre as novas regras de votação no Conselho da União Europeia, que obrigam - aliás como anteriormente, mas de modo não tão claro - a que as decisões sobre política externa sejam tomadas por unanimidade.
    Por outro lado, os recentes "passeios" de aeronaves militares da Federação Russa em espaços sob jurisdição de diversos Estados-Membros mostram como a ausência de uma política comum em matéria de Defesa caracteriza negativamente o conjunto auto-designado por "União"
    Estes episódios são bem demonstrativos do estado de coesão da União Europeia, que nos leva a pensar que os ambiciosos objectivos dos diversos Tratados firmados, nomeadamente o conjunto designado por Tratado de Lisboa, devem ser revistos de modo a que o caminho para o estabelecimento de uma federação - que se inferia deste último - passe primeiro pelo objectivo expresso de se consolidar primeiro uma confederação, e só depois, em pequenos passos, se evoluir para uma federação.
    Esta perspectiva permitiria a clarificação de ambiguidades que não servem aos Estados-Membros, pois os processos de decisão tendem actualmente a arrastar-se ou a serem interpretados de um modo contraditório, levando por exemplo a atitudes "cameronescas" de "não pago" como sucedeu há pouco com o Reino Unido.
    Parece porém desejável que em tal modelo persistam as iniciativas que mesmo não assumindo características de globalidade visem o progresso federativo, como a da União Monetária, e mais recentemente a da União Bancária, uma vez que o seu retrocesso constituiria um golpe grave na evolução para uma União Europeia - isto, independentemente da necessidade da revisão do modo como estão a ser executadas.
    A situação actual é que é pouco compatível com a imagem e a desejada eficácia de uma união europeia no quadro mundial, pelo que importa que haja a coragem de rever acordos que se mostraram excessivamente ambiciosos para as capacidades dos recentes dirigentes europeus e para as ambições de muitos dos seus povos. 
    Devagar se vai ao longe.
3.Novembro.2014.
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O povo alemão e a Europa.

    Dentro de poucos dias celebra-se um quarto de século sobre a queda do Muro de Berlim, que provocou a aceleração do processo de reunificação alemã, concretizado alguns meses depois e levando a então República Federal da Alemanha a um enorme esforço visando a plena integração da República Democrática da Alemanha, empenhamento que foi adequadamente apoiado pelas Comunidades Europeias e que acelerou o processo de construção da própria União Europeia, logo em 1992.

    Já no início dos anos 50 a comunidade internacional tinha procurado ajudar o processo de reconstrução da Alemanha, não tendo faltado um perdão parcial da dívida e a permissão  do seu faseamento por algumas décadas, possibilitando assim uma recuperação gradual e segura das ruínas em que tinha ficado após o termo da guerra mundial.

    O povo alemão está por certo consciente do facto de ter sido decisivamente ajudado a reerguer-se e a conseguir a sua reunificação, apesar de permanecer na memória colectiva  a lembrança dos terríveis extermínios colectivos que iria manchar a imagem da Alemanha.

    Esta mancha, bem como a memória da inflação louca da década de 20, a consciência de em grande parte ter sido responsável pelo desencadear do conflito mundial, e o trabalho árduo de reconstrução em que teve que se empenhar, marcam decisivamente o pensamento colectivo do povo alemão, e ajudam a compreender as posições que tem vindo a tomar na comunidade internacional e em particular na União Europeia.

    Permitem perceber melhor a relutância em participar em operações militares, a preocupação com a estabilidade orçamental, o empenhamento no trabalho e no esforço árduo, e a pouca apetência para assumir posições preponderantes na política mundial e europeia - esta, com a ressalva de considerar o equilíbrio orçamental como a chave do desenvolvimento económico.

    Pressente-se contudo que apesar das posições de aparente irredutibilidade nesta última questão a Alemanha não deixará de ceder - até certos limites - caso pressinta que poderá vir a ficar isolada, o que de modo algum desejará que possa vir a ocorrer.

    J.C.Juncker, M.Draghi, M.Renzi, e mesmo o próprio F.Hollande já o pressentiram.

    Em Portugal, Artur Santos Silva acaba de o recordar.

    Outros que se juntem, e sentiremos a evolução.

26.Outubro.2014.
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    A lei da Jmprensa e a Internet.

    Há poucos dlas cessou a publicação de um "blog" de grande prestígio, por decisão do responsável pela sua criação e manutenção, admitindo-se que tal facto tenha sido também provocado por ter o dito responsável sido alvo de uma acusação criminal por ter publicado uma carta em que um cidadão se dirigia a outro em termos por este considerados insultuosos.

    Tal acusação, aceite pelo tribunal (embora a sentença tenha vindo a concluir pela não existência de insultos) teria provocado, conjuntamene com o lento processo judicial, grandes desgaste e cansaço
contribuindo assim para a decisão de encerramento.

    Contudo, analisada a Lei de Imprensa (2/99) chega-se à conclusão de esta ser aplicável, pelo seu art.9º, ao conceito de "blog", pelo que não deveria ter sido admitida qualquer acusação ao responsável
pelo"blog".

    Vejamos. Eis o que no art.9º da citada Lei se aplica quanto ao conceito de Imprensa:

"1 — Integram o conceito de imprensa, para efeitos da presente lei, todas as reproduções impressas de textos ou imagens disponíveis ao público, quaisquer que sejam os processos de impressão e reprodução e o modo de distribuição utilizado."

    Daqui se deduz que a um "blog" é aplicàvel a Lei em causa, pois se
trata de um meio de distribuição de textos ou de imagens.

    Por outro lado, o artigo 31.º da Lei de Imprensa refere:

"1 - Sem prejuízo do disposto na lei penal, a autoria dos crimes cometidos através da imprensa cabe a quem tiver criado o texto ou a imagem cuja publicação constitua ofensa dos bens jurídicos protegidos
pelas disposições incriminadoras.

2 - Nos casos de publicação não consentida, é autor do crime quem a tiver promovido.

3 - O director, o director-adjunto, o subdirector ou quem concretamente os substitua, assim como o editor, no caso de publicações não periódicas, que não se oponha, através da acção adequada, à comissão de crime através da imprensa, podendo fazê-lo, é punido com as penas cominadas nos correspondentes tipos legais, reduzidas de um terço nos seus limites.

4 - Tratando-se de declarações correctamente reproduzidas, prestadas
por pessoas devidamente identificadas, só estas podem ser
responsabilizadas, a menos que o seu teor constitua instigação à
prática de um crime.

5 - O regime previsto no número anterior aplica-se igualmente em
relação aos artigos de opinião, desde que o seu autor esteja
devidamente identificado."

    Existe porém e também um Acórdão da Relação de Coimbra, e do qual
transcrevo o que me parece essencial:

    "Quando se trata de artigo de opinião assinado, publicado num jornal,
"só" o autor do texto é responsável pelo crime, o mesmo é dizer,
apenas este é o autor do crime e deve ser perseguido como tal.
    Eximindo o director do jornal da função de censor do conteúdo de
conteúdos subscritos por outrem devidamente identificado e que com a
sua assinatura assume a responsabilidade perante o público leitor e os
eventuais visados na notícia/artigo de opinião."

    Esperemos que tal interpretação se afirme inequivocamente, em prol da
liberdade - responsávei - de informação.

19.Outubro.2014.
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    Implosões e sistemas políticos.

    Nas discretas comemorações do aniversário da implantação do regime republicano em Portugal o Presidente da República referiu-se ao perigo da implosão do sistema do sistema partidário português tal como o conhecemos, dada a insatisfação com a  forma como as instituições democráticas têm funcionado e à crescente falta de confiança nas instituições, sobretudo nos partidos.
    Acrescentou que quanto ao sistema eleitoral, apesar de múltiplos estudos e debates,  pouco se avançou em concreto para combater o afastamento dos cidadãos relativamente à vida cívica e para promover uma maior aproximação entre eleitos e eleitores.
    A tudo isto me tenho vindo a referir ao longo de vários anos, não só na imprensa tradicional mas também nestas páginas, pelo que me permito - dado o teor da intervenção presidencial - voltar a insistir no que me parece ser a única maneira de fazer aproximar os cidadãos da vida política, para tal repetindo o essencial do que tenho escrito.
    Assim, o princípio básico a aplicar é o de ao sistema democrático de representação política através de mandatos regulares conferidos em eleições - ou seja, o que se designa por democracia representativa - fomentar a participação política para além da clássica actividade dos partidos políticos.
    E tal não se consegue em complexas operações de engenharia eleitoral em que a figura dominante nas propostas apresentadas publicamente tem sido a da criação de círculos uninominais, ou a possibilidade da ordenação dos candidatos nas listas eleitorais, pois o distanciamento continua a ocorrer face às dezenas de milhar de eleitores que assim teriam um único representante.
    Consegue-se tal fomento da participação política - ou pelo menos crescem as possibilidades de o fazer - através da atribuição de mais atribuições, competências e recursos às instâncias do poder local, nelas ressaltando a da criação de um colégio eleitoral constituído pelo conjunto das Assembleias de Freguesia a quem caberia a escolha de um Senado com competências importantes quer na partilha do poder legislativo quer  - por exemplo - na constituição de comissões de inquérito a actos relevantes na política nacional.
    Igualmente se tornaria necessário que os poderes das Assembleias e das Juntas de Freguesia fossem aumentados adequadamente induzindo os cidadãos a uma participação mais activa nas reuniões públicas daquelas instituições, delas decorrendo um melhor conhecimento sobre os seus representantes directos, o que influiria obviamente as escolhas eleitorais.
    E, como afirmei em diversas vezes - até em "Ponto de vista" precedente -  aos partidos políticos nada seria retirado com a aplicação destes princípios, pois o aumento da participação política a nível local teria decisivo papel na melhoria do respectivo funcionamento e na sua ligação aos eleitores, atenuando-se o existente fosso entre uns e outros.
    Citando novamente o Presidente da República: os partidos políticos e as suas lideranças não podem viver na ilusão de que sairão incólumes de uma eventual transformação profunda do nosso sistema político-partidário.
    Referia-se por certo a uma implosão, como mencionou no seu discurso. Mas que fazer quanto aos condicionamentos constitucionais? Quereria dizer uma "implosão constitucional" ?
    12.Outubro.2014.
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Liberdade e República.
    Comemora-se hoje o aniversário da implantação da República em Portugal.
    E ocorreu nos dois dias precedentes um encontro que congregou algumas centenas de pessoas que foram ouvir e interrogar cerca de oitenta - estas, mais conhecidas publicamente - sobre a procura da Liberdade.
    Não me tendo parecido que tenha sido suficientemente discutida a definição do conceito de Liberdade, nem a respectiva associação a diversos modelos de regimes políticos, não quero deixar de apresentar algumas reflexões sobre estes dois temas.
    A ideia de Liberdade foi, como não poderia deixar de ser, analisada nas intervenções iniciais de Michael Ignatieff, Jeremy Waldron, Seyla Benhabib, e Gonçalo Almeida Ribeiro; porém, terá faltado dissecar o que lhe está subjacente e é essencialmente estruturante: a Liberdade, como tal, não existe, pois o que ocorre é uma conjugação de graus de liberdade, condicionados por tentativas de obtenção de consensos sempre que existem zonas de conflitualidade entre tais graus.
    Por exemplo, em teoria qualquer das pessoas presentes era livre de em qualquer momento se levantar e interromper a intervenção de um dos oradores principais, mas não o fez por ter à partida aceitado interiormente uma interpretação previamente consensual, assente na tradição de um modelo, de que não deveria proceder de tal modo.
    Deste modo, outras áreas foram objecto de análise em várias das sessões que tiveram lugar, desde a relação entre a Liberdade e a Religião, ou a Globalização, e a própria Democracia, demonstrando-se assim a existência de diversos graus ou cambiantes da Liberdade.
   A Liberdade política não deixou de ser uma constante em quase todas as intervenções, miscigenando-se constantemente com o próprio conceito de Liberdade pura - mas talvez não tenha sido suficientemente dissecada a questão de se aceitar ou não que uma monarquia hereditária possa ser um regime político livre mesmo que agregue os elementos tradicionalmente aceites como essenciais para tal fim, nomeadamente a liberdade de associação e de manifestação, a realização de eleições não manipuladas, a liberdade de expressão de opiniões, e a independência do poder judicial.
  E é neste assunto que recordo de novo a data da implantação da República, pois considero que a monarquia hereditária constitui por si mesma a restrição de um grau de liberdade fundamental para os povos, limitando a associação evidente que deve haver entre Liberdade e Igualdade.
    A Igualdade deve ser um princípio norteador da organização social, interpretada como um objectivo assente na ideia de igualdade de oportunidades, e não apenas no momento do voto visando a escolha de representantes políticos.
    E chegamos assim ao paradoxo de a Liberdade ser condicionada por um dos seus graus: o da Igualdade, implicando assim a redefinição do conceito de Liberdade para o do maior grau de Liberdade passível de ser obtido por uma pessoa sem prejuízo das com quem interage.
    5.Outubro.2014.

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    Uma "revolução constitucional" ?

    Realizam-se hoje em França eleições para a escolha de um terço do Senado, através de um colégio eleitoral composto quase exclusivamente por cerca de 150 mil membros dos conselhos municipais das cerca de 35 mil comunas - divisão territorial com alguma equivalência à das freguesias em Portugal.
    
    Trata-se de uma Câmara com importantes funções, que a par da Assembleia Nacional detem poderes legislativos e de controle da acção governativa, se bem que em última instância e em caso de impasse prevaleça o poder do Parlamento.
    
    Esta organização do poder político teve em vista fomentar uma maior aproximação entre eleitores e eleitos, problema que continua a colocar-se na grande maioria das democracias de base parlamentar apoiada na representação popular decorrente de eleições regulares, e que de uma fase inicial em que a distância dos cidadãos aos centros de poder não deixava outras alternativas que não fossem a delegação de poderes passou a enfermar, por paradoxal que pareça, dos problemas decorrentes de um grande aumento dos sistemas de informação pública traduzidos numa diminuição dos contactos directos face a face.
    
    Em Portugal passou-se de um sistema autoritário e censório, disfarçado de democrático através de forte manipulação dos sistema eleitoral, para uma democracia de base parlamentar cuja vigência plena ocorreu a partir de 1982, extinto que foi nesse ano o Conselho da Revolução, mas que não conseguiu o desiderato de aproximar os eleitores dos eleitos, como é voz corrente e as sondagens de opinião o atestam.
    
    É  por tal motivo que se impõe a necessidade da criação de sistemas que fomentem uma maior participação política dos cidadãos, e a criação de um Senado em termos algo semelhantes aos seguidos em França poderia ser um passo apropriado em tal direcção.
    
    Tenho vindo assim a propor um modelo baseado na eleição de tal Senado através de um colégio eleitoral constituído pela totalidade dos membros das Assembleias de Freguesia (actualmente cerca de 25 mil), solução que permitiria aos cidadãos delegarem nos seus representantes mais próximos a escolha de uma Câmara de representação a que outorgassem importantes funções legislativas e de controle do poder político, sem porém retirarem aos Deputados a última palavra no processo legislativo.
    
    E, como já afirmei anterior e recentemente nestas páginas, bem como em alguns artigos na imprensa clássica, ao reforço do poder político dos eleitos nas freguesias deveria logicamente corresponder um aumento das respectivas atribuições e competências na esfera do poder executivo, incluindo a redistribuição e descentralização de recursos das câmaras municipais.
    
