Sobre as "Memórias de um oficial da Reserva Naval", de José Pires de Lima
(Excertos de uma intervenção no Clube Militar Naval)
Exmo Sr. Presidente da Direcção
Ex.ma Assistência
Seja-me desde já perdoada uma menção especial à sacrificada Direcção do Clube, que tomou o leme num período extremamente difícil, e por cujo Presidente fiquei com o maior apreço, pois terminado o período pandémico fez retomar a actividade do Clube na senda de inovadoras iniciativas de anteriores Direcções - nomeadamente a precedente.
Menção esta, igualmente devida aos restantes órgãos sociais e seus Presidentes, e de que me permito salientar a Comissão de Redacção dos Anais, verdadeira alma e ponto de referência do Clube desde há mais de século e meio, conseguindo manter um excelente padrão de qualidade e regularidade, sob a direcção do seu respeitado Presidente.
Quero também expressar o meu prazer por poder partilhar esta apresentação com o meu ilustre e respeitado Camarada e Amigo de longa data, Cte Adelino Rodrigues da Costa, autor de vasta e multifacetada bibliografia, e da qual consta o primeiro Anuário sobre a Reserva Naval, em co-autoria com o falecido comandante Pinto Machado, -- e também -- não é demais lembrá-lo -- incansável impulsionador do protocolo que permitiu uma maior aproximação entre a AORN ( Associação dos Oficiais da Reserva Naval ) e o nosso clube.- e que nos brindou agora com um excelente testemunho sobre o então Tenente José Augusto Pires de Lima, que, de tão minucioso, e para evitar duplicações, me levará a orientar a presente apresentação num sentido complementar: -- o de salientar que este seu livro, sendo uma valiosíssima contribuição para a História da Reserva Naval, permite assim centrar as minhas palavras sobre a própria Reserva Naval, certo de que o distinto Autor com tal concordará, dada a profunda afeição que à Reserva Naval dedica.
Assim, começo obviamente por agradecer ao Senhor Engenheiro José Pires de Lima o tão honroso convite para participar nesta apresentação do seu magnífico livro que por certo apreciareis.
O José (por coincidência nascido no mesmo dia que eu - quiçá à mesma hora...), distinto Oficial da Reserva Naval - e sublinho que não disse "ex-Oficial da Reserva Naval" pois ao terminar o seu período de serviço activo e então licenciado, foi.-lhe oficialmente referido que continuaria mobilizável.
E assim , meu caro José, distinto Oficial da Reserva Naval, de momento licenciado, e prezada Assistência -- quero começar por realçar que esta sua obra literária é um verdadeiro livro de referência, que, incidindo sobre o seu percurso pessoal -- nomeadamente enquanto na Reserva Naval, -- também igualmente abrange a Marinha que tão bem serviu -- nomeadamente durante múltiplas operações Navais em África, como tantos outros Camaradas d'armas seus -- e de braço dado com Oficiais do Quadro permanente.
É deste modo oportuno mencionar que por coincidência era eu cadete quando foi admitido na Escola naval o primeiro curso de oficiais destinados à nóvel Reserva Naval.
Estávamos em 1958 -- imagine-se bem!
Pelo que a minha relação com estes novos camaradas se aprofundou -- criando-se logo de imediato um padrão de cordial cooperação.
Por feliz coincidência, dois anos depois foram admitidos na Reserva Naval três colegas de liceu meus amigos que inclusivamente viriam a prestar serviço muito perto de mim:
Manuel Bobone, José Manuel Burnay, e João Estarreja --
-- o João, que me acompanhou numa comissão no Patrulha Fogo, - de que (claro !) -- existem diversas fotos neste livro -- até de jogos de futebol com equipas locais -- vede bem a minúcia que presidiu ao trabalho do José, pacientemente coleccionando testemunhos visuais e escritos relativos a tantas Unidades navais!
O João, que nunca se esqueceu das palavras que o preso político angolano André Mingas, -- quando desembarcava do nosso Patrulha, em Fevereiro de 1962, -- para a sombria reinauguração do Tarrafal (então rebaptizado como - imagine-se! - Campo do Chão Bom) - lhe disse -- após ter agradecido o modo como tinha sido tratado a bordo,
"quando será que eu vou poder voltar a ver o sol em liberdade?"
- E ao Zé Manel (Burnay), encontro-o como comandante de uma lancha de fiscalização que estava sob as minhas ordens enquanto -- acreditai ! -- comandante de uma poderosa força naval de duas Lanchas de Fiscalização (como a Fomalhaut que o José comandou) e uma pequena Lancha armada de uma simples metralhadora !!!, -- em patrulha no rio Cobade, na Guiné, em 1964, no decorrer da famosa Operação Tridente -- pois o Zé Manuel figura comigo numa foto -- onde havia de estar ? -- claro, no seu livro! -- onde estamos ambos na sua Deneb, atracada de braço dado à Belatrix, em pleno Cobade !
(Tivera eu tempo para vos descrever um divertido episódo ocorrido nessa missão, o que talvez fique para outra oportunidade ...)
Estas pequenas amostras do cuidado e zelo com que o livro do meu ilustre gémeo astral apresenta a enorme quantidade de documentação em que este seu marcante livro se apoia, -- e que se caracteriza também por nele contar diversos episódios com o maior interesse -- e nestes, -- alguns de sabores também igualmente divertidos.
(Que poderiam suscitar da Comissão de Redacção dos Anais um convite aos sócios - quiçá estendido a outrem - para o envio de pequenos relatos que poderiam constituir uma Antologia do pequeno Conto Naval...)