    Tal reformulação implicaria obviamente a reorganização do mapa das autarquias, pois uma participação política aprofundada não é compatível com a existência de freguesias com muitos eleitores.

    Se os cidadãos sentirem que os representantes que elegeram directamente têm mais capacidade para melhorarem as condições de vida do local onde estão radicados, e que têm poderes de intervenção importantes na escolha de parte dos órgãos legislativos nacionais e das assembleias municipais, o seu grau de participação na vida política seguramente aumentará, e os partidos deixarão de aparecer como feudos inexpugnáveis, pois aumentará o grau de permeabilidade entre eles e os cidadãos.

    Como referi há dias, aos partidos políticos nada seria retirado com a aplicação destes princípios, pois o aumento da participação política a nível local teria decisivo papel na melhoria do respectivo funcionamento e na sua ligação aos eleitores, atenuando-se a o existente fosso entre uns e outros - e que não é resolvido através de eleições "primárias" em que mais do que projectos se confrontam personalidades.

   E como proceder ? Uma "revolução constitucional" ?

28.Setembro.2014.
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Manifestos sobre o sistema eleitoral.

    Acaba de surgir mais um Manifesto subscrito por pessoas muito conhecidas publicamente e que além de propor uma profunda revisão do sistema de financiamento de partidos políticos se debruça sobre o sistema eleitoral, apresentando diversas ideias centradas no aproveitamento da revisão constitucional de há dezassete anos, que permitia a criação de círculos eleitorais "nominais" - isto é, em que em vez da eleição proporcional de diversos deputados apenas seria escolhido o mais votado.
    Segundo os 31 subscritores do "Manifesto por uma democracia de qualidade" (apenas do sexo masculino...) a introdução de uma componente de tais círculos coexistindo com um círculo nacional reforçaria claramente a proximidade pessoal entre eleitos e eleitores, havendo outras hipóteses de conjugação entre aqueles tipos de círculos como os que ocorrem na Alemanha e na Irlanda, ou a adopção do voto preferencial em listas plurinominais.
    O Manifesto referido acabou por passar algo desapercebido devido a iniciativas e discussões de âmbito partidário centradas sobre a redução do número de deputados, bem como a outras de natureza cosmética e de confronto de personalidades, mas nem por tal motivo deixa de ser importante voltar a este assunto sobre o qual me tenho pronunciado publicamente diversas vezes, recordando o que na imprensa ("Público" e "Expresso") bem como no âmbito da SEDES e nestas páginas tenho publicado.
    A criação de círculos uninominais coexistindo com um círculo nacional na eleição de deputados para o parlamento tem provado relativamente bem em países de economias mais desenvolvidas e em que existe um elevado grau de confiança tanto nos representantes eleitos em círculos uninominais como no funcionamento do sistema político.
    Porém em Portugal tal grau de confiança parece ter deixado de existir, como se verifica pela análise das opiniões dos cidadãos que em diversos amostras se têm expressado sobre tal matéria, embora o grau de participação nos actos eleitorais demonstre que ainda existe esperança nas virtualidades da democracia representativa.
    Assim, e como tenho vindo a sustentar quanto à hipótese da adopção de círculos uninominais,  o facto é que no nosso país se por exemplo fossem 150 os deputados eleitos através de tal sistema caberia a cada um a representação de cerca de 60000 eleitores (por vezes pertencendo a mais que um concelho), pelo que é lícito perguntarmos se tal proporção possibilita diálogos consistentes e aprofundados com os seus eleitores, e que se tornam muito mais necessários em países como o nosso onde a democracia não está ainda arreigadamente implantada ou onde o grau de desenvolvimento cultural e económico está longe do desejável.
    Volto a um exemplo que já citei antes, para demonstrar o distanciamento entre eleitores e representados dentro do actual sistema político, nomeadamente quando os primeiros sentem que aos segundos não lhes são outorgados poderes adequados: a freguesia onde resido tinha cerca de 20000 eleitores, dos quais a assistência média às reuniões trimestrais da Assembleia de Freguesia era da ordem das 8 pessoas, e de 5 no que respeita às reuniões públicas mensais da Junta. E com a "reorganização administrativa" do mapa das freguesias a nova "União" passou a ter 50000 eleitores - não aumentando - antes diminuindo -a taxa média de participação nas reuniões públicas...
    O que se acaba de referir leva a recordar mais algumas reflexões públicas nestas páginas, começando pela dicotomia existente entre representação e participação na vida política, pois o aumento dos poderes de representação tem estado mais ligado às sociedades mais desenvolvidas, na medida em que as pressões provocadas por uma arquitectura social cada vez mais competitiva foram reduzindo o tempo disponível para um envolvimento mais intenso na vida política, contribuindo-se assim para a manutenção de um modelo herdado de tempos em que a distância entre eleitores e centros de poder não deixava outras alternativas que não fossem a delegação de poder nos eleitos.
    Estes passaram assim a constituir o que habitualmente se tem designado por “classe política”, que apoiada por uma parte dos cidadãos agregados em partidos políticos assumiu como que um estatuto de natureza profissional dentro de um processo de divisão do trabalho em que a sociedade lhes confere o exercício da direcção política do país.
    Contudo este processo tem muitas limitações, na medida em que a intervenção política dos restantes eleitores apenas se consubstancia com maior incidência nos processos de natureza eleitoral, se bem que tenha aumentado uma forma de participação traduzida na troca de informações e opiniões por via electrónica – embora habitualmente com reduzidos efeitos nos períodos post-eleitorais.
    De tudo isto resulta um afastamento notório entre “classe política” e partidos políticos, por um lado, e eleitores por outro, o qual se traduz nas expressões coloquiais que ouvimos e lemos todos os dias e em que o termo “eles” e as ilações a ele associadas denotam claramente a existência de um significativo fosso consequência de tal afastamento e ao mesmo tempo símbolo da falta de participação na vida pública.
    Assim, uma solução para se procurar melhorar a qualidade da democracia poderia ser a de se fomentar uma maior participação dos cidadãos ao nível local, nomeadamente na vida das freguesias, através da outorga aos seus representantes de competências na eleição de outros órgãos do poder político - por exemplo, um Senado cujas atribuições, cuidadosamente definidas, fossem de molde a reforçar a confiança dos cidadãos nos seus representantes políticos ao mais alto nível.
    Poderia deste modo competir ao colégio de Assembleias de Freguesia a eleição de tal Senado, ou em alternativa a eleição de uma parte do Parlamento em que os restantes deputados seriam eleitos por um círculo nacional, e sempre através do sistema proporcional.
    Ao reforço do poder político dos eleitos nas freguesias deveria logicamente corresponder um aumento das respectivas atribuições e competências na esfera do poder executivo, incluindo a redistribuição e descentralização de recursos das câmaras municipais.
    Tal reformulação implicaria obviamente a reorganização do mapa das autarquias, pois uma participação política aprofundada não é compatível com a existência de freguesias com muitos eleitores.
    Se os cidadãos sentirem que os representantes que elegeram directamente têm mais capacidade para melhorarem as condições de vida do local onde estão radicados, e que têm poderes de intervenção importantes na escolha de parte dos órgãos legislativos nacionais e das assembleias municipais, o seu grau de participação na vida política seguramente aumentará, e os partidos deixarão de aparecer como feudos inexpugnáveis, pois aumentará o grau de permeabilidade entre eles e os cidadãos.
    Trata-se de propostas algo arrojadas, mas que paradoxalmente serão tanto mais necessárias quanto aumente a falta de contacto directo entre as pessoas que a vida moderna tem vindo a impulsionar, e que não é totalmente substituído pelas restantes formas de intervenção possibilitadas pela melhoria do sistema de comunicações, designadamente as de natureza electrónica.
    Aos partidos políticos nada é retirado com a aplicação destes princípios, pois o aumento da participação política a nível local teria decisivo papel na melhoria do respectivo funcionamento e na sua ligação aos eleitores, atenuando-se a o existente fosso entre uns e outros.
    Tais propostas - devo recordá-lo - têm porém um obstáculo no que respeita aos limites materiais da Constituição:  a obrigatoriedade do sufrágio directo para a designação dos titulares electivos dos órgãos de soberania.
    Mas não vejo alternativas sólidas para melhorar a qualidade da democracia no sentido de além da representação eleitoral poder haver mais participação política.

    21.Setembro.2014.
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Desenvolvimento: confusões com fusões.

    A célebre "pipa de massa" que no pitoresco léxico de "ex-jotas" veio a juntar-se ao célebre "porreiro, pá" que caracterizou a aprovação do "Tratado de Lisboa" (cujos resultados estão á vista) não podia deixar de causar confusões - pelo menos aparentemente - nos processos que visam a sua atribuição aos principais destinatários.

    As confusões começaram logo em 2013, assim que começou a ser conhecida a provável dimensão da "pipa"  (acima dos 25 mil milhões de euros, para aplicação por um Acordo de Parceria entre 2014 e 2020), pois em Outubro o Governo procedeu à fusão de três organismos de apoio à aplicação de fundos numa "Agência para o Desenvolvimento e Coesão", visando " uma maior coordenação das opções de macroprogramação financeira" na gestão dos fundos estruturais e de coesão para o desenvolvimento regional, mas que foi seguida logo em Novembro por  uma resolução determinando a criação da "Instituição Financeira de Desenvolvimento (IFD)", que recorreria essencialmente aos mesmos fundos, porém também com o objectivo principal de apoiar a concretização das políticas públicas de promoção do crescimento e emprego.

    A Agência para o Desenvolvimento e Coesão, que aparentemente foi continuando a sua acção preparatória de apoio a candidaturas a financiamentos da Comissão Europeia, lançou entretanto, no final de Julho, um Portal  destinado às entidades que se pretendam candidatar a financiamento por aqueles fundos no período 2014-2020.

    Entretanto no passado dia 11 de Setembro o Governo voltou (!) a anunciar a criação da mesma Instituição Financeira de Desenvolvimento (IFD), quase um ano depois de  o ter feito pela primeira vez, e com objectivos muito semelhantes aos do primeiro anúncio, embora mais focados no apoio às Micro, Pequenas e Medias Empresas.

    O cidadão comum, e em particular o que pretende contribuir para o desenvolvimento da economia, não deixará de se interrogar a propósito de todas estas confusões e sobre as delimitações de competências entre a citada nova Agência e o recém-recriado Instituto, bem como sobre qual a definição de áreas de intervenção relativamente às entidades bancárias clássicas.

    E, para se evitarem mais confusões, melhor seria que dado já estarmos quase no final de 2014, o Acordo de Parceria 2014/2020 passasse a ter como novo período de aplicação o período de  2015/2020...

    14.Setembro.2014.
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"Ponto de vista": O papel da Banca pública da União Europeia.

O papel da Banca pública da União Europeia.

   Começam a ser ciclicamente repetidas as solenes declarações do Presidente do Banco Central Europeu no final das reuniões desta instituição da UE, em que se anunciam acções com o fim de impulsionar a retoma do crescimento económico da Zona Euro - para além das que constituem a sua missão principal: controle dos preços e da inflação.

    Sendo certo que estas duas missões são essenciais para um saudável desenvolvimento sustentado da economia, constatou-se não terem sido suficientes, pelo que o BCE sentiu a obrigação de tomar decisões em áreas que não são habitualmente do seu foro por constatar haver alguma inacção por parte das instituições da UE, bem como de diversos Estados-membros, que as deveriam concretizar.

    Como há relativamente pouco tempo referi nestas páginas, ainda em Junho do corrente ano o BCE verificava não terem tido resultados significativos as decisões tomadas em 2013 quanto a politicas monetárias, decidindo assim disposições arrojadas de política monetária que, procurando combater preocupantes sinais de deflação na Zona Euro, instituíam novas descidas na taxa de juro referencial e, pela primeira vez, taxas negativas sobre depósitos feitos naquela instituição, bem como uma linha de crédito a bancos da zona no valor de 400 mil milhões de euros, a ser dirigida exclusivamente a empresas privadas mas exceptuando a sua aplicação em empréstimos para aquisição de habitação por famílias, bem como a bancos que detivessem elevados valores de dívida pública (casos, um e outro, da quase totalidade dos bancos sediados em Portugal).

    Sendo cedo para se notarem efeitos das decisões de Junho, verificou-se porém e entretanto a continuação do arrefecimento da economia bem como a existência de preocupantes sinais deflacionários, pelo que M.Draghi anunciou agora novas e algo ambiciosas disposições em termos de politicas monetárias, sem deixar de recordar a existência de Estados-membros com dispares desempenhos no campo económico.

    Mas como não podia deixar de ser, as politicas do BCE são essencialmente interpretadas através do sistema bancário, que mediante a concessão de crédito as transforma em acções de natureza económica e financeira - e que pelos vistos continua a influenciar fortemente as decisões políticas na UE (e não só nela...) uma vez que aparentemente não serão as PME, primeiras geradoras de emprego, o seu objectivo primordial. 

    E Banca essa que pelos vistos continua a influenciar fortemente as decisões políticas na UE (e não só nela...).   

    Porém, outra instituição existe, o Banco Europeu de Investimento (BEI), com uma capacidade financeira também praticamente ilimitada, cujo objectivo é o apoio às PME, que são as principais criadoras de emprego bem como de bens transaccionáveis com reflexos evidentes nas balanças comerciais.

    No entanto a intervenção daquele Banco tem sido muito limitada, sendo-nos dito por anteriores altos responsáveis que por falta de projectos consistentes, argumento também ouvido do lado da Banca tradicional.

    Mas do lado das PME argumenta-se não se dispor frequentemente da capacidade técnica para a elaboração de projectos sustentados que possam apoiar a concretização das muitas ideias existentes.

    Contudo, uma resposta apropriada poderia consistir na criação de empresas - apoiadas pelo BEI - especializadas na concretização em projectos de tais ideias empresariais, e cujos lucros proviessem do êxito das empresas a quem prestassem esses serviços.

    A finalizar, e repetindo o que oportuna e anteriormente afirmei, devemos, em consequência, interrogarmo-nos sobre se existe uma verdadeira política comum da União Europeia quanto a questões estruturais de natureza económico-financeira, pois assistimos a iniciativas do BCE que transcendem a sua missão fundamental, constatamos a falta de uma orientação política e de dotação de capitais no que respeita ao BEI, uma aparente inacção do Parlamento Europeu em discutir profundamente estas questões, e a passividade da Comissão Europeia quanto à apresentação de propostas fundamentadas que permitissem ao Conselho Europeu ter uma perspectiva consistente e abrangente que possibilitasse um novo impulso susceptível de dar um outro fôlego à Zona Euro, e consequentemente à União Europeia.

(versão de 8.Setembro.2014.).

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Rússia: escaladas verbais perigosas.