E quiçá quantos de vós, aqui presentes, -- não terão neste tão interessante livro do Eng. José Pires de Lima uma foto ou uma referência?
É que este livro é também um fiel repositório da História da Marinha durante alguns anos contidos no período que mediou entre 22 de julho de 1954, -- dia da ocupação de Dadra-Nagar-Aveli pela União Indiana -- (no mesmo ano de Dien bien Phu !! -- e pouco antes de Bandung),, e 25 de abril de 1974, 20 anos ! -- tempo em que a Reserva Naval se distinguiu pela sua capacidade de adaptação e de excelente interpretação das suas funções -- num espírito de Camaradagem que é necessário preservar nas Forças Armadas -- num período tão difícil para a nossa História.
Ressalta do livro uma natural e discreta melancolia sobre a recordação daqueles tempos, -- na extraordinária experiência que foi a do então Tenente José Pires de Lima !
É assim que, compreendendo tal sentimento, -- me atrevo a sugerir que a Marinha se proponha retomar a ideia da existência de uma Reserva Naval, -- que com imaginação e ousadia, e recorrendo a acordos -- por exemplo com a Universidade e a Academia, -- permitissem criar nos jovens estudantes universitários -- uma atracção pelos assuntos do mar - (sem a qual o nosso país poderá definhar) - através de uma cooperação de que todas as instituições beneficiariam -- e com elas o Estado -- e por consequência o País.
Reserva Naval que após o serviço activo, -- e, como José Pires de Lima recentemente me assinalou que ocorre em Espanha, -- deveria dedicar um dia por ano a uma cerimónia de reconfirmação do Juramento de Bandeira (acrescida no nosso caso, de uma referência à Constituição da República) e um convívio de confraternização.
Obviamente voluntária para os que entre 1958 e 1992 -- ano em que a Reserva Naval passou -- à reserva... -- quisessem nela participar.
Reserva naval, a que não se deixa de pertencer -- como há pouco sublinhei -- e que na sua grande maioria sei que sente que continua a dela fazer parte -- nomeadamente parte afectiva.
José Pires de Lima demonstra com o presente livro, e uma vez mais, -- os laços profundos que ligaram e ligam os oficiais da Reserva Naval à Marinha -- pelo que é oportuno recordar alguns -- de entre os muitos que se distinguiram no nosso país.
Nomes que -- (perdoem-me os milhares -- sim, milhares -- de não citados) como os de Ernani Lopes, Rui Pena, Jorge Miranda (que conheci em 1967 -- já então -- imagine-se -- trocando opiniões comigo sobre o teor de uma inevitável futura Constituição post-ditatorial), Gomes Canotilho, Alípio Dias, Freitas do Amaral, José Luís Cruz Vilaça, Raul Esteves, Artur Santos Silva (que muito grato ficou à Marinha pela firme oposição a tentativas de perseguição pela DGS/PIDE), Vítor Constâncio, Ferraz da Costa, Fausto Quadros --
(não esquecendo tantos que como Cunha e Silva, Mendes Fernandes, e Ferreira Martins, optaram por passarem aos Quadros Permanentes e, nestes, muitos que atingiram elevados postos);
e que, com a AORN, Associação dos Oficiais da Reserva Naval, seus distintos Presidentes e empenhadas Direcções -- têm continuado a manter os laços com a Marinha e com o Clube Militar Naval, -- demonstrando também e por exemplo -- o seu apoio à Academia de Marinha (em que aliás o próprio Académico José Pires de Lima é presença assídua), -- e não hesitando em apoiar a Marinha sempre que tal lhes é solicitado e é considerado justo e imperioso, como recentemente aconteceu.
E tais laços não se quebraram também nas Instituições da União Europeia, onde diversos serviram na década de 90, -- como Manuel Porto, José Luís Cruz Vilaça, e Amílcar Theias, -- e que não hesitaram em voltar ao convívio com anteriores Camaradas d´armas que prestavam serviço quer em organismos da NATO/OTAN, quer na própria Comissão Europeia .
Afastado da Marinha desde 1988, -- tenho porém a sensação de que - salvo honrosas excepções -- se tem esquecido que uma apreciável parte dos Oficiais da Reserva Naval -- tem desempenhado funções altamente relevantes - inclusive a nível governamental - e que está sempre a por ela pugnar, -- como ressalta da profunda afectividade que o presente livro demonstra.
Quase a terminar, -- --
Não quero deixar de referir que este fascinante livro provocou em mim nova ousadia.
A de sugerir que a Marinha crie um Departamento de História, -- integrado no Arquivo Histórico da Marinha -- que reforçaria o esforço titânico da Dra. Maria Isabel Beato e dos seus colaboradores.
Sim, porque uma perspectiva é a da classificação e arrumação de documentação (e no caso da Biblioteca Central, de livros - cujas fichas de referência suponho estarem informatizadas), -- e outra será a da tentativa de uma cuidadosa colaboração visando a redacção da História.
Da História da Marinha. Reflectida, não apressadamente.
Em contribuição para a História.
É que - sem querer competir com outras Instituições de arquivo, ou com Historiadores -- julgo ser possível -- com um maior uso das redes e arquivos electrónicos -- e cada vez mais da inteligência artificial, tirar mais partido da riquíssima informação existente.
E, neste quadro, o presente livro já conquistou a classificação de obra de referência.
Cuja difusão e leitura recomendo vivamente, -- e com muito gosto.
19 de Janeiro de 2023
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