    "Quero recordar-lhes que a Rússia é uma das mais poderosas potências nucleares. Não são só palavras, isto é uma realidade".
    Palavras muito recentes de Wladimir W. Putin, proferidas publicamente, cujo teor é muito raro entre os responsáveis políticos de Estados detentores de armas nucleares com vectores de transporte intercontinentais.
    A situação que se vive na Ucrânia deu origem a tais declarações e pode ter sido provocada por um conjunto de factores , dos quais o primeiro foi a velada oposição dos EUA a uma maior aproximação entre a Rússia e a União Europeia, simbolizada quando forçaram a implantação na Europa e Mediterrâneo de um poderoso sistema anti-mísseis visando - como argumentaram - a defesa contra nomeadamente o Irão, recusando a oferta russa de colaboração na respectiva instalação e manuseamento.
    A Federação Russa mudou a partir desse momento a sua atitude face à União Europeia, considerando que o argumento de se tratar de um projecto no âmbito da OTAN não lhe retirava a perspectiva de se tratar de uma acção que, envolvendo essencialmente Estados recém integrados na OTAN e na UE, teria como verdadeiros propósitos uma postura agressiva relativamente à Rússia.
    Seguiu-se a opção por acções militares nos Estados do Cáucaso, e o estrangulamento energético da Ucrânia, para se chegar à presente situação - detonada por uma política pouco cautelosa da União Europeia que, ao forçar uma aproximação político-económica à Ucrânia sem um diálogo abrangente com a Rússia, provocou a destituição violenta de um presidente democraticamente eleito, e que assegurava a convivência da maioria ucraniana com as minorias de expressão russa.
    O resultado está à vista: uma Crimeia "independente", uma guerra interna no leste da Ucrânia, notoriamente apoiada por Moscovo, uma reorientação da política externa russa, e uma inesperada escalada verbal onde foi recordado o impensável: o possível recurso a armas nucleares.
    A União Europeia mostrou assim, uma vez mais, o seu estatuto de potência menor, aninhada sob o escudo protector dos EUA, que se encarrega dos "trabalhos sujos" como os que se avizinham no Médio-Oriente.
    Talvez a mudança de "Ash Ton" para uma italiana possa contribuir, com o simbolismo decorrente do desaparecimento das toneladas de cinzas que ficaram associadas à ausência de uma política externa consistente, para o surgimento de uma UE delas renascida.
    E talvez a substituição dos apagados V. Rompuy e D.Barroso por D. Tusk e J.Juncker possa permitir que tal renascida União encontre o seu caminho colocando a "presidente"  A.Merkel no seu lugar.
    No entanto, é certo que "Tusk" significa "presa", em inglês. Presa de quem ?
31.Ago.2014.
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Estados e fronteiras artificiais.
    Grande parte dos conflitos que continuam a ocorrer no mundo decorrem ainda do estabelecimento de fronteiras aquando da criação de Estados por potências vencedoras, que não tiveram em consideração a existência de nações, de grupos étnicos, ou de diferenças de natureza religiosa e cultural.
    Tais circunstâncias ocorreram nomeadamente na sequência das Guerras de 1914/18 e de 1939/45, tendo sido precedidas pela partilha de colónias ou de zonas de influência estabelecidas principalmente no final do séc.XIX.
    Assistimos assim à unificação forçada de múltiplos territórios que viriam a fazer parte da União Soviética, à divisão de África em dezenas de colónias que por seu turno se transformariam em Estados, à do sub-continente indiano e da península coreana, bem como à situação ocorrida no norte de África e no Médio Oriente, cujos contornos são bem conhecidos.
    Se em diversos casos se assiste a uma estabilização progressiva em Estados africanos e asiáticos, em que as diferenças entre etnias e entre grupos religiosos não têm atingido pontos de rotura e permitiram uma consolidação do poder do Estado, já noutros parece inevitável a continuação da tensão conflitual, que não tem muitas hipóteses de solução pacífica, e que podem passar quer pela conquista do poder por um grupo predominante, seguindo-se a subjugação dos restantes, quer pela redefinição de fronteiras correspondentes a grupos de diferentes naturezas étnicas ou religioso-culturais.
    Podendo voltar a ocorrer epifenómenos de revolta de minorias em zonas com aparente estabilidade, eventualmente seguidos de novos compromissos quanto a fronteiras, parece inevitável que subsistam problemas sérios como os que ocorrem no Médio-Oriente, em África, Cachemira, Ucrânia, Cáucaso e Coreia.
    Tais ajustamentos poderão ainda demorar largos anos, quiçá décadas, sendo ainda a consequência do fim dos impérios - coloniais ou políticos - que prevaleceram até à segunda metade do séc.XX.
    24.Ago.2014.

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Portugal: crónica de uma morte pressentida.

 

   A tendência que tem vindo a ser constatada no que respeita à balança demográfica não apresenta sinais de inversão, apontando para que dentro de poucas dezenas de anos haja muito mais pessoas com idades superiores a 60 anos que com menos de 18, reflectindo-se tal facto na sustentabilidade do sistema de segurança social - desde a saúde às pensões de reforma. 

    Tal facto tem sido agravado pelo aumento do desemprego e da emigração, nomeadamente nos sectores da população mais jovem, e com uma acentuada componente da mais qualificada, bem como nas migrações internas que deixam um interior cada vez mais solitário e desprotegido.

    O desejável aumento do ritmo do crescimento económico não parece que possa vir a acontecer sem forte aumento do investimento público e privado que não se descortina nem a médio nem a curto prazo tanto a nível nacional como europeu ou extra-europeu, para tal contribuindo o facto de a desejável redução da dívida pública para menos de 60% do produto interno bruto não parecer possível sem um forte  desenvolvimento da economia,  caso não ocorram alterações significativas na estrutura do endividamento.

    Apesar do apoio internacional, nomeadamente europeu, à reconversão estrutural do nosso País após a democratização e a descolonização, constata-se que o que agora parece ter sido o erro da adesão à moeda única, bem como o da atitude recomendada pela Comissão Europeia face à crise financeira de 2008, levaram a uma situação da qual parece difícil uma saída, dados os  ingredientes que prenunciam maus tempos para a sobrevivência de Portugal enquanto Nação: desequilíbrio demográfico, desemprego, emigração, dívida, recessão.

    Sem protestos violentos, um povo envelhecido mas laborioso olha para os dirigentes que democraticamente tem eleito para conduzir os seus destinos, e concluirá inevitavelmente que tem que participar mais nos processos de decisão e que o tem que fazer a partir do nível local de intervenção.

    Concluirá que a generalidade dos eleitos não se tem mostrado à altura de responder adequadamente aos desafios que se têm colocado, e que se agravarão, sendo tempo de aperfeiçoar os processos de escolha dos dirigentes, que não têm sobretudo mostrado preocupar-se seriamente com as perspectivas de futuro.

     Apelará a que os principais responsáveis renunciem aos seus cargos, e colaborem nas mudanças dos processos de escolha que levem a que uma outra estirpe ajude a evitar para Portugal uma morte pressentida.

 

17.Agosto.2014.

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   Finanças mundiais e entropia.

 

Quando os activos financeiros existentes a nível mundial já equivalem a cerca de 12 vezes o valor estimado para os bens e serviços (e dentro de 5 anos poderá chegar a 15 ou 16 vezes)  não podemos deixar de nos preocupar sobre tal constante crescente desequilíbrio, que aliás só começou a ocorrer de forma marcante a partir do último quartel do século passado depois do colapso dos acordos de Bretton Woods.

 

   Por outro lado, com a regressão geral das taxas de juro os apetites do capital financeiro tendem a valorizar operações especulativas que, abrigadas por uma falta de regulação de movimentos financeiros a nível mundial e pela existência de diversos paraísos fiscais, privilegiam os detentores de maiores activos favorecendo o crescimento quase exponencial dos seus valores e aumentando o crescente fosso relativamente ao crescimento da "economia real".

 

    Estamos assim perante uma situação de natureza entrópica, em que ao aumento anárquico da informação dentro de um sistema corresponde uma diminuição da capacidade de tomada de decisões de tipo organizativo visando uma melhor regulação do conjunto.

 

    O que pode acontecer (e já sucedeu numa primeira fase) será a ocorrência de pequenos incidentes de natureza "explosiva", de que houve alguns afloramentos como o da queda das ".com", a sequência post-11 de Setembro e episódios Enron/A.Andresen, e a bolha hipotecária que teve como um dos seus resultados a falência do Lehman - e a crise das dívidas soberanas.

 

    Outros epifenómenos que caracterizam "fugas para frente" aproveitando faltas de regulação a nível internacional foram a crise bancária cipriota e o actualíssimo "império do espírito santo", e que mostram bem a incapacidade dos reguladores - Estados ou Bancos Centrais - de avaliarem e seguirem os fluxos financeiros quando estes estão protegidos pela extrema liberdade de circulação mundial de capitais.

 

    Continuaremos assim a assistir ao galopante crescimento dos activos financeiros, nomeadamente dos que são possuídos por grandes detentores do capital, cuja tendência normal será a de procurarem fórmulas muitas vezes especulativas que os tendam a aumentar desproporcionalmente - e nomeadamente face à economia real.

 

    E quando tal aumento entra em conflito com o mundo dos bens e serviços produz-se um choque que se traduz inevitavelmente pelo aparecimento de mais uma "bolha" - a ser resolvida pelo mundo não financeiro.

 

    Porém quando a entropia do sistema financeiro atingir uma dimensão tal que não seja possível a tomada de decisões eficazes, o conjunto de "bolhas" que irão surgindo pode assumir a forma de uma explosão, cujos efeitos não deixarão de se fazer sentir em todo o sistema económico-financeiro mundial.

 

    Infelizmente as sociedades humanas têm assentado - por falta de adequada informação - muito mais  no caminho da correcção de erros do que na respectiva prevenção, e temo que tal continue a suceder.

 

  10.Agosto.2014. 

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Gaza: a malinha de mão.


Foto da capa do jornal "Público", 31.Julho.2014.


Porquê ?
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgd6GpRec-70mhP9M1iBHeDBEzg8RcV-_gSIEmGi_KqOTrksLiPNlQVr1w7lSYcKCEVk5VU9rJAOeWhq2FbZqLg-KmlEJNMlHeqjP7jEurW1JUpfvRXWVTLP_QxKThgIgB6_fg0/s1600/Mala+de+Gaza.jpg
"Porquê ?

 E eu que só queria ser feliz, casar-me e ter filhos ...

Bem sei que Israel é atacado com os nossos foguetes, mas porquê esta violência, porquê, porquê ?

Nada me resta, nem família, nem casa -só a minha malinha de mão..
.
Porquê, porquê ?"

3.Agosto.2014.
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Uma alma para a União Europeia.

    Logo que assumiu o cargo de Primeiro-Ministro da Itália, Matteo Renzi apontou o que falta à União Europeia: uma nova alma.
    Construída logo a seguir ao desastre que para o Mundo e para a Europa constituiu a Guerra de 1939/45, o objectivo que os seus fundadores tiveram em mente foi essencialmente o de evitar novos conflitos numa Europa que não tinha retirado as apropriadas ilações do sucedido em 1914/18.
    Assim, os pilares em que assentou a respectiva metodologia foram essencialmente o fomento da cooperação comercial e a exclusão de Estados em que não houvesse liberdade política, caminhando-se depois para uma progressiva livre circulação de pessoas, esperando-se deste modo a redução das áreas de atrito entre os países aderentes.
    Entretanto as consequências dos sangrentos conflitos militares em que as nações europeias se tinham envolvido fizeram acelerar as independências dos povos colonizados bem como o aparecimento no cenário internacional de novas potências militares e económicas, factores que contribuiram decisivamente para a redução da influência que a Europa tivera até então em termos mundiais.
    Não foi portanto uma surpresa que a cooperação europeia tivesse passado a pautar-se por objectivos essencialmente de natureza económica visando o aumento do bem-estar dos seus cidadãos, enquanto procurava a expansão possível na sequência do desmembramento da União Soviética - com os negativos episódios das guerras jugoslavas - e o realinhamento das fontes de energia perdidas após as descolonizações.
    Com as reduções sensíveis nos gastos militares decorrentes da matriz pacifista auto-imposta desde a sua criação e da necessidade do aumento de despesas de natureza social também incluidas no modelo de desenvolvimento adoptado, a União Europeia passou a privilegiar ainda mais os seus objectivos em matéria de economia, esquecendo contudo  na criação do Euro de que a emissão de moeda é um dos actos que caracterizam a soberania política, o que não ocorria no conglomerado de Estados aderentes.
    Pode dizer-se, deste modo, que a União nunca reflectiu verdadeiramente sobre o seu possível novo papel no mundo, apoiado numa reflexão profunda sobre como melhorar uma comunidade de povos que reconhecem que o que os une pode ser mais do que o que os separa.
    É pois necessária uma alma para a Europa, um novo espírito europeu, que tenha em conta os erros passados e que o que esteve em meados do século passado na origem da construção da União Europeia deve ser reajustado aos tempos que vivemos e ao futuro que se avizinha.
    Matteo Renzi pode contar com muitos de nós europeus, e em especial com os portugueses, que abriram portas à globalização e encerraram igualmente o último império colonial.
27.Julho.2014.
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Moralidade e religiões.

Há 60 anos faleceu Alan Turing, um génio na área das matemáticas e considerado percursor das ciências de computação, que igualmente ficou célebre pela sua acção no decorrer da Guerra mundial de 1939/45 enquanto responsável pelo desenvolvimento de técnicas de decifração de mensagens das Forças Armadas alemãs que permitiram sucessos militares altamente importantes.

Não se sabe se a sua morte foi suicídio mas admite-se que em tal caso a razão teria sido a profunda depressão em que entrou após ter sido objecto de castração química como pena alternativa (à de prisão) por que teria optado por ter sido condenado por homossexualidade, então considerada crime no Reino Unido.

E só recentemente, há cerca de 6 meses, é que à sua memória foi concedido um "perdão" oficial.

Por outro lado: há poucos dias o auto-designado Exército da Síria e do Levante emitiu um ultimato aos cristãos residentes na cidade de Mossul impondo a escolha - para continuarem a residir na cidade - entre o pagamento de um imposto, a conversão ao islamismo, ou a morte "pela espada".

Dois exemplos que mostram o quão atrasada está a Humanidade no que respeita ao estabelecimento de códigos religiosos e de moralidade.

Quantas gerações ocorrerão até que o aumento e a melhoria da informação e da educação levem ao estabelecimento generalizado de regimes democráticos onde tais exemplos deixem de poder ocorrer ?

20.Julho.2014.
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Erasmus: uma oportunidade ainda não perdida?
Cerca de 300 mil cidadãos (na sua grande maioria jovens) beneficiaram em 2013 da oportunidade de estudarem ou de terem uma experiência de aperfeiçoamento profisional no estrangeiro, em especial noutro Estado-membro da União Europeia, ao abrigo do já muito conhecido programa Erasmus.
Juntaram-se assim aos quase 3 milhões de cidadãos que desde 1988 beneficiaram deste programa, que procurará atingir cerca de 4 milhões no período de 2014 a 2020 com um orçamento de quase 15 mil mihões de Euros
Números importantes, dir-se-á numa primeira apreciação. Porém e apesar do grande crescimento que tiveram nos últimos anos, e das maiores expectativas para os próximos, estamos bem longe do que poderia ter ocorrido e do que seria bem desejável para os anos vindouros.
Isto, porque o reduzido nível quantitativo das subvenções financeiras (em média cerca de 300 Euros mensais) implica que muito provavelmente os beneficiários provenham de famílias com recursos financeiros que permitam prover aos significativos dispêndios com alojamento, alimentação e obtenção de meios de estudo que excedem em muito o montante referido, o que faz supor que na sua grande maioria os jovens abrangidos provenham de famílias com recursos suficientes para prestarem apoios complementares.
Ou seja, que o universo dos beneficiados exclui muito provavelmente os que têm menos recursos.
Por outro lado, os estudantes abrangidos não excedem 5% do universo total dos que estão frequentando estudos universitários na União Europeia, e a percentagem dos que optam por estágios em empresas ainda é mais reduzida.
Acresce que apenas 16% dos que beneficiaram do Erasmus em 2013 estiveram em áreas relacionadas com a engenharia, bem longe dos cerca de 63% que se dedicaram a estudos nas ciências sociais, gestão, direito e artes.
Não há dúvida de que o Erasmus induziu um forte espírito de pertença a uma união europeia entre a esmagadora maioria dos cidadãos abrangidos por este inovador programa.
Contudo, se verificarmos a débil percentagem que os fundos atribuídos têm tido nos orçamentos da União Europeia nos últimos anos, bem como a que apesar do aumento previsto ocorre para os próximos 6 anos, não podemos deixar de nos interrogar sobre o que a União seria, e poderia vir a ser, se uma muitísimo mais ambiciosa política tivesse vindo,  e viesse, a ser adoptada no âmbito do programa Erasmus.
Incidindo no aumento das subvenções de apoio e no dos cursos de línguas preparatórios para as estadias noutros Estados-membros, no crescimento exponencial do número de pessoas envolvidas, no fomento de áreas de estudo e de estágios profissionais até agora menos privilegiadas, na introdução do conceito de famílias de apoio - para só citar algumas - recuperaríamos muito do tempo e recursos perdidos na concessão de subsídios a actividades que não deveriam ter ocupado o lugar cimeiro que os cidadãos poderiam ter ocupado na construção de uma verdadeira união entre os povos - e que só o contacto entre as pessoas pode verdadeiramente proporcionar.
Esperemos que ainda haja tempo para se recuperarem as oportunidades perdidas no passado.
13.Julho.2014.
( Erasmus 2012/13 em números: http://europa.eu/rapid/press-release_MEMO-14-476_en.htm   )
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Privacidade e meios de informação pública.

"Quando, na sequência de uma pesquisa efectuada a partir do nome de uma pessoa, a lista de resultados exibe uma ligação para uma página "web" que contém informações sobre a pessoa em questão, esta pode dirigir-se directamente ao operador ou, quando este não dê seguimento ao seu pedido, às autoridades competentes para obter, em certas condições, a supressão dessa ligação da lista de resultados". 

Trata-se de uma transcrição do recente resumo de um Acórdão do Tribunal de Justiça Europeu relativamente a uma reclamação de um cidadão espanhol alegando que, quando se inseria o seu nome no motor de busca do "Google", a lista de resultados exibia ligações para páginas de um jornal diário de 1998 que anunciavam um arresto destinado a cobrar as suas dívidas à Segurança Social, em processo que já estava resolvido há vários anos.

Tal Acórdão foi fundamentado na existência de uma Directiva (95/46/CE) do Parlamento Europeu e do Conselho que tem por objecto proteger as liberdades e os direitos fundamentais das pessoas singulares (nomeadamente, do direito à vida privada) quando do tratamento de dados pessoais e, em simultâneo, eliminar os obstáculos à livre circulação desses dados.

O Acórdão, a que a Google rapidamente de seguimento, e que se julga estar a aplicar já a dezenas de milhares de pessoas que solicitaram a supressão de dados pessoais resultantes de pesquisas no respectivo motor de pesquisa de informação, parece estar desfocado da realidade e da própria interpretação em meu entender correcta dos termos da citada Directiva.

"Dados" são informações. São atributos, no âmbito da Directiva, relativos a pessoas. E que podem ter sido dados a conhecer em meios de informação pública como por exemplo livros ou jornais em suporte papel. E que nos Estados onde há liberdade de imprensa - leia-se informação pública - é regulada através da obrigatoriedade de publicação de resposta, com recurso aos tribunais quando tal não ocorra, bem como para julgamento sobre o respeito da lei em geral e em particular dos factos invocados.

Isto, sem prejuízo da possibilidade de publicação de desmentidos em meios de informação pública de difusão pelo menos igual à do ou dos que deram a conhecer factos erróneos, ou que posteriormente foram sendo modificados.

Como é evidente, a aplicação da Directiva em causa, e do Acórdão subsequente, a dados publicados em suporte de papel pressuporia no caso vertente e noutros similares a ordem de obliteração dos textos determinados pelos Tribunais que entendessem dever respeitar (na União Europeia e fora dela...) tal jurisprudência - situação inimaginável em especial sob o ponto de vista da sua exequibilidade.

Teria sido aceitável, isso sim e caso exequível de modo simples e automático, que o Acórdão estipulasse que os motores de pesquisa na Internet fossem obrigados a introduzir desmentidos, na sequência de decisões judiciais, em todas as ligações destas decorrentes.

E neste processo caberiam evidentemente as decisões respeitantes a apagamentos de registos criminais, que em diversos Estados são legalmente previstos para em certos casos se darem novas oportunidades a quem incorreu em determinados crimes e expiou as respectivas penas.

6.Julho.2014.
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Matteo Renzi e o Espírito Europeu.

“Eu trabalho para dar uma alma à Europa (...) E isso não é simples, sobretudo numa Europa que, nos últimos anos, perdeu o sentido da aventura, dos desafios e dos sonhos". 

Assim falou Matteo Renzi, o novo Primeiro-Ministro italiano, pouco depois das recentes eleições para o Parlamento Europeu, dando deste modo uma lição a uma União Europeia dominada por contabilistas.

Já no ano passado, nestas net-páginas, eu tinha apelado a que a União Europeia procurasse dar corpo à ideia de se reencontrar com o "espírito europeu" que, debatido largamente depois da Guerra de 39/45, e em especial nos Encontros Internacionais de Genebra de1946, foi um dos elementos impulsionadores da criação das primeiras Instituições que contribuíram para a criação e aperfeiçoamento das Comunidades Europeias.

M.Renzi vem assim, num dos refrescantes ventos que sopram de Roma, reconhecer que tal espírito está doente, e suscitar a questão da redescoberta da alma europeia, algo que portugueses já poderiam e deveriam ter feito -por exemplo um durante o exercício de dez anos do cargo de Presidente da Comissão Europeia, em que ao nível das grandes ideias teria podido suscitar o debate sobre a pesquisa do que poderia designar-se de "Novo espírito europeu". 

Alguns portugueses também em privilegiadas posições internacionais poderiam ter tomado iniciativas nesta área, e igualmente outros em situações de relevo na vida pública nacional, desde Presidentes da República a Primeiros-Ministros, sem que tal fosse susceptível de fazer descurar o desempenho dos seus cargos - antes pelo contrário.

Não é tarde para se voltar ao assunto. E Portugal pode, como eu escrevi há cerca de um ano, sugerir aos cidadãos europeus que transmitam aos restantes povos que, terminado o ciclo das intervenções imperiais e colonizadoras sob o qual ainda se iniciou a construção da União Europeia, chegou o momento de afirmar que um "Novo Espírito Europeu" se pautará pelos princípios da democracia e da igualdade, assente em valores de tolerância, de fraternidade, e de liberdade política.

Portugal, de certo modo o primeiro país a iniciar o período de colonização europeia, e um dos últimos a cessá-lo, pode propor a M.Renzi a ideia da realização de um abrangente conjunto de Encontros Internacionais sobre "O novo espírito europeu", que ajudem a Europa, a União Europeia, e os restantes povos a procurar os melhores caminhos a trilhar no seu futuro no Mundo.

Onde, a apresentação final das principais ideias surgidas de tais Encontros?

Obviamente, em Sagres.

29.06.2014.
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Uma soberania incompleta.

Portugal passou ao longo da sua História por alguns períodos em que a sua soberania ficou limitada quer por incapacidade do modelo institucional de governo monárquico (1580/1640), quer por consequência das agressões e invasões francesas - incluindo-se nestas o algo silenciado episódio da entrada em Julho de 1831 da esquadra do Almirante Roussin no Tejo, em pleno reinado de Miguel, saldado por apresamento de parte da esquadra portuguesa.

Portugal também viveu diversas situações de incapacidade de cumprimento de pagamentos de dívidas financeiras, que remontam ao final do séc.XIV, e que se tornaram mais agudas a partir de 1560 (de acordo com o famoso estudo Reinhart/Rogoff), assumindo particular relevância no séc.XIX (particularmente estudado por Magda Pinheiro).

No entanto, em nenhum daqueles períodos de incumprimento houve a presença no nosso país de entidades fiscalizadoras das finanças públicas, limitando-se os credores a negociar com o Estado português soluções visando o pagamento dos encargos contraídos, por vezes incluindo na negociação a aceitação de parte das cláusulas de redução impostas pelas autoridades portuguesas.

Porém, o pedido de assistência financeira apresentado por Portugal em 2011 incluiu um sistema de concessão em três anos de empréstimos parcelares subordinados à verificação do cumprimento de diversas cláusulas, que seria - e foi - feita pelas entidades credoras, através do envio regular de missões com a incumbência de no nosso país examinarem a execução dos pontos condicionantes do apoio financeiro.

Ou seja, Portugal passou a viver numa situação de soberania limitada que embora não sendo comparável às situações descritas no início do presente texto nem por isso deixa de constituir uma sombra negra sobre a identidade nacional

Diversas intervenções de entidades governamentais entretanto ocorridas tentaram criar na opinião pública a noção de que tal situação terminaria no final do período de assistência financeira - incluindo a referência regular a um relógio de contagem decrescente, bem como a realização de reuniões solenes e públicas do Conselho de Ministros.

Mas, pelos vistos, pouco deram a conhecer - as entidades que porventura soubessem bem o que estava em causa - que o Mecanismo Europeu de Estabilidade (financeira...) iria acompanhar durante pelo menos 20 anos a governação em Portugal através de visitas semestrais tendentes a verificar se no respectivo entender Portugal estará a tomar as disposições necessárias para o pagamento dos empréstimos e juros concedidos pelo Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (entretanto substituído pelo Mecanismo Europeu - fácil de entender, não é ?).

Ou seja: Portugal está, e vai continuar, com a sua soberania sofrendo de limitações.

Esperaria eu, quando o nosso país aderiu ao projecto de uma união europeia em que houvesse solidariedade em momentos difíceis - como foi o caso da crise financeira mundial - que tal apoio mútuo ocorresse tendo em conta as situações difíceis que surgissem, evidentemente com a aceitação de acções correctoras de erros cometidos.

Não parece ser o caso, e não nos devemos assim admirar que surjam correntes de opinião propondo referendos ou revisões de Tratados, e, quem sabe, recuo da "União" para uma "Confederação".

22.Junho.2014.
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Pluralismo nos meios de informação pública.

Foram recentemente terminados os contratos de trabalho de mais de 60 jornalistas até agora vinculados a um dos mais importantes grupos económicos na área dos meios de informação pública, que tendo começado pelas transmissões de futebol pela TV está agora presente também nos sectores da imprensa, rádio, televisão e internet, bem como na publicidade e nas telecomunicações, entre outras, e a que pertencem por exemplo o Diário de Notícias, a TSF, o Açoriano Oriental (o mais antigo jornal português), e os também prestigiados Jornal de Notícias e Jornal do Fundão.

Sabe-se como é cada vez mais difícil nesta época para a imprensa tradicional, no seu suporte de papel, competir tanto em velocidade de circulação de informação como em rentabilidade com os outros meios de informação pública, pelo que os jornalistas tendem a ser os primeiros sacrificados quando as empresas comerciais de que dependem começam a ter prejuízos financeiros nas áreas em que se desenvolve a sua actividade.

Esta perspectiva faz-nos suscitar fundadas dúvidas sobre o grau de independência que os jornalistas podem sustentar quando está em risco a sua sobrevivência económica, quer no que respeita à escolha dos temas a publicar ou a investigar, quer no que respeita ao modo de os apresentar ou de sobre eles expenderem opiniões, sendo conhecidos casos de cessação unilateral de contrato de trabalho na sequência de publicação de factos ou opiniões que causaram desagrado nos detentores do capital das respectivas empresas.

E deste modo outras dúvidas se colocam aos cidadãos que em países onde há formalmente liberdade de imprensa, e que legitimamente se podem interrogar se têm à sua disposição os meios onde podem confrontar diferentes versões de factos ocorridos, ou inclusivamente se determinados acontecimentos foram deliberadamente ocultados, ou ainda se não houve restrições à publicação de opiniões diferenciadas - naturalmente dentro das ópticas de justa razoabilidade face a espaços disponíveis e a outros factores em que a sensatez quanto à oportunidade de publicação se deve impor.

Porém, e curiosamente, um dos factores que tem sido invocado para a necessidade de redução de despesas - a crescente difusão de informação pela Internet - pode conter paradoxalmente as sementes do que pode ser a sobrevivência de muitos jornalistas.

Já existem experiências de cooperativas de jornalistas que, na sequência de cessações unilaterais de contratos de trabalho por parte de entidades empregadoras, concretizaram projectos sustentáveis de informação através da Internet, através de financiamento colectivo obtido pelo mesmo modo ("crowd-funding").

Cada vez sentimos mais necessidade de haver à nossa disposição meios de escolha dos modos de obtenção de informação que reputemos como credível, o que melhor asseguraremos se nos apoiarmos num conjunto de jornalistas em quem para tal confiamos.

Caros jornalistas no desemprego: podem contar comigo se avançarem na concretização de projectos da natureza cooperativa que me permitam confiar em vós no que respeita à pluralidade e liberdade de informação.

15.Junho.2014.  
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Responsabilidades do BCE e do BEI ?

Há cerca de um ano saudava nestas páginas o que parecia ser uma decisão do BCE (Banco Central Europeu) no sentido de proporcionar condições para mais apoios às Pequenas e Médias Empresas (PME), indiciando uma mudança na sua política relativa ao investimento na União Europeia.

No entanto, se tal decisão veio a ser concretizada pouco ou nada se terá sentido, o que poderá ser corroborado pela recente comunicação formal do BCE enunciando disposições arrojadas de política monetária que, procurando combater preocupantes sinais de deflação na Zona Euro, instituíam novas descidas na taxa de juro referencial e, pela primeira vez, taxas negativas sobre depósitos feitos naquela instituição, bem como uma linha de crédito a bancos da zona no valor de 400 mil milhões de euros, a ser dirigida exclusivamente a empresas privadas mas exceptuando a sua aplicação em empréstimos para aquisição de habitação por famílias, bem como a bancos que detenham elevados valores de dívida pública (casos, um e outro, da quase totalidade dos bancos sediados em Portugal).

Assim, dos cerca de 10 mil milhões que teoricamente caberiam aos "nossos" bancos pouco ou nada será recebido, pois deduz-se da comunicação do BCE que a prioridade na concessão de crédito teria como alvo principal as PME - Pequenas e Médias Empresas, não sendo admissível que qualquer rateio privilegiasse apenas algumas grandes empresas e um ou dois bancos.

Portugal fica assim limitado, no que respeita a financiamentos públicos da União Europeia visando investimentos destinados ao crescimento e à criação de emprego, às disponibilidades, até agora muito limitadas, do BEI (Banco Europeu de Investimento), e respectivo Fundo, bem como do novo Quadro Financeiro 2014/2020 - cujos efeitos tardarão a fazer-se sentir.

Devemos, em consequência, interrogarmo-nos sobre se existe uma verdadeira política comum da União Europeia quanto a questões estruturais de natureza económico-financeira, pois assistimos a iniciativas do BCE que transcendem a sua missão fundamental, constatamos a falta de uma orientação política e de dotação de capitais no que respeita ao BEI, uma aparente inacção do Parlamento Europeu em discutir profundamente estas questões, e a passividade da Comissão Europeia quanto à apresentação de propostas fundamentadas que permitissem ao Conselho Europeu ter uma perspectiva consistente e abrangente que possibilitasse um novo impulso susceptível de afastar os fantasmas que começam a pairar sobre a União após as eleições de Maio passado.

8.Junho.2014.
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Eleições e abstenções.
    Continuam a aparecer diversas intervenções (algumas até de professores universitários) nos meios de informação pública afirmando que o recenseamento eleitoral tem discrepâncias que rondariam quase um milhão de eleitores a mais, o que distorceria os resultados das eleições.
    Esquecem que devido às modificações introduzidas há cerca de 6 anos nas disposições que regulam o recenseamento foi introduzido o automatismo da inscrição a partir do momento em que é obtido o documento oficial de identificação, sendo a entrada nos cadernos eleitorais validada quando é atingida a maioridade, o que teve como consequência que os emigrantes que mantiveram o seu bilhete de identidade ou cartão de cidadão continuaram a figurar naqueles cadernos.
    No entanto, o factor mais relevante a salientar é o facto de nas eleições para o Parlamento Europeu de 2014, 2009, e 2004 o número total de votantes se ter mantido relativamente estável, situando-se na ordem dos 3,4 milhões, o que suscita interrogações diferentes das que têm vindo a surgir.
    Uma delas, talvez a mais significativa, está relacionada com o que deveria ter sido uma nítida redução do número de votantes se admitirmos que entre 2009 e 2014 terão emigrado 200 ou 300 mil portugueses, o que pode levar a pensar que o interesse pelo acto eleitoral recente não terá diminuído, mas sim aumentado - quiçá traduzido num forte aumento dos votos nulos e em branco, que aliado a marcadas migrações de votos para candidatos fora do habitual quadro terá querido significar descontentamento com as estratégias políticas seguidas na União Europeia e em Portugal.
    Aliás o panorama de alguma estabilidade na participação eleitoral tem vindo a ocorrer nos últimos anos, se bem que possa ser caracterizada por notório desânimo e desencanto dos eleitores face à falta de ligação com os partidos políticos, pois como já referi nestas páginas o número de votantes no território nacional em eleições legislativas e autárquicas oscilou desde 1999 entre 5,2 e 5,7 milhões de eleitores.
     A conclusão global que se pode retirar é a de que ainda há mais de 5 milhões de portugueses que acreditam na democracia representativa, e que de entre eles uma terça parte não está motivada pela adesão à União Europeia, números estes que se têm até agora revestido de alguma estabilidade.
    Porém, é crescente o desencanto que é sentido com o desempenho dos responsáveis políticos em geral, bem como dos partidos em que se apoiam, e estes não parecem compreender que são necessárias melhorias profundas na ligação entre eleitores e eleitos, que não podem deixar de passar - como tenho vindo a afirmar - por um reforço das  atribuições e responsabilidades do poder local, a base essencial da democracia.
    Tal fenómeno não é exclusivo de Portugal, e com diversas interpretações ressaltou em quase todos os actos eleitorais havidos nos Estados-membros da UE, pelo que importa que se proceda a uma profunda reflexão sobre a afirmação de um novo "espírito europeu" que entre outros desideratos procure a fundação de um novo modelo de democracia participativa.
1.Junho.2014.
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União Europeia, crises e catalisadores.

    Os resultados da eleições para o Parlamento Europeu, pautados por um inevitável aumento da abstenção, dos votos em branco e nulos, e da votação em partidos que rejeitam grande parte das políticas da União, aliados à crise financeira e económica instalada em muitos dos Estados-membros, demonstram uma gritante falta de apoio às políticas e Tratados existentes, o que é agravado pelo crescente distanciamento entre os eleitores e os seus representantes.

    Estamos assim num momento preocupante, prenunciando uma crise que poderá passar do seu actual estado larvar para uma diferente fase provavelmente caracterizada pelo agudizar de situações de elevada tensão cujos resultados poderão ser imprevisíveis caso não se adoptem disposições que possam contribuir para que os prováveis momentos de confrontação política sejam ultrapassados com a menor fricção possível.

    A transformação da presente apatia em algo que induza um estado de transformação e de mutação susceptíveis de provocarem um reordenamento político poderá decorrer de uma súbita crise que, se bem gerida pelos dirigentes políticos da União Europeia, poderá levar ao estabelecimento de condições susceptíveis de contribuírem para uma melhoria do sistema político e institucional realizável sem grandes sobressaltos.

    Diversas ocorrências poderão eventualmente ser catalisadoras de uma tal situação, concretizando-se assim e uma vez mais uma previsão de Jean Monnet enunciando que a construção de uma união entre os Estados europeus se faria através da superação das crises com que se depararia.

    Entre tais ocorrências poderão avultar o adormecimento económico provocado por situações de deflação, com as óbvias consequências no desemprego e aumento de convulsões sociais, bem como o agudizar da crise russo-ucraniana, cujos resultados embora imprevisíveis não deixarão de constituir um sério desafio à União.

    Algo é porém quase certo: após o vazio político provocado pelas eleições de hoje algo tem que acontecer, tanto no que respeita à reflexão sobre o espírito europeu bem como sobre o repensar da democracia de base - sem a qual não produzirão efeitos quaisquer artifícios de uma reconstrução europeia a partir de manipulações de Tratados elaboradas a partir das superestruturas institucionais.

25.Maio.2014.
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Uma nova reflexão sobre as eleições europeias.

A uma semana das eleições para o Parlamento da União Europeia é fácil antever os seus resultados: uma abstenção sem precedentes em quase todos os Estados-membros, as preocupações dos cidadãos centradas nas políticas nacionais (e no que à União respeita, nos aspectos que mais incidem em tais políticas), o distanciamento entre eleitores e candidatos, e o afundamento dos partidos do centro face ao crescimento dos que se situam nos extremos da distribuição política - nestes, com realce para os que advogam quer a saída da União quer a diminuição das suas competências interventoras.
Virá então à superfície a discussão sobre os erros cometidos ou sobre as inacções porventura constatadas, avultando questões sobre a excessiva pressa na adopção de uma moeda "comum" (deixando de fora diversos países), a falta de uma política de defesa apropriada e sem recursos adequados, bem como de uma acção diplomática externa consistente, e um modelo organizativo confuso e intrincado.

E, como mais relevante, a falta de uma coesão política entre os cidadãos da União, bem como de um crescente afastamento entre os eleitores e os seus representantes, quer nas eleições europeias que nas de nível nacional e local.

Importará então saber recuar, e reflectir profundamente sobre a caracterização de um novo "espírito europeu", procurado entre os valores identificados como comuns e alicerçado numa dinâmica que gradualmente o faça progredir.

E, ao mesmo tempo, numa revisão dos Tratados que, em consonância com tais valores, dê prioridade à comunicação entre as pessoas e simultaneamente ajuste objectivos que porventura tenham pecado por serem excessivamente ambiciosos ou por serem tímidos em demasia.

A União Europeia pode vir a ser uma potência respeitada no Mundo, se encontrar este novo caminho.

18.Maio.2014.
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O Poder Local e o Memorando de 2011.

    Em artigo anterior refereria-me à sensação de incapacidade constatada pela generalidade dos portugueses para contribuir para melhorar a situação política e económica em que vivemos e que é agravada pelo bloqueio do sistema político, incapaz de encontrar soluções que induzam uma maior participação na vida política de modo a irem além da mera democracia representativa, e que passariam por um maior peso do Poder Local.
    As próximas eleições para o Parlamento Europeu irão muito provavelmente demonstrar o desencanto existente quer com o modo de organização e de funcionamento das Instituições Europeias quer com a vida política em Portugal, dado que tudo indica que a taxa de participação dificilmente exceda 35% dos eleitores inscritos para estas eleições.
     E mais uma vez se constatará que, quer nos outros Estados-Membros quer em Portugal, a democracia está doente, apesar de haver muito mais informação - mas muito menos uma verdadeira comunicação entre as pessoas e uma muito menor participação real dos cidadãos na vida política.
     Talvez se venha a verificar - esperemos que em tempo útil - que o aumento das capacidades do Poder Local, e respectivas consequências na organização geral do Poder político,  é a solução democrática para uma União Europeia cujas instituições estão cada vez mais afastadas dos cidadãos.
     É assim oportuno, agora que está prestes a terminar o Programa de Assistência Económica e Financeira à República Portuguesa (se bem que continue a existir um sistema de inspecção internacional às condições em que se irá processar o pagamento dos empréstimos concedidos - o que aliás nunca ocorreu anteriormente em situações similares vividas pelo nosso país), que se comece a pensar na atitude a tomar face a uma das mais desastradas disposições contidas no Memorando de 2011 com base no qual se estabeleceu o Programa referido.
     Tal desastrada medida foi a "reorganização" administrativa do Poder Local, que sob a égide do conhecido ministro Miguel Relvas incidiu em grande parte sobre as Freguesias criando um emaranhado organizativo que, salvo agregações lógicas de algumas de reduzida dimensão, deu origem a múltiplos problemas de difícil solução.
    Parece ser óbvio que Portugal não deve continuar vinculado ao cumprimento de acções contraproducentes face aos objectivos de racionalização das despesas públicas nem atentatórias do exercício da democracia, como ocorreu com a reorganização administrativa das freguesias tal como já se constatou até agora e se virá por certo a verificar nos próximos meses, e deverá demonstrar que a soberania que lhe resta não é impeditiva de se rever tal reorganização.
11.Maio.2014.
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Democracia representativa e democracia participativa.

   A maioria dos portugueses com mais de 55 anos de idade recorda-se por certo do entusiasmo com que a quase totalidade dos portugueses não emigrados participou no recenseamento eleitoral do início de 1975, bem como na enorme afluência às eleições que ocorreram em 25 de Abril do mesmo ano - para a Assembleia Constituinte - e nas de 1976, para Deputados, Presidente da República, Poderes Regionais, e Poder Local.
   Tal adesão popular correspondeu ao desejo colectivo de uma verdadeira participação na vida política dos portugueses, traduzida através de um sistema em que o poder do povo passaria a ser delegado em representantes mandatados para o exercer durante um determinado período mediante obviamente regras impeditivas do seu abuso.
   Porém, à medida que se foi desvanecendo o entusiasmo inicial e a população começou a sentir que tinha passado a haver um notório distanciamento dos eleitos - nomeadamente dos Deputados - face aos eleitores, dado o poder prevalecente das organizações partidárias nas escolhas dos respectivos candidatos, foi diminuindo a participação na vida política caminhando-se assim para a adopção de um modelo mais característico de sociedades desenvolvidas economicamente e em que é a possibilidade de alternância no quadro político decorrente de actos eleitorais que regula o sistema democrático.
   A crise financeira e económica que entretanto se abateu sobre o nosso país veio introduzir um sentimento de desencanto e de alguma impotência decorrentes do elevado desemprego e consequente emigração bem como da deterioração das condições de vida da generalidade da população, em especial dos que têm ou passaram a ter menores recursos.
   A sensação de incapacidade para contribuir para melhorar a situação que se vive é agravada pelo bloqueio do sistema político, em que os partidos escolhem os seus candidatos a representantes sem qualquer possibilidade de intervenção dos eleitores, precisamente num momento em que deveria haver uma maior comunicação entre candidatos e votantes, mas as propostas que têm surgido para melhorar o funcionamento da democracia não são, na sua esmagadora maioria, apropriadas para responder adequadamente a tal propósito.
   Só vejo uma solução, que tenho exposto nestas páginas, e que voltarei a expor nas próximas.
   Passa, obviamente, pelo Poder Local.
4.Maio.2014.
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Abril, 40 anos. E agora ?

   Hoje é o dia em que assumem o seu ponto mais alto as comemorações do acto revolucionário que há 40 anos deu início a uma profunda transformação do nosso país, e que poderia e deveria ter tido lugar muito antes.

   Pautadas por divisões entre o Carmo e São Bento, há que reflectir sobre o seu futuro, inelutavelmente ligado ao de Portugal, e procurar caminhos que levem a que esta data  seja um factor de união, porque associada à liberdade política e à vida em democracia.

   E, como o tenho vindo a afirmar nestas net-páginas, só vejo um caminho: o aperfeiçoamento do regime de democracia representativa no sentido de passar a ser também participativa.

   Aperfeiçoamento que induziria necessariamente nos partidos políticos uma abertura à sociedade que agora está muito longe de acontecer, e que teria efeitos positivos no modo de governação.

   Caso não se evolua em tal sentido, os cidadãos sentir-se-ão cada vez mais afastados daqueles que elegem, numa senda marcada por uma "apagada e vil tristeza".

   25 de Abril de 2014,
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Mistérios da acção e inacção da DGS/PIDE em 73/74.
Quando se pensa no período que mediou entre meados de 1973 (ocasião em que  ocorreram as primeiras acções de contestação de Oficiais - nomeadamente do Exército - à realização do "Congresso dos Combatentes do Ultramar" e a decretos governamentais sobre carreiras)  e 27 de Abril de 1974 (data em que ficou sem efeito a nomeação formal pelo então General A.Spínola do Inspector Superior da Direcção-Geral de Segurança Rogério Coelho Dias para  exercer o cargo de Director-Geral daquela polícia política) não podemos deixar de ficar intrigados sobre a aparente inacção da DGS/PIDE face à existência de numerosos encontros de Oficiais que indiciariam a possibilidade de concretização de acções de sublevação face ao poder político.
Não me recordo de haver análises aprofundadas sobre esta matéria, se bem que admita a hipótese de existirem trabalhos de investigação histórica elaborados por personalidades de relevo nesta área como Irene Flunser Pimentel, Maria Inácia Rezola, Luísa Tiago de Oliveira, Dalila Mateus, Jacinto Godinho, ou António Araújo - pedindo antecipadamente desculpa a outras e outros com créditos neste assunto que não estejam mencionados, bem como aos aqui citados, que por falta de meu conhecimento tenham dado a conhecer as suas opiniões em matéria tão relevante.
É estranho que por exemplo na Guiné, onde havia muitos contactos entre a DGS/PIDE e as forças militares, e onde surgiram as primeiras reuniões de contestação à política governamental quer no assunto do Congresso dos Combatentes, quer dos decretos sobre a reorganização das carreiras, ou ainda sobre a progressiva deterioração da situação militar, não tenha sido produzido pela DGS/PIDE nenhum documento de análise de situação, acompanhado de relatórios individuais sobre os Oficiais que mais se destacavam naquelas reuniões - como por exemplo o agora Coronel Almeida Coimbra.
É estranho que na então designada oficialmente Metrópole não tenham sido apresentados ao Ministro do Interior análogos relatórios e análises, pois o proliferar de reuniões e  de abaixo-assinados que começaram a ocorrer após a reunião de mais de 100 oficiais em Alcáçovas certamente não passaria despercebido - até porque em muitos casos a oficialidade "conspiradora" informava o respectivo comando relativamente ao que se ia passando.
E é igualmente bizarro que mesmo com a progressiva difusão a Angola e a Moçambique dos comunicados que circulavam entre os Oficiais descontentes, incluindo pedidos em massa de demissão e saída das Forças Armadas, assinados e prontos a serem entregues pelos dirigentes do movimento de descontentamento, nada aparentemente era objecto da curiosidade da DGS/PIDE.
Não me recordo igualmente de nos processos de escutas telefónicas - o recente "brinquedo" de estimação da polícia política - haver uma preocupação maior com seguimento dos "conspiradores", antes parecia que os alvos principais, mesmo após a sublevação dos militares das Caldas da Rainha, eram as personalidades que pudessem colocar em causa a presença do Prof. Marcelo Caetano como presidente do Conselho de Ministros.
A título de exemplo, a transcrição da última "escuta" que no dia 26 de Abril aguardava decisão dizia respeito - imagine-se - ao Prof. Adriano Moreira...
O facto é que após a sublevação das Caldas, em 16 de Março, teria sido lógico que a DGS/PIDE se tivesse procurado certificar de que não haveria outras ligações potencialmente revoltosas.
Não tomou iniciativas nesse sentido ? Teve receio de no caso de as Forças Armadas tomarem o poder - o que por certo não estaria longe das hipóteses que se lhe colocariam - poderem vir a sofrer represálias ?
A luta interna pelo poder quer num quadro de transição controlada quer num de uma mudança mais acentuada e em que os principais candidatos - desde nomeadamente os então Inspectores Superiores Barbieri Cardoso, Sachetti, Pereira de Carvalho, Óscar Cardoso, Coelho Dias, e mais dois ou três igualmente conhecidos - manobravam discretamente os seus conhecimentos, poderia explicar a inacção aparente daquelas semanas?
As orientações dadas à DGS/PIDE proviriam de um acordo tácito entre o Prof. Marcelo Caetano e o então General A.Spínola, que explicaria a apressada designação de Rogério Coelho Dias, e que viria a ser prejudicada pelas quatro mortes ocorridas no princípio da noite de 25 de Abril,  que tiveram como consequência uma ocupação "manu militari" determinada por A.Spínola, sem saber que na Pontinha e no Centro de Comunicações da Armada já se tinham muito antes dado instruções para que os Fuzileiros interviessem?
Aguardo que alguém possa contribuir para me dar pistas para esclarecimento destas dúvidas, quer por indicação dos trabalhos de investigação e análise realizados, quer dos que o venham a ser.
21.Abril.2014.

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Comemorações: o "problema" é de todos...

  Em 29 de Abril de 2012 referi-me nestas páginas à recusa da Associação 25 de Abril de se fazer representar na sessão comemorativa do movimento militar de 25 de Abril de 1974, para que tinha sido convidada pela Presidente da Assembleia da República.

  A recusa foi justificada pela invocação de que a linha política seguida pelo actual poder político deixara de "reflectir o regime democrático herdeiro do 25 de Abril configurado na Constituição da República Portuguesa".

  Admiti então, no texto que referi, a probabilidade de no caso de o poder vigente não inflectir a curto prazo a sua linha política no sentido desejado pela Associação 25 de Abril haver novas ausências em futuras comemorações, o que viria a agravar as clivagens a propósito das celebrações de uma data que deveria ser um símbolo da Liberdade.

  Assim, em 2013 repetiu-se o sucedido, tendo em Abril de 2014 a Associação 25 de Abril mudado de atitude anunciando a intenção de aceitar um eventual convite caso lhe fosse concedido o direito a uma intervenção oratória.

  Ao que parece, a Presidente da Assembleia da República terá formulado o habitual convite, não diligenciando porém no sentido de consultar os grupos parlamentares visando a abertura para uma excepção - regimentalmente possível - visando uma intervenção da Associação no plenário, e acrescentando publicamente que no caso de esta recusar então estar presente, o "problema" seria "deles", não tendo assim "inconseguido" (para usarmos um novo termo decorrente de uma nova criação linguística da própria Assunção Esteve) uma imagem de falta de estilo no exercício das suas funções.

  Houve assim diversos "problemas": alguma falta de visão da Associação de 25 de Abril em 2012, a escassos dois anos de um 40.º aniversário de uma data que deveria ser de união dos portugueses em torno da Democracia e da Liberdade, acrescida da imposição de condições para a aceitação de um eventual convite.

  E mais um "problema" de todos nós: uma Presidente de segunda escolha que infelizmente tem demonstrado não estar à altura do cargo que exerce.

  Tudo isto, mal "temperado" por alguns que teriam a obrigação de discreta e antecipadamente  encontrar saídas para um impasse que arrisca mais dividir que unir os portugueses.

  13.Abril.2014.
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A ambiguidade das eleições de Maio próximo.
É certo que o Parlamento Europeu é a instituição da União com maior grau de representação democrática, dado que os seus deputados são eleitos directamente - o que não acontece com os outros órgãos, em que os Governos acabam por ter um papel determinante na respectiva designação.
Se bem que seja da sua competência (conjuntamente com o Conselho) aprovar a legislação da UE, bem como o respectivo orçamento, e exercer um controlo sobre outras instituições da UE, nomeadamente a Comissão, a fim de assegurar que funcionam de forma democrática,há  perante a opinião pública uma aparente falta de visibilidade e de poder do Parlamento.
É verdade que existe a possibilidade de intervir no processo de formação de uma nova  Comissão, como irá suceder no segundo semestre do corrente ano, e a de apresentação de moções de censura de modo a forçar a interrupção do respectivo mandato, mas tais perspectivas não terão talvez o peso que decorreria da existência de debates em que, de modo mais acutilante que o actual, o Parlamento questionasse a Comissão com maior regularidade.
É certo que o Parlamento tem agora mais influência no conteúdo da legislação em áreas, como a agricultura, a política energética, a imigração e os fundos da UE, mas por exemplo no que a estes respeita - e em particular quanto a Portugal - os apoios de natureza extraordinária como os contidos no Programa de Assistência Financeira estão fora do seu âmbito de intervenção.
E são estes que concitam a atenção especial dos nossos cidadãos, pelo que não é difícil imaginar que o debate prè-eleitoral venha a incidir muito mais sobre matérias relativas ao modo como decorreu a assistência financeira a Portugal (em que instituições europeias - que não o Parlamento - tiveram relevante responsabilidade) , e à maneira como o nosso país irá obter os financiamentos externos necessários para voltar a ter as suas contas equilibradas em paralelo com o necessário ritmo de desenvolvimento.
Porém, e do que anteriormente ficou expresso, os deputados que forem eleitos terão uma reduzidissima capacidade de intervenção em tais áreas - até porque ficarão agrupados por filiação política e não por nacionalidade.
Será pois com curiosidade que tentaremos descortinar em toda a campanha eleitoral as afirmações objectivas sobre o que os candidatos irão fazer - e como - a propósito das questões que se lhes vierem a colocar.
6.Abril.2014.
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 Sobre um poema involuntário.

"Para pensar tinham de se esconder,
para conversar tinham de se disfarçar,
para ler tinham de transgredir,
para escrever tinham de enganar,
para escapar tinham de fugir."

Poema involuntário, porque está inserido como prosa num artigo de opinião de Martim Avillez de Figueiredo publicado no "Expresso" de há poucos dias (22 de Março), a propósito dos tempos plúmbeos que vivemos em Portugal até Abril de 1974. 
E embora involuntário enquanto poema - e muitíssimo melhor que muita prosa que por ser publicada com uns parágrafos esparsos e intercalados com pouco nexo se pretende seja lida como poesia - reveste-se de um profundo simbolismo pelo facto de o seu autor ter nascido apenas em 1972 e ser um dos mais brilhantes jornalistas da sua geração.
Não deixa também de, integrado como está num artigo sobre a Liberdade (e sobre a responsabilidade que igualmente dela advem) constituir uma recompensa para todos quantos procuraram que ela fosse reconquistada há quatro décadas, e que continuam a considerá-la o tema que mais une os portugueses.
Como tal, será desejável que na comemoração de 40 anos de vida em liberdade se dê preferência à procura de todos os caminhos que possam contribuir para que singremos no respeito pela preservação do bem mais precioso que temos: a Liberdade política.
Obrigado, Martim.
30.Março.2014.
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 Abril de 1974 - partidas da memória.
A memória "prega" partidas - expressão popular que mais uma vez pode corresponder à verdade no caso de alegadas transferências de fundos documentais existentes na DGS/PIDE, nomeadamente processos individuais de cidadãos objecto da "curiosidade" daquela polícia política, as quais teriam como destino a então União Soviética.
Uma demonstração de como sobre este assunto têm corrido as mais diversas versões é um depoimento de um distinto Oficial do Exército, participante com grande relevância na constituição do Movimento das Forças Armadas e nos anos seguintes à deposição do Estado Novo, de cujas recentes declarações a um jornal de referência se extrai o seguinte:
 "(...)Existe a convicção de que há um desvio programado e volumoso de ficheiros da PIDE para a União Soviética e até há umas visões de umas camionetas que saem, não se sabe de Caxias... Ora nada disso aconteceu. São as próprias tropas do Salgueiro Maia que guardam os documentos mais importantes, e os levam para Caxias antes de regressarem a Santarém. A estrutura que fica a funcionar é uma estrutura militar, comandada por militares, e com indivíduos civis. Estes últimos pertencem a vários partidos políticos. A minha leitura é a seguinte: é muito natural que tivessem desaparecido, um ou outro.(...).".
Embora eu creia que não tenha ocorrido nenhum "desvio programado e volumoso de  ficheiros" (como aliás foi confirmado há alguns anos pelas principais responsáveis da Torre do Tombo, para onde a documentação em causa foi transferida), há o que parece ser uma inconsistência evidente nas declarações citadas, e que ajuda a compreender as "partidas da memória" a que me refiro no título do presente texto, pois a notória boa-fé de quem as proferiu é prejudicada pelo que consta do Relatório do então Capitão de Cavalaria Salgueiro Maia, referente às operações conduzidas sob o seu comando de 25 a 27 de Abril de 1974, documento que tem sido abundantemente transcrito na numerosa bibliografia existente a propósito daqueles dias.
Assim, no que respeita ao dia 26, é indicado que o Tenente de Cavalaria Santos Silva se deslocou para a rua do Alecrim a fim de "cercar o comando da DGS", tendo regressado pelas 19 horas, parecendo evidente que seria muito difícil que em tão pouco tempo tivessem sido "as próprias tropas do Salgueiro Maia" a seleccionar e a guardar "os documentos mais importantes".
No que se refere ao ocorrido no dia 27, o Relatório do então Cap.Salgueiro Maia indica que as forças sob seu comando (ainda em Lisboa) saíram "pelas 14 horas a fim de escoltar os arquivos existentes na Escola Prática da DGS.", não havendo qualquer referência ao local para onde teriam sido transportados.
Tais arquivos não fariam certamente parte do material sensível da DGS/PIDE, nomeadamente o pertencente ao "CI.2" e às escutas telefónicas, bem como às relações com a C.I.A. e com outros organismos, que estavam na sede da polícia política, como eu próprio tive a oportunidade de constatar no dia 26.
Eis assim uma pista (arquivos da Escola Prática da DGS/PIDE) que pode ajudar a compreender as razões pelas quais a memória "pregou" uma partida a alguém que sinceramente estaria e está convencido de algo - a transferência de arquivos para Caxias - que só viria a ocorrer cerca de 2 meses depois da ocupação da sede da polícia política.
Perguntar-me-ão talvez por que razão não menciono o nome do Oficial autor das declarações transcritas. O motivo é simples: camaradagem.
23.Março.2014.
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Abril de 1974 - memória e História.
O episódio do cerco e ocupação da sede da DGS/PIDE, ocorrido entre 25 e 26 de Abril de 1974, voltou a estar na ribalta de alguns meios de informação pública, apresentando diversas versões para o ocorrido, das quais ressaltam duas que diferem em alguns pontos.
Segundo uma delas, que já tinha vindo a ser difundida anteriormente, a entrada no edifício teria sido encabeçada pelo então Major de Cavalaria Carlos de Campos Andrada, que teria  sido nomeado pelo então General António de Spínola, no Posto de Comando da Pontinha, para o cargo de "comandante de todas as forças militares para a ocupação da PIDE/DGS" (Visão-História, pg.83, citando um seu artigo publicado no "Público" em Abril de 1994), tendo nessas funções e durante o cerco ao edifício sido contactado pelo então inspector superior Coelho Dias, que recebera "instruções directas do director-geral da PIDE, major Silva Pais" para ir ao seu encontro e o informar que a chefia da PIDE se rendia (conforme referido no citado artigo no "Púbico"), tendo-se então dirigido ao edifício respectivo ,  onde - antes de entrar - o autor destas net-páginas, que então chegava ao local, "vindo do Largo de Camões, onde comandava uma companhia de fuzileiros com a ordem de a pôr" (ibidem) sob o seu comando, lhe terá solicitado que o pudesse acompanhar "naquilo que seria o facto histórico da rendição da polícia política" (ibidem).
Ainda segundo a mesma versão, o director da polícia política, Silva Pais, disse-lhe então que "se rendia ao MFA", tendo-lhe perguntado depois "se deveriam retirar da parede os três quadros dos seus chefes: Salazar, Américo Thomaz e Marcello Caetano" (ibidem), o que os inspectores presentes de imediato se propuseram fazer.".
A revista "Visão-História" apresenta também no mesmo excelente documento de Paulo Chitas sobre a queda da DGS/PIDE não só o essencial de tal artigo mas também dá a conhecer uma versão diferente, baseada em entrevista com o autor das presentes linhas, segundo a qual a "rendição" foi obtida através de um agente, José L.P.Costa Azevedo, que tinha sido capturado quando tentava sair do perímetro de cerco da sede da polícia política, e que incumbi de tal missão de contacto no início da manhã de 26 de Abril.
O facto é que passaram muitos anos sobre os acontecimentos ocorridos naqueles dias, e não só a respectiva intensidade não permitiu que fossem elaborados relatórios minuciosos como também a curiosidade dos meios de informação pública não incidiu muito sobre os pormenores da ocupação da sede da DGS/PIDE, nem sobre quem foram os respectivos protagonistas mais em evidência.
Em meu entender, não assume muita relevância a identificação dos principais responsáveis, mas sim a constatação do que provavelmente terá ocorrido no quadro das posições antagónicas sobre o futuro da polícia política, e que vieram logo à tona através da existência do que poderia designar como "operações paralelas": uma, encabeçada pelo então General A.Spínola, que pretenderia a continuação de uma polícia de informação assente em parte apreciável dos quadros existentes, nomeadamente nas colónias; outra, que não aceitaria uma continuação da estrutura existente, mesmo que disfarçada pelo afastamento de notórios torcionários.
Ambas, com origem no Posto de Comando da Pontinha, onde por um lado o General A.Spínola já tinha chegado e começara a proceder a nomeações, e por outro, quiçá separados por poucos metros, alguns dos Oficiais que tinham constituído o cerne da conspiração tentavam evitar que a até então ainda intocada DGS/PIDE continuasse a subsistir.
Pelo meu lado, apenas recebi instruções do Comandante Carlos de Almada Contreiras.
E, atónito - ou talvez não - recebi no final da tarde do dia 26 uma credencial assinada pelo então General A.Spínola nomeando para o cargo de Director-Geral de Segurança o Inspector Superior Coelho Dias.
Tal intenção foi obviamente neutralizada, como não poderia deixar de ser, ao contrário do que talvez viesse a suceder se outros protagonistas tivessem tomado tais assuntos entre mãos.
Tenho tido o cuidado, quando me interrogam sobre pormenores daqueles tempos, de acentuar que a minha memória se concentra mais sobre as questões mais importantes, e não sobre quem comandou quem e como; mas acabo de verificar, em recente troca de impressões com um dos oficiais que comigo subiu a escadaria de acesso ao gabinete do director-geral da DGS/PIDE, naquela manhã do dia 26 de Abril, que o que recorda de tal dia coincide em muito com o que tenho afirmado.
O importante, reafirmo, é que a polícia política tenha sido neutralizada e impedida de renascer disfarçada.
16.Março.2014.
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Insatisfações com sistemas de democracia.
De acordo com a Imprensa, um dos mais recentes "Eurobarómetros" indica que apenas 14% dos portugueses dizem estar satisfeitos com a democracia em Portugal, percentagem esta que é a mais baixa da União Europeia.
Parece assim oportuno que se volte a discutir a possibilidade de aperfeiçoamentos no sistema democrático, tal como ocorreu há dias na Sedes em sessão promovida pelo Movimento para a Democratização do Regime, e na qual o conhecido especialista nestas questões, Rui Oliveira Costa, apresentou os resultados de um estudo por si elaborado relativamente a modelos eleitorais e em que demonstrou as grandes dificuldades e inconvenientes da adopção de círculos uninominais em coabitação com um círculo nacional - sistema proposto para discussão no Manifesto daquele Movimento.
Como já tenho vindo a referir em diversas intervenções nestas net-páginas, bem como nas da própria Sedes, a necessidade de diálogos consistentes e aprofundados entre eleitos e os seus eleitores é muito maior em países onde a democracia não está ainda arreigadamente implantada ou onde o grau de desenvolvimento cultural e económico está longe do desejável, dado que os sistemas de representação política visam uma estabilidade temporal mínima para a concretização de programas de governo.
Assim a desejável aproximação entre os cidadãos e os seus representantes políticos só é viável através de sistemas políticos e eleitorais que permitam e fomentem tal diálogo, o que dificilmente se consegue no sistema actual, e pode levar os cidadãos a privilegiar outras formas de comunicação - como ocorreu por exemplo há precisamente um ano, através de uma enorme manifestação popular de descontentamento, e como se constata diariamente através da leitura de opiniões expressas na Internet.
Deste modo, e citando o que há um ano escrevi a propósito destes temas, uma solução para se procurar melhorar a qualidade da democracia poderia ser a de se fomentar uma maior participação dos cidadãos ao nível local, nomeadamente na vida das freguesias, através da outorga aos seus representantes de competências na eleição de outros órgãos do poder político.
Poderia deste modo competir ao colégio de Assembleias de Freguesia a eleição de um Senado com poderes significativos no processo legislativo, ou em alternativa a eleição de uma parte do Parlamento em que os restantes deputados seriam eleitos por um círculo nacional, e sempre através do sistema proporcional.
Ao reforço do poder político dos eleitos nas freguesias deveria logicamente corresponder um aumento das respectivas atribuições e competências na esfera do poder local, incluindo a redistribuição de recursos das câmaras municipais, contribuindo-se deste modo para a descentralização de que tanto se fala, a qual não pode ser só política mas também administrativa e financeira, pois aquela sem o concurso das outras ficaria bastante limitada.
Tal reformulação implicaria obviamente uma nova reorganização do mapa das autarquias, pois uma participação política aprofundada não é compatível com a existência de freguesias com muitos eleitores.
Nada substitui totalmente o contacto directo, face a face, entre eleitores e eleitos, e só assim os sistemas democráticos se podem aperfeiçoar e evoluir para modelos em que uma maior confiança nos representantes possa atenuar a necessidade de tal tipo de contactos.
9.Março.2014.í
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Crimeia: jogos de guerra.
Massacrada ao longo dos séculos, a estratégica Crimeia é mais uma vez objecto de tensões  políticas que têm o seu epicentro na coabitação de grupos populacionais antagónicos, em que os principais são por um lado os de origem ucraniana e por outro os de origem russa.
Tal facto mostra como no actual estádio de desenvolvimento da humanidade é ainda difícil a existência de diferentes nações, religiões, ou culturas sob a autoridade de um mesmo Estado, pois em  qualquer momento basta um mero incidente por vezes sem muita importância para se desencadearam conflitos graves.
O caso da Crimeia assume particular importância, pois insere-se ainda nas situações ainda não plenamente resolvidas decorrentes do desmembramento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, e da demarcação de áreas de influência entre a Federação Russa, a União Europeia, e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) - em que os EUA continuam a desempenhar um marcante papel de direcção, bem acentuado pela recente deslocação para Rota (Espanha) de importantes unidades navais que virão a desempenhar funções essenciais no sistema anti-mísseis em desenvolvimento no leste da Europa e na Turquia (que aliás nunca foi bem visto pela Rússia, a qual até procurou inicialmente colaborar na sua concepção - o que foi rejeitado pela OTAN).
As recentes decisões da Rússia sobre a possibilidades de acções militares na Ucrânia, e em particular na Crimeia, são assim uma tomada de posição que visa assegurar a segurança da sua esquadra baseada na Crimeia, pois é essencial para um acesso mais rápido ao Mediterrâneo e à sua base de Tartus, na Síria, principalmente num momento em que as forças navais da OTAN assumem um papel ainda mais preponderante.
A presente situação oferece contornos de um "jogo de guerra", em que se sabe antecipadamente o resultado resultante de um consenso tácito entre duas potências militares que não estão dispostas a um conflito real (pois teriam muito mais a perder do que a ganhar), com a participação de uma potência económica e com muito menor poder bélico - a União Europeia, em que mediante uma ainda maior autonomia da República Autónoma da Crimeia e novas condições de permanência da Esquadra Russa para além do actual prazo de 2042 se acordará num Tratado de associação comercial com a União, e noutro instrumento diplomático de cooperação entre a Ucrânia e a Rússia.
Não fora a existência de prováveis sofrimentos ainda a ocorrer na actual Ucrânia consequência das acções intimidatórias que cada uma das partes vai tomar, sabendo de antemão que não se tratará de algo verdadeiramente grave, mas que permitirá a "salvação da face", e o presente momento seria interessante de seguir, pois as 3 grandes potências "envolvidas" na situação ucraniana têm a consciência não só do aprendido com o que detonou a guerra de 1914, mas também das grandes diferenças relativamente a 1939.
Porém infelizmente não estamos a salvo de acções extremistas quer de grupos organizados quer de Estados autocráticos com acessso a armas poderosas - incluindo as de natureza electrónica...
02.Março.2014.
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Perguntas a candidatos a euro-deputados.
A 3 meses das eleições parece oportuna a recolha de algumas dúvidas que tenho visto expressas em meios de informação pública versando questões relacionadas com a União Europeia e com as suas políticas, e para as quais não tem havido adequada clarificação ou são contraditórias as opiniões apresentadas, pelo que seria desejável que os candidatos a deputados ao Parlamento Europeu se pronunciassem sobre tais assuntos e sobre as suas intenções de intervenção parlamentar a eles respeitantes.
Eis assim um primeiro conjunto de dúvidas e perguntas, que como é natural incidem mais sobre questões respeitantes a Portugal, em particular sobre o problema do investimento :
- É comum ouvir dizer-se que o que Portugal precisa agora é de investimento, em particular nas pequenas e médias empresas enquanto principais fomentadoras de empregos. Diz-se que existe um Banco Europeu de Investimento, cujos objectivos estão precisamente orientados para o apoio a tal tipo de empresas, e que deve exercer a sua acção em colaboração com a Banca.
Porque é que então não são bem divulgados os investimentos feitos?
Porque é que as Instituições apropriadas da União não dotam aquele Banco dos capitais necessários para que, por exemplo em Portugal, possa haver créditos adequados face às notórias insuficiências dos bancos sediados em Portugal ?
Diz-se que uma das razões para que não haja concessão de crédito por estes bancos será a inexistência de projectos de investimento, ou a sua fraca qualidade; nesse caso, qual a razão pela qual não é fomentada a criação de empresas que se dediquem ao apoio na elaboração de tais projectos?
É possível que a Administração do Banco Europeu de Investimento receba directivas (e de quem?) para dar preferência a empresas exportadoras em matéria de concessão de crédito ?
Crê existirem obstáculos por parte dos bancos com administrações portuguesas relativamente a uma maior presença em Portugal do Banco Europeu de Investimento, apesar de este ter que exercer a sua acção em parceria com os referidos bancos? E se sim, como os superar ?
Pensa que poderão existir reticências por parte do Banco Central Europeu face a uma  maior intervenção  daquele Banco ?
Como pensa intervir no Parlamento e em outras instâncias a propósito destes assuntos ?
23.Fevereiro.2014.
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Abril - comemorações: nem etárias, nem sectárias.
Temos vindo a assistir a um progressivo desgaste da participação dos cidadãos mas comemorações da data de 25 de Abril de 1974, que se vem limitando a pouco mais do que a uma sessão solene da Assembleia da República e do desfile na Avenida da Liberdade, em Lisboa, sendo notório neste o gradual envelhecimento da média dos participantes, bem como o cambiante político caracterizador das manifestações de opinião nele constatadas e nas intervenções discursivas no respectivo final.
Noutras datas de significado histórico para Portugal, seja em 10 de Junho, 5 de Outubro, ou em 1 de Dezembro, assiste-se apenas a quase envergonhadas comemorações de natureza formal, acrescendo que duas delas deixaram de ser feriados nacionais por razões de aumento de produtividade  nacional que pouco ou nada se terá notado no crescimento (?) do Produto Interno Bruto, que em teoria deveria ter correspondido a 0,4 ou 0,5 % ...
Portugal parece assim ter entrado em profunda depressão e perdido a alegria de viver, e esquecido que a data de 25 de Abril passou a ser designada por Dia da Liberdade.
A liberdade política foi o elemento mobilizador decisivo para uma esmagadora adesão do povo à instituição da democracia, e é em tal máximo denominador comum que se devem fundar todas as manifestações comemorativas de tal data, que poderiam assim contribuir para a recuperação da esperança que mitigue o desânimo depressivo em que nos temos deixado mergulhar.
Compreende-se que os mais jovens, por não terem sentido os tempos cinzentos do "Estado Novo", não se sintam tão motivados a uma celebração de algo que para eles é natural.
Mas compete aos mais velhos acentuar-lhes o que ocorria naqueles tempos, em que as opiniões eram sussurradas e os escritos censurados, e em que prisões, deportações e tortura motivadas apenas por "delito de pensamento" eram lugar comum.
Esperemos deste modo que as próximas comemorações consigam ultrapassar o afastamento entre gerações e as alusões ao momento político, deixando assim de ser etárias e sectárias.
16.Fevereiro.2014.
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O Parlamento Europeu e as eleições de Maio.
Com o previsível aumento da abstenção nas próximas eleições para o Parlamento Europeu, e com o provável aumento da representação dos chamados euro-cépticos - que poderão incluir mesmo deputados declaradamente anti-União Europeia - há que reflectir profundamente sobre a identidade europeia, o espírito europeu, e a reformulação dos Tratados, em processo que só poderá ter resultados consistentes se for objecto de profunda participação dos cidadãos.
Por enquanto assiste-se, é certo, a uma cascata de iniciativas que procuram promover soluções de natureza institucional que não procuram contudo tocar na arquitectura política da União, sendo talvez a mais relevante a nível inter-Estados Membros a que reune 17 Fundações, entre as quais a Gulbenkian, havendo também que mencionar a que a "Notre Europe" promoveu sob a direcção de António Vitorino, e a iniciativa da Comissão Europeia "Debate sobre o futuro da Europa"
A primeira propõe "Um novo pacto para a Europa" ( http://www.newpactforeurope.eu/documents/ ) que mesmo na mais ousada das opções - o regresso às origens com a correcção de erros notoriamente cometidos - não toca muito na organização da União.
A "Notre Europe" - Fundação que embora sob a égide de Jacques Delors foi aparentemente esquecida pelas 17 já mencionadas limitou-se a apresentar um documento intitulado "Eleições europeias: avante a toda a força!", que termina instando os europeus a votar.
A iniciativa da Comissão Europeia teve pouca repercussão na opinião pública, atingindo - tanto quanto sei - apenas uma muito reduzida percentagem de eleitores.
Outras iniciativas terão por certo ocorrido, mas o facto de não terem obtido impacto suficiente para serem referidas adequadamente nos meios de informação pública retira-lhes a capacidade de influência que poderiam ter no caso de as respectivas propostas se apresentarem com fundamentação interessante.
De tudo isto resulta que os eleitores, perplexos com o fraco desempenho das Instituições durante a crise financeira e institucional que se abateu sobre a União Europeia, e muitos duvidando das vantagens de uma moeda comum, hesitarão antes de decidirem ir votar para uma eleição de um Parlamento cujos poderes sentem como extremamente limitados - nomeadamente no que respeita às respectivas relações de poder com o Conselho Europeu e em particular com a condução das políticas de natureza financeira, nelas incluindo o papel do Euro.
Sentirão, e em particular após as eleições, um enorme vazio que os levará a interrogarem-se sobre se os seus representantes - em especial os deputados, mas também os governantes - estarão à altura de tomarem as decisões que se apresentem como necessárias para revitalizar a União.
Verificarão que o grande distanciamento entre os deputados e os eleitores não é de molde a assegurar que o actual sistema representativo cumpra o seu papel de controle democrático dos poderes de natureza executiva, chegando à óbvia conclusão de que é necessária uma profunda revisão do sistema de organização política em que a participação de base - aliada a mecanismos de representação indirecta através de eleições de câmaras legislativas intermédias - possibilite o aperfeiçoamento do exercício do poder democrático, e a correcção dos erros de concepção que estiveram na origem do actual declínio da União Europeia.
E, nessa base, constatarão que talvez um primeiro passo pudesse residir em que fossem os parlamentos nacionais a eleger os deputados europeus.
8.Fevereiro.2014.
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Eleições europeias  - perplexidades.

Não parece fácil o papel dos candidatos a deputados nas próximas eleições para o Parlamento Europeu.

Se em diversos estados-membros há sondagens que apontam para o reforço dos movimentos políticos de natureza euro-céptica que por diferentes razões chegam a advogar o final da União, já em Portugal a situação parece ser diferente, pois a opinião pública sabe que há duas instituições da União Europeia entre as três que prestam auxílio de natureza financeira em Portugal, argumento que não tem sido usado para defender uma saída da União, nem sequer da - já mais discutida - eventualidade do abandono do Euro.

Por outro lado, não são suficientemente conhecidos os poderes do Parlamento, entretanto aumentados pelo complexo Tratado de Lisboa, e o quadro da actual situação financeira e económica de Portugal aponta para uma maior preocupação dos cidadãos com esta circunstância e não com os meios de maior intervenção na condução da política europeia, no controlo sobre as despesas da UE (em que as de assistência financeira, quer em caso de um segundo resgate ou no de um programa "cautelar", passam ao lado da intervenção parlamentar, e as do orçamento plurianual já estão decididas).

Também a influência das eleições na escolha do novo Presidente da Comissão Europeia deixará indiferentes os cidadãos portugueses, face ao limitado papel do actual durante o mandato que ora termina, e o ténue aumento das responsabilidades parlamentares em matéria de direitos dos cidadãos - como a necessidade de um milhão de assinaturas para a apresentação de propostas legislativas - não parece ser de molde a suscitar o entusiasmo eleitoral.

Assim, um candidato a deputado, ou o partido a que pertence, pensará duas vezes antes de iniciar uma campanha pelo não regresso a Portugal da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu (através do Mecanismo de Estabilização Financeira), após o termo, também em Maio, do programa de assistência em que tais entidades participaram, pois a decisão sobre tal hipótese ou sobre a não adopção de resgate ou de "cautelar" não será provavelmente conhecida tão cedo.

E ver-se-à embaraçado quanto à escolha de temas alternativos para a sua campanha, pois o que mais preocupará os eleitores não deixará de ser a ligação entre os sistemas de apoio financeiro ao nosso país e a eventual presença daquelas Instituições da União. E não pode ou não deve cair na armadilha de uma promessa fácil em que deixará de haver "austeridade", nem argumentar que os sacrifícios serão mais justamente repartidos, pois tal não caberá nas suas possibilidades enquanto deputado.

O cidadão, por seu turno, interrogar-se-á sobre os efeitos do seu voto, mais preocupado em saber se poderá ter efeitos na possível determinação da fórmula de assistência financeira que não deixará de ocorrer - mesmo sem programa "cautelar" -  do que com os resultados da eleição face ao que observou no decorrer do mandato que termina em meados do corrente ano.

Resultado provável: uma abstenção histórica.

2.Fevereiro.2014.
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EurUtopias: as pessoas.

Uma nova palavra, porém já utilizada por outros autores, parece ser de oportuna utilização neste momento em que na União Europeia perpassam dúvidas sobre o seu futuro enquanto projecto político, e se requer um novo ânimo dos cidadãos na recuperação do entusiasmo com que por eles foi acolhida a ideia de uma Europa sem guerras e com uma colaboração progressiva na construção de uma união na Europa.

Tal palavra - EurUtopia - faz-nos recuar aos tempos em que a ideia de uma nova Europa, não fratricida e cooperante, suportada pela adesão voluntária de Nações e Estados bem como dos seus povos a causas comuns, começou a surgir quer na sequência das sequelas das guerras de 1914/17 quer das de 1939/45.

E faz-nos reflectir - neste ano em que passa o 60.º aniversário da rejeição pela França da ideia de uma Comunidade Europeia de Defesa - sobre os métodos utilizados na construção de um espaço comunitário europeu, procurando interrogações sobre sistemas alternativos ou complementares que poderiam ter sido seguidos, para podermos pensar se ainda haverá tempo para se proceder a correcções no caminho que tem vindo a ser seguido.

Detenhamo-nos então sobre uma primeira EurUtopia, e imaginemos então que com a criação do Mercado Comum e da Comunidade Económica Europeia tinham logo sido adoptados programas como os que viriam a ser conhecidos por Erasmuse por Leonardo (este, para facilitar a mobilidade de jovens trabalhadores), porém com uma dimensão e âmbito muito maiores, precedidos por ações de formação linguística visando a fluência numa segunda língua e que facilitassem assim as deslocações para outros países.

Suponhamos também que a criação do conceito "espaço Shengen", para todos os cidadãos das Comunidades Europeias teria acompanhado desde logo as disposições relativas aos programas para jovens, permitindo assim uma maior mobilidade geral na área abrangida.

Os efeitos de tais iniciativas - para cujo financiamento bastaria apenas uma pequena parte do que se dispendeu com a política agrícola "comum" - far-se-iam sentir desde logo, e o seu impacto iria crescendo com o decorrer do tempo, dando origem a mudanças de comportamento inter-geracional e trans-nacional que não deixariam de aumentar a coesão interna de uma união europeia em formação.

Ainda estamos a tempo de nestas áreas se fazer algo para além da mobilidade dos cidadãos em geral. Os resultados de tais iniciativas traduzir-se-ão num melhor conhecimento comum, sem o qual as tentativas de uma maior integração europeia continuarão a enfermar de significativas barreiras culturais.

26.01.2014.
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A espionagem electrónica post-Snowden
Um mero funcionário de uma empresa sub-contratante da National Security Agency (NSA) provocou, ao desvendar o âmbito e o modo de operar daquela agência, uma autêntica revolução no mundo da recolha e tratamento de informação obtida essencialmente por meios electrónicos 
O que Edward Snowden revelou teve profundas implicações no relacionamento entre os EUA e diversos Estados que até então não suspeitavam do grau a que chegavam os métodos de recolha de informações por parte daquela potência mundial, bem como em grande parte da opinião pública norte-americana, obrigando o Presidente B.H.Obama a proferir um importante discurso em que anunciou substanciais alterações na política de obtenção e de avaliação de dados sobre actividades dos cidadãos - nos EUA e fora deste país - confirmando implicitamente a existência de escutas telefónicas a Chefes de Estado de países como a Alemanha.
Contudo, as profundas modificações anunciadas por B.H:Obama bem como o teor do seu discurso irão provavelmente contribuir para um aumento da vigilância electrónica sobre os cidadãos, até porque ocorrem numa época em que as ameaças de natureza informática se apresentam com um crescente grau de perigosidade, quer sobre os arquivos informáticos e respectiva programação, quer sobre a capacidade de ataque a redes tão importantes como as eléctricas e as bancárias, ou a sistemas como os de tráfego aéreo - como o Presidente dos EUA aliás assinalou.
Um aumento da vigilância, porquê ? Quando B.H.Obama "sossega" os mais altos responsáveis dos Estados com quem os EUA cooperam mais intensamente dizendo que continuarão - tal como eles - a procurar obter informações sobre as intenções daqueles governos mas que não espiarão as comunicações de tais responsáveis a não ser que estejam em causa questões relevantes para a segurança nacional dos EUA, tal afirmação não deixará de provocar uma corrida à criação de disposições protectoras das comunicações em causa, e, porque não, ao lançamento de acções de investigação sobre as actividades do próprio governo dos EUA.
Por outro lado, a internacionalização do ciber-crime, de que o temível vírus CryptoLocker é o mais recente exemplo, a crescente actividade de piratas informáticos, e o uso da Internet por redes terroristas, levam à necessidade de acções preventivas e de combate de maior dimensão, e de cooperação internacional.
A este tipo de acções juntam-se as que são concretizadas ao nível estatal em termos de espionagem empresarial, ou mesmo de ataques a dispositivos militares como os que foram dirigidos contra as instalações nucleares do Irão através do famoso Stuxnet.
Iremos assim assistir a um desenvolvimento sem precedentes dos sistemas de protecção de dados a nível estatal e empresarial - bem como no plano individual - que por seu turno estão pela sua própria natureza ligados à pesquisa dinâmica de informações sobre o que os "outros" estarão a fazer.
A limitada protecção de que os cidadãos poderão dispor reside assim na esperança de que nos países onde residem haja liberdade de imprensa e sistemas democráticos que permitam a escolha de representantes em quem possamos ter expectativas de que poderão pautar a sua acção pela defesa da liberdade possível.
19.01.2014.
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Eleições europeias - dilemas.

A próximas eleições para o Parlamento Europeu vêm introduzir dilemas de difícil solução para a maioria dos partidos políticos dos países que recorreram a auxílio de instituições da União para obviar a problemas de natureza financeira, e entre os quais se encontra obviamente Portugal.

O caso português aparenta ser o mais difícil, pois o Programa de Assistência Económica e Financeira termina oficialmente uma semana antes das eleições, se bem que os efeitos pendentes persistam pelo menos até ao fim do corrente ano e no que respeita a liquidação de dívidas a instituições internacionais, nomeadamente o FMI, prossigam por mais tempo.

Entretanto pode dizer-se que a prè-campanha eleitoral já teve o seu início, e inevitavelmente centrado sobre o que por alguns foi apelidado de saída da "troika" ou  a recuperação da soberania, termos ligados à perspectiva de a República poder passar a recorrer aos mercados financeiros internacionais para a amortização da sua dívida pública, caso as taxas de juro de novos empréstimos possam vir a ser compatíveis com as de crescimento económico.

A prè-campanha tem igualmente tido como tema alternativo a questão do eventual prolongamento do auxílio financeiro quer através de um segundo "resgate" de dívida, quer pelo recurso ao que tem sido apelidado de "programa cautelar" - termo lançado por Carlos Costa em conferência na SEDES, em Abril do passado ano, certamente conhecedor profundo dos meandros dos processos de decisão ligados ao BCE - e que ao que parece não será mais do que a aplicação do Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira.

Em consequência, as eleições para o Parlamento acabarão por se centrar na discussão de temas para os quais esta instituição já demonstrou ter uma capacidade mínima de intervenção, pois os poderes que agora tem decorrentes do Tratado de Lisboa vigoram precisamente desde o início da crise financeira que afectou a zona Euro, não notando a generalidade dos eleitores que tenham tido papel importante na definição ou controle das políticas financeiras entretanto adoptadas.

E quase inevitavelmente assistiremos a paradoxos como sejam o de uma campanha focada num convite a votar-se "contra a intervenção" da União Europeia nos assuntos da política financeira portuguesa, ou de um apelo a que Portugal solicite o apoio de um "programa cautelar" na pressuposição de que será melhor para a futura imagem de Portugal nos mercados financeiros caso não seja possível o imediato acesso a estes, ou, ainda, que não se solicite "programa cautelar" porque os seus custos serão superiores aos de um novo "resgate" - este, apenas sob a orientação da Comissão Europeia, com a colaboração do Banco Central Europeu (e, felicidade suprema, ou talvez não, sem a do Fundo Monetário Internacional...).

Todas estas perspectivas passam ao lado das que poderiam ser uma revisão das responsabilidades do Parlamento e das outras instituições da União Europeia, em que os candidatos a Deputados pudessem exprimir as suas opiniões - naturalmente conduzindo a um processo de revisão e simplificação do Tratado de Lisboa.

Não será assim de admirar que, logo que os eleitores percebam o diminuto papel dos Deputados na adopção de soluções para os problemas financeiros da República que tanto os preocupam, se abstenham em grande maioria da participação no acto eleitoral...

12.Janeiro.2014.

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A "aproximação" aos cidadãos da União Europeia.

O chamado Tratado de Lisboa alterou os dois principais Tratados anteriores da União Europeia: o Tratado da União Europeia e o Tratado que institui a Comunidade Europeia, tendo este último passado a chamar-se Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

Poderá assim o Tratado de Lisboa ser conhecido como: " Tratado de Lisboa que altera o Tratado da União Europeia e o Tratado que institui a Comunidade Europeia, tendo este passado a chamar-se Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia"...

Simples, não é ? E não é tudo - repare-se numa parte das "Disposições finais":

" 1.   Os artigos, secções, capítulos, títulos e partes do Tratado da União Europeia e do Tratado que institui a Comunidade Europeia, tal como alterados pelo presente Tratado, são renumerados de acordo com os quadros de correspondência constantes do Anexo do presente Tratado, do qual faz parte integrante.

2.   As remissões cruzadas para artigos, secções, capítulos, títulos e partes no Tratado da União Europeia e no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, e entre estes, são adaptadas nos termos do n.o 1 e as remissões para números ou parágrafos dos referidos artigos, tal como renumerados ou reordenados por certas disposições do presente Tratado, são adaptadas nos termos das referidas disposições.

As remissões para artigos, secções, capítulos, títulos e partes do Tratado da União Europeia e do Tratado que institui a Comunidade Europeia contidas nos demais Tratados e actos de direito primário em que se funda a União são adaptadas nos termos do n.o 1. As remissões para considerandos do Tratado da União Europeia ou para números ou parágrafos dos artigos do Tratado da União Europeia e do Tratado que institui a Comunidade Europeia, tal como renumerados ou reordenados pelo presente Tratado, são adaptadas nos termos deste último.

Essas adaptações abrangem igualmente, se for caso disso, os casos em que a disposição em questão é revogada.

3.   As remissões para considerandos, artigos, secções, capítulos, títulos e partes do Tratado da União Europeia e do Tratado que institui a Comunidade Europeia, tal como alterados pelo presente Tratado, contidas noutros instrumentos ou actos entendem-se como remissões feitas para os considerandos, artigos, secções, capítulos, títulos e partes dos referidos Tratados, tal como renumerados nos termos do n.o 1 e, respectivamente, para os números ou parágrafos desses artigos, tal como renumerados ou reordenados por certas disposições do presente Tratado. ".

É neste quadro que os cidadãos da União Europeia poderão votar para a eleição dos Deputados ao Parlamento Europeu, que se concretizarão no final do próximo mês de Maio, e que pela amostra que se reproduziu está longe de permitir uma clara compreensão dos poderes de tais eleitos, que incluem a eleição do Presidente da Comissão Europeia na sequência da apresentação de um candidato proposto pelo Conselho Europeu.

Comissão que terá um papel importante sobre o futuro de um eventual novo programa de apoio a Portugal, onde as eleições europeias ocorrem escassos dias após o termo da Assistência Financeira em curso, em que uma das condições aceites pela República Portuguesa é que o "deficit" orçamental de 2014 não exceda 4% do Produto Interno Bruto - o que, como é evidente, só será conhecido no final do ano.

Os eleitores portugueses debater-se-ão, assim, com uma complexa situação em que os candidatos a Deputados deveriam poder apresentar as suas ideias sobre o actual e futuro papel do Parlamento e quais os motivos da aparente falta de acção deste durante os 5 anos de crise financeira e económica na Europa, bem como sobre o grau de acção da Comissão Europeia ao longo do quinquénio e perspectivas para o futuro - nomeadamente em Portugal.

Clareza meridiana e aproximação entre eleitores e eleitos, não é ?

"Porreiro, pá !"


5.Janeiro.2014.


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Índice :
   (Os títulos dos textos mais recentes estão no início) :

Um ano de exercício do "novo" Poder Local.
- Vítor Crespo - nem um cartão !
- Caetano, Costa Gomes, e Spínola.
Estará o sistema democrático em perigo ?
Juncker: o milagre da multiplicação dos Euros.
Ocupação da sede da DGS/PIDE - memória e História.
J.C.Juncker e o declínio da Comissão Europeia.
UE - Investimento, confiança, política.
- União Europeia: Federação ou Confederação ?
- O povo alemão e a Europa. 
- A Lei da Imprensa, e a Internet.
- Implosões e sistemas políticos.
- Liberdade e República.
- Uma "revolução constitucional" ?
- Manifestos sobre o sistema eleitoral. (21.Set.2014).
- Desenvolvimento: confusões com fusões. (14.Set.2014)
- O papel da Banca pública da União Europeia. 

-  Rússia: escaladas verbais perigosas.

- Portugal: crónica de uma morte pressentida.
- Finanças mundiais e entropia.
- Gaza: a malinha de mão.
- Uma alma para a União Europeia.
- Moralidade e religiões.
- Erasmus: uma oportunidade ainda não perdida ?
- Privacidade e meios de informação pública.
- Matteo Renzi e o Espírito Europeu.
- Uma soberania incompleta.
- Pluralismo nos meios de informação pública.
- Responsabilidades do BCE e do BEI ?
- Eleições e abstenções.
- União Europeia, crises e catalisadores.
- Uma nova reflexão sobre as eleições europeias
- O Poder Local e o Memorando de 2011.
- Democracia representativa e democracia participativa.
- Abril, 40 anos. E agora ?
Mistérios da acção e inacção da DGS/PIDE em 73/74.

- Comemorações: o “problema” é de todos…

- A ambiguidade das eleições de Maio.

- Sobre um poema involuntário.

- Abril de 1974 – partidas da memória.

- Abril de 1974 – memória e História.

- Insatisfação com sistemas de democracia.

- Crimeia: jogos de guerra.

Perguntas a candidatos a euro-deputados.

Abril - comemorações: nem etárias, nem sectárias.

-  Eleições europeias – perplexidades.

- EurUtopias: as pessoas.

- A espionagem electrónica post-Snowden

- Eleições europeias – dilemas.

A "aproximação" aos cidadãos da União Europeia.











